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Processo n.º 990/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do
Tribunal Constitucional,
1. O Instituto de Gestão e Alienação do
Património Habitacional do Estado (IGAPHE) apresentou reclamação para a
conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 30 de Novembro de
2006, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito,
não conhecer do objecto do recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte
teor:
“1. O Instituto de Gestão e Alienação do Património
Habitacional do Estado (IGAPHE) interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),
contra o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Maio de 2006 (fls.
273 a 286), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação do
princípio da proporcionalidade e do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa (CRP), das normas dos artigos 23.º, n.º 1, do Código das
Expropriações aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, e 24.º,
n.º 1, do Código das Expropriações aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de
Setembro, referindo, no requerimento de interposição de recurso (fls. 314‑315),
que a questão de inconstitucionalidade teria sido suscitada «nas alegações do
expropriante para o Tribunal da Relação de Lisboa datadas de 6 de Dezembro de
2005, contra‑alegações de 4 de Janeiro de 2006 e reclamação para o Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça (cf. respectivo n.º 20)».
O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do Tribunal
da Relação de Lisboa (fls. 465), decisão que, como é sabido, não vincula o
Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e, de facto, entende‑se
que o recurso em causa é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão
sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da
LTC.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade,
a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas, ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre
os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa
daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na
primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério
normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter
de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações,
enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios
normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade
depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC),
e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das
dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Resultando do referido artigo 72.º, n.º 2, da LTC que só são
atendíveis as questões de inconstitucionalidade suscitadas perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida, há apenas que considerar – para verificação do
cumprimento do referido ónus de suscitação – as peças processuais endereçadas
pelo recorrente a esse tribunal (no caso: as alegações do seu recurso de
apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa e as suas contra‑alegações no
recurso de apelação interposto para o mesmo Tribunal pela expropriada A.), e já
não a peça produzida perante distinta instância judicial (no caso: a reclamação
contra a não admissão de recurso de revista endereçada ao Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, por este indeferida por despacho de 6 de Setembro de 2006,
no qual, aliás, não se fez aplicação das normas cuja constitucionalidade o
recorrente pretende ver apreciada, mas antes, e apenas, da norma do artigo 64.º,
n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, de acordo com a interpretação
consagrada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 10/97).
Ora, nem nas alegações do seu recurso de apelação (fls. 214 a
221), nem nas suas contra‑alegações apresentadas no recurso de apelação da
expropriada (fls. 233 a 240), o ora recorrente suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, designadamente reportada às normas
identificadas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional.
A posição sustentada, nessas duas peças, pelo recorrente
encontra‑se sintetizada nas conclusões da sua alegação (sendo certo que nem no
teor dessas alegações nem no teor das aludidas contra‑alegações nada se aduz que
pudesse ter relevância para o presente efeito), que a seguir se reproduzem:
«I – A declaração de utilidade pública (d.u.p.) é o acto constitutivo da
relação jurídica expropriativa.
II – A lei aplicável é a vigente à data da d.u.p. (12 de Setembro de 1973), ou
seja, o Decreto‑Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro.
III – A parcela expropriada, para fins expropriativos, é classificada como
terreno para outros fins.
IV – Atendendo à inconstitucionalidade decretada da norma do n.º 1 do artigo 9.º
do Decreto‑Lei n.º 576/70, admite‑se que na valoração da parcela se considere o
jus aedificandi.
V – Tal não significa aplicar‑se ao caso sub judice o Código das Expropriações
de 1991 ou de 1999, aprovados, respectivamente, pelo Decreto‑Lei n.º 438/91, de
9 de Novembro, e pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.
VI – Pela posição de imparcialidade e de isenção em relação às partes, deve
merecer acolhimento do julgador o laudo dos peritos do Tribunal.
VII – Assim, no caso em apreço, só podem ser considerados os laudos de fls. 117
a 120 e o de fls. 112 e 113.
VIII – O valor da parcela expropriada é de 1 404 000$00 ou, no limite, de 3 864
000$00.
IX – A parcela expropriada estava inserida num lote clandestino da denominada
Quinta da Palença de Cima.
X – A douta sentença recorrida fez tábua rasa das circunstâncias e condições de
facto existentes em 12 de Setembro de 1973, data da d.u.p..
XI – É inaplicável ao caso sub judice a actualização da indemnização com o
recurso à evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
XII – Aliás, o Meritíssimo Juiz a quo devia ter como horizonte temporal o da
data da sentença, o que equivale a dizer que o valor fixado estava actualizado a
essa data (29 de Novembro de 2003).
XIII – A actualização da indemnização com o recurso ao índice referido na
conclusão XI impõe que a avaliação da parcela seja feita com referência a 12 de
Setembro de 1973, o que não foi feito pela peritagem (e, obviamente, também não
pela douta sentença sob censura).
XIV – Caso se sufrague que a indemnização deve ser actualizada, então, com as
devidas adaptações do disposto no artigo 712.º do CPC, deve ser anulado o
julgamento, ordenando‑se nova avaliação onde os peritos determinem o número de
espécies monetárias que em 12 de Setembro de 1973 corporizavam o valor da
indemnização e depois o actualizem de acordo com o aludido índice.
XV – Seria um absurdo, conduzindo a um resultado desmesurado e injusto, a
aplicação do índice em causa ao valor (já empolado) fixado na douta sentença: o
mais elementar bom senso repele tão esdrúxula interpretação, ao arrepio da lei
e da moral.
XVI – Decidindo de forma diversa, a douta sentença recorrida violou, entre
outros, os artigos 22.º, n.º 2, e 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações de
1991, 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999 e 62.º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa.»
Como é patente, o recorrente não suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, designadamente
tendo por objecto as normas dos artigos 23.º, n.º 1, do Código das
Expropriações de 1991 e 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999, antes
se limitou a referir que estas normas legais teriam sido desrespeitadas pela
sentença então impugnada e a imputar a essa mesma decisão judicial, em si mesma
considerada, a violação do artigo 62.º, n.º 2, da CRP, o que, como se registou,
não constitui modo adequado de suscitar questão de inconstitucionalidade.
3. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo
78.º‑A da LTC, não conhecer do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 7
(sete) unidades de conta.”
1.2. A reclamação do recorrente apresenta a
seguinte fundamentação:
“1 – Em síntese, não se tomou conhecimento do objecto do recurso pois, no
entender do ilustre subscritor da decisão sumária em causa, o recorrente não
suscitou de modo processualmente adequado a questão da inconstitucionalidade
normativa, não arguindo durante o processo qualquer questão de
inconstitucionalidade.
2 – O ora recorrente e a expropriada A. apelaram da decisão da 1.ª instância.
Como apelante e ao que ora interessa, o reclamante sustentou:
«É inaplicável ao caso sub judice a actualização da indemnização, nos termos
fixados e aclarados pelo Julgador da 1.ª instância.
«Para além da actualização da indemnização não ser admissível pela lei
aplicável ao caso vertente, não podemos deixar de tecer aqui e agora algumas
considerações para não se desvirtuar completamente o pretendido pelo legislador
expropriativo em 1991 (e 1999).
Assim, o recurso ao índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação,
pressupõe que a avaliação tenha de se ater à data da declaração de utilidade
pública. Dito de outra forma: há que calcular o número de espécies monetárias
que à data da declaração de utilidade pública (no caso concreto, 1973)
correspondia ao valor da parcela. Ora,
Isto não foi feito no caso em apreço por qualquer dos Srs. cinco peritos e,
obviamente, também o não foi pelo ilustre subscritor da douta sentença sob
censura.
Aliás, o horizonte temporal da indemnização actualizada que o Senhor Juiz a quo
deveria ter em mente seria o da data da prolação da sentença – 29 de Novembro de
2003.
No entanto, face ao referido a fls. 192 – agora com o recurso ao Código das
Expropriações de 1999, o aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro – a
ambiguidade da proposta pela expropriada A., no seu requerimento nos termos dos
artigos 666.º e 670.º, teria como resultado a actualização dos 6 000 000$00
desde a data longínqua de 12 de Setembro de 1973!
Basta o bom senso para ditar o intolerável de semelhante entendimento que
conduz em linha recta ao violento atropelo do artigo 62.°, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa.
Chegados aqui, das duas uma: ou se entende que os valores encontrados pelos Srs.
peritos e o fixado pelo Sr. Juiz estão actualizados à data da avaliação –
início de 2001 – ou do julgamento – 29 de Novembro de 2003 –, respectivamente,
ou então há que determinar o valor em 12 de Setembro de 1973 e, depois
reportá‑lo ao presente (data da avaliação e da sentença), sob pena de se cair no
absurdo de uma indemnização desmesurada.»
Em consonância com o alegado concluiu o IGAPHE, neste particular da
inconstitucionalidade:
«A actualização da indemnização com o recurso ao índice referido na conclusão
XI impõe que a avaliação da parcela seja feita com referência a 12 de Setembro
de 1973, o que não foi feito pela peritagem (e, obviamente, também não pela
douta sentença sob censura).
Seria um absurdo, conduzindo a um resultado desmesurado e injusto, a aplicação
do índice em causa ao valor (já empolado) fixado na douta sentença: o mais
elementar bom senso repele tão esdrúxula interpretação, ao arrepio da lei e da
moral.
Decidindo de forma diversa, a douta sentença recorrida violou, entre outros, os
artigos 22.º, n.º 2, e 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1991, 24.º,
n.º 1, do Código das Expropriações de 1999 e 62.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa.»
Como apelado, o IGAPHE, na respectiva contra‑alegação, insistiu:
«Frisa‑se de novo ser inaplicável ao caso sub judice a actualização da
indemnização, nos termos fixados e aclarados pelo julgador da 1.ª instância.
Para além da actualização da indemnização não ser admissível pela lei aplicável
ao caso vertente, não podemos deixar de tecer de novo – e com toda a veemência –
algumas considerações para não se desvirtuar completamente o pretendido pelo
legislador expropriativo em 1991 (e 1999).
Assim,
O recurso ao índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação,
pressupõe que a avaliação tenha de se ater à data da declaração de utilidade
pública. Dito de outra forma: há que calcular o número de espécies monetárias
que à data da declaração de utilidade pública (no caso concreto, 1973)
correspondia ao valor da parcela. Ora,
Isto não foi feito no caso em apreço por qualquer dos Srs. cinco peritos e,
obviamente, também o não foi pelo ilustre subscritor da douta sentença sob
censura.
Aliás, o horizonte temporal da indemnização actualizada que o Senhor Juiz a quo
deveria ter em mente seria o da data da prolação da sentença – 29 de Novembro de
2003. No entanto,
Face ao referido a fls. 192 – agora com o recurso ao Código das Expropriações de
1999, o aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro – a ambiguidade da
proposta pela expropriada A., no seu requerimento nos termos dos artigos 666.° e
670.º, teria como resultado a actualização dos 6 000 000$00 desde a data
longínqua de 12 de Setembro de 1973! A ora recorrente potencia tão esdrúxula
tese, pretendendo, nos mesmos moldes, a actualização de 23 166 000$00!
Basta o bom senso para ditar o intolerável de semelhante entendimento que
conduz em linha recta ao violento atropelo do artigo 62.º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa.
Chegados aqui, sublinha‑se, das duas uma: ou se entende que os valores
encontrados pelos Srs. peritos e o fixado pelo Sr. Juiz estão actualizados à
data da avaliação – início de 2001 – ou do julgamento – 9 de Novembro de 2003 –,
respectivamente, ou então há que determinar o valor da parcela em 12 de Setembro
de 1973 e, depois, reportá‑lo ao presente (data da avaliação e da sentença), sob
pena de se cair no absurdo de uma indemnização desmesurada.»
3 – O douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 25 de Maio de
2006, embora reduzindo o montante da indemnização, seguiu a mesma metodologia da
1.ª instância, reconhecendo (sic) «que a actualização da indemnização aludida
poderá conduzir a um valor substancialmente elevado do montante, como o
expropriante refere».
O transcrito constitui uma violação ostensiva do artigo 62.º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa.
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com toda a crueza, faz tábua rasa do
princípio constitucional da justa indemnização.
4 – Decorre do exposto que, quer a 1.ª instância, quer a 2.ª instância, fizeram
uma interpretação da norma do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações
de 1991 – e da idêntica do n.º 1 do artigo 24.º do Código das Expropriações de
1999 – manifestamente inconstitucional, em colisão frontal com a Lei Fundamental
(artigo 62.º, n.º 2).
Ao recorrer de revista (cf. requerimento de 6 de Junho de 2006), o IGAPHE não
restringiu o objecto do mesmo recurso, que, obviamente, abrange também a questão
da inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 23.º do Código das
Expropriações de 1991 (ou a da idêntica do n.º 1 do artigo 24.º do Código das
Expropriações de 1999) e ainda a determinada pela não admissão do recurso de
revista – que forçosamente só surgiu depois da recusa da Relação. Daí,
Os pontos 18, 20 e 22 da reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça, que abaixo também se transcrevem:
«18 – A restrição do direito ao recurso para o STJ, em matéria de expropriação
face ao regime geral, fica incursa na proibição da “indefesa” que para Gomes
Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada,
3.ª ed., pág. 164) “consiste na privação ou limitação do direito de defesa do
particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que
lhe dizem respeito” (cf. douto voto de vencido do Conselheiro Sousa Inês,
ibidem).
20 – Ressalta dos autos (cf. alegações do reclamante, quer como apelante, quer
como apelado, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, cujo conteúdo se dá aqui
por reproduzido na íntegra) que são precisamente questões de direito o que está
em causa, nomeadamente a lei aplicável à expropriação no caso em apreço e a
interpretação do artigo 23.º do Código das Expropriações de 1991 (e 24.º do CE
de 1999).
22 – Na sequência dessa problemática – a da lei aplicável – surgem as outras
questões de direito, quais sejam as decorrentes da interpretação dos artigos
23.º do CE de 1991 e 24.º do CE de 1999.»
5 – Finalmente, o expropriante‑reclamante propugna pela reforma de custas, uma
vez que a douta decisão sumária determinou as «custas pelo recorrente, fixando
a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de conta». Ora,
O IGAPHE é um instituto público, com personalidade jurídica, dotado de autonomia
administrativa e financeira e património próprio (cf. artigo 1.º, n.º 2, do
Decreto‑Lei n.º 88/87, de 26 de Fevereiro); faz parte da chamada administração
indirecta do Estado.
A presente acção é de 1998.
O Código das Custas Judiciais aplicável ao caso sub judice é o aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro.
O exarado equivale a dizer que o IGAPHE está isento de custas (cf. primitiva
redacção do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do aludido CCJ).
Aliás, o n.º 1 do artigo 14.º do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro,
determina que as alterações ao Código das Custas Judiciais constantes do mesmo
diploma, nomeadamente a que deixou de isentar o Estado, incluindo os seus
serviços ou organismos, só se aplicam aos processos instaurados após a sua
entrada em vigor.
Nestes termos, deve a reforma de custas ser feita de acordo com o exarado
supra, ou seja, deve ser julgado sem custas, por delas o IGAPHE estar isento.
6 – CONCLUSÕES:
I – O reclamante, quer como apelante, quer como apelado, sob pena de vício de
inconstitucionalidade, insistiu em interpretação diferente da levada a cabo pelo
Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Almada da norma do n.º 1 do artigo 23.º
do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 438/91, de 9 de
Novembro (e da idêntica norma vazada no n.º 1 do artigo 24.º do Código das
Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro).
II – A interpretação feita pelo autor da sentença da 1.ª instância e perfilhada
pelos ilustres Desembargadores que subscreveram o acórdão da Relação de Lisboa,
de 25 de Maio de 2006, é inconstitucional, pois viola não só o disposto no
artigo 62.º, n.º 2, da Constituição – princípio da justa indemnização – como
também o princípio da proporcionalidade, cunhado na mesma lei fundamental.
III – Ao interpor recurso de revista, o IGAPFIE não restringiu o objecto do
mesmo recurso.
IV – A não admissão do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça
também atenta contra a Constituição, pois fica incursa na proibição da
«indefesa».
V – O processado deve ser julgado sem custas, por delas o IGAPHE estar isento.
Pelo exposto – e com o douto suprimento de V. Ex.as – requer o reclamante que o
presente recurso seja apreciado pelo Tribunal Constitucional e a reforma de
custas seja feita de acordo com o acima sustentado, ou seja, deve ser o
processado julgado sem custas, por delas estar isento o IGAPHE.”
1.3. Notificada da apresentação desta
reclamação, a recorrida A. apresentou a seguinte resposta:
“1 – Vem o expropriante IGAPHE apresentar reclamação para a conferência da
decisão do Senhor Doutor Juiz Conselheiro Relator, que decidiu, e bem em nosso
entender, não admitir o recurso apresentado pelo expropriante/reclamante.
2 – A verdade, como se diz na decisão objecto da reclamação, é que o
expropriante durante todo o processo não suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade, apenas se limitando a alegar que tanto a sentença de 1.ª
instância, como o acórdão da Relação de Lisboa, que fixaram os valores da
indemnização e correspondentes actualizações, violaram os artigos 23.º, n.º 1,
do Código de Expropriações de 1991 e 24.º, n.º 1, do Código de Expropriações de
1999, e, consequentemente, tendo sido violadas essas normas legais por aquelas
instâncias, foi violado, no entender do reclamante, o artigo 62.º da
Constituição da República Portuguesa.
3 – Mas a verdadeira questão deste processo é a violação, por parte da
reclamante/expropriante, de todas as normas legais e constitucionais relativas
às expropriações por utilidade pública, e que estes constantes e intermináveis
recursos e reclamações (por tudo e por nada) são uma forma de este se furtar ao
pagamento da indemnização decorrente da expropriação que é devida desde o ano de
1973.
4 – Com efeito, o despacho que declarou a utilidade pública da expropriação foi
publicado em 12 de Setembro de 1973. Quer isto dizer que a expropriada foi
expropriada há 33 anos (tinha 37 anos de idade e actualmente tem 71 anos) e até
agora não recebeu o valor da indemnização devida. Veja‑se a pouca vergonha da
expropriante que expropriou em 1973 e só 25 anos depois de publicada a DUP é que
mandou proceder à constituição e funcionamento da arbitragem (em 27 de Abril de
1998) e remeteu o processo litigioso para Tribunal. Não estamos aqui perante uma
expropriação mas sim uma espoliação com clara violação da Constituição!!!
5 – E a verdade também é que, depois desse processo de expropriação com a
arbitragem ter sido remetido para Tribunal, foram respeitadas todas as normas
legais e constitucionais aplicáveis às expropriações por utilidade pública, ao
contrário do alegado pelo reclamante.
6 – Com efeito, é jurisprudência pacífica que a lei aplicável às expropriações
é a que vigorar à data em que for publicada a Declaração de Utilidade Pública.
Porém, também é jurisprudência pacífica que o montante da indemnização
encontrada, para ser justa, deve ser actualizada à data da decisão final do
processo, tudo de acordo com o estabelecido nos Códigos de Expropriações de 1991
e 1999, nomeadamente os artigos 23.º e 24.º – nesse sentido, veja‑se o sumário
do Acórdão do STJ, de 24 de Fevereiro de 1994 (Proc. 84 581), publicado no
Boletim do Ministério da Justiça, n.º 434, p. 404.
7 – Ora, no acórdão da Relação de Lisboa foi decidido que o valor da
indemnização a atribuir à expropriada seria o valor a que chegaram os dois
peritos do Tribunal, ou seja, 3 864 000$00 – de acordo com o laudo pericial
junto aos autos (a sentença de 1.ª instância tinha atribuído 6 000 000$00).
Desse laudo pericial perfilhado pelo acórdão da Relação retira‑se que os
senhores peritos aplicaram ao cálculo da indemnização exactamente a lei vigente
à data da publicação da DUP, ou seja, o Decreto‑Lei n.º 576/70, de 24 de
Novembro (Lei dos Solos), tendo por conseguinte respeitado as normas legais
sobre esta matéria.
8 – Com efeito, os senhores peritos nomeados pelo Tribunal dizem no seu
relatório o seguinte: «...os peritos signatários subscrevem o referido pelo
perito do expropriante no que se refere aos pontos 1, 2 e 3. E o que o perito do
expropriante diz nesses pontos é que aplicaram ao cálculo da indemnização a
legislação em vigor à data da DUP (12 de Setembro de 1973), ou seja, o acima
referido Decreto‑Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro (Lei dos Solos) – veja‑se o
laudo do expropriante junto aos autos.
9 – Assim, a questão que o expropriante pretende ver apreciada é uma falsa
questão, uma vez que a lei que foi aplicável ao cálculo da indemnização pelos
peritos (cujo laudo a Relação sufragou) é justamente aquela que o expropriante
entende dever ser aplicada.
10 – Acontece que essa legislação (Lei dos Solos) não contempla a actualização
da indemnização que tem que ser feita por imperativo constitucional – artigo
62.º da Constituição da República Portuguesa. Daí que o acórdão da Relação de
que o reclamante pretende recorrer ter feito a actualização do valor encontrado
pelos senhores peritos, por aplicação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
que fixou jurisprudência sobre esta matéria – Acórdão n.º 7/2001, publicado no
Diário da República, I Série, n.º 248, de 25 de Outubro de 2001, fazendo assim a
actualização da indemnização a atribuir à expropriada, como tinha que ser
feita, de acordo com o previsto nos artigos 23.º e 24.º, respectivamente, dos
Códigos das Expropriações aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 438/91 e pela Lei n.º
168/99.
11 – Face a tudo o que atrás se expôs, bem andou o Senhor Juiz Conselheiro
Relator quando decidiu não admitir a reclamação apresentada pelo expropriante
ora reclamante, uma vez que as questões levantadas naquele requerimento são tudo
falsas questões, cujo objecto esse Venerando Tribunal não tem que conhecer.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2.1. Não merece acolhimento a reclamação do
recorrente quanto à decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na verdade, como nessa decisão sumária se
evidenciou, nas peças processuais da sua autoria, atendíveis para apuramento do
cumprimento do requisito da suscitação, de modo processualmente adequado,
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (o Tribunal da Relação de
Lisboa), da questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver
apreciada pelo Tribunal Constitucional – a saber: as alegações do seu recurso de
apelação e as contra‑alegações relativas ao recurso de apelação da expropriada
–, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, pois como tal não podem ser consideradas as afirmações de que “a
proposta” (de valor da indemnização) formulada pela expropriada conduziria “em
linha recta ao violento atropelo do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa” e de que, “decidindo de forma diversa [da sustentada pelo
expropriante], a douta sentença recorrida violou, entre outros, os artigos
22.º, n.º 2, e 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1991, 24.º, n.º 1,
do Código das Expropriações de 1999 e 62.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa”. Com estas alusões, o recorrente imputa directamente a um acto da
contraparte e à decisão judicial então recorrida a violação de normas de
direito ordinário, e, concomitantemente, de um preceito constitucional, mas não
suscita nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, pois não argui que
determinadas normas de direito ordinário ou suas interpretações (minimamente
identificadas) violam normas ou princípios constitucionais.
2.2. Já assiste, porém, razão ao recorrente no
que tange à condenação em custas. Na verdade, encontrando‑se o processo de que
emerge o presente recurso pendente à data da entrada em vigor do Decreto‑Lei n.º
324/2003, de 27 de Dezembro, é‑lhe, por força do disposto no seu artigo 14.º,
n.º 1, inaplicável a nova redacção pelo mesmo diploma dada ao artigo 2.º do
Código das Custas Judiciais, na parte em que eliminou a isenção de custas do
Estado (abarcando os institutos públicos).
3. Em face do exposto, acordam em:
a) indeferir a reclamação da decisão sumária de
não conhecimento do objecto do recurso;
b) deferir a reclamação contra a condenação em
custas, que se revoga.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2007.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos