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Processo n.º 820/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. MARIA ODETE TEIXEIRA SEGURO SANCHES ALEXANDRE, mandatária da lista de
candidatos do Partido Socialista aos órgãos autárquicos de Almada para as
eleições de 9 de Outubro de 2005, recorre para este Tribunal nos seguintes
termos:
Venerandos Juizes Conselheiros,
O Partido Socialista aqui apresentado por Maria Odete Teixeira Seguro Sanches
Alexandre, mandatária da lista de candidatos do Partido Socialista dos Órgãos
Autárquicos de Almada, residente na Rua Trindade Coelho, n.º 6-1° Esq., 2800-297
Almada, VEM interpor recurso da decisão da Assembleia de apuramento Geral, nos
termos e com os seguintes fundamentos:
I. Legitimidade e tempestividade do recurso:
A aqui recorrente é mandatária do Partido Socialista para o processo eleitoral,
conforme procuração junta ao respectivo processo eleitoral. Foi, além disso,
candidata nas listas à Assembleia da Municipal e à Assembleia de Freguesia de
Cacilhas, conforme consta da acta de apuramento geral aos respectivos órgãos que
aqui se dá como reproduzido.
O edital da Acta foi afixado às 14 horas do dia 17 de Outubro de 2005, tendo a
acta definitiva, solicitada pelo Partido socialista sido entregue pelas 10.30
horas do dia 18 do corrente, na sequência da cópia não assinada, facultada no
dia 17 e para a qual remetemos as indicações da presente fundamentação.
II. Fundamentação de facto e de direito
1. Constituição da assembleia de Apuramento Geral
A constituição da Mesa de Apuramento Geral é claramente ilegal porque violou o
preceituado no artigo 142°, alínea d) da lei Orgânica o n.º 1/2001 de 14 de
Agosto. Ou seja, não houve sorteio dos elementos - quatro presidentes de mesa
que integram a Assembleia Geral de Apuramento. Estes foram apenas designados
pela Presidente da Câmara Municipal de Almada e Candidata da CDU que,
presume-se, os terá indicado ao ilustre Presidente da Assembleia de Apuramento,
sem a precedência de qualquer sorteio e sem a convocação dos diferentes
mandatários das forças políticas, concorrentes às eleições.
Quanto à constituição da mesa, o Bloco de Esquerda apresentou o seu protesto,
doc. (G), anexo à acta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e o
Partido Socialista apresentou, igualmente, em devido tempo, o seu protesto, doc.
(K) anexo à Acta cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.
A constituição imparcial e plural da assembleia de apuramento Geral é uma das
garantias de isenção e imparcialidade que se exige em todo o processo eleitoral.
Estando, deste modo, essa imparcialidade em causa por se indicarem quatro
presidentes de mesa todos afectos à mesma força política.
Ora, os quatro presidentes de mesa devem ser designados por sorteio, o que neste
caso manifestamente não aconteceu.
2. O edital de constituição da Mesa não tem data nem hora
A falta de transparência é evidente quando nos confrontamos com um edital de que
o Partido Socialista, constatou na Assembleia Geral de Apuramento, cujo teor se
dá aqui por integralmente reproduzido, o qual publicita os elementos da mesa,
sem indicação da data e hora, contrariamente ao estatuído na Lei Eleitoral.
3. Afixação dos Editais
O Partido Socialista constatou Editais que não foram colocadas no Edifício onde
funcionou a Assembleia de Voto. Estes factos ocorreram em todas as Assembleias
de voto da Escola Conde Ferreira, em Almada e na Costa da Caparica (em todas as
mesas de voto) o que contraria o instituído na Lei n.º1/2001, 14 de Agosto, art.
135º.
4. Envelopes Abertos
O Ilustre Presidente da Assembleia de Apuramento Geral procedeu a uma triagem
dos materiais das 156 mesas de voto efectuando correcções de colocação de
documentos, sem deixar lavrado documento das referidas operações (anexo B) junto
à Acta cujo teor se dá aqui para inteiramente reproduzido, procedendo,
posteriormente, ao seu fecho.
Porém, acontece que muitos envelopes, documentados no anexo à Acta, (doc.
constante da última pagina dos anexos), refere a existência de envelopes sem
lacre ou com o mesmo violado, sem actas, sem votos nulos, o que só por si
deveria dar origem a uma recontagem de todos os votos e que mais tarde, após
busca nas instalações da Câmara Municipal, viriam a ser encontrados. Estes
factos vêm profusamente documentados na Acta de Apuramento geral.
Apesar disso, a Assembleia de Apuramento Geral entendeu não dever efectuar a
recontagem de todos os votos dos envelopes abertos, considerando o Ilustre
Presidente da assembleia de Apuramento não estar perante factos ilícitos muito
graves, limitando-se a dar-lhes uma conotação meramente política, quando na
realidade, se podem ter violado, de forma grave, preceitos da Lei Eleitoral.
5. Enumeração exemplificativa de factos detectados ao longo dos trabalhos de
Apuramento Eleitoral Geral e que o P.S. tempestivamente protestou, como
abundantemente decorre da acta de Apuramento geral que se junta e dá por
reproduzida:
a) As actas de votação e apuramento que não estavam dentro dos envelopes:
- Mesa: 10 - Charneca
- Mesa 9 - Costa da Caparica
- Mesa 10 - Costa da Caparica
Aparecem posteriormente noutros locais, não concretizados, alguns em
departamentos da Câmara que não estavam afectos à Assembleia Geral de
Apuramento.
b) Votos nulos que não se encontravam dentro de envelopes e que foram
posteriormente encontrados em locais sem qualquer explicação credível:
- Mesa 6 - da freguesia de Caparica
- Mesa 11 - da freguesia de Caparica
- Mesa 16 - da freguesia de Caparica
- Mesa 3 - da freguesia da Charneca de Caparica
- Mesa 4 - da freguesia da Charneca de Caparica
- Mesa 10 - da freguesia da Charneca de Caparica
- Mesa 13 - da freguesia da Charneca de Caparica
- Mesa 3 - da freguesia da Costa da Caparica
- Mesa 5 - da freguesia da Costa da Caparica
- Mesa 9 - da freguesia da Costa da Caparica
- Mesa 8 - da freguesia da Cova da Piedade
- Mesa 14 - da freguesia da Cova da Piedade
- Mesa 1 - da freguesia da Trafaria
c) Mesas de voto em que os votos nulos não estavam de acordo com o mencionado na
Acta
Mesa 2 de Freguesia do Feijó
Mesa 3 de Freguesia do Feijó
Mesa 4 de Freguesia do Feijó
Mesa 13 de Freguesia do Feijó
Mesa 9 de Freguesia da Sobreda
Mesa 7 de Freguesia do Feijó - havia divergências entre o Edital e a Acta em
relação aos votos do PS para a Assembleia de Freguesia
d) O envelope relativo à mesa de Voto n.º 10 da Freguesia da Costa da Caparica -
não continha a respectiva acta.
A comparação dos votos contados, por contraponto com o respectivo edital, deu
resultados totalmente díspares, conforme resulta das folhas da Acta de
Apuramento Geral.
A recontagem dos votos resultados da mesa 10 da Costa da Caparica, cujo envelope
tinha sido violado, detectou a falta de 3 boletins de voto nulos.
Procedeu-se à recontagem dos boletins e foram detectados 56 votos incluídos numa
determinada força partidária, mas pertencendo a outras forças políticas.
Este facto só por si é significativamente indiciador da falta de transparência e
indicia a eventual e hipotética adulteração dos resultados eleitorais passíveis
de integrarem o conceito de ilícito criminal.
Nada nos garante que o mesmo não tenha ocorrido noutras mesas de voto, atento o
facto de os envelopes estarem abertos o que pode indiciar o adulteramento das
actas, dos boletins, dos Editais, sendo que alguns não foram colocados, outros o
foram tardiamente e outros, ainda, estavam rasurados.
Devendo, nestas condições, em concreto, repetir-se o acto eleitoral com a
consequente determinação da nulidade do presente acto eleitoral.
e) Actas incompletas:
mesa nº 7 - da Freguesia de Cacilhas
mesa nº 8 - da Freguesia da Caparica
mesa nº 1 - da Freguesia da Charneca estava errada
mesa nº 2 - da Freguesia da Charneca estava errada
mesa nº 7 - da Freguesia da Sobreda (não menciona os votos do CDS na Assembleia
Municipal.
f) Actas em branco mas assinadas
Mesa - 1 da Freguesia da Trafaria
Mesa - 7 da Freguesia da Trafaria
Mesa - 6 da Freguesia do Feijó
g) Actas assinadas por dois delegados da CDU em todas as mesas de voto do
Laranjeiro;
h) As actas que não foram confrontadas com os editais respectivos;
i) Existência de Editais rasurados.
6. Votos Nulos
Relativamente aos votos nulos, que a Assembleia de Apuramento Geral entendeu
manter e de acordo com o preceituado na Lei n.º 1/2001, de 14 de Agosto, art.
133.º, que considera válidos os votos quando a cruz está para fora do quadrado
mas assinala inequivocamente a vontade do eleitor
Manifestamos a nossa discordância relativamente à leitura dos votos nulos em
virtude de atentarmos no pormenor de apenas os boletins de voto nos quais o
eleitor expressa a sua vontade inequívoca, pertencerem em grande parte e quase
exclusivamente ao Partido Socialista.
O que só por si significa que a existência de dualidade de critérios aquando da
separação dos boletins de voto.
Apenas uma recontagem com a adopção de critério uniforme permitiria ultrapassar
dúvidas e cumprir a Lei.
Assim não entendeu a Mesa de Apuramento Geral contra a qual apresentámos em
devido tempo o nosso protesto, o que se encontra na acta que juntamos e cujo
teor se dá aqui por integralmente reproduzida.
Na mesma ordem de ideias, fundamentamos o nosso protesto, ainda, no facto de
existirem eleitores com fraca acuidade visual que poderiam nem ver o quadrado,
pequeno e pouco legível.
Noutras situações é nítido ser o eleitor portador de qualquer tipo de
deficiência mais ou menos incapacitante, ou até, quiçá, de idade mais avançada.
Constatamos a inexistência considerável de boletins de voto de outras forças
partidárias, nomeadamente da CDU - o que nos cria uma forte convicção de que os
boletins de voto na mesma situação foram considerados válidos, significando uma
dualidade de critérios.
Apenas a recontagem de votos pode eliminar estas dúvidas que são no mínimo
atendíveis e de modificar os respectivos resultados eleitorais.
Estas questões foram levantadas aquando do protesto em anexo à Acta com a letra
(E) e (F) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
De realçar, ainda a discordância observada no apuramento “à boca da urna” por
membros da mesa de voto e aqueles apurados na Assembleia de Apuramento Geral,
nomeadamente na mesa de voto n.º 6 (mais nove votos na CDU) e nº 20 da Cova da
Piedade (mais setenta votos na CDU) e na mesa n.º1 em Almada (os nulos não
corresponderam aos efectivamente apurados pela Assembleia de Apuramento Geral),
conforme documentos que se juntam em anexo e cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido.
Conclusões
- Requer-se a alteração dos quatro presidentes de mesa que integram a Assembleia
de Apuramento Geral, os quais devem ser designados por sorteio de acordo com o
que expressamente estabelece a lei no artigo 142.º da Lei Orgânica n.º 1/2001 de
14 de Agosto, devendo, para o efeito, serem convocados os mandatários das
diferentes candidaturas concorrentes ao acto eleitoral.
- Requer-se a recontagem de todos os votos inseridos nos envelopes, abertos, já
que, tal como a acta de Apuramento Geral confirma, muitos dos quais não
continham as actas, nem votos nulos, e cujo teor pode ter sido adulterado,
nomeadamente nas mesas de voto seguintes:
Freguesia da Costa da Caparica - mesa de voto n.º 3, mesa de voto n.º 4, mesa de
voto n.º 7 e mesa de voto nº 11 (nas mesas de voto nº 9 e nº 10 foram efectuadas
as recontagens);
Freguesia da Cova da Piedade - mesa de voto n.º2, mesa de voto n.º 3, mesa de
voto n.º 6, mesa de voto n.º 7, mesa de voto n.º 8, mesa de voto n.º 11, mesa de
voto n.º 12, mesa de voto n.º 14, mesa de voto n.º 15, mesa de voto n.º 16 e
mesa devoto n.º 18;
Freguesia do Feijó - mesa de voto n.º 2, mesa de voto n.º 5 e mesa de voto n.º
7;
Freguesia do Laranjeiro - mesa de voto n.º 1, mesa de voto n.º 8, mesa de voto
n.º 9, mesa de voto n.º 13, mesa de voto n.º 17 e mesa de voto n.º 18;
Freguesia da Sobreda - mesa de voto n.º1, mesa de voto n.º 4 e mesa de voto n.º
8;
-Requer-se que sejam validados os boletins de voto devidamente protestados pelo
PS e apresentados ao longo dos trabalhos de apuramento geral, que indicam
inequivocamente a vontade do cidadão eleitor nos termos da lei n.º 1/2001, de 14
de Agosto, art. 133.º, conforme protesto apresentado sob o doc. (N) anexo à Acta
e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, juntando-se em anexo cópia
dos mesmos.
Nestes Termos e nos mais de direito que V/ Exa. (s) doutamente suprirão,
requer-se que seja dado provimento ao presente recurso nos termos acima
expressos.
Ou seja, deverá alterar-se a Assembleia Geral de Apuramento, conformando-a com a
lei e procedendo-se recontagem completa e total dos votos constantes dos
envelopes abertos, adoptando-se o critério legal e uniforme na contagem dos
votos nulos e, ordenando a repetição de eleições na freguesia da Costa da
Caparica face às infracções legais graves detectada na Mesa nº 10 e que,
eventualmente, poderiam existir noutros casos se tivesse procedido à recontagem
dos votos inseridos em envelopes abertos.
Os mandatários das candidaturas concorrentes foram notificados do pedido mas não
responderam.
2. Começa a recorrente por impugnar a composição da assembleia de apuramento
geral, na parte que é composta por 'quatro presidentes de assembleia de voto,
designados por sorteio efectuado pelo presidente da câmara' (alínea d) do artigo
142º da LEOAL). A recorrente alega, porém, que os quatro presidentes de
assembleia de voto que efectivamente integraram a assembleia de apuramento geral
de Almada foram escolhidos pela presidente da câmara sem qualquer sorteio.
Pretende, por essa razão, obter 'a alteração dos quatro presidentes de mesa que
integram a Assembleia de Apuramento Geral, os quais devem ser designados por
sorteio de acordo com o que expressamente estabelece a lei no artigo 142.º da
Lei Orgânica n.º 1/2001 de 14 de Agosto, devendo, para o efeito, serem
convocados os mandatários das diferentes candidaturas concorrentes ao acto
eleitoral'.
A apontada irregularidade teria ocorrido no decurso do processo eleitoral, mas
antes do acto de votação; é, por isso, certo que deixou de poder ser invocada a
partir do momento em que ocorreu o acto eleitoral de 9 de outubro de 2005.
Com efeito, todo o processo eleitoral decorre segundo um sistema faseado em
cascata ficando sanadas eventuais irregularidades ocorridas numa fase anterior e
que não hajam sido tempestivamente impugnadas (princípio da aquisição
progressiva dos actos do processo eleitoral). E, na verdade, a constituição da
assembleia de apuramento geral ficou estabelecida até à antevéspera do dia da
realização da eleição, tendo o seu presidente, conforme impõe o artigo 144º da
LEOAL, conferido imediatamente publicidade à composição da assembleia, através
de edital afixado à porta da câmara municipal. Sendo a composição da assembleia
de apuramento geral um acto de administração eleitoral, e não prescrevendo a
LEOAL um prazo específico de impugnação desse acto, é de 1 dia esse prazo,
conforme dispõe o n.º 2 do artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro. O
problema fica, assim, definitivamente resolvido antes da realização da eleição.
Nada nos autos indica, nem a recorrente tal alega, que o presidente da
assembleia de apuramento geral tenha procedido de forma irregular, pelo que se
deve aceitar que tendo ficado concluída a constituição da assembleia 'até à
antevéspera do dia da realização da eleição' e que foi dada imediata publicidade
a esse acto através de afixação do correspondente edital à porta do edifício
camarário, se mostra esgotado o prazo para impugnar essa composição quando a
recorrente suscitou a questão, perante a própria assembleia, no dia 13 de
Outubro de 2005 (doc. K, a fls. 72). De resto, a circunstância de a recorrente
ter constatado existir um edital 'sem indicação da data e hora' não contraria o
que acaba de se afirmar, pois a própria recorrente não alega que a assembleia
não haja sido constituída no momento legalmente oportuno e não lhe tenha sido
dada a publicidade requerida.
Não pode, portanto, o Tribunal tomar conhecimento desta alegada irregularidade.
3. Pretende, seguidamente, a recorrente denunciar várias situações que, em
seu entender, constituem irregularidades eleitorais. Os factos são apresentados
sem a sequência típica de uma alegação jurídica e, sobretudo, sem qualquer
adequação às normas jurídicas invocadas em favor da pretensão. O problema ganha
relevo uma vez que a lei permite ao Tribunal o conhecimento das irregularidades
ocorridas 'desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentado no
acto em que se verificaram', e 'sem prejuízo da interposição de recurso gracioso
perante a assembleia de apuramento geral' – artigo 156º nºs 1 e 2 da LEOAL.
Em todo o caso, a votação só pode julgada nula 'quando se hajam verificado
ilegalidades que possam influir no resultado geral da eleição do respectivo
órgão autárquico' – n.º 1 do artigo 160º da LEOAL.
Ora, poderá desde já afastar-se o conhecimento das irregularidades alegadas a
propósito dos editais, que, mesmo que hajam ocorrido, são insusceptíveis de
influenciar o resultado da votação.
4. O que, depois, verdadeiramente a recorrente impugna tem a ver com duas
deliberações da assembleia geral de apuramento; a primeira reporta-se à
pretendida recontagem dos votos encontrados em envelopes abertos, e a segunda
aos votos nulos.
Quanto à primeira, a assembleia, tendo em atenção o requerimento do
representante do PS para que fossem recontados todos os votos, em todas as
secções de voto, e em todo o círculo eleitoral, tomou por unanimidade a
seguinte:
Deliberação
Indeferir o requerimento do PS de recontagem dos votos de todo círculo
eleitoral, por se afigurar não existirem suspeitas fundadas em indícios ou
factos concretos que justifiquem afastar o princípio do respeito pela contagem
dos votos das assembleias de apuramento local, face à circunstância, de acordo
com o art. 14º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, o apuramento se haver
de fazer, em princípio, com base nas actas, cadernos de recenseamento e demais
documentos que as acompanham.
A recorrente conformou-se com esta deliberação, pois não opôs contra ela
qualquer reclamação, protesto ou recurso. E, de qualquer modo, a deliberação
adoptou um critério que o Tribunal Constitucional perfilha (v.g., Acórdão
198/98, in DR-II série de 9 de Abril de 1998) assente na razoabilidade dos
indícios recolhidos para aferir da influência que a irregularidade possa ter
tido no resultado eleitoral.
É certo que, mais tarde, o representante do PS apresentou uma nova reclamação,
desta vez por escrito, e com um âmbito mais restrito, requerendo 'a recontagem
dos votos inseridos nos envelopes abertos', à qual a assembleia, também por
unanimidade, respondeu:
O Partido Socialista pretende ver recontados todos os votos das mesas cujos
envelopes chegaram a esta assembleia abertos, a apreciação dos votos nulos por
si protestados segundo um critério uniforme e a constituição desta assembleia de
acordo com o previsto na lei.
Quanto à questão dos envelopes, esta assembleia considerou que o facto de muitos
deles trazerem o lacre partido, de outros, menos, virem fechados com fita-cola e
outros ainda, aqui já poucos, apenas se encontrarem fechados por dobragem do
papel, não constituiu irregularidade susceptível de impedir o apuramento com
base nas actas. Tanto mais que em alguns desses casos os votos foram recontados
por, outras razões, e nem por isso, pelo facto de não estarem devidamente
lacrados, se verificaram diferenças entre tais actas e as contagens. O que
afasta qualquer indício de associação entre envelopes mal fechados e actas
viciadas. Tratou-se, isso sim, na avaliação desta assembleia (aliás não
questionada pelos representantes dos partidos à medida que os envelopes iam
sendo abertos, sempre pelo presidente e à sua vista) de ocorrências normais de
qualquer processo de votação.
Por isso considera esta assembleia não existir razão válida para proceder à
recontagem dos votos das mesas cujos envelopes chegaram a esta assembleia
indevidamente fechados.
Quanto ao pedido de reapreciação dos votos que se consideraram nulos e sobre os
quais o Partido Socialista apresentou protesto, dir-se-á apenas que foi
precisamente com base num critério uniforme fixado previamente que se chegou a
essa decisão. Do que se trata não é, portanto, de os votos não terem sido
sujeitos a uma apreciação uniforme, porque o foram, mas sim de uma discordância
do Partido Socialista relativamente ao critério utilizado, que é coisa diferente
e sobre a qual já existe protesto.
Esta deliberação recaiu, como se viu, em reclamação formulada pelo representante
do PS após a avaliação de todos os materiais eleitorais apreciados pela
assembleia de apuramento geral. Não custa, por isso, admitir que não tenha
ficado prejudicada a oportunidade de requerer novamente a recontagem dos votos
apesar de em anterior deliberação, não protestada, a assembleia haver deliberado
indeferir o pedido de recontagem, pois é de entender que novos factos, ocorridos
no decorrer das operações de apuramento, poderiam justificar uma nova avaliação.
Apesar disso, não procede o recurso nesta parte. Com efeito, a recorrente não
contesta as circunstâncias em que se fixou a assembleia para decidir,
considerando ser puramente acidental a causa de os envelopes apresentarem o
lacre partido, de outros se apresentarem fechados com fita-cola e outros se
mostrarem fechados por dobragem do papel, o que não constituiria irregularidade
susceptível de impedir o apuramento com base nas actas, uma vez que em alguns
desses casos os votos foram recontados e não se verificaram diferenças entre as
actas e as contagens. O que – no entender da assembleia – afastaria qualquer
indício de fraude. Na avaliação da assembleia (aliás não protestada)
tratar-se-ia de ocorrências normais de qualquer processo de votação, razão pela
qual se considerou não existir razão para proceder à recontagem dos votos das
mesas cujos envelopes chegaram à assembleia de apuramento geral indevidamente
fechados.
Adoptou, portanto, um critério assente na razoabilidade da avaliação feita sobre
a ocorrência da irregularidade, que não merece censura.
5. Finalmente, pretende a recorrente obter uma recontagem geral dos votos
nulos. Note-se que o pedido começou por ser formulado como um pedido de
recontagem total dos votos, embora com fundamento num eventual erro ou
divergência do critério de classificação dos votos nulos. Com efeito, a
recorrente insurgia-se pelo facto de os votos nulos 'pertencerem em grande parte
e quase exclusivamente ao Partidos Socialista', conforme refere no requerimento
de recurso.
Sobre isto há que ponderar o seguinte: o n.º 1 do artigo 149ºda LEOAL comete à
assembleia de apuramento geral a tarefa de verificar todos os boletins de votos
considerados nulos e, além disso, de julgar as reclamações ou protestos que
incidiram sobre determinados votos.
Daqui decorre que, quanto aos votos válidos não protestados, a assembleia deve
acatar o juízo que sobre eles incidiu no apuramento local. E foi o que a
assembleia fez, verificando uns e outros. Começou mesmo por fixar um critério
geral de classificação de votos nulos que definiu da seguinte forma:
Para os efeitos previstos nos artigos 133° n.º 1 al. b) e n.º 2 e 149° da Lei
Orgânica n.º 1/01, adopta-se o seguinte critério geral uniforme de reapreciação
dos votos considerados nulos pelas assembleias de apuramento local: não serão
considerados nulos os boletins de voto em que não se verificando qualquer outra
causa de invalidação prevista na lei, tenha sido assinalada uma cruz, entendida
esta como o desenho que consista na intersecção de dois traços tendencialmente
rectilíneos, ou significando manifestamente esse sinal, ainda que
imperfeitamente desenhados ou excedendo em medida razoável os limites do
quadrado respectivo, desde que tal intersecção ocorra dentro do quadrado e
nenhum dos traços intersecte outro quadrado ou quaisquer caracteres ou símbolos
do boletim.
Nenhum protesto ocorreu quanto a esta deliberação. Todavia, nas operações de
classificação individual dos votos nulos, o representante do Partido Socialista
protestou, conforme atesta a acta da reunião:
Na reapreciação dos votos nulos da eleição para a Assembleia Municipal da mesa
n° 15, as representantes do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda
manifestaram-se contra a aplicação prática do critério geral uniforme acima
referido, fundamentalmente por entenderem que deverão ser considerados válidos
todos os votos em que se apresente uma cruz fora do respectivo quadrado, desde
que esta assinale inequivocamente a intenção de voto do eleitor, tendo
protestado juntar mais tarde declaração escrita nesse sentido. (Documentos
anexos sob letras D, E e F')
O presidente, considerando que o facto de não ter havido protesto no momento da
definição do critério geral uniforme, não impede que cada partido manifeste caso
a caso discordância sobre a sua aplicação prática, sugeriu o seguinte
procedimento, que foi aceite: sem prejuízo da apresentação de protestos ou
reclamações por escrito, de cada vez que, em resultado da aplicação do critério
definido, a assembleia deliberar no sentido de considerar nulo qualquer voto que
algum dos representantes dos partidos manifeste expressamente o entendimento de
que deve ser considerado válido, tal voto objecto de protesto será anexo à acta,
rubricado e numerado sequencialmente.
É assim que surgem protestados os votos cuja fotocópia se encontra anexada (fls.
91/171) à acta. Ora, na sua esmagadora maioria, tais votos apresentam
efectivamente o sinal aposto pelo eleitor fora do quadrado em que deve ser
expressa a vontade eleitoral. O critério da assembleia de voto recorrida
coincide com aquele que este Tribunal tem adoptado, nestes casos e referido, por
exemplo, no recente Acórdão nº 563/2005, aprovado em 24 de Outubro de 2005, que
se cita de seguida:
«Encontra-se fixada a jurisprudência deste Tribunal sobre a validade de tais
expressões de voto, podendo consultar-se, entre outros, os acórdãos nºs 320/85,
326/85, 864/93, 725/97 e 734/97 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º
vol., p. 1101 e 1045, 26º vol., p. 637, e 38º vol., p. 453 e 467,
respectivamente), 8/94 (in Diário da República, II Série, n.º 76, de 31 de Março
de 1994, p. 2952(54) e seguinte), 602/01 e 8/02 (in Diário da República, II
Série, n.º 44, de 21 de Fevereiro de 2002, p. 3447 e seguinte, e 3450,
respectivamente).
Dela se extrai, desde logo, que se devem considerar nulos os votos
que contêm uma cruz fora do quadrado assinalado no boletim de voto na linha
correspondente a cada partido, coligação ou grupo de cidadãos; só se admite a
validade dos votos quando a intersecção dos traços que formam a cruz se inscreva
dentro do referido quadrado, desde que assinale inequivocamente a vontade do
eleitor.
Este entendimento, que aqui se mantém, fundamenta-se no artigo 115º,
n.º 4, da L.E.O.A.L., enquanto impõe que o eleitor assinale com uma cruz, em
cada boletim de voto, “no quadrado correspondente à candidatura em que vota”.»
Por isso, ao contrário do que pretende a recorrente, devem ser desqualificados,
como foram, os votos em que o escrito aposto no voto pelo eleitor se situa fora
da quadrícula.
E mesmo que se considere, em aplicação deste critério, e procedendo a uma
analise individual dos votos em causa, que três dos votos foram na verdade
validamente expressos no PS para a câmara municipal, que outros três se mostram
validamente expressos no PS para a assembleia municipal, que outros dois devem
ter-se por validamente expressos no PS para a assembleia de freguesia da
Charneca da Caparica, e, finalmente, um outro foi validamente expresso no PS
para a assembleia de freguesia da Cova da Piedade, a sua raridade não tem
manifestamente a virtualidade de poder influenciar o resultado eleitoral, face
aos resultados apurados na eleição.
Com efeito, na freguesia da Charneca da Caparica, em 8.257 votantes, o PS foi o
partido mais votado com 2.786 votos, sendo-lhe atribuído 5 mandatos, seguido da
CDU com 2.174 votos e 4 mandatos; na freguesia da Cova da Piedade, em 9.931
votantes, a CDU foi a força mais votada com 4.436 votos, sendo-lhe atribuído 9
mandatos, seguido do PS com 2.367 votos e 5 mandatos. Para a assembleia
municipal de Almada, em 68.044 votantes, a CDU foi a força mais votada com
26.547 votos, sendo-lhe atribuído 14 mandatos, seguido do PS com 18.052 votos e
10 mandatos. E, finalmente, para a câmara municipal de Almada, em 68.039
votantes, a CDU foi a força mais votada com 28.799 votos, sendo-lhe atribuído 6
mandatos, seguido do PS com 17.438 votos e 3 mandatos.
Ora, deve recordar-se que no contencioso eleitoral das eleições para os órgãos
das autarquias locais cabe a apreciação das irregularidades ocorridas no decurso
da votação e no apuramento local ou geral que possam influir no resultado geral
da eleição do respectivo órgão autárquico (artigo 160º n.º 1 da LEOAL aprovada
pela Lei Orgânica n.º 1/ 2001 de 14 de Agosto).
6. Deve, portanto, ter-se por bem fundada a deliberação recorrida, também
nesta parte.
Em consequência do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 28 de Outubro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Artur Maurício