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Processo n.º 656/05
Plenário
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Em 4 de Agosto de 2005, um grupo de Deputados do Partido Social
Democrata veio requerer ao Tribunal Constitucional, através do requerimento de
fls. 1 a 10, a apreciação preventiva da constitucionalidade das seguintes normas
constantes do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, que “Altera a Lei
Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os mecanismos de realização
de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e o Decreto-Lei n.º
319-A/76, de 3 de Maio”:
“a) Artigos 3º e 4º, por violação do disposto no artigo 168º n.º 5
da CRP;
b) Artigo 5º, por violação do disposto no artigo 168º n.º 6 alínea
c) da CRP.”
Os requerentes deduzem o pedido ao abrigo do disposto no artigo
278°, n.ºs 4, 6 e 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos artigos
51°, n.º 1, e 57°, n.º 1, da Lei sobre Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (LTC) e alegam ter sido notificados em 1 de Agosto de
2005 do envio ao Presidente da República do Decreto da Assembleia da República
n.º 6/X para ser promulgado como lei orgânica.
No final do requerimento – que não junta qualquer documentação –,
encontram-se apostas assinaturas e rubricas, na maior parte dos casos ilegíveis,
de modo que não permitem apurar o número e a identidade dos subscritores.
2. Os requerentes fundamentam assim o pedido:
“1) As normas cuja apreciação da constitucionalidade ora se requer referem-se a
alterações à lei que estabelece o novo regime jurídico do recenseamento
eleitoral e à lei eleitoral do Presidente da República.
2) Com efeito, as normas constantes dos artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X
procedem, respectivamente, à alteração dos n.ºs 3 e 4 do artigo 5º da Lei n.º
13/99, de 22 de Março, e ao aditamento, nesta lei, de um novo artigo 59º-A;
enquanto que a norma constante do artigo 5º do Decreto ora em apreço introduz
alterações ao n.º 1 do artigo 11º da lei eleitoral do Presidente da República.
3) Tais alterações legislativas inserem-se no processo legislativo iniciado pela
apresentação do Projecto de Lei n.º 122/X, da autoria do Partido Socialista
(PS), que «Altera a Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os
mecanismos de realização de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de
Março, e o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio», e resulta da aprovação desse
projecto de lei por parte da Assembleia da República.
4) O Projecto de Lei n.º 122/X, do PS, foi discutido e aprovado na generalidade
na sessão plenária de 8 de Julho de 2005, com os votos a favor do PS e BE, e os
votos contra dos restantes Grupos Parlamentares [DAR I Série n.º 40, de 9 de
Julho, pág. 1782 e 1783].
5) Na especialidade, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias apreciou e votou o Projecto de Lei n.º 122/X, bem como as
propostas de alteração que foram, entretanto, apresentadas.
6) A votação na especialidade na 1ª Comissão, efectuada em 20 de Julho de 2005,
foi definitiva em relação às normas dos artigos 3º e 4º do Projecto de Lei n.º
122/X e indiciária quanto às restantes normas da referida iniciativa, onde se
enquadra a norma do artigo 5º, por a Constituição impor a obrigatoriedade da sua
votação na especialidade pelo Plenário.
7) Sublinhe-se que a proposta de substituição, apresentada pelo PS em sede de
Comissão, do artigo 4º do Projecto de Lei n.º 122/X, foi aprovada na
especialidade em Comissão, com os votos a favor do PS e BE, e os votos contra do
PSD, CDS-PP e PCP. Idêntica votação obteve o artigo 3º do Projecto de Lei n.º
122/X.
8) Por sua vez, o artigo 5º do Projecto de Lei n.º 122/X foi aprovado na
especialidade, na sessão plenária de 28 de Julho de 2005, com os votos a favor
do PS e do BE, e os votos contra do PSD, PCP, CDS-PP e PEV.
9) O texto resultante das propostas contidas no guião elaborado pela Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao Projecto
de Lei n.º 122/X – Altera a Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril,
flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, bem como a Lei n.º
13/99, de 22 de Março, e o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio (PS), foi
aprovado, em votação final global, na sessão plenária de 28 de Julho de 2005,
com os votos a favor do PS e do BE, e os votos contra do PSD, PCP, CDS-PP e PEV,
dando, assim, origem ao Decreto da Assembleia da República n.º 6/X.
10) Sucede que as votações referidas suscitam a inconstitucionalidade do Decreto
n.º 6/X, em resultado da violação das regras a que a sua votação devia estar
sujeita.
Senão vejamos,
a) Violação do n.º 5 do artigo 168º da Constituição
11) Relativamente às normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto da
Assembleia da República n.º 6/X, é de sublinhar que estas, porque versam sobre a
lei que estabelece o novo regime jurídico do recenseamento eleitoral, estão
sujeitas a um regime de aprovação por maioria simples.
12) Na verdade, a matéria relativa ao recenseamento eleitoral enquadra-se no
âmbito da chamada competência legislativa concorrencial, revestindo, nos termos
do artigo 166º n.º 3, conjugado com o artigo 161º alínea c) da Constituição, a
forma de lei simples.
13) Todavia, porque o Decreto n.º 6/X também versa sobre matérias que revestem a
forma de lei orgânica, as quais carecem de aprovação, na votação final global,
por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, é patente que as
normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto em apreço se viram sujeitas, em
votação final global, a uma maioria bem mais exigente que aquela que lhe é
constitucionalmente imposta.
14) Com efeito, se as normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto da
Assembleia da República n.º 6/X, por assumirem a forma de lei simples, devem ser
aprovadas por maioria simples dos Deputados, a verdade é que, neste processo
legislativo, foram sujeitas ao regime de aprovação exigido para as leis
orgânicas, a saber, maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
15) Tudo porque os subscritores do Projecto de Lei n.º 122/X resolveram, de uma
só vez, alterar o Regime do Referendo, a Lei Eleitoral do Presidente da
República e o Regime Jurídico do Recenseamento Eleitoral.
16) Ora, muito recentemente a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias pronunciou-se, em parecer, sobre a situação de um acto
legislativo conter simultaneamente matéria de lei orgânica e de lei simples.
17) Tal parecer, emitido a propósito dos recursos de admissão dos Projectos de
Lei n.º 39/X (BE) e n.º 42/X (PCP), ambos relativos a Lei Eleitoral para a
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, foi votado e aprovado em
Plenário [DAR I Série n.º 16, de 5 de Maio de 2005 – aprovado com os votos a
favor do PS, PCP, CDS, BE e Verdes], consolidando o seguinte entendimento:
«(...) Perante este panorama constitucional, a iniciativa dois em um teria de
revestir uma única forma: ou lei orgânica, ou lei.
Se revestisse a forma de lei orgânica. teria de ser submetida a uma votação
final global por maioria absoluta, abrangendo nessa votação normas próprias de
lei orgânica e normas de lei. Contudo, isso violaria a Constituição porque
sujeitaria matérias para as quais esta define a forma de lei a uma votação final
global diversa daquela que o texto constitucional estipula.
Se revestisse a forma de lei, a votação final global seria por maioria simples
ou por dois terços, o que igualmente violaria a Constituição, na medida em que
esta estipula para as matérias de lei orgânica uma votação final global de
maioria absoluta.
Esta é uma dificuldade intransponível para uma eventual pretensão de abranger
numa mesma iniciativa matéria de alteração do estatuto orgânico e matéria de
alteração da lei eleitoral.
Note-se ainda que as leis orgânicas estão sujeitas a um regime de controlo
preventivo de constitucionalidade diverso das restantes leis. A opção por tal
forma ou por uma forma diferente traduzir-se-ia também em dificuldades a esse
nível. (...)» [DAR I Série A n.º 11, de 05/05/2005 – parecer em que foi relator
o Sr. Deputado Vitalino Canas do PS] – sublinhado nosso.
18) Ora, tendo o Decreto da Assembleia da República n.º 6/X revestido a forma de
lei orgânica, verifica-se que foram sujeitas à regra da votação final global por
maioria absoluta, não só normas próprias de lei orgânica, mas também normas de
lei, como é o caso das normas constantes nos artigos 3º e 4º do referido
Decreto.
19) Daí que, por terem as normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto n.º
6/X, que não revestem a forma de lei orgânica, sido sujeitas à aprovação, em
votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de
funções, nos parece ter sido violado o disposto no artigo 168º da Constituição.
b) Da violação da alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da Constituição
20) No que diz respeito à norma do artigo 5º do Decreto da Assembleia n.º 6/X,
na medida em que introduz alterações à lei eleitoral do Presidente da República,
e mais concretamente ao n.º 1 do seu artigo 11º, está sujeita ao mais
qualificado regime de aprovação.
21) Com efeito, dispõe a alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da Constituição que
«carecem de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde
que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções: ... a
lei que regula o exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º»
(sublinhado nosso).
22) Ora, a lei que regula o exercício do direito de voto dos cidadãos
portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de
laços de efectiva ligação à comunidade nacional, corresponde, precisamente, à
lei eleitoral do Presidente da República.
23) Na verdade, a lei reguladora a que se refere o artigo 121º n.º 2 da CRP está
hoje materializada na Lei Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto, que alterou a
lei eleitoral do Presidente da República em moldes de passar a atribuir
capacidade eleitoral activa aos «cidadãos portugueses residentes no estrangeiro
que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia
da República à data da publicação da presente lei».
24) Ora, estando o exercício do direito a que se refere o n.º 2 do artigo 121º
da Constituição regulado na lei eleitoral do Presidente da República, esta lei
está, por força da letra da alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da Constituição,
sujeita à aprovação por maioria de dois terços.
25) É que o n.º 6 do artigo 168º da Constituição distingue as situações em que
são as normas ou as disposições a estarem sujeitas à maioria de votação por dois
terços, daquelas em que é a lei, e não as normas ou as disposições que
materialmente lhes respeitem, que está submetida a esse regime de votação.
26) E, atendendo à redacção da alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da
Constituição, é perfeitamente claro e inequívoco que o legislador constitucional
sujeitou à aprovação por maioria de dois terços a lei, e não as normas ou as
disposições, que regula o exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º.
27) Nesse sentido também apontam os trabalhos preparatórios subjacentes à
Revisão Constitucional de 1997, que esteve, aliás, na génese da norma em causa.
28) Com efeito, na reunião da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
realizada em 20 de Junho de 1997, o então Deputado do PS José Magalhães refere:
«...acabámos de apresentar na mesa uma norma, com o n.º 7, que diz ‘a lei que
regula o exercício do direito de participação dos residentes no estrangeiro no
acto eleitoral tem valor reforçado e carece de aprovação também por maioria de
dois terços’. Tudo isto foi objecto de aprofundamento no quadro da discussão do
acordo político de revisão constitucional e visa reforçar as maiorias
necessárias para a aprovação de determinados diplomas ou, então, de determinadas
disposições de certos diplomas com valor especialmente relevante» [DAR II Série
n.º 107, de 21 de Junho de 1997, página 3147] (sublinhado nosso).
29) Também o então Deputado do PS Jorge Lacão afirmou, na sessão plenária de 24
de Julho de 1997: «A última palavra nesta matéria é para sublinhar que também,
por esta via, a lei ontem aprovada nesta Câmara, relativamente ao artigo 124°, e
que regulará o exercício do direito de voto por parte dos cidadãos residentes no
estrangeiro no que à eleição do Sr. Presidente da República diz respeito,
carecerá de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados» [DAR I Série n.º
101, de 25 de Julho de 1997, página 3821].
30) Assim sendo, decorre da letra da alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da CRP
que a lei eleitoral do Presidente da República, porque é a lei que regula o
exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º, exige uma maioria
qualificada de dois terços.
31) Poderia não ser assim, caso o legislador tivesse optado por aprovar em lei
autónoma o exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º.
32) Mas não é o caso, e ao expressamente optar por inscrever a modulação desse
direito na própria lei eleitoral do Presidente da República, é todo este diploma
que passa a ficar sob a alçada da exigência constitucional de uma maioria de
votação por dois terços.
33) Sucede, porém, que a norma do artigo 5º do Decreto n.º 6/X não alcançou, na
votação na especialidade, a maioria de dois terços constitucionalmente exigida.
34) Acresce que o Decreto n.º 6/X não logrou atingir aprovação, em votação final
global, por maioria de dois terços.
35) Está assim violada a alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da Constituição.
Nestes termos, e com base nos fundamentos que supra se aduziu, requer-se a
fiscalização preventiva abstracta da constitucionalidade das normas constantes
dos artigos 3º, 4º e 5º do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X.”.
3. Nos termos do artigo 51º, n.º 3, da LTC, o Presidente do
Tribunal Constitucional proferiu, em 5 de Agosto, o despacho de fls. 12 e
seguinte, convidando os requerentes a suprirem as deficiências do requerimento:
“O requerimento de fls. 1 e segs. enferma das seguintes deficiências:
O requerimento vem subscrito por um conjunto de deputados do PSD em termos tais
que, para além de dificultar o apuramento do número de subscritores, não
permite, em vários casos, a sua identificação;
O requerimento não vem acompanhado de cópia do Decreto da Assembleia da
República n.º 6/X, de onde constarão as normas arguidas de
inconstitucionalidade, e o Tribunal não tem conhecimento oficial do referido
Decreto;
Muito embora se refira que os subscritores foram notificados em 1/8/05 do envio
a Sua Excelência o Presidente da República do citado Decreto, não foi junto
qualquer documento comprovativo dessa notificação;
Estando suscitadas questões relativas a aspectos procedimentais da aprovação do
Decreto, não é junta a pertinente documentação que habilite o juiz-relator, no
curtíssimo prazo que a lei lhe confere para elaborar memorando, a enunciar as
questões sobre que o Tribunal se deverá pronunciar e a apresentar as soluções
que para elas propuser.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 51º n.º 3 da Lei do Tribunal
Constitucional, convido os requerentes a, no prazo fixado no artigo 57º n.º 3 da
mesma Lei, suprir as deficiências apontadas.”.
4. Em 8 de Agosto, o Presidente do Grupo Parlamentar do Partido
Social Democrata, invocando a qualidade de primeiro subscritor do pedido de
fiscalização preventiva da constitucionalidade, dirigiu ao Presidente do
Tribunal Constitucional o requerimento de fls. 15 e seguintes, em que respondeu:
“[...]
a) O requerimento foi subscrito por quarenta e oito Deputados do Grupo
Parlamentar do PSD, exactamente aqueles que con[s]tam da relação que se junta e
dá por reproduzida;
b) Para habilitar o pedido formulado pelos Deputados peticionantes, junta
documento contendo o teor integral do Decreto da Assembleia n° 6/X;
c) Ainda para habilitar o mesmo pedido, junta cópia do ofício enviado pelo
Senhor Presidente da Assembleia da República, Dr. Jaime Gama, ao Deputado
Signatário, datada de 1 de Agosto de 2005;
d) Para suportar as questões de natureza procedimental que nortearam e
suportaram o pedido formulado pelos Deputados signatários do pedido de
fiscalização preventiva abstracta de constitucionalidade do Decreto da
Assembleia da República n.º 6/X, junta folhas elaboradas pelos Serviços da
DAPLEN (Divisão de Apoio ao Plenário) que vão servir de base à elaboração do
Diário da Assembleia da República relativo à Sessão Plenária de 28 de Julho de
2005, bem como cópias de todos os Diários da Assembleia da República invocados
no requerimento, que constituem as anotações 1 a 5.
[...]”.
Ao requerimento encontram-se juntos os documentos
mencionados, a saber:
– “Relação de Deputados signatários do requerimento
apresentado sobre o Decreto da Assembleia da República n.º 6/X” (fls. 18);
– texto do Decreto n.º 6/X – “Procede à primeira alteração à
Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os mecanismos de
realização de referendos, à segunda alteração à Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e
à décima sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio” (fls. 19 a
24);
– cópia do ofício enviado pelo Presidente da Assembleia da
República ao Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata em 1 de
Agosto de 2005, comunicando que “na presente data, foi enviado a Sua Excelência
o Presidente da República o Decreto n.º 6/X, de 28 de Julho de 2005, que
«Procede à primeira alteração à Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril,
flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, à segunda alteração à
Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e à décima sexta alteração ao Decreto-Lei n.º
319-A/76, de 3 de Maio», para promulgação como Lei Orgânica” (fls. 25);
– cópia das “folhas elaboradas pelos Serviços da DAPLEN
(Divisão de Apoio ao Plenário), que vão servir de base à elaboração do Diário da
Assembleia da República relativo à Sessão Plenária de 28 de Julho de 2005” (fls.
26 a 31);
– cópias de “todos os Diários da Assembleia da República
invocados no requerimento” (fls. 32 a 54).
5. Em 5 de Agosto, o Vice-Presidente do Tribunal Constitucional
proferiu o seguinte despacho (fls. 55):
“[...] Admito o pedido, sem prejuízo das dúvidas que eventualmente possam
subsistir quanto ao cabal preenchimento do requisito constante do artigo 278º,
número 4, da Constituição.
[...].”.
Admitido o pedido, foram de imediato distribuídos os autos.
6. O Presidente da Assembleia da República, notificado nos termos
e para o efeito do preceituado nos artigos 54º e 55º da Lei do Tribunal
Constitucional, respondeu através do requerimento de fls. 59 e seguintes.
Depois de fazer um resumo do pedido “subscrito por quarenta e
oito Deputados do PSD” e de referir os trâmites seguidos na aprovação do Decreto
da Assembleia da República n.º 6/X, o Presidente da Assembleia da República
analisa as duas questões de constitucionalidade suscitadas pelos requerentes,
formulando as seguintes conclusões (fls. 77 e seguinte):
“[…]
1) Carece de fundamento jurídico invocar a violação do n.º 5 do artigo 168º CRP,
pois que o acto praticado com excesso de forma, no caso em apreciação, não faz
perigar os valores jurídicos que o legislador constitucional pretendeu
acautelar, valendo o brocardo «Quod abundat non nocet». Só poderia colocar-se o
problema se fosse concedido valor de lei orgânica às disposições do Decreto n.º
6/X que não regulam matérias que devam ser sujeitas à forma de aprovação
prevista para as leis orgânicas. Ora, tal não sucede porque a inclusão de
enclaves de direito legislativo comum em leis orgânicas não atribui a esses
enclaves o estatuto de lei orgânica. Aliás, nesse sentido, volta a referir-se o
decidido no Acórdão n.º 460/99 do Tribunal Constitucional (D.R., 2.ª série, n.º
62, 14 de Março), onde é expressamente afirmado que «a norma em causa só
padeceria de inconstitucionalidade se se entendesse conferir-lhe força formal
superior à de lei não reforçada». Assim, a consequência da sua inclusão só pode
ser a da mera irrelevância, não havendo, portanto, fundamento jurídico para que
venha a ser declarada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos
3° e 4° do Decreto n.º 6/X por violação do n.º 5 do artigo 168º da Constituição
da República Portuguesa.
2) Carece de fundamento jurídico invocar a violação da alínea c) do n.º 6 do
artigo 168º CRP, pois que essa alínea do artigo só compreende a matéria
relacionada com o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses no
estrangeiro. Assim, só a regulação do exercício desse direito, e só ela, está
abrangida pelo regime previsto no n.º 6 do artigo 168º da Constituição da
República Portuguesa. É irrelevante, para a sua qualificação jurídica, o facto
de a lei eleitoral do Presidente da República ter incorporado a lei que veio
regular o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses no estrangeiro.
Tal incorporação, procurando harmonizar e sistematizar as regras respeitantes ao
regime jurídico da eleição do Presidente da República, não converte a totalidade
do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio, em lei reforçada sujeita ao regime de
aprovação previsto no n.º 6 do artigo 168º da Constituição da República.
3) Assim, foi respeitada a Constituição da República Portuguesa, quando, no dia
vinte e oito de Julho de dois mil e cinco, em votação global final, a Assembleia
da República aprovou, com 122 votos favoráveis e 72 contrários, o Decreto da
Assembleia da República n.º 6/X.”.
Relativamente à invocada inconstitucionalidade dos artigos 3º e 4º
do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, por violação do disposto no
artigo 168º n.º 5 da Constituição, o Presidente da Assembleia da República
suscita uma questão prévia, de inadmissibilidade do pedido, nestes termos (fls.
67 e seguinte):
“[…]
11° - Mais se diga – ainda que à cautela e a título prejudicial no que diz
respeito a esta parte do pedido apresentado pelos subscritores – que se o pedido
de fiscalização preventiva das normas constantes nos artigos 3º e 4º lograsse
obter acolhimento, ficaria por resolver o problema da sua admissibilidade
parcial, pois que, uma vez que o recenseamento eleitoral não é matéria
tipicamente sujeita à forma de lei orgânica, tal facto poderá constituir uma
restrição aos poderes do Tribunal Constitucional para apreciar esta parte do
pedido, pois que, nos termos do n.º 4 do artigo 278º da Constituição da
República Portuguesa, só as normas constantes dos decretos que são enviadas ao
Presidente para promulgação como lei orgânica, e só essas, podem ser objecto de
um pedido de fiscalização preventiva por parte de um quinto dos Deputados. Ora,
se os artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X apenas estão englobados por extensão, e
não por natureza, na forma de lei orgânica, é com dificuldade que se vislumbra
como será possível que o Tribunal Constitucional possa, no âmbito do pedido de
fiscalização preventiva requerida pelos subscritores, apreciar a validade
constitucional de normas cuja matéria se encontra fora do domínio das lei
orgânicas. Apesar de estarem inseridas num decreto da Assembleia que seguiu para
a Presidência da República para ser promulgado como lei orgânica, elas não terão
o valor de lei orgânica depois de promulgadas, pois que a qualificação como lei
orgânica não decorre do número de votos obtidos pelo acto legislativo, nem do
nome que o legislador lhe atribua. O nomen iuris que o autor da norma lhe
atribui é meramente indiciário para efeitos de qualificação jurídica e
irrelevante para aquilatar do preenchimento dos pressupostos processuais para
aceitar o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade dos
subscritores, seguindo-se, desta forma, o que é afirmado, ainda que a propósito
do problema inverso, por Gomes Canotilho/Vital Moreira: «Apesar da letra da lei
(…) não é necessário que o decreto parlamentar tenha sido enviado para
promulgação como ‘lei orgânica’. Basta apenas que ele incida sobre matéria que
deveria ser regulada como lei orgânica» (Constituição da República Portuguesa
anotada, 3ª ed. revista, Coimbra Editora, 1993, p. 1005). Tal como diz Blanco de
Morais: «não estando a lei reforçada pelo procedimento inibida de dispor
normativamente, a título parcial, sobre áreas exógenas à reserva respectiva, ela
não estará ainda assim habilitada a conferir às normas que corporizam essa
incursão, valor reforçado» (As leis reforçadas, Coimbra Editora, 1998, p. 912),
sendo também de referir o que vem sendo defendido por Jorge Miranda quando
afirma que «a qualificação de uma lei como reforçada não depende da designação
que o legislador lhes confira. Depende da verificação dos requisitos de
qualificação constitucionalmente fixados» (Manual de Direito Constitucional,
Tomo V, 3ª ed., Coimbra Editora, 2004, p. 371). Ou seja, adaptando o que acaba
de ser referido para a questão relativa ao achamento da matéria que está
compreendida nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional no presente
caso, entende-se que o pedido dos subscritores só poderá ser apreciado na parte
respeitante às matérias que deveriam ser reguladas por lei orgânica, não
estando, quanto às restantes matérias, preenchidos os pressupostos processuais
para que o Tribunal se possa pronunciar sobre elas, isto porque se entende
existir falta de legitimidade processual dos subscritores para requererem a
fiscalização de normas respeitantes a matéria da reserva legislativa não
reforçada através de um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade
apresentado ao abrigo do n.º 4 do artigo 278º da Constituição da República
Portuguesa.
[…].”.
Com a resposta são juntos quatro documentos:
– doc. 1: “Texto final relativo ao Projecto de Lei n.º 122/X
(PS) – Altera a Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os
mecanismos de realização de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de
Março, e o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio” (fls. 80 a 84);
– doc. 2: “Declaração” comprovativa de que “o autógrafo da
Lei referente ao Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, de 28 de Julho de
2005, que «Procede à primeira alteração à Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de
Abril, flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, à segunda
alteração à Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e à décima sexta alteração ao
Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio», foi enviado a Sua Excelência o
Presidente da República para promulgação no dia 1 de Agosto, conforme cópias do
ofício e protocolo que se anexam” (fls. 85 a 87);
– docs. 3 e 4: cópia do ofício dirigido pela Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias ao Presidente da
Assembleia da República, remetendo o “Relatório, conclusões e parecer” daquela
Comissão sobre o Projecto de Lei n.º 122/X, um “Relatório de votações” sobre as
propostas de alteração ao Projecto de Lei n.º 122/X (de 20 de Julho de 2005),
uma cópia do Projecto de Lei n.º 122/X e um relatório sobre a votação daquele
parecer na 25ª reunião de comissão (de 6 de Julho de 2005) (fls. 88 a 102).
II
Fundamentação
A) Admissibilidade do pedido
7. Nos termos do artigo 278º, n.º 4, da Constituição, têm
legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da
constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que tenha sido
enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica o próprio
Presidente da República, o Primeiro-Ministro e um quinto dos Deputados à
Assembleia da República em efectividade de funções.
A apreciação preventiva da constitucionalidade prevista no
n.º 4 do artigo 278º deve ser requerida no prazo de oito dias a contar da data
em que o Presidente da Assembleia da República enviar ao Presidente da República
o decreto que deva ser promulgado como lei orgânica; para o efeito, o Presidente
da Assembleia da República dará conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos
parlamentares da Assembleia da República do envio do decreto ao Presidente da
República (n.ºs 6 e 5 do artigo 278º).
8. A verificação do modo como foram supridas as deficiências
apontadas no despacho de aperfeiçoamento proferido pelo Presidente do Tribunal
Constitucional revela-se indispensável, desde logo, para aferir da legitimidade
dos requerentes e da tempestividade do pedido.
Por outro lado, importa apreciar a questão relativa à falta
de legitimidade processual dos requerentes, suscitada pelo Presidente da
Assembleia da República na sua resposta.
8.1. No requerimento de fls. 15 e seguintes, os requerentes vêm
esclarecer, em primeiro lugar, que o pedido “foi subscrito por quarenta e oito
Deputados do Grupo Parlamentar do PSD, exactamente aqueles que constam da
relação que se junta e dá por reproduzida”.
Pode duvidar-se que este esclarecimento e a “relação de
Deputados signatários” junta ao requerimento dêem resposta adequada à
deficiência apontada no despacho de aperfeiçoamento:
– antes de mais, porque parece que do requerimento de fls. 1
e seguintes constam 47 assinaturas ou rubricas (a fls. 10), enquanto agora se
menciona que o pedido foi subscrito por 48 Deputados e a “relação de Deputados
signatários” inclui 48 nomes;
– depois, porque a “relação de Deputados signatários” inclui
48 nomes, por ordem alfabética, sem estabelecer qualquer correspondência entre
tais nomes e as assinaturas ou rubricas constantes do requerimento;
– finalmente, porque se mantém o carácter ilegível de muitas
das assinaturas ou rubricas, dificultando a identificação dos respectivos
autores e, consequentemente, a verificação de que os Deputados subscritores se
encontram “em efectividade de funções”.
Como se referiu, a legitimidade para o pedido de apreciação
preventiva da constitucionalidade é, neste caso, atribuída pela Constituição a
um quinto dos Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções.
Tendo em conta a composição actual da Assembleia da República (230 Deputados),
um pedido desta natureza tem de ser subscrito por um mínimo de 46 Deputados em
efectividade de funções.
O Tribunal entende que, por razões de transparência
objectiva, um pedido de apreciação preventiva da constitucionalidade formulado
por Deputados à Assembleia da República, ao abrigo do disposto no artigo 278º,
n.º 4, da Constituição, deve ser apresentado em termos tais que permitam apurar
com rigor não apenas o número dos seus subscritores, mas também a respectiva
identidade, de modo a possibilitar a verificação de que os mesmos se encontram
em efectividade de funções.
Nas circunstâncias do presente processo, pode duvidar-se –
repete-se – que os requerentes tenham feito prova adequada da sua legitimidade
para apresentarem tal pedido ao Tribunal Constitucional.
Todavia – além de ter sido junto aos autos um ofício remetido
ao Presidente do Tribunal Constitucional pelo Presidente do Grupo Parlamentar do
Partido Social Democrata, a que se encontra anexa uma “relação de Deputados
signatários”, e de, quer o número de assinaturas ou rubricas apostas no
requerimento inicial, quer o número de Deputados constante da relação remetida
ao Tribunal, exceder o mínimo previsto na Constituição –, tem de considerar-se
que, na resposta, o Presidente da Assembleia da República aceita expressamente,
e sem qualquer reparo, que o pedido se encontra “subscrito por quarenta e oito
Deputados do PSD”.
Dá-se assim por verificada, sob este aspecto, a legitimidade
dos requerentes.
8.2. Na sua resposta, o Presidente da Assembleia da República invoca
a “falta de legitimidade processual dos subscritores para requererem a
fiscalização de normas respeitantes a matéria da reserva legislativa não
reforçada através de um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade
apresentado ao abrigo do n.º 4 do artigo 278º da Constituição da República
Portuguesa”.
Sustenta o Presidente da Assembleia da República que “os
artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X apenas estão englobados por extensão, e não
por natureza, na forma de lei orgânica”, pelo que não poderá o Tribunal
Constitucional, “no âmbito do pedido de fiscalização preventiva requerida pelos
subscritores, apreciar a validade constitucional de normas cuja matéria se
encontra fora do domínio das lei orgânicas”. E acrescenta que, “apesar de
estarem inseridas num decreto da Assembleia que seguiu para a Presidência da
República para ser promulgado como lei orgânica, elas não terão o valor de lei
orgânica depois de promulgadas, pois que a qualificação como lei orgânica não
decorre do número de votos obtidos pelo acto legislativo, nem do nome que o
legislador lhe atribua”.
Conclui, por estas razões, que “o pedido dos subscritores só
poderá ser apreciado na parte respeitante às matérias que deveriam ser reguladas
por lei orgânica, não estando, quanto às restantes matérias, preenchidos os
pressupostos processuais para que o Tribunal se possa pronunciar sobre elas,
isto porque se entende existir falta de legitimidade processual dos subscritores
para requererem a fiscalização de normas respeitantes a matéria da reserva
legislativa não reforçada através de um pedido de fiscalização preventiva da
constitucionalidade apresentado ao abrigo do n.º 4 do artigo 278º da
Constituição da República Portuguesa”.
Ora, não pode deixar de se observar, em primeiro lugar, que o
artigo 278º, n.º 4, da Constituição é expresso no sentido de que “podem requerer
ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de
qualquer norma constante de decreto que tenha sido enviado ao Presidente da
República para promulgação como lei orgânica, além deste, o Primeiro-Ministro ou
um quinto dos Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções”
(itálico aditado agora).
Logo, independentemente da questão de saber se, para concluir
pela legitimidade de um requerente, basta que o decreto parlamentar incida sobre
matéria que deveria ser regulada como lei orgânica, não sendo necessário que ele
tenha sido enviado para promulgação como lei orgânica – hipótese configurada na
resposta do Presidente da Assembleia da República e de que aqui se não cura –, a
verdade é que o texto da Constituição é claro no sentido de admitir a apreciação
preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que
tenha sido enviado ao Presidente da República para promulgação como lei
orgânica.
E compreende-se que assim seja.
A existência de um regime alargado de legitimidade para
requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da
constitucionalidade quanto aos decretos da Assembleia da República destinados a
serem promulgados como lei orgânica justifica-se pela especial relevância
política das matérias sobre as quais versam as leis orgânicas (as matérias
referidas no artigo 166º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). Mas
procura-se também – ao atribuir legitimidade, no caso que agora interessa
considerar, a um quinto dos Deputados em efectividade de funções – assegurar o
direito de fiscalização por parte da minoria que ficou vencida no plenário da
Assembleia da República, o que constitui uma concretização do direito de
oposição democrática previsto no artigo 114º, n.º 2, da Constituição.
A argumentação do Presidente da Assembleia da República tem o
significado de subordinar a decisão da questão relativa aos pressupostos
processuais à solução da questão de fundo que os requerentes pretendem que o
Tribunal Constitucional aprecie.
Para o que neste momento importa, no presente processo está
em causa saber se as normas dos artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X –
respeitantes a matéria de recenseamento eleitoral – podem, sem violar a
Constituição, integrar uma lei orgânica.
Segundo o entendimento do órgão autor das normas, “os artigos
3º e 4º do Decreto n.º 6/X apenas estão englobados por extensão, e não por
natureza, na forma de lei orgânica” e, por isso, não poderiam ser objecto de um
pedido de apreciação preventiva de constitucionalidade nos termos do artigo
278º, n.º 4, da Constituição.
Esse modo de equacionar o problema equivale porém a dar como
assente precisamente aquilo que a final há que decidir.
O Tribunal entende que, num processo de fiscalização
preventiva da constitucionalidade de normas, e, concretamente, num caso como o
destes autos, a aferição dos pressupostos processuais – desde logo, a aferição
da legitimidade dos requerentes – não pode depender da decisão da questão de
fundo e, menos ainda, da posição que quanto à questão de fundo sustente o
requerente ou o órgão autor das normas.
Isto significa que aos Deputados que pretendam requerer a
apreciação preventiva da constitucionalidade quanto a normas constantes de um
decreto da Assembleia da República enviado para promulgação como lei orgânica
tem de reconhecer-se legitimidade para discutir se uma determinada norma pode,
ou não, integrar tal decreto, em função da respectiva natureza ou conteúdo ou em
função do procedimento adoptado na sua aprovação.
No caso dos autos, está demonstrado – tanto pelo texto do
decreto em que se inserem as normas impugnadas (Decreto n.º 6/X), como pelo
Diário da Assembleia da República relativo à reunião plenária de 28 de Julho de
2005, em que se procedeu à votação final global do Projecto de Lei n.º 122/X que
deu origem ao Decreto n.º 6/X (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º
42, de 29 de Julho de 2005, p. 1917 s), como ainda pelo ofício constante de fls.
25 – que o presente pedido de apreciação preventiva da constitucionalidade diz
respeito a normas constantes de decreto que foi enviado ao Presidente da
República para promulgação como lei orgânica.
Improcede pois a questão de ilegitimidade dos requerentes
suscitada pelo Presidente da Assembleia da República.
8.3. O presente pedido de apreciação preventiva da
constitucionalidade foi apresentado no Tribunal Constitucional em 4 de Agosto de
2005.
Os requerentes remeteram ao Tribunal, em resposta ao despacho
de aperfeiçoamento, cópia do ofício enviado pelo Presidente da Assembleia da
República ao Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata em 1 de
Agosto de 2005, comunicando que “na presente data, foi enviado a Sua Excelência
o Presidente da República o Decreto n.º 6/X, de 28 de Julho de 2005, que
«Procede à primeira alteração à Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril,
flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, à segunda alteração à
Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e à décima sexta alteração ao Decreto-Lei n.º
319-A/76, de 3 de Maio», para promulgação como Lei Orgânica” (cópia constante de
fls. 25).
A informação de que o Decreto foi enviado ao Presidente da
República para promulgação no dia 1 de Agosto consta igualmente da “Declaração”
remetida pela Assembleia da República, bem como das cópias anexas a tal
declaração (cópia do ofício dirigido pelo Presidente da Assembleia da República
ao Presidente da República enviando para promulgação o Decreto n.º 6/X e cópia
do protocolo relativo à entrega desse ofício na Presidência da República) (fls.
85 a 87).
Conclui-se que o pedido é tempestivo, face ao disposto no
artigo 278º, n.ºs 6 e 5, da Constituição.
8.4. Nestes termos, nada obsta ao conhecimento do pedido, quer do
ponto de vista de legitimidade de quem o formula, quer do ponto de vista da
tempestividade da sua apresentação.
B) Apreciação das questões de inconstitucionalidade suscitadas no
pedido
9. Os requerentes suscitam duas questões distintas, que adiante
serão analisadas separadamente:
a) A questão da inconstitucionalidade dos artigos 3º e 4º do Decreto
6/X, por alegada violação do disposto no artigo 168º, n.º 5, da CRP;
b) A questão da inconstitucionalidade do artigo 5º do
mesmo Decreto, por alegada violação do disposto no artigo 168º, n.º 6, alínea
c), da CRP.
10. É o seguinte o teor dos preceitos do Decreto da Assembleia da
República n.º 6/X, remetido à Presidência da República para ser promulgado como
lei orgânica, em relação aos quais vem requerida a apreciação da
constitucionalidade ao Tribunal Constitucional [as alterações introduzidas pelo
Decreto n.º 6/X são assinaladas a itálico]:
“Artigo 3º
O artigo 5º da Lei n.º 13/99, de 22 de Março (Estabelece o novo regime jurídico
do recenseamento eleitoral), passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 5º
[…]
1 - [...]
2 - [...]
3 - No 60º dia que antecede cada eleição ou referendo, ou no dia seguinte ao da
convocação de referendo, se ocorrer em prazo mais curto, e até à sua realização,
é suspensa a actualização do recenseamento eleitoral, sem prejuízo do disposto
no número seguinte do presente artigo, no n.º 2 do artigo 35º e no artigo 57º e
seguintes da presente lei.
4 - Caso a eleição ou referendo seja convocada com pelo menos 55 dias de
antecedência, podem ainda inscrever-se até ao 55º dia anterior ao dia da votação
os cidadãos que completem 18 anos até ao dia da eleição ou referendo.».
Artigo 4º
É aditado à Lei n.º 13/99, de 22 de Março (Estabelece o novo regime jurídico do
recenseamento eleitoral), o artigo 59º-A, com a seguinte redacção:
«Artigo 59º -A
(Prazos especiais)
Caso se trate de referendo convocado com menos de 55 dias de antecedência, os
prazos referidos nos artigos anteriores são alterados da seguinte forma:
a) Até ao 6º dia posterior à convocação, para a comunicação referida no n.º 1 do
artigo 57º;
b) Até ao 13º dia posterior à convocação, para a extracção referida no n.º 2 do
artigo 57º;
c) Do 14º ao 16º dias posteriores à convocação, para a exposição referida no n.º
3 do artigo 57º;
d) Redução a metade, arredondada por excesso, dos prazos superiores a um dia a
que se refere o n.º 4 do artigo 57º;
e) 2 dias, para o envio referido no n.º 1 do artigo 58º;
f) Até ao 13º dia posterior à convocação, para a emissão de cadernos referida no
n.º 3 do artigo 58º;
g) 5 dias, para o período de inalterabilidade referido no artigo 59º.».
Artigo 5º
O artigo 11º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio (Regulamenta a eleição do
Presidente da República), passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 11º
[…]
1 - O Presidente da República marcará a data do primeiro sufrágio para a eleição
para a Presidência da República com a antecedência mínima de 60 dias.
2 - […]
3 - [...].».”.
a) A alegada inconstitucionalidade das normas
constantes dos artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X
11. Os requerentes afirmam que as normas dos artigos 3º e 4º
do Decreto n.º 6/X, versando sobre a lei que estabelece o novo regime jurídico
do recenseamento eleitoral, e estando por isso sujeitas a um regime de aprovação
por maioria simples, apesar disso “se viram sujeitas, em votação final global, a
uma maioria bem mais exigente que aquela que lhe é constitucionalmente imposta”,
uma vez que, “neste processo legislativo, foram sujeitas ao regime de aprovação
exigido para as leis orgânicas, a saber, maioria absoluta dos Deputados em
efectividade de funções”.
Na sua perspectiva, “tendo o Decreto da Assembleia da
República n.º 6/X revestido a forma de lei orgânica, verifica-se que foram
sujeitas à regra da votação final global por maioria absoluta, não só normas
próprias de lei orgânica, mas também normas de lei, como é o caso das normas
constantes nos artigos 3º e 4º do referido Decreto”.
Por essa razão, e segundo o entendimento dos
requerentes, teria sido violado o disposto no artigo 168º, n.º 5, da
Constituição (nos termos do qual “as leis orgânicas carecem de aprovação, na
votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de
funções […]”).
12. O Decreto n.º 6/X teve origem no “Projecto de Lei n.º 122/X (Altera a
Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os mecanismos de
realização de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e o
Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio)”, subscrito por Deputados do Grupo
Parlamentar do Partido Socialista.
Na respectiva exposição de motivos justificava-se assim
a apresentação do Projecto (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º
31, de 2 de Julho de 2005, p. 8):
“Tem sido reconhecido por vastos sectores que as regras que regem a convocação e
realização de referendos requerem alguns ajustamentos. O próprio Presidente da
República, em mensagem dirigida à Assembleia da República em 2 de Maio de 2005,
advoga a «inadiável necessidade de repensarmos a adequação do conjunto dos
prazos e limites circunstanciais, temporais e materiais que, entre nós, envolvem
a realização dos referendos».
Com o propósito de flexibilizar os mecanismos de realização de referendos, por
forma a não tornar, em anos com vários actos eleitorais, tarefa quase impossível
o cumprimento de tal desiderato, propõe o Partido Socialista alterações à lei
orgânica do regime do referendo, aprovado pela Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de
Abril, à Lei n.º 13/99, de 22 de Março (Lei do Recenseamento Eleitoral), e à Lei
Eleitoral do Presidente da República, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 319-A/76, de
3 de Maio.
Sendo o referendo um importante meio de expressão da vontade popular, importa
que a sua convocação e realização não fique condicionada de forma absoluta por
razões de natureza processual, designadamente pela existência de prazos muito
dilatados para a sua convocação e para os presidentes de câmara decidirem sobre
a necessidade de haver desdobramento em secções de voto das assembleias de voto
e de prazos amplos para o anúncio dos locais de funcionamento das assembleias e
secções de voto.
Assim, o prazo de convocação de referendos é alargado, passando o prazo máximo
de convocação para 180 dias e o prazo mínimo para 40 dias, sendo ajustados
alguns prazos intermédios.
Por outro lado, é sabido que todo o direito eleitoral está interligado, pelo que
o regime jurídico do recenseamento eleitoral não pode deixar de estar em
consonância com as leis que disciplinam os vários regimes jurídicos de eleição
dos órgãos de soberania, autarquias locais e regime jurídico do referendo.
Assim, para tornar possível a convocação de referendos no prazo mais curto que
ora se propõe há igualmente necessidade de proceder a alterações no regime do
recenseamento eleitoral. Trata-se, essencialmente, de reduzir o prazo de
suspensão da actualização do recenseamento nos casos em que um referendo é
convocado com menos de 55 dias de antecedência e de criar prazos especiais
quando se verifiquem estas situações.
Finalmente, a Lei Eleitoral do Presidente da República é alterada no sentido de
harmonizar os prazos da convocação da sua eleição com o que já hoje acontece com
a eleição da Assembleia da República (60 dias).
[...].”.
Uma vez que o objectivo fundamental consistia em
introduzir alterações na legislação em vigor em matéria de convocação e
realização de referendos, de modo a flexibilizar os mecanismos de realização de
referendos, o projecto apresentado dirigia-se essencialmente à alteração da Lei
Orgânica do Regime do Referendo (Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril) – vejam-se o
artigo 2º do Projecto de Lei, bem como o artigo 2º do Decreto aprovado, através
do qual são modificados os artigos 8º, 35º, 40º, 41º, 77º e 79º dessa Lei.
Consequentemente, o diploma a aprovar teria de revestir
a forma de lei orgânica, nos termos do artigo 164º, alínea b), e do artigo 166º,
n.º 2, da Constituição, e foi, com efeito, aprovado como lei orgânica, seguindo
as exigências estabelecidas pelo artigo 168º, n.ºs 4 e 5, da Constituição
(Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 42, cit., p. 1917 s).
Conforme consta do artigo 1º do Decreto 6/X, “a presente
lei tem como objecto a flexibilização dos mecanismos de realização de
referendos, alterando os prazos do procedimento de referendo, de suspensão e de
actualização do recenseamento eleitoral com vista a procedimento de referendo e
de convocação da eleição do Presidente da República”.
De acordo com o artigo 2º, que altera a Lei n.º 15-A/98,
de 3 de Abril – Lei Orgânica do Regime do Referendo –, esta Lei é modificada
permitindo, nomeadamente, que a iniciativa de referendo possa ser aprovada entre
a data da convocação e a da realização de eleições e que os referendos possam
ter lugar entre o 40º e o 180º dias a contar da publicação do decreto de
convocação do Presidente da República, em vez de se realizarem, conforme
prescreve a legislação actualmente em vigor, entre o 60º e o 90º dias a contar
dessa mesma publicação.
Todavia, como se anuncia na exposição de motivos acima
transcrita, considerou-se igualmente necessário “proceder a alterações no regime
do recenseamento eleitoral” e “harmonizar os prazos da convocação da eleição [do
Presidente da República] com o que já hoje acontece com a eleição da Assembleia
da República (60 dias)”.
Assim, e para o que neste momento interessa considerar,
os artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X, cuja constitucionalidade é questionada,
alteram o disposto na Lei n.º 13/99, de 22 de Março, que estabelece o novo
regime jurídico do recenseamento eleitoral.
O primeiro daqueles artigos – o artigo 3º – altera o
artigo 5º da Lei n.º 13/99, que, sob a epígrafe “permanência e actualidade”,
regula os efeitos e a actualização do recenseamento. As alterações são, em
síntese, as seguintes:
– no n.º 3 do artigo 5º – que determina a suspensão da
actualização do recenseamento no 60º dia que antecede a eleição ou o referendo e
até à sua realização – é inserido o inciso “ou no dia seguinte ao da convocação
de referendo, se ocorrer em prazo mais curto”;
– no n.º 4 do artigo 5º – que prevê a possibilidade de
inscrição no recenseamento, até ao 55º dia anterior ao dia da votação, dos
cidadãos que completem 18 anos até ao dia da eleição ou referendo – é aditada,
no início, a expressão “caso a eleição ou referendo seja convocada com pelo
menos 55 dias de antecedência”.
Deste modo se pretende compatibilizar o regime em vigor
em matéria de actualização do recenseamento com a possibilidade de o referendo
ser convocado em prazo inferior a 60 dias.
O segundo daqueles preceitos – o artigo 4º – introduz um
novo artigo na referida Lei n.º 13/99 (artigo 59º-A), que, sob a epígrafe
“prazos especiais”, adapta diversos prazos previstos na lei em vigor ao caso em
que o referendo seja convocado com menos de 55 dias de antecedência.
13. Uma vez que as normas questionadas, sobre matéria de
recenseamento eleitoral, constam de diploma aprovado pela Assembleia da
República, não se coloca qualquer questão relacionada com a reserva absoluta ou
relativa de competência legislativa parlamentar.
Em princípio, um diploma emanado da Assembleia da República
que discipline tal matéria revestiria, nos termos conjugados do artigo 166º, n.º
3, e do artigo 161º, alínea c), da Constituição, a forma de lei. Nos termos
gerais, para a sua aprovação bastaria, em votação final global, o voto
maioritário conforme, em deliberação tomada com a presença da maioria do número
legal dos Deputados; isto é, para a sua aprovação bastaria a maioria simples
(artigo 116º, n.ºs 2 e 3, da Constituição).
Os requerentes consideram que, tendo as normas dos artigos 3º
e 4º do Decreto n.º 6/X sido “sujeitas ao regime de aprovação exigido para as
leis orgânicas, a saber, maioria absoluta dos Deputados em efectividade de
funções”, foi violado o disposto no artigo 168º, n.º 5, da Constituição.
Poderia desde logo responder-se que as exigências
estabelecidas pela Constituição quanto às deliberações de órgãos colegiais,
tanto no que se refere à presença de um certo número de membros como no que diz
respeito ao número de votos necessários para a respectiva aprovação, são
exigências de mínimos. Nestes termos, não inquinaria uma deliberação de um órgão
colegial a presença, em tal deliberação, de membros desse órgão em número
superior ao exigido, nem a aprovação da deliberação por um número de votos
superior ao exigido. Aliás, embora possam configurar-se casos em que o sentido
do voto individual de um membro de um órgão colegial seja influenciado pelo
limiar de votação exigida (uma maioria qualificada ou especialmente reforçada),
admite-se que o voto a favor ou contra determinada proposta ou projecto resulte
essencialmente da concordância ou discordância em relação ao respectivo objecto
e à solução material apresentada.
No caso em apreço, é certo que estamos perante um acto normativo uno
em função da sua finalidade (a flexibilização dos mecanismos de realização de
referendos) e em função da matéria de que trata (o direito eleitoral), mas com
um conteúdo múltiplo – já que visa introduzir alterações em diversos diplomas,
com diferentes naturezas. Nestas circunstâncias, pode sustentar-se que o
cumprimento dos requisitos de forma ou de procedimento leva a respeitar as
regras mais exigentes. Ou seja, pode sustentar-se que o cumprimento dos
requisitos de forma ou de procedimento legitima, no caso, a observância das
regras constitucionais estabelecidas quanto à aprovação da lei orgânica, no que
toca a todo o diploma.
Tendo sido efectivamente observados os requisitos
estabelecidos quanto à aprovação da lei orgânica, impõe-se a conclusão de que
não existe violação da Constituição.
14. A questão que se suscita – embora não seja colocada nestes termos
pelos requerentes – prende-se com o valor (ou o desvalor)
jurídico-constitucional de normas alegadamente estranhas ao objecto próprio do
diploma emanado da Assembleia da República, que é um diploma aprovado de acordo
com um procedimento “reforçado”, por tal ser exigido pela natureza de “lei
orgânica” da lei que aprova o regime do referendo (e da lei eleitoral do
Presidente da República), nos termos do artigo 164º, alínea b) (e do artigo
164º, alínea a)), e do artigo 166º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa.
Poderia de imediato dizer-se que não existe na Constituição
norma que proíba que, num caso como o destes autos, um único acto legislativo
altere diferentes diplomas, de natureza distinta, desde que, obviamente, não
sejam desrespeitados os princípios gerais quanto ao valor hierárquico dos actos
normativos (tal como decorre do artigo 112º da Constituição). Ou que, do mesmo
modo que a Constituição não proíbe a inclusão em decreto-lei do Governo, emitido
ao abrigo de uma lei de autorização legislativa, de normas que não carecem de
autorização parlamentar, também não proíbe a inclusão em lei orgânica de matéria
que, em princípio, deva ser disciplinada por lei. E concluir-se-ia que, tendo o
regime jurídico do recenseamento eleitoral sido aprovado por lei (pela Lei n.º
13/99, de 22 de Março), nada impediria que fosse alterado por uma lei orgânica.
É porém certo que a lei orgânica se caracteriza não apenas
pelo valor reforçado do procedimento exigido para a sua aprovação (artigo 168º,
n.º 5, da Constituição) mas também pelo seu objecto (artigo 166º, n.º 2, da
Constituição) – o que justifica a referência, na doutrina, ao “relevo político”
do respectivo regime jurídico (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria
da Constituição, 7ª ed., Coimbra, 2003, p. 784).
O que importa averiguar é portanto se a Constituição proíbe a
inclusão, em acto normativo que reveste a forma de lei orgânica e que trata de
questões respeitantes a direito eleitoral, de matéria relativa ao recenseamento
eleitoral. Colocada a questão nestes termos, ela diz mais directamente respeito
à natureza do acto (ou melhor, à forma do acto, em função do respectivo
conteúdo) do que aos requisitos exigidos para a sua discussão e votação, como
parece resultar da argumentação dos requerentes (pois que invocam a
inconstitucionalidade por violação do artigo 168º).
O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar
sobre questão semelhante a esta, a propósito dos designados cavaliers ou riders,
tendo sempre concluído no sentido de que a Constituição não obsta ao
procedimento que se traduz na inclusão de normas extravagantes na lei do
orçamento ou no estatuto de uma Região Autónoma.
Em relação a normas inseridas na lei do orçamento, cujo objecto era
alheio à matéria orçamental, disse o Tribunal no Acórdão n.º 461/87 (Diário da
República, I Série, n.º 12, de 15 de Janeiro de 1988, p. 132 ss):
“[…]
Trata-se de um problema bem conhecido da prática constitucional e da doutrina,
quer no nosso, quer noutros ordenamentos. E um problema que nalguns destes
encontra resposta constitucional expressa, que se traduz na delimitação precisa
das normas susceptíveis de serem inseridas na lei orçamental (assim, o artigo
110º, n.º 4, da Grundgesetz da República Federal da Alemanha) ou na proibição
de nesta se inscreverem disposições de certo tipo com certo alcance (assim, o
artigo 81º, n.º 3, da Constituição italiana).
Entre nós, porém, não se depara com qualquer preceito expresso da Constituição
similar aos referidos. E daí que a doutrina viesse entendendo não ser
constitucionalmente questionável a inserção na lei do orçamento de normas sem
imediata incidência financeira ou normas «não orçamentais», um procedimento que
se compreenderia tanto melhor quanto deve considerar-se superada uma concepção
puramente «formal» daquela lei (assim, J. M. Cardoso da Costa, est. cit., pp. 19
e segs., e A. Lobo Xavier, «‘Enquadramento orçamental’ em Portugal: Alguns
problemas», na Revista de Direito e Economia, ano IX, 1983, pp. 242 e segs.).
Isto, fosse qual fosse o juízo que a correspondente prática devesse merecer sob
o ponto de vista doutrinal ou da clareza do exercício das competências
constitucionais e até da clareza do ordenamento jurídico (um juízo, aliás, não
negativo, para ambos os autores citados, no tocante a normas que tenham ainda a
ver com o delineamento do programa financeiro da lei orçamental, como serão, v.
g., as que exprimam a sua vertente fiscal).
Contra este entendimento – mas sem o pôr definitivamente em causa –,
ponderou-se, todavia, que ele poderia conduzir, afinal, a uma limitação da
competência legislativa da AR. É que, como a iniciativa da lei do orçamento
pertence ao Governo, e só a este poderá pertencer, consequentemente, a
iniciativa da alteração dessa lei, o alargamento dela para além das matérias que
preencham a função orçamental virá a traduzir-se numa restrição da liberdade de
iniciativa parlamentar (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 2ª ed., vol. 1º, p. 472). Só não seria assim –
ressalvam os autores citados – se «pudesse entender-se, o que não é fácil, que
nessas matérias a lei poderia ser alterada nos termos gerais».
O argumento, porém, não é probante, como, por último, mostrou o Prof. Teixeira
Ribeiro (Os Poderes Orçamentais, cit., p. 6). É que a dificuldade em consentir
que se mantenha a iniciativa parlamentar para a alteração da lei do orçamento em
matérias «não orçamentais» é só «a de destrinçar tais matérias das restantes»
e, portanto, «simples dificuldade de ordem prática». Daí que – concluindo com o
mesmo autor – não deva considerar-se atentatório da Constituição, com base na
razão assinalada, «o inserimento no articulado do Orçamento de disposições
estranhas à administração orçamental».
Ora, não sendo por essa razão, por outra realmente não se vê que a Constituição
obste ao procedimento referido. E tanto menos quando se trata de um
procedimento com uma longa tradição entre nós (vindo já do período do
constitucionalismo monárquico e passando por todos os que se lhe seguiram), que
só se justificaria ver precludido pela Constituição em vigor se nesta existisse
disposição clara nesse sentido. Ora, como começou por salientar-se, tal não
sucede.
Poderá a prática em causa ser discutível, e até censurável, seja do ponto de
vista doutrinário, seja do da técnica da legislação. De todo o modo, não o é de
um estrito ponto de vista jurídico-constitucional.
[…].”.
Esta doutrina foi reiterada em diversas decisões posteriores, entre
as quais se mencionam os Acórdãos n.ºs 303/90 (Diário da República, I Série, n.º
296, de 26 de Dezembro de 1990, p. 5212 ss), 358/92 (Diário da República, I
Série-A, n.º 21, de 26 de Janeiro de 1993, p. 297 ss), 141/02 (Diário da
República, I Série-A, n.º 107, de 9 de Maio de 2002, p. 4350 ss) e 246/02
(Diário da República, II Série, n.º 167, de 22 de Julho de 2002, p. 12805 ss).
Relativamente à questão de saber se os estatutos das regiões
autónomas podem integrar normas relativas a matéria eleitoral, o Tribunal
começou por afirmar no Acórdão n.º 1/91 (Diário da República, I-Série-A, n.º 49,
de 28 de Fevereiro de 1991, p. 1033 ss):
“[…]
1. Previamente, deverá levantar-se a questão de saber se o regime eleitoral
regional pode integrar os estatutos das regiões autónomas ou se, ao contrário,
ali se faz valer a reserva de lei comum da Assembleia da República (C.R.P.,
artigo 167º, alínea j)).
É que, não só os estatutos têm uma natureza marcadamente organizatória como a
sua aprovação (e alteração) no Parlamento depende da iniciativa exclusiva das
Assembleias Legislativas Regionais (C.R.P., artigo 228º, nºs 1 e 4).
As normas sobre eleições regionais, regulando a escolha e composição dos órgãos
próprios das regiões, apresentam uma vertente organizatória que afirma a sua
conexão funcional com a matéria do Estatuto.
A eventual objecção à inclusão de normas sobre eleições em lei estatutária
residirá na recusa da identidade da sua força jurídica e do seu regime de
aprovação e alteração (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 2ª ed., 2º vol., 1985, nota V ao artigo 228º e
nota III ao artigo 233º; cf., ainda, Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do
Estado, Lisboa, 1990, p. 303; e «Estatuto da Região Autónoma da Madeira e
eleição da Assembleia Regional, anotação ao acórdão n.º 183/8[8], do TC», in O
Direito, ano 121, 1989, II, pp. 355 e segs.).
Porém, a afirmação da possibilidade dos estatutos integrarem normas versando
matéria eleitoral não implica necessariamente uma identidade de força jurídica e
de regime de aprovação e alteração. Mas a resposta a este problema já não tem
aqui oportunidade.
[…].”.
Mais tarde, o Tribunal pronunciou-se de modo pormenorizado sobre o
mesmo problema, a propósito de uma norma sobre competência de tribunais
administrativos inserida no estatuto político-administrativo de uma região
autónoma, no Acórdão n.º 460/99 (Diário da República, II Série, n.º 62, de 14 de
Março de 2000, p. 4906 ss):
“[...]
7. - Entre nós a doutrina mais recente vem debatendo a questão do «excesso de
estatuto» em sentido que não tendo sido sempre inteiramente coincidente se vai
aproximando. Assim, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3ª ed. revista, Coimbra, 1993, pág. 847, nota V ao
artigo 228º, referem que «a inserção no estatuto de matérias alheias ao âmbito
material estatutário [....] implica inconstitucionalidade formal – excesso de
estatuto – de modo que nessas áreas as normas constitucionais não compartilham
da natureza de lei reforçada, podendo ser livremente substituídas por lei comum
da República, ou lei regional, conforme os casos». Jorge Miranda, Manual de
Direito Constitucional, T. V – Actividade Constitucional do Estado, Coimbra,
1997, pág. 364 a 368, alarga a perspectiva às leis reforçadas em geral e
sublinha que «a qualificação de uma lei como reforçada não depende da
qualificação que o legislador lhe confira» sendo que «as disposições inseridas
numa lei reforçada fora do seu objecto ou sem conexão objectiva ou estruturante
com ele, [...] não poderão beneficiar da consistência e da protecção inerentes
às restantes disposições». O excesso de forma, para este autor, gerará situações
de mera irrelevância. Na óptica que adopta, a irrelevância consistirá na
natureza não vinculativa para o legislador futuro da errada qualificação a que
tenha procedido o legislador reforçado, com a consequência de que «O Parlamento
agirá como tal, simplesmente legislando, por sua conta e risco – sobre eleições,
como sobre qualquer outra matéria – e quem irá decidir, em última análise, da
constitucionalidade e da legalidade de todas as normas será o Tribunal
Constitucional». Carlos Blanco de Morais, que alude a «enclaves de direito
legislativo comum nas leis reforçadas pelo procedimento», porém, considera
inconstitucional por excesso de forma a «lei reforçada silente que fora do
pressuposto da conexão objectiva disponha sobre matérias da reserva comum»,
sendo que «qualquer lei ordinária comum que procure, unilateralmente, recuperar
o hipotético espaço subtraído à reserva correspondente, através da derrogação de
normas insertas na lei reforçada que estime como ilegítimas, será ilegal, nos
termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 281º» (cfr. As leis reforçadas – As leis
reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações
entre actos legislativos, Coimbra, 1998, pág. 927).
A doutrina que defende a tese da irrelevância preocupa-se, certamente, com as
consequências da adopção de um entendimento que privilegie exclusivamente os
elementos estritamente formais, só por si, sem ter em conta os valores que,
nestas situações, se pretende que sejam tutelados. O legislador reforçado, sob o
manto de qualificações não mais que formais, porque externas ao conteúdo do acto
legislativo e portanto desprovidas de correspondência objectiva ou material com
este, a coberto de formas e procedimentos agravados, introduziria no ordenamento
factores de rigidificação que se poderiam vir a mostrar desadequados, tanto do
ponto de vista material, face à menor relevância dos temas ilegitimamente
abrangidos, como do ponto de vista temporal, perante exigências de resposta
legislativa pronta, quer por parte do Governo, quer por parte dos restantes
órgãos legislativos. E é preciso ter em conta que o regime geral não é o do
valor reforçado da lei. Pelo contrário, o regime regra é o da não especificação
das matérias que podem ser objecto de lei comum, enquanto, em geral, as leis são
reforçadas atendendo às matérias que a Constituição expressamente especifica
como devendo delas ser objecto.
8. - O caso em apreciação é em absoluto paradigmático. De um lado temos uma
norma contida em Estatuto Regional sobre matéria que extravasa do âmbito da
matéria estatutária. Do outro lado, contrastando com ela, uma norma contida em
lei sucessiva, que não é objecto do presente recurso, mas que aparentemente se
apresenta em conformidade com a Constituição. Um entendimento que privilegiasse
a pura forma concluiria pela inconstitucionalidade da norma estatutária e pela
ilegalidade da norma posterior, contrária ao estatuto.
É legítimo porém conciliar a tutela dos valores que a forma protege com os
valores já referidos da fluidez do ordenamento, do ponto de vista da dinâmica
das fontes de direito. Bem vistas as coisas, o legislador não estatutário,
sucessivo, não pode considerar-se vinculado a normas estatutárias materialmente
alheias aos estatutos: a estas normas não pode reconhecer-se um valor formal
agravado. Não incorrerá portanto em ilegalidade se dispuser em contrário.
Nesta conformidade, a validade da norma editada pelo legislador sucessivo bem
como a sua aplicabilidade, atendendo à matéria sobre que versa, podem e devem
aferir-se em confronto directo com a Constituição. Trata-se de um juízo que não
passa pela mediação da norma estatutária interposta, a qual não é fundamento nem
limite da norma em causa, dizendo por outras palavras mas acompanhando a
redacção do n.º 3 do artigo 112º da Constituição, não é, por força da
Constituição, pressuposto normativo necessário de outras leis ou que deva ser
respeitada por outras.
Mas se assim é, se a norma incluída no Estatuto e aqui questionada não vincula o
legislador competente para regular a organização e competência dos tribunais
(alínea q) n.º 1 do artigo 168º, a que corresponde agora a alínea p) do artigo
165º da Constituição), a conclusão acaba por ser a de que não poderá
atribuir-se-lhe força ou valor formais de estatuto. O juízo negativo acerca
desta norma não tem que avançar para além deste ponto, pois terá de se lhe
reconhecer o valor de norma editada pela Assembleia da República em forma de
lei, que efectivamente ela também tem. A norma em causa só padeceria de
inconstitucionalidade se se entendesse conferir-lhe força formal superior à de
lei não reforçada. Todavia, como ficou demonstrado, não é essa a via
metodologicamente mais correcta para resolver o conflito normativo com que se
deparou a decisão recorrida.
[…].”.
A tese subjacente às decisões mencionadas é transponível para a
resolução do problema que se discute no presente processo.
No caso em apreço, com base na jurisprudência citada, pode
afirmar-se que a Constituição não proíbe a inclusão em acto normativo que
reveste a forma de lei orgânica – porque introduz alterações à lei orgânica do
regime do referendo (e à lei eleitoral do Presidente da República) – de matéria
relativa ao recenseamento eleitoral.
Simplesmente, não poderá atribuir-se às normas relativas ao
recenseamento eleitoral, inseridas em lei orgânica, força ou valor formais de
lei orgânica. Como o Tribunal afirmou no Acórdão n.º 460/99 que acaba de se
transcrever, o “juízo negativo” acerca de tais normas não tem que avançar para
além deste ponto, pois terá de se reconhecer a tais normas o valor de normas
editadas pela Assembleia da República em forma de lei, que efectivamente elas
também têm. E, dentro da mesma perspectiva: as normas em causa só padeceriam de
inconstitucionalidade se se entendesse que deveria ser-lhes atribuída “força
formal superior à de lei não reforçada”.
E ainda que se entenda – à semelhança do que se admitiu no já citado
Acórdão n.º 141/02 – que tem que haver uma conexão mínima entre a norma
extravagante e o diploma em que ela se insere (então, entre as normas sem
imediata incidência orçamental e a lei do orçamento), por se considerar
inadmissível que se aproveite a aprovação de um acto legislativo (então, a lei
do orçamento) para regular matérias em tudo a ele absolutamente estranhas, há
que reconhecer que, no presente caso, tal conexão existe: as alterações
introduzidas no regime jurídico do recenseamento eleitoral são também de
qualificar como normas de direito eleitoral e destinam-se a prosseguir a
finalidade pretendida pelo decreto aprovado pela Assembleia da República, que,
nos termos do seu artigo 1º, é a flexibilização dos mecanismos de realização de
referendos.
Concluindo como no Acórdão n.º 461/87, antes citado, “poderá a
prática em questão ser discutível, e até censurável, seja do ponto de vista
doutrinário, seja do da técnica da legislação. De todo o modo, não o é de um
ponto de vista jurídico-constitucional”.
Não se desconhece que alguma doutrina continua a advogar a
“inconstitucionalidade das normas parasitárias contidas em leis reforçadas
silentes” (Carlos Blanco de Morais, “Algumas reflexões sobre o valor jurídico de
normas parasitárias presentes em leis reforçadas pelo procedimento”, Nos 25 anos
da Constituição da República Portuguesa de 1976. Evolução constitucional e
perspectivas futuras, Lisboa, 2001, p. 393 ss). Note-se, aliás, que, no caso em
análise, o Decreto n.º 6/X não pode considerar-se “silente” quanto a este ponto,
já que insere no respectivo sumário a referência a que procede “à segunda
alteração à Lei n.º 13/99, de 22 de Março” – para além, obviamente, da total
transparência e clareza do próprio articulado, que dedica dois preceitos
autónomos a essa mesma alteração.
Mas também não se ignora que alguns dos autores que anteriormente se
pronunciavam em sentido semelhante sustentam agora teses mais moderadas. Jorge
Miranda defende que o excesso de forma gerará, em regra, situações de “mera
irrelevância” (Manual de Direito Constitucional, tomo V – Actividade
Constitucional do Estado, 3ª ed., Coimbra, 2004, p. 374 s). Gomes Canotilho
afirma que “a lei orgânica pode incluir normas sobre matérias de lei ordinária”
e que “não temos hoje a mesma segurança quanto à censurabilidade da inserção no
estatuto de «disposições programáticas» (que nos pareceram, até agora, feridas
de inconstitucionalidade)” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
cit., respectivamente, p. 751 e p. 779).
Assim, as normas relativas ao recenseamento eleitoral contidas no
decreto em apreço – alegadamente estranhas ao objecto próprio do Decreto n.º
6/X, aprovado pela Assembleia da República como lei orgânica – não violam a
Constituição. Tais normas não adquirem todavia o valor nem a força jurídica de
lei orgânica, podendo por conseguinte vir a ser modificadas ou revogadas de
acordo com as regras constitucionais pertinentes.
b) A alegada inconstitucionalidade da norma
constante do artigo 5º do Decreto n.º 6/X
15. Os requerentes sustentam que a norma do artigo 5º do Decreto
n.º 6/X, na medida em que introduz alterações à lei eleitoral do Presidente da
República, concretamente ao n.º 1 do seu artigo 11º, “está sujeita ao mais
qualificado regime de aprovação”, por se tratar da “lei que regula o exercício
do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º”.
Todavia, afirmam, aquela norma “não alcançou, na votação na
especialidade, a maioria de dois terços constitucionalmente exigida” e “o
Decreto n.º 6/X não logrou atingir aprovação, em votação final global, por
maioria de dois terços”.
Por tais razões, e segundo o entendimento dos requerentes,
teria sido violado o disposto no artigo 168º, n.º 6, alínea c), da CRP (nos
termos do qual “carece[...] de aprovação por maioria de dois terços dos
Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em
efectividade de funções [...] a lei que regula o exercício do direito previsto
no n.º 2 do artigo 121º”).
16. Resulta dos autos e confirma-se pelo Diário da Assembleia da República
que o Decreto n.º 6/X, de 28 de Julho de 2005, obteve, em votação final global,
a “maioria absoluta dos votos dos Deputados em efectividade de funções”, mas não
a “maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria
absoluta dos Deputados em efectividade de funções”.
Verifica-se, com efeito, que o Projecto de Lei n.º 122/X, que
deu origem ao Decreto 6/X, foi discutido e submetido à votação na generalidade,
na reunião plenária de 8 de Julho de 2005, tendo sido aprovado com os votos
favoráveis do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda e os votos contra do
Partido Social Democrata, do Partido Comunista Português, do Partido Popular e
do Partido Ecologista “Os Verdes”. Estavam presentes 162 Deputados (Diário da
Assembleia da República, I Série, n.º 40, de 9 de Julho de 2005, p. 1783).
O texto final do projecto, apresentado pela Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi submetido à
votação na especialidade, na reunião plenária de 28 de Julho de 2005, tendo
igualmente sido aprovado com votos a favor do Partido Socialista e do Bloco de
Esquerda e votos contra do Partido Social Democrata, do Partido Comunista
Português, do Partido Popular e do Partido Ecologista “Os Verdes” (Diário da
Assembleia da República, I Série, n.º 42, cit., p. 1917).
Na mesma reunião plenária de 28 de Julho, o Presidente da
Assembleia da República submeteu o texto à votação final global, com a indicação
de que “carece de maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções”, e
de que, “em obediência ao disposto no Regimento, esta votação será realizada, em
simultâneo, por levantados e sentados e por recurso ao mecanismo do voto
electrónico”. Submetido à votação, “obteve a maioria absoluta dos votos dos
Deputados em efectividade de funções, tendo-se registado 122 votos a favor (PS e
BE) e 72 votos contrários (PSD, PCP, CDS/PP e Os Verdes)” (Diário da Assembleia
da República, I Série, n.º 42, cit., p. 1917).
Importa portanto averiguar se o artigo 168º, n.º 6, alínea
c), da Constituição impõe que uma norma como a do artigo 5º do Decreto n.º 6/X,
que altera o artigo 11º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 319-A/76, tenha de ser
sujeita à aprovação por maioria de dois terços.
17. O regime aplicável à eleição do Presidente da República consta ainda
hoje do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio, posteriormente alterado por
diversas vezes (o Decreto n.º 6/X, em análise, procede à décima sexta
alteração).
Em 2000, tendo em conta a necessidade de dar cumprimento aos
preceitos constitucionais que, após a revisão de 1997, passaram a prever a
participação nas eleições presidenciais dos cidadãos portugueses residentes no
estrangeiro, aquele regime sofreu modificações significativas, através da Lei
Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto.
Esta Lei Orgânica n.º 3/2000 veio pois:
– em primeiro lugar, alterar diversas normas do diploma, em
consequência da ampliação do universo de cidadãos eleitores (normas sobre
capacidade eleitoral activa; período e modo de votação no estrangeiro; nomeação
de mandatários e representantes das candidaturas no estrangeiro; publicidade das
candidaturas no estrangeiro; designação dos membros das assembleias de voto que
reúnam no estrangeiro; dispensa de actividade profissional dos membros das
assembleias de voto que reúnam no estrangeiro; competência do presidente da
comissão recenseadora, em matéria relacionada com os boletins de voto, quanto às
assembleias de voto que reúnam no estrangeiro);
– em segundo lugar, aditar novas disposições destinadas a reger
aspectos específicos relacionados com o exercício do direito de voto dos
cidadãos eleitores residentes no estrangeiro (disposições sobre constituição das
assembleias de voto no estrangeiro; locais das assembleias de voto no
estrangeiro; boletins de voto utilizáveis no estrangeiro, em caso de segundo
sufrágio; apuramento parcial no estrangeiro; competência e funcionamento da
assembleia de apuramento intermédio no estrangeiro).
O artigo 11º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio, trata da
“marcação da eleição”. A redacção actualmente em vigor do preceito, que resulta
das alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro (quanto ao
n.º 2), pela Lei n.º 11/95, de 22 de Abril (quanto ao n.º 1), e pela Lei
Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto (quanto ao n.º 3), é a seguinte:
“Artigo 11º
(Marcação da eleição)
1 - O Presidente da República marcará a data do primeiro sufrágio para a eleição
para a Presidência da República com a antecedência mínima de 80 dias.
2 - No caso previsto no n.º 2 do artigo anterior, o segundo sufrágio
realizar-se-á no 21º dia posterior ao primeiro.
3 - Tanto o primeiro como o eventual segundo sufrágio realizar-se-ão nos 60 dias
anteriores ao termo do mandato do Presidente da República cessante, ou nos 60
dias posteriores à vagatura do cargo.”.
O artigo 5º do Decreto n.º 6/X, aqui questionado, vem
alterar, no n.º 1 deste artigo 11º, de 80 para 60 dias a antecedência mínima
para a marcação da data do primeiro sufrágio para a eleição do Presidente da
República.
18. Os requerentes afirmam que, “estando o exercício do direito a
que se refere o n.º 2 do artigo 121º da Constituição regulado na lei eleitoral
do Presidente da República, esta lei está, por força da letra da alínea c) do
n.º 6 do artigo 168º da Constituição, sujeita à aprovação por maioria de dois
terços” (itálico aditado agora).
Ainda segundo os requerentes, “decorre da letra da alínea c)
do n.º 6 do artigo 168º da CRP que a lei eleitoral do Presidente da República,
porque é a lei que regula o exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo
121º, exige uma maioria qualificada de dois terços” (itálico aditado agora).
De acordo com esta perspectiva, a lei eleitoral do Presidente
da República – dito de outro modo, toda e qualquer norma inserida na lei
eleitoral do Presidente da República – estaria sujeita à aprovação parlamentar
por maioria de dois terços, por se tratar da lei que regula o exercício do
direito previsto no n.º 2 do artigo 121º, que é “o direito de voto dos cidadãos
portugueses residentes no estrangeiro” na eleição do Presidente da República.
19. O artigo 121º da Constituição da República Portuguesa (a norma
que se refere à eleição do Presidente da República) estabelece, no seu n.º 2,
que “a lei regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses
residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de laços de
efectiva ligação à comunidade nacional”.
Certo é portanto que o artigo 121º, n.º 2, da Constituição
remete para a lei a regulação do “exercício do direito de voto dos cidadãos
portugueses residentes no estrangeiro”. Certo é também que o artigo 168º, n.º 6,
alínea c), da Constituição determina que “carece[…] de aprovação por maioria de
dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos
Deputados em efectividade de funções [...] a lei que regula o exercício do
direito previsto no n.º 2 do artigo 121º”.
Interessa pois determinar qual a razão de ser e qual o
verdadeiro alcance dos requisitos constitucionais estabelecidos para a regulação
do “exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no
estrangeiro”.
A Constituição remete para a lei a regulação do exercício do
direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, porque, como
explicou o Deputado Barbosa de Melo na Assembleia da República, no âmbito dos
trabalhos da 4ª Revisão Constitucional, aquando da discussão das alterações a
introduzir no então artigo 124º da Constituição, “há [...] problemas específicos
que só a lei, como a lei eleitoral, a lei do recenseamento, a lei do exercício
do direito de voto, etc., pode resolver, criando as categorias, os modos de
recenseamento e os modos do exercício do voto, por forma a conciliar e a
resolver as dificuldades práticas e naturais num voto à distância. Daí a nossa
proposta para o n.º 2” (Diário da Assembleia da República, II Série-RC, n.º 39,
de 16 de Outubro de 1996, p. 1200).
Ou seja, a regulação do “exercício do direito de voto dos
cidadãos portugueses residentes no estrangeiro” envolvia a modificação de
diversos aspectos da legislação em vigor, a saber: modificações não apenas na
lei eleitoral do Presidente da República mas também, por exemplo, na lei do
recenseamento. Diversas disposições, contidas em diferentes diplomas legais,
teriam portanto de ser alteradas. Em norma transitória, determinou-se desde
logo, na mesma Revisão Constitucional de 1997, que: “Consideram-se inscritos no
recenseamento eleitoral para a eleição do Presidente da República todos os
cidadãos residentes no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos
eleitorais para a Assembleia da República em 31 de Dezembro de 1996, dependendo
as inscrições posteriores da lei prevista no n.º 2 do artigo 121º” (artigo 297º
da Constituição).
Com a exigência de uma maioria reforçada pretende-se
seguramente atribuir dignidade particular a esta matéria, atendendo ao
significado político especial da alteração introduzida na Constituição em 1997 –
ao permitir, pela primeira vez, a participação na eleição presidencial dos
cidadãos portugueses residentes no estrangeiro – e tendo em conta as
divergências que sobre a questão haviam anteriormente manifestado os partidos
políticos nacionais. A exigência de aprovação por “maioria de dois terços dos
Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em
efectividade de funções”, fundamenta-se na necessidade de obter um amplo
consenso parlamentar, que se traduza num número de votos superior a uma eventual
maioria conjuntural na Assembleia da República.
Assim sendo, é indiscutível que os requisitos constitucionais dizem
respeito – e dizem respeito apenas – à matéria atinente ao “exercício do direito
de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro” na eleição do
Presidente da República. Está em causa, por exemplo, matéria relativa a:
capacidade eleitoral activa dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro;
recenseamento eleitoral dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro;
período e modo de votação no estrangeiro (ou, eventualmente, exigência de
votação presencial no território nacional); funcionamento, constituição e
competência das assembleias de voto que reúnam no estrangeiro.
Por outras palavras, as exigências constitucionais dirigem-se – e
dirigem-se apenas – à lei que venha disciplinar as condições e o modo de
exercício do direito de voto, na eleição do Presidente da República, dos
cidadãos eleitores residentes no estrangeiro e, posteriormente, a qualquer lei
que porventura venha alterar as condições e o modo de exercício desse direito.
Ora, a lei que pela primeira vez veio regular as condições e o modo de exercício
do referido direito de voto dos cidadãos eleitores residentes no estrangeiro foi
a Lei Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto, na parte em que alterou e completou
o regime jurídico da eleição do Presidente da República precisamente para dar
concretização ao objectivo definido no artigo 121º, n.º 2, da Constituição.
Em face da razão de ser e da própria letra do artigo 168º, n.º 6,
alínea c), da Constituição, a exigência de aprovação por maioria de dois terços
já não se estende, porém, a uma lei que, sem regular a matéria do exercício do
direito de voto na eleição presidencial dos cidadãos portugueses residentes no
estrangeiro, apenas altere normas relativas a outros aspectos, ainda que
constantes também do mesmo diploma em que o regime daquela matéria ficou
inserido.
Não estão portanto sujeitas ao regime especial e reforçado de
aprovação constante do artigo 168º, n.º 6, alínea c), da Constituição as
alterações à lei eleitoral do Presidente da República que não contendam com o
“exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no
estrangeiro” na eleição do Presidente da República.
É que a qualificação de uma lei – ou de certa disposição
inserida numa lei – como reforçada depende tão somente “da verificação dos
requisitos de qualificação constitucionalmente fixados, os quais têm que ver
essencialmente com o objecto da lei, com as matérias sobre que versa, com a
função que pretende exercer e, em alguns casos, complementarmente, com o
respectivo procedimento” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo
V, cit., p. 371).
A lei eleitoral do Presidente da República – em tudo o que
não diga respeito ao exercício de tal direito – deve, por força do disposto nos
artigos 164º, alínea a), e 166º, n.º 2, da Constituição, revestir a forma de lei
orgânica e está sujeita, nos termos do artigo 168º, n.º 5, da Constituição, à
aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em
efectividade de funções.
Foi também este, certamente, o entendimento perfilhado pela
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias que, no
Relatório elaborado a propósito do Projecto de Lei n.º 122/X – do qual emana,
como se sabe, o Decreto n.º 6/X, em apreciação –, sob a epígrafe “condicionantes
constitucionais de discussão e votação”, afirmou o seguinte: “os normativos que
regulam o regime do referendo nacional (Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril) e a
eleição do Presidente da República (Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio)
revestem a forma de leis orgânicas, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do
artigo 164º e do n.º 2 do artigo 166º da Constituição, sendo, consequentemente,
obrigatoriamente votadas na especialidade pelo Plenário (artigo 168º, n.º 4) e
devendo obter, em votação final global, a maioria absoluta dos Deputados em
efectividade de funções (artigo 168º, n.º 5)” (cfr. documentação junta pelo
Presidente da Assembleia da República, a fls. 93 e seguinte destes autos).
Do mesmo modo se tinha já entendido, aliás, na reunião
plenária da Assembleia da República, de 6 de Julho de 2000, a propósito da
votação da Proposta de Lei n.º 19/VIII (“Regula o voto dos cidadãos portugueses
residentes no estrangeiro na eleição do Presidente da República e alarga as
situações de voto antecipado, alterando o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de
Maio”), e dos Projectos de Lei n.ºs 152/VIII (“Regula o direito de voto dos
emigrantes nas eleições presidenciais”, do PSD) e 153/VIII (“Regula o processo
de votação, na eleição do Presidente da República, dos cidadãos portugueses não
residentes no território nacional”, do CDS-PP) – que estiveram na origem da já
citada Lei Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto.
Nessa reunião plenária da Assembleia da República, as
propostas de alteração a determinados artigos do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3
de Maio, e certas propostas de aditamento de novos artigos (todos esses
preceitos relativos ao exercício do direito de voto dos cidadãos residentes no
estrangeiro na eleição do Presidente da República) foram consideradas “como
propostas a obter maioria qualificada de dois terços, para poderem ter
vencimento nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 121º e n.º 6 do artigo 168º
da Constituição”, enquanto todas as restantes foram consideradas “como propostas
a obter maioria absoluta, por se tratar […] de uma lei orgânica”.
O plenário da Assembleia seguiu então, na votação de tal
Proposta de Lei, um guião de votações dividido em duas partes correspondentes às
duas categorias de normas, em função das exigências constitucionais para a
respectiva aprovação, guião esse que havia sido elaborado pela Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (Diário da Assembleia
da República, I Série, n.º 87, de 7 de Julho de 2000, p. 3467 ss).
Refira-se ainda, a este propósito, que muito recentemente foi
aprovado pela Assembleia da República (na reunião plenária de 28 de Julho de
Julho de 2005, a mesma reunião em que foi aprovado o decreto ora em análise) o
Decreto n.º 19/X, emergente do Projecto de Lei n.º 101/X, que introduz diversas
alterações no regime jurídico da eleição do Presidente da República, alargando o
universo de cidadãos eleitores residentes no estrangeiro (“Décima sétima
alteração ao regime jurídico da eleição do Presidente da República e terceira
alteração ao regime jurídico do recenseamento eleitoral”, disponível em
www.parlamento.pt). O texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi submetido à votação com a
indicação de que, “em votação final global exige uma maioria qualificada de dois
terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos
Deputados em efectividade de funções”, e “foi aprovado por unanimidade, tendo
obtido a maioria de dois terços necessária, registando-se 193 votos a favor”
(Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 42, cit., p. 1917).
É no entanto manifesta a diferença entre o complexo normativo
constante do Decreto n.º 19/X, emergente do Projecto de Lei n.º 101/X – que
efectivamente contende com o “exercício do direito de voto dos cidadãos
portugueses residentes no estrangeiro” na eleição do Presidente da República – e
a norma do artigo 5º do Decreto n.º 6/X, aqui em análise.
20. O artigo 5º do Decreto n.º 6/X, ora impugnado – ao alterar o
artigo 11º, n.º 1, da lei eleitoral do Presidente da República, fixando em 60
dias a antecedência mínima para a marcação da data do primeiro sufrágio para a
eleição presidencial –, nada vem modificar quanto ao regime atinente ao
“exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no
estrangeiro” na eleição do Presidente da República.
A alteração introduzida por tal norma no regime jurídico da
eleição do Presidente da República foi pois aprovada com observância das regras
constitucionais aplicáveis, como resulta do anteriormente exposto.
Conclui-se, deste modo, que o artigo 5º do Decreto n.º 6/X
não viola a Constituição.
III
Decisão
21. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional
decide não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas constantes dos
artigos 3º, 4º e 5º do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, de 28 de
Julho de 2005.
Lisboa, 25 de Agosto de 2005
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Maria João Antunes
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Vítor Gomes (com declaração anexa)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não acompanho a orientação do Tribunal na parte em que (n.º 14 do
acórdão), sem distinção, nega consequências invalidantes à inclusão, em lei de
valor reforçado, de normas cujo procedimento ou forma externa devesse ser o de
lei ordinária simples e à opção, que lhe vai co-envolvida, de permitir ao
“legislador comum” sucessivo revogar livremente tais normas, essencialmente
porque menospreza a atribuição de superior força passiva à lei com valor
reforçado – em toda a sua extensão, salvo na parte em que o próprio acto
legislativo se desqualifique – que me parece resultar da alínea b) do n.º 1 do
artigo 281.º em conjugação com o n.º 3 do artigo 112.º e o n.º 2 do artigo 166.º
da Constituição.
Não obstante, acompanho o acórdão, também quanto à decisão de não se
pronunciar pela inconstitucionalidade dos artigos 3.º e 4.º do Decreto em
apreciação, uma vez que não se trata de normas intrusas dissimuladas em lei de
valor reforçado (cavaliers silentes). O seu efeito próprio esgota-se, de modo
instantâneo, na mera modificação do ordenamento, ou seja, no efeito de alteração
do diploma legal sobre que incidem. A disciplina preceptiva que veiculam não
ficará contida na lei orgânica, mas no diploma legal pré-existente que agora se
visa alterar. A partir daí quaisquer interacções legislativas estabelecer-se-ão
necessariamente com a lei de valor ordinário simples que foi objecto de
modificação, pelo que a inclusão acidental da alteração legislativa em lei
orgânica não coloca os problemas (formais) de relação entre actos legislativos e
(de índole material) de colisão entre as exigências de segurança jurídica e de
defesa da regra da maioria simples e da competência legislativa concorrente do
Governo (quando for o caso) que me levam a manter reservas à jurisprudência do
Tribunal quanto à “irrelevância do excesso de forma” em casos do género.
Vítor Gomes