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Processo n.º 102/2005
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
(Conselheira Maria Fernanda Palma)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 2004 foi
negado provimento ao recurso de revista interposto por A. do acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa, de 11 de Março de 2004, que confirmara a sentença da 17.ª
Vara Cível da Comarca de Lisboa, de 1 de Julho de 2003, a qual havia julgado
improcedente a acção declarativa intentada por aquela contra a Caixa Geral de
Aposentações, em que pedia que se reconhecesse “que a convivência more uxorio
entre a autora e seu marido nunca se interrompeu desde a data do seu casamento
até à da morte deste e que a autora se encontra nas condições previstas no art.º
2020.º do Cód. Civil”, devendo, por isso, “ser a Caixa Geral de Aposentações
condenada a pagar à autora a pensão de sobrevivência por morte do seu marido.”
Consequentemente, o acórdão recorrido foi confirmado. Pode ler-se no referido
aresto:
«A A., ora recorrente, faz radicar a sua pretensão à pensão de sobrevivência no
art.º 41.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 142/73, de 31/3, que aprovou o Estatuto das
Pensões de Sobrevivência, posteriormente alterado pelo DL n.º 191-B/79, de 25/6.
E, com efeito, nos termos do art.º 40.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 142/73, têm
direito à pensão de sobrevivência como herdeiros hábeis dos contribuintes, os
cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens
e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.º do C. Civil.
Estatui, por seu turno, o n.º 1 desse artigo 41.º que “os divorciados ou
separados judicialmente de pessoas e bens só se considerarão herdeiros hábeis
para efeitos de pensão de sobrevivência se tiverem direito a receber do
contribuinte à data da sua morte pensão de alimentos fixada ou homologada
judicialmente”.
O n.º 2 da mesma norma preceitua que “aquele que no momento da morte do
contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil só
será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois
de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de
sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a
requeira, enquanto se mantiver o referido direito”.
Ora, para que a acção pudesse proceder, a A. teria de ter satisfeito, de modo
cabal e conveniente, quer o ónus da alegação, afirmação ou dedução quer o ónus
da prova dos factos integradores do direito invocado em juízo, ou seja, da
alegação e prova dos factos que pudessem servir de suporte ao reconhecimento de
direito a alimentos; “rectius” de provar, quer a existência da união de facto
com o pensionista à data da morte deste, pelo espaço de tempo exigido por lei
(no mínimo dois anos), quer ainda a carência efectiva da prestação de alimentos
e, ainda, a impossibilidade de os obter das pessoas mencionadas no art.º 2009.º
do Código Civil;
E isto porque todos os requisitos contemplados no art.º 2020.º do Código Civil
constituem os fundamentos (factos constitutivos) do direito que a mesma se
arrogou (conf. art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Mas tal como já observaram as instâncias, a A. não alegou – nem sequer por forma
genérica – matéria fáctica susceptível de integrar os pressupostos legais,
designadamente os reclamados pelo art.º. 2020.º do Código Civil, e pelos DL n.ºs
7/2001, de 11/5, e 142/73, de 31/3, este na redacção que lhe foi dada pelo DL
n.º 191-B/79, de 25/6.
É líquido que à data da morte do marido da A., encontrando-se ambos separados
judicialmente de pessoas e bens, esta não tinha direito a receber qualquer
pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente, sendo, pois, inaplicável
à hipótese o disposto no citado n.º 1 do art.º 41.º.
Deste modo, seria de aplicar à situação vertente o disposto no artigo 41.º, n.º
2, do sobredito diploma, impendendo assim sobre a A., ora recorrente, o encargo
de provar os requisitos previstos no artigo 2020.º, n.º 1, do Código Civil, ou
seja: que no momento da morte de seu ex-marido com ele convivia há mais de dois
anos em condições análogas às dos cônjuges, para que lhe assistisse o direito a
exigir alimentos da herança do falecido, se os não pudesse obter nos termos das
alíneas a) a d) do artigo 2009.º do mesmo corpo normativo.
E, com efeito, o n.º 1 desse artigo 2009.º postula que “estão vinculados à
prestação de alimentos, pela ordem indicada, os seguintes parentes do
necessitado:
a) O cônjuge ou o ex-cônjuge;
b) Os descendentes;
c) Os ascendentes;
d) Os irmãos”.
Ora, no caso sob análise o cônjuge falecido B., contraíra casamento com a A. em
22-9-76, tendo falecido em 8-1-98, ainda no estado de casado com a A., mas,
todavia, separado de pessoas e bens, por decisão do Conservador do Registo Civil
datada de 16-10-96 e transitada em julgado em 25-10-96 – docs. fls. 8 e 11 a 13.
Temos pois que desde 25-10-96 até 8-1-98 não havia ainda decorrido o período de
dois anos de que a lei (art.º 2020.º, n.º 1) faz depender a atribuição de
alimentos ao necessitado.
Abra-se aqui um parêntesis para observar que tendo a ora recorrente vivido com o
falecido B. desde que entre si casaram, logo arredaria a subsunção da hipótese
concreta na estatuição-previsão do art.º 2020.º, n.º 1, do Código Civil, isto
porque não poderia deixar-se de considerar todo o tempo do casamento como
integrando o requisito temporal previsto nesse inciso normativo.
E não restam dúvidas de que incumbia também à A., ora recorrente, a prova (art.º
342.º, n.º 1, do C. Civil) de que não lhe era possível obter os alimentos nos
termos das alíneas a) a d) do art.º 2009.º, sendo que a responsabilidade da
herança se perfilaria sempre como meramente residual ou subsidiária da
responsabilidade parental. (Prova essa que – diga-se de passagem – foi feita).
No que tange ao requisito da carência efectiva da prestação de alimentos –
salienta a Relação que, de harmonia com a prova produzida em juízo atinente à
situação económica da requerente, “dúvidas não existem de que a autora não
conseguiu provar que carece efectiva e concretamente que lhe sejam prestados
alimentos” (sic).
Para além de que a pensão de aposentação que a A. recebe da Caixa Geral de
Aposentações – 238.110$00 mensais líquidos em 2001 – é manifestamente suficiente
para a autora suportar os encargos que possui” (igualmente sic)
A decisão das instâncias não poderia, pois, ser outra face à estatuição das
normas do direito actualmente constituído.
Havia já salientado, aliás muito enfaticamente, a decisão de 1.ª instância o
seguinte:
“a pensão de reforma que a A. recebe da Caixa Geral de Aposentações dará para
suportar todos os seus encargos , pelo que, em rigor, a A. não necessita de
pedir alimentos à herança do seu falecido marido.
Ora, se a A. não está em condições de pedir alimentos à herança, falta um
requisito legal previsto no art.º 2020.º do C. C., do qual o art.º 40.º, n.º 1,
al. d), do DL n.º 142/73, de 31/3, faz depender o direito à prestação de
sobrevivência (sic).
Nem se diga – contra o que sustenta a recorrente – que “A decisão recorrida, na
medida em faz depender o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, da
verificação de todos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 2020.º, com
referência ao artigo 2009.º, alíneas a) a d), ambos do Código Civil,
designadamente da verificação de uma absoluta necessidade de alimentos para
garantir as despesas com vestuário, alimentação e alojamento, é colidente com a
Constituição, na medida em que viola o princípio da igualdade, consagrado no
artigo 13.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 36.º, reconhecendo a todos o
direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena
igualdade.
Desde logo porque a fiscalização concreta se não reporta a decisões judiciais
mas sim a normas concretamente aplicadas ou interpretadas.
E depois porque se não descortina nessa aplicação concreta qualquer
discriminação negativa violadora dos princípio da igualdade perante a lei e da
justiça dos cidadãos que se encontrem em idêntica situação e ainda do direito à
constituição da família e à contracção de matrimónio em condições de plena
igualdade.
Assim como se não descortina na interpretação que as instâncias fizeram dos
art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do mencionado Estatuto (que condicionam a concessão
de um importante benefício social, como o é a pensão de sobrevivência, ao
recurso ao tribunal para estipulação de uma inútil pensão de alimentos, na
expressão da recorrente) prejudique o equilíbrio familiar e, nessa medida, seja
violadora do art.º 67.º da CRP. É que o direito social à protecção da família
assegurada por esse preceito constitucional não é um direito de contornos
absolutos ou irrestritos, pois que pressupõe necessariamente uma regulamentação
balizada pelo binómio necessidade/possibilidadade tacitamente remetida para as
opções de política legislativa a consubstanciar, por isso, através da legislação
infraconstitucional».
Notificada deste acórdão, a recorrente veio arguir a respectiva nulidade, tendo
o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13 de Janeiro de 2005, decidido
indeferir essa arguição. Para tal, baseou-se na seguinte fundamentação:
«(…)
4. Alegada nulidade do acórdão por ausência de especificação dos fundamentos de
facto e de direito que justificam a decisão (art.º 668.º, n.º 1, al. b), do
CPC):
Constituem doutrina e a jurisprudência concordantes as de que só uma ausência
absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou
mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais – conf.,
por todos o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V,
págs. 139-140.
Tal como se considerou no recente acórdão deste Supremo, in 16-12-04, in Proc.
n.º 3896/04 – 2.ª Sec., “a deficiente fundamentação/motivação pode afectar o
valor doutrinal intrínseco da sentença ou acórdão, mas não pode nem deve ser
arvorada em causa de nulidade dos mesmos”.
Ora, basta a simples compulsação do teor do acórdão sob apreciação para logo se
alcançar o itinerário cognoscitivo e valorativo, quer quanto à fixação dos
factos quer quanto à aplicação do direito, (silogismo judiciário) seguido pelos
julgadores na emissão dos seus juízos jurídico-substantivos e
jurídico‑processuais.
E isso é manifesto para qualquer leitor ou destinatário médio que é o suposto
ser querido pela ordem jurídica.
Assim se encontram plenamente observados os deveres de transparência,
serenidade, auto-controlo e reflexão decisórias que devem subjacer a qualquer
decisão judicial, deveres esses pressupostos nos art.ºs 205.º da Constituição da
República e 158.º, n.º 1, 659.º, 668.º, n.º 1, al. b), e 660.º, n.º 3, do CPC.
A recorrente pode discordar – como realmente discorda – da decisão condenatória
a final emitida, mas o que não pode é invocar quanto à mesma a violação do dever
da respectiva fundamentação suficiente e congruente, que a mesma claramente
externa e evidencia.
5. Alegadas nulidades do acórdão por omissão de pronúncia – art.ºs 668.º, n.º 1,
al. d), e 660.º, n.º 2, do CPC.
Encontra-se esta espécie de nulidade por aventada «omissão de pronúncia» (art.º
668.º, n.º 1, al. d), do CPC) directamente relacionada com o postulado no n.º 2
do artigo 660.º do mesmo diploma – dever o juiz resolver todas as questões que
as partes tenham submetido à sua apreciação.
Mas este último inciso normativo logo exceptua, também “expressis verbis”,
aquelas questões “cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Ora, o tribunal pronunciou-se sobre todas as «questões» que devia ter apreciado;
e só não se pronunciou sobre as demais “hipóteses” adrede enunciadas pela ora
arguente porque, ou constituíam mera retórica argumentiva com vista ao
reconhecimento do seu impetrado direito à pensão de sobrevivência, ou porque se
encontravam prejudicadas pela solução “de mentis” a final encontrada.
Na realidade, depois de analisar os pressupostos do direito invocado face ao
quadro normativo que considerou aplicável – incluídos os preceitos dos art.ºs
40.º, n.º 1, al. a), e 41.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 142/73, de 31/3, que aprovou
o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, posteriormente alterado pelo DL n.º
191-B/79, de 25/6, e do art.º 2020.º do C. Civil – considerou o tribunal que
para que a acção pudesse proceder, a A. teria de ter satisfeito, de modo cabal e
conveniente, quer o ónus da alegação, afirmação ou dedução, quer o ónus da
prova, dos factos integradores do direito invocado em juízo, ou seja, da
alegação e prova dos factos que pudessem servir de suporte ao reconhecimento de
direito a alimentos: “rectius” de provar, quer a existência da união de facto
com o pensionista à data da morte deste, pelo espaço de tempo exigido por lei
(no mínimo dois anos), quer ainda a carência efectiva da prestação de alimentos
e, ainda, a impossibilidade de os obter das pessoas mencionadas no art.º 2009.º
do C. Civil.
E isto porque todos os requisitos contemplados no art.º 2020.º do Código Civil
representariam os fundamentos (factos constitutivos) do direito que a mesma se
arrogou (conf. art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Ónus esses que a A., ora arguente, não chegou a satisfazer.
E mais: que era líquido que à data da morte do marido da A., encontrando‑se
ambos separados judicialmente de pessoas e bens, não assistia à A. o direito a
receber qualquer pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente, sendo,
pois, inaplicável à hipótese o disposto no citado n.º 1 do art.º 41.º, mas sim o
n.º 2 do mesmo preceito.
Tudo tendo presente que tendo a ora requerente vivido com o falecido B. desde
que entre si casaram, logo arredaria a subsunção da hipótese concreta na
estatuição-previsão do art.º 2020.º, n.º 1, do Código Civil; isto porque não
poderia deixar de se considerar todo o tempo pelo qual perdurara o casamento
como integrando o requisito temporal previsto nesse inciso normativo.
E para concluir, muito enfaticamente, que “a A. não está em condições de pedir
alimentos à herança, já que falta um requisito legal previsto no art.º 2020.º do
C. C., do qual o art.º 40.º, n.º 1, al. d), do DL n.º 142/73, de 31/3, faz
depender o direito à prestação de sobrevivência” (sic).
Por último, e quanto à pretensa violação dos princípios constitucionais
invocados pela ora arguente, obtemperou o acórdão anulando:
“Nem se diga – contra o que sustenta a recorrente – que “A decisão recorrida, na
medida em faz depender o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, da
verificação de todos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 2020.º, com
referência ao artigo 2009.º, alíneas a) a d), ambos do Código Civil,
designadamente da verificação de uma absoluta necessidade de alimentos para
garantir as despesas com vestuário, alimentação e alojamento, é colidente com a
Constituição, na medida em que viola o princípio da igualdade, consagrado no
artigo 13.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 36.º, reconhecendo a todos o
direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena
igualdade.
Desde logo porque a fiscalização concreta se não reporta a decisões judiciais
mas sim a normas concretamente aplicadas ou interpretadas.
E depois porque se não descortina nessa aplicação concreta qualquer
discriminação negativa violadora dos princípio da igualdade perante a lei e da
justiça dos cidadãos que se encontrem em idêntica situação e ainda do direito à
constituição da família e à contracção de matrimónio em condições de plena
igualdade.
Assim como se não descortina na interpretação que as instâncias fizeram dos
art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do mencionado Estatuto («que condicionam a concessão
de um importante benefício social, como o é a pensão de sobrevivência, ao
recurso ao tribunal para estipulação de uma inútil pensão de alimentos, na
expressão da recorrente») prejudique o equilíbrio familiar e, nessa medida, seja
violadora do art.º 67.º da CRP. É que o direito social à protecção da família
assegurada por esse preceito constitucional não é um direito de contornos
absolutos ou irrestritos, pois que pressupõe necessariamente uma regulamentação
balizada pelo binómio necessidade/possibilidadade tacitamente remetida para as
opções de política legislativa a consubstanciar, por isso, através da legislação
infra-constitucional.
O que vale por dizer que toda a restante “matéria” vertida nas conclusões
alegadamente não conhecidas não passa de meras considerações, argumentos,
motivos, razões ou juízos de valor expendidos pela parte para respaldar a
respectiva tese jurídico-substantiva, não devendo assim assumir, «qua tale»,
qualquer autonomia cognitiva.
O tribunal deu, pois, resposta especificada e individualizada à única questão
central que lhe incumbia apreciar , pelo que não incorreu o acórdão em apreço em
qualquer vício de nulidade por omissão de pronúncia».
2.Deste aresto interpôs a demandante recurso para o Tribunal Constitucional, “ao
abrigo do disposto no art.º 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da Lei do Tribunal
Constitucional”, nos termos seguintes:
«Com o presente recurso, a recorrente pretende que seja declarada a
inconstitucionalidade do art.º 41.º, n.º 1, do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência (Dec.-Lei n.º 142/73, de 31/3, na redacção que lhe foi dada pelo
Dec.-Lei n.º 191-B/79, de 25/6) na interpretação que condiciona o acesso a uma
pensão de sobrevivência, por parte de um cônjuge separado judicialmente de
pessoas e bens, mas que vive em economia comum, ao prévio recurso ao tribunal
para estipulação de uma pensão de alimentos, o que, no entender da recorrente se
traduz numa interferência injustificada no relacionamento entre marido e mulher,
do qual não resultam benefícios para ninguém e que viola os princípios da
subsidariedade do Estado relativamente à família e da reserva da intimidade da
vida privada e familiar constitucionalmente previstos no art.º 26.º da CRP,
viola o art. 72.º da Constituição porque atinge a segurança económica que o
Estado deve promover relativamente às pessoas idosas, negando-a àquelas pessoas
que viviam em economia comum com os seus cônjuges e que não viam necessidade,
nem preenchiam os pressupostos processuais, por falta de litígio, para recorrer
aos tribunais para estabelecimento de uma pensão de alimentos, prejudica o
equilíbrio familiar e, nessa medida, viola o art.º 67.º da CRP, assim como os
princípios da igualdade, justiça e proporcionalidade da Administração Pública,
previstos no art.º 266.º da CRP.
A recorrente pretende, também, que seja declarada a inconstitucionalidade dos
art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do mesmo Estatuto das Pensões de Sobrevivência, na
interpretação que exige o recurso a tribunal para que seja decretada ou
homologada uma pensão de alimentos, nos casos em que exista uma separação
judicial de pessoas e bens mas não exista separação de facto, permanecendo uma
união de vida e comunhão de cama, mesa e habitação mas não exige recurso a
tribunal nos casos em que marido e mulher vivem separadamente sem que seja
decretada qualquer separação judicial de pessoas e bens, o que no entender da
recorrente viola o princípio constitucional da igualdade e o art.º 13.º da CRP.
A recorrente pretende, ainda, que seja declarada a inconstitucionalidade dos
art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, na
interpretação que exige o recurso a tribunal para que seja decretada ou
homologada uma pensão de alimentos, nos casos em que exista uma separação
judicial de pessoas e bens mas não exista separação de facto, permanecendo uma
união de vida e comunhão de cama, mesa e habitação, com contribuição espontânea
do cônjuge falecido para os encargos normais da vida familiar e espontâneo
cumprimento do dever de assistência, o que, no entender da recorrente, viola o
direito à segurança social, previsto no art.º 63.º da Constituição, e é uma
exigência manifestamente inadequada, excessiva e desproporcionada relativamente
a eventuais benefícios da mesma, violando o princípio constitucional da
proporcionalidade, nos seus três subprincípios da adequabilidade, exigência e
proporcionalidade em sentido estrito, assim como o princípio do primado da não
conflitualidade resultante do disposto nos art.ºs 20.º, e 18.º, n.º 2, da
Constituição.
A recorrente pretende, ainda, que seja declarada a inconstitucionalidade dos
art.ºs 40.º e 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, na
interpretação que condiciona a atribuição de uma pensão de sobrevivência por
morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem com ele convivia em
união de facto à demonstração da necessidade de alimentos e da impossibilidade
de os poder obter daqueles referidos no art.º 2009.º do Cód. Civil, o que, no
entender da recorrente, viola o direito à segurança social, previsto no art.º
63.º da Constituição, e é uma exigência manifestamente inadequada, excessiva e
desproporcionada relativamente a eventuais benefícios da mesma, violando o
princípio constitucional da proporcionalidade, nos seus três subprincípios da
adequabilidade, exigência e proporcionalidade em sentido estrito.
A recorrente pretende, ainda, que seja declarada a inconstitucionalidade dos
art.ºs 40.º e 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, na
interpretação que condiciona a atribuição de uma pensão de sobrevivência por
morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem com ele convivia em
união de facto à demonstração da necessidade de alimentos e da impossibilidade
de os poder obter daqueles referidos no art.º 2009.º do Cód. Civil, o que, no
entender da recorrente, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo
13.º da Constituição, em conjugação com o disposto n.º 1 do artigo 36.º do mesmo
diploma, o qual reconhece a todos o direito de constituir família e de contrair
casamento em condições de plena igualdade.
A recorrente entende que as questões de constitucionalidade acima referidas têm
sido por si arguidas nas diversas alegações por si apresentadas e, em
particular, nas alegações apresentadas no recurso de revista para o Supremo
Tribunal de Justiça.
Mais declara que a decisão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade,
julgou inconstitucional a norma aplicada pela decisão recorrida é, entre outra,
o acórdão n.º 88/2004.»
Notificada para produzir alegações, a recorrente concluiu dizendo:
«A) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência
(Dec.-Lei n.º 142/73, de 31/3, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei n.º
191-B/79, de 25/6), na interpretação perfilhada pelo acórdão recorrido, que
condiciona o acesso a uma pensão de sobrevivência, por parte de um cônjuge
separado judicialmente de pessoas e bens mas que vive em economia comum, ao
prévio recurso ao tribunal para estipulação de uma pensão de alimentos, implica
uma interferência injustificada no relacionamento entre marido e mulher, do qual
não resultam benefícios para ninguém e que viola os princípios da subsidariedade
do Estado relativamente à família e da reserva da intimidade da vida privada e
familiar constitucionalmente previstos no art.º 26.º da CRP.
B) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido, que condiciona o acesso a uma pensão de sobrevivência, por
parte de um cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens mas que vive em
economia comum, ao prévio recurso ao tribunal para estipulação de uma pensão de
alimentos, violam o art.º 72.º da Constituição porque atingem a segurança
económica que o Estado deve promover relativamente às pessoas idosas, negando-a
àquelas pessoas que viviam em economia comum com os seus cônjuges e que não viam
necessidade, nem preenchiam os pressupostos processuais, por falta de litígio,
para recorrer aos tribunais para estabelecimento de uma pensão de alimentos.
C) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido, que condiciona o acesso a uma pensão de sobrevivência, por
parte de um cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens mas que vive em
economia comum, ao prévio recurso ao tribunal para estipulação de uma pensão de
alimentos, interpretação que implica uma interferência injustificada do Estado
que prejudica o equilíbrio familiar, violam o art.º 67.º da CRP, pois ao Estado
apenas incumbe regular os benefícios sociais de harmonia com os encargos
familiares e para protecção da família.
D) A interpretação do Estatuto feita pelo acórdão recorrido, considerando que a
autora só seria herdeira hábil se estivesse estabelecida em seu favor uma pensão
de alimentos fixada ou homologada judicialmente não tem em consideração a
intenção do legislador de estender a protecção social estabelecida para os casos
de normalidade da vida familiar aos casos de divórcio e separação judicial de
pessoas e bens em que há uma separação efectiva, sem excluir a protecção social
naquelas situações de separação judicial em que se mantém a comunhão de vida
conjugal.
E) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido, que condiciona o acesso a uma pensão de sobrevivência, por
parte de um cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens mas que vive em
economia comum, ao prévio recurso ao tribunal para estipulação de uma pensão de
alimentos, violam os princípios da igualdade, justiça e proporcionalidade da
Administração Pública, previstos no art.º 266.º da CRP.
E) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido, que condiciona o acesso a uma pensão de sobrevivência, por
parte de um cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens mas que vive em
economia comum, ao prévio recurso aos tribunais, sem existência de qualquer
conflito subjacente e em situação de pleno entendimento entre o casal, para
fixação ou homologação judicial de uma pensão de alimentos, além de violarem o
princípio da economia processual, violam os princípios da subsidariedade do
Estado relativamente à família e da reserva da intimidade da vida privada e
familiar constitucionalmente previstos no art.º 26.º da CRP, assim como os
princípios da igualdade, justiça e proporcionalidade da Administração Pública,
previstos no art.º 266.º da CRP.
G) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido que, para atribuição de uma pensão de sobrevivência exigem o
recurso a tribunal para que seja decretada ou homologada uma pensão de
alimentos, nos casos em que exista uma separação judicial de pessoas e bens mas
não exista separação de facto, permanecendo uma união de vida e comunhão de
cama, mesa e habitação, fazem depender a concessão de um importante benefício
social de uma condição impossível de cumprir, uma vez que a espontânea e
recíproca contribuição dos cônjuges para os encargos normais da vida familiar e
o espontâneo cumprimento do dever de assistência anulam a necessidade de fixação
judicial de alimentos, pelo que tal interpretação se traduz numa exigência
manifestamente inadequada, excessiva e desproporcionada relativamente a
eventuais benefícios da mesma, violando o princípio constitucional da
proporcionalidade.
H) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido, que exige o recurso a tribunal para que seja decretada ou
homologada uma pensão de alimentos, nos casos em que exista uma separação
judicial de pessoas e bens mas não exista separação de facto, permanecendo uma
união de vida e comunhão de cama, mesa e habitação, mas não exige recurso a
tribunal nos casos em que marido e mulher vivem separadamente sem que seja
decretada qualquer separação judicial de pessoas e bens, são inconstitucionais
por violação do princípio constitucional da igualdade e do art.º 13.º da CRP.
I) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido, que exige o recurso a tribunal para que seja decretada ou
homologada uma pensão de alimentos, nos casos em que exista uma separação
judicial de pessoas e bens mas não exista separação de facto, permanecendo uma
união de vida e comunhão de cama, mesa e habitação, com contribuição espontânea
do cônjuge falecido para os encargos normais da vida familiar e espontâneo
cumprimento do dever de assistência, violam o direito à segurança social,
previsto no art.º 63.º da Constituição.
J) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto, na mesma interpretação, implicam
uma exigência manifestamente inadequada, excessiva e desproporcionada
relativamente a eventuais benefícios da mesma, violando o princípio
constitucional da proporcionalidade, nos seus três subprincípios da
adequabilidade, exigência e proporcionalidade em sentido estrito.
K) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto, na mesma interpretação, violam,
injustificadamente, o princípio do primado da não conflitualidade resultante do
disposto nos art.º 20.º e 18.º, n.º 2, da Constituição, pois o recurso aos
tribunais apenas se justifica para defesa dos direitos e interesses legalmente
protegidos.
Subsidiariamente,
L) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 2, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido, que condiciona a atribuição de uma pensão de sobrevivência
por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem com ele convivia
em união de facto à demonstração da necessidade de alimentos e da
impossibilidade de os poder obter daquelas pessoas referidos no art.º 2009.º do
Cód. Civil, o que, no entender da recorrente, viola o direito à segurança
social, previsto no art.º 63.º da Constituição.
M) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 2, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido, que condiciona a atribuição de uma pensão de sobrevivência
por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem com ele convivia
em união de facto à demonstração da necessidade de alimentos e da
impossibilidade de os poder obter daquelas pessoas referidos no art.º 2009.º do
Cód. Civil, implicam uma exigência manifestamente inadequada, excessiva e
desproporcionada relativamente a eventuais benefícios da mesma, violando o
princípio constitucional da proporcionalidade, nos seus três subprincípios da
adequabilidade, exigência e proporcionalidade em sentido estrito.
N) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 2, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido, que condiciona a atribuição de uma pensão de sobrevivência
por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem com ele convivia
em união de facto à demonstração da necessidade de alimentos e da
impossibilidade de os poder obter daquelas pessoas referidos no art.º 2009.º do
Cód. Civil, são incongruentes com as Leis n.º 135/99, de 28 de Agosto, e n.º
7/2001, de 11 de Maio, e com o facto de a medida da pensão de sobrevivência não
ser a medida da necessidade do requerente e de a razão de ser da atribuição do
direito à pensão de sobrevivência a haver pela pessoa sobrevivente da união de
facto resulta do aforro que foi realizado pela pessoa falecida, no decurso de
uma vida de trabalho, por via dos descontos nas remunerações que foram sendo
depositados à ordem dessa instituição.
O) Os art.ºs 40.º e 41.º, n.º 2, do Estatuto, na interpretação perfilhada pelo
acórdão recorrido, que condiciona a atribuição de uma pensão de sobrevivência
por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem com ele convivia
em união de facto à demonstração da necessidade de alimentos e da
impossibilidade de os poder obter daquelas pessoas referidos no art.º 2009.º do
Cód. Civil, violam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da
Constituição, em conjugação com o disposto n.º 1 do artigo 36.º do mesmo
diploma, o qual reconhece a todos o direito de constituir família e de contrair
casamento em condições de plena igualdade.»
Contra-alegando, a recorrida concluiu:
«1 – O que está em causa é saber se a Constituição obriga a tratar de forma
igual, a todos os níveis, o casado e o unido de facto.
2 – Os estados civis de casado e solteiro (na situação de unido de facto) não
são idênticos:
nem de facto – a vivência em união de facto surge associada a situações de maior
precariedade do compromisso, seja por corresponder a uma fase muito inicial da
vida em comum (espécie de antecâmara do casamento, como que um período
experimental) ou por respeitar a pessoas de idade muito avançada (em que a
partilha de vida tem uma diferente intensidade e significado), seja por abranger
casos em que a ligação afectiva é menos sólida e, por isso, os companheiros
pretendem mantê-la à margem de formalismos que, além de a desvirtuarem
(transformando-a em algo que não é), seriam de onerosa reversão;
nem de direito v. infra.
3 – A Lei Fundamental limita-se, nesta matéria, a estabelecer que “Ninguém pode
ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou
isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território
de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica, condição social ou orientação sexual” (artigo 13.º – Princípio da
igualdade) e que “Todos têm o direito de constituir família e de contrair
casamento em condições de plena igualdade” (artigo 36.º – Família, casamento e
filiação).
4 – Do primeiro dos artigos colhe-se que a opção que os cidadãos tomam sobre o
seu estado civil não é considerada irrelevante pelo legislador constitucional.
Do segundo, que deve ser lido articuladamente com o primeiro, que tal facto
decorre, com naturalidade, de estar a todos assegurado contrair matrimónio, pelo
que cabe, em última instância, a cada cidadão decidir sobre o seu estado civil,
não restando ao Estado senão respeitar tal decisão.
5 – A opção que cada um, conscientemente, toma nessa matéria prende-se,
frequentemente, com o nível de solenidade que pretende dar à união de facto, bem
como, amiúde, com objectivos de ordem patrimonial mais ou menos confessáveis
(ex: evitar a transmissibilidade de dívidas ao património do casal).
6 – A equiparação judicial (com fundamento em imperativo constitucional que não
se descortina) do unido de facto ao casado para efeitos patrimoniais – mas só
para aqueles que sejam de valor positivo (não se conhece jurisprudência no mesmo
sentido para efeitos de comunicabilidade de dívidas ou de efeitos fiscais, por
exemplo) – resulta numa ousadia paternalista inaceitável.
7 – Na verdade, se alguém não se casa devemos presumir que é porque não o
pretende fazer, após ponderada reflexão. Se não casa é porque considera que a
sua ligação não tem o grau de perenidade ou intensidade que justifique o
despoletar dos efeitos que a lei associa ao matrimónio. Ora, se assim é, fará
sentido vir o Tribunal, postumamente, certamente movido pelos mais louváveis e
piedosos motivos, casar o falecido para efeitos de atribuição de benefícios
sociais?
8 – O legislador ordinário (no Estatuto das Pensões de Sobrevivência) entendeu,
numa opção que a Constituição acomoda sem dificuldade, aproximar o estatuto do
unido de facto do ex-cônjuge com direito a alimentos. O que haverá de
inconstitucional em condicionar o direito do companheiro de contribuinte
falecido a uma pensão vitalícia de sobrevivência à carência de alimentos? Não
partilham ambas as situações o desejo de o contribuinte falecido não estar
casado à data da morte com aquela que se apresenta a habilitar-se a uma pensão
de sobrevivência?
9 – O esgotar da via trilhada pela recorrente, em coerência, deverá levar a
equiparar os efeitos da união de facto aos do casamento, sendo legítimo
questionar o que se salvará deste, para além da cerimónia religiosa, quando a
religiosidade dos noivos a admita.
10 – É que também não se afigura inconstitucional a coexistência de vários
regimes de pensões, cada um com regras próprias (aliás, não se conhece um único
País com um só regime de pensões para todos os trabalhadores).
11 – Será, por fim, uma violência obrigar alguém a casar para poder beneficiar
da plenitude dos direitos associados a esse estatuto jurídico? Ou, colocando a
questão ao contrário, não será uma violência – uma fraude à lei, mesmo –
reconhecer a alguém o estatuto de unido de facto para efeito de fuga às
responsabilidades patrimoniais pessoais e aquele que é próprio dos casados
quando os encargos financeiros são da responsabilidade de terceiros (de todos,
afinal, uma vez que as pensões são, cada vez mais, pagas pelos impostos dos
contribuintes)? Não será esta uma maior ofensa ao princípio da
proporcionalidade, conexo do da responsabilidade individual? Será admissível um
entendimento do tipo do que se sindica, que objectivamente favorece a tese que
parece ganhar adeptos, de privilegiar os direitos em detrimento dos deveres mais
básicos de cidadania?
12 – Inconstitucional seria se a norma do E.P.S. tratasse diferentemente
subscritores da CGA na mesma situação de forma diferente. Os regimes especiais –
com regras próprias (que têm de se considerar no contexto do regime em que se
inserem) seriam todos inconstitucionais.
13 – A inconstitucionalidade afere-se pela violação da Constituição, nunca pela
“desconformidade” com outras normas de idêntica dignidade aplicáveis a diferente
universo pessoal. E o facto de o regime da CGA ser, em determinados aspectos
(poucos, como é sabido) menos favorável do que o Regime Geral de Segurança
Social não autoriza a desprezar as regras daquele em favor de uma aplicação
directa deste (sob pena de se deverem fundir – por via jurisdicional – os dois
regimes, aproveitando-se, portanto, as partes de cada um consideradas mais
interessantes, como seria neste caso uma taxa de contribuição para a CGA
inferior àquela que é devida na Segurança Social).
14 – O princípio da igualdade apenas impõe um tratamento igual quando exista
identidade de situações. Ora, no caso, os regimes são claramente deferentes até
no valor das prestações concedidas.
15 – No âmbito do regime da função pública, nunca existiu regra que mandasse
atender a momento anterior àquele em que o contribuinte deve considerar-se
herdeiro hábil para efeitos de atribuição da pensão de sobrevivência a
companheiros de contribuintes falecidos. Não faz, pois, qualquer sentido
convocar tal princípio.»
Já no Tribunal Constitucional foi proferido pela Relatora, em 28 de Junho de
2005, o seguinte despacho:
«1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como
recorrida a Caixa Geral de Aposentações, foi interposto recurso de
constitucionalidade para apreciação das seguintes questões:
A., viúva, autora e recorrente nos autos à margem identificados, notificada do
douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 11 de Novembro de 2004,
vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no art. 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da Lei do Tribunal Constitucional.
Com o presente recurso, a recorrente pretende que seja declarada a
inconstitucionalidade do art. 41.º, n.º 1, do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência (Dec.-Lei n.º 142/73, de 31/3, na redacção que lhe foi dada pelo
Dec.-Lei n.º 191-B/79, de 25/6) na interpretação que condiciona o acesso a uma
pensão de sobrevivência, por parte de um cônjuge separado judicialmente de
pessoas e bens mas que vive em economia comum, ao prévio recurso ao tribunal
para estipulação de uma pensão de alimentos, o que, no entender da recorrente se
traduz numa interferência injustificada no relacionamento entre marido e mulher,
do qual não resultam benefícios para ninguém e que viola os princípios da
subsidariedade do Estado relativamente à família e da reserva da intimidade da
vida privada e familiar constitucionalmente previstos no art. 26.º da CRP, viola
o art. 72.º da Constituição porque atinge a segurança económica que o Estado
deve promover relativamente às pessoas idosas, negando-a àquelas pessoas que
viviam em economia comum com os seus cônjuges e que não viam necessidade, nem
preenchiam os pressupostos processuais, por falta de litígio, para recorrer aos
tribunais para estabelecimento de uma pensão de alimentos, prejudica o
equilíbrio familiar e, nessa medida, viola o art. 67.º da CRP, assim como os
princípios da igualdade, justiça e proporcionalidade da Administração Pública,
previstos no art. 266.º da CRP.
A recorrente pretende, também, que seja declarada a inconstitucionalidade dos
arts. 40.º e 41.º, n.º 1, do mesmo Estatuto das Pensões de Sobrevivência, na
interpretação que exige o recurso a tribunal para que seja decretada ou
homologada uma pensão de alimentos, nos casos em que exista uma separação
judicial de pessoas e bens mas não exista separação de facto, permanecendo uma
união de vida e comunhão de cama, mesa e habitação mas não exige recurso a
tribunal nos casos em que marido e mulher vivem separadamente sem que seja
decretada qualquer separação judicial de pessoas e bens, o que no entender da
recorrente viola o princípio constitucional da igualdade e o art. 13.º da CRP.
A recorrente pretende, ainda, que seja declarada a inconstitucionalidade dos
arts. 40.º e 41.º, n.º 1, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, na
interpretação que exige o recurso a tribunal para que seja decretada ou
homologada uma pensão de alimentos, nos casos em que exista uma separação
judicial de pessoas e bens mas não exista separação de facto, permanecendo uma
união de vida e comunhão de cama, mesa e habitação, com contribuição espontânea
do cônjuge falecido para os encargos normais da vida familiar e espontâneo
cumprimento do dever de assistência, o que, no entender da recorrente ,viola o
direito à segurança social, previsto no art. 63.º da Constituição, e é uma
exigência manifestamente inadequada, excessiva e desproporcionada relativamente
a eventuais benefícios da mesma, violando o princípio constitucional da
proporcionalidade, nos seus três subprincípios da adequabilidade, exigência e
proporcionalidade em sentido estrito, assim como o princípio do primado da não
conflitualidade resultante do disposto nos arts. 20.° e 18.º, n.º 2, da
Constituição.
A recorrente pretende, ainda, que seja declarada a inconstitucionalidade dos
arts. 40.º e 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, na
interpretação que condiciona a atribuição de uma pensão de sobrevivência por
morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem com ele convivia em
união de facto à demonstração da necessidade de alimentos e da impossibilidade
de os poder obter daqueles referidos no art. 2009.º do Cód. Civil, o que, no
entender da recorrente, viola o direito à segurança social, previsto no art.
63.º da Constituição, e é uma exigência manifestamente inadequada, excessiva e
desproporcionada relativamente a eventuais benefícios da mesma, violando o
princípio constitucional da proporcionalidade, nos seus três subprincípios da
adequabilidade, exigência e proporcionalidade em sentido estrito.
A recorrente pretende, ainda, que seja declarada a inconstitucionalidade dos
arts. 40.º e 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, na
interpretação que condiciona a atribuição de uma pensão de sobrevivência por
morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem com ele convivia em
união de facto à demonstração da necessidade de alimentos e da impossibilidade
de os poder obter daqueles referidos no art. 2009.º do Cód. Civil, o que, no
entender da recorrente, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo
13.° da Constituição, em conjugação com o disposto n.º 1 do artigo 36.° do mesmo
diploma, o qual reconhece a todos o direito de constituir família e de contrair
casamento em condições de plena igualdade.
A recorrente entende que as questões de constitucionalidade acima referidas têm
sido por si arguidas nas diversas alegações por si apresentadas e, em
particular, nas alegações apresentadas no recurso de revista para o Supremo
Tribunal de Justiça.
Mais declara que a decisão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade,
julgou inconstitucional a norma aplicada pela decisão recorrida é, entre outra,
o acórdão n.º 88/2004.
Verifica‑se, no entanto, que o tribunal a quo, para além de considerar que a
recorrente não fez prova da impossibilidade de obter alimentos nos termos do
artigo 2009.º do Código Civil, também entendeu o seguinte:
Ora, no caso sob análise, o cônjuge falecido B., contraíra casamento com a A. em
22-9-76, tendo falecido em 8-1-98, ainda no estado de casado com a A., mas,
todavia, separado de pessoas e bens, por decisão do Conservador do Registo Civil
datada de 16-10-96 e transitada em julgado em 25-10-96 – docs. fls. 8 e 11 a 13.
Temos pois que desde 25-10-96 até 8-1-98 não havia ainda decorrido o período de
dois anos de que a lei (art. 2020.°, n.° 1) faz depender a atribuição de
alimentos ao necessitado.
Abra-se aqui um parêntesis para observar que tendo a ora recorrente vivido com o
falecido B. desde que entre si casaram, logo arredaria a subsunção da hipótese
concreta na estatuição‑previsão do art° 2020.°, n.° 1, do Código Civil; isto
porque não poderia deixar-se de considerar todo o tempo do casamento como
integrando o requisito temporal previsto nesse inciso normativo.
Desta passagem do acórdão impugnado parece resultar que o Supremo Tribunal de
Justiça, para além da inexistência de prova relativa à impossibilidade de
obtenção de alimentos nos termos do artigo 2009.º do Código Civil, entendeu que
não se verifica o pressuposto do próprio artigo 2020.º, n.º 1, do Código Civil,
consistente na união de facto em condições análogas às dos cônjuges por mais de
dois anos, isto porque a separação judicial de pessoas e bens entre a recorrente
e o seu marido não atingiu tal período de tempo. Deste modo, na perspectiva do
tribunal, também com este fundamento a pensão de alimentos não podia ser
concedida.
A recorrente não impugnou a dimensão normativa subjacente a este entendimento.
A ser assim, qualquer juízo que o Tribunal Constitucional viesse a formular
sobre as questões suscitadas não teria a virtualidade de alterar a decisão de
não concessão da pensão de alimentos, já que esta sempre subsistiria com
fundamento na não verificação do aludido pressuposto do artigo 2020.º do Código
Civil.
Desse modo, a apreciação do objecto do presente recurso seria inútil.
2. Notifique‑se a recorrente da questão prévia suscitada, de acordo com o artigo
3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da
Lei do Tribunal Constitucional.»
A recorrente respondeu o seguinte:
«A., viúva, autora e recorrente nos autos à margem identificados, notificada
para responder à questão prévia suscitada pela Exma. Conselheira Relatora, vem
dizer o seguinte:
I
Com alguma dúvida, interpreta a Senhora Conselheira o acórdão do STJ como se o
mesmo, para além da inexistência de prova relativa à impossibilidade de obtenção
de alimentos nos termos do art. 2009.º do Cód. Civil, tivesse fundamentado
igualmente a decisão no facto de não se ter verificado a vivência em união de
facto por mais de dois anos.
No entender da requerente, o facto de se estar perante uma dúvida justificaria,
à partida, que fosse dada prevalência à admissibilidade do recurso da
constitucionalidade, uma vez que o Tribunal Constitucional não pode dar como
adquirido que o Supremo Tribunal de Justiça viesse a ter o mesmo entendimento
que o agora perfilhado pela Veneranda Conselheira Relatora.
Dito de outra forma, melhor fora que, a final, o Supremo considerasse inócua a
decisão de inconstitucionalidade, do que se viesse a correr o risco de uma
denegação de justiça.
II
Não obstante e salvo o sempre devido respeito, a recorrente considera que a
interpretação da Veneranda Conselheira não corresponde ao teor do acórdão do
S.T.J.
A)
De facto, quer na decisão ora em recurso, quer no acórdão de 13 de Janeiro de
2005, de resposta à reclamação então apresentada e no qual se esclarece o
sentido do acórdão em recurso, o Supremo Tribunal declara, “ipsis verbis”, que
não poderia deixar de se considerar todo o tempo do casamento com integrando o
requisito temporal previsto nesse inciso normativo (o art. 2020.º, n.º 1, do
Cód. Civil).
A repetição desta afirmação não deixa margem para dúvidas de que o Supremo
Tribunal considera que o tempo de casamento é relevante para a aplicação do art.
2020.º, n.º 1, do Cód. Civil.
B)
Acresce que esta afirmação é feita na sequência da consideração de que entre a
data do trânsito em julgado da decisão de separação e a morte do cônjuge marido
ainda não haviam decorrido dois anos.
Ora, o Supremo esclarece que todo o período de casamento é relevante para a
consideração da vida em comum.
Afirmação essa que, aliás, está de acordo com a razão de ser da norma pela qual
se pretende, de alguma forma, “proteger” aqueles que viviam em comunhão de
facto, cuja aplicação ao caso da autora, como bem se refere na decisão da
primeira instância, se justifica plenamente (e faz‑se notar que o Supremo não
gasta uma linha a justificar porque razão o tempo de vida comum anterior à
declaração formal de separação de pessoas e bens não seria relevante,
justificação essa que seria exigível, caso o Tribunal entendesse que seria
irrelevante).
C)
Acresce, ainda, que esta questão havia sido expressamente debatida tanto na
sentença de primeira instância (cfr. fls. 190 dos autos), como na decisão do
Tribunal da Relação (cfr. fls. 11 do acórdão da Relação).
Ora, toda a decisão do Supremo Tribunal se estrutura numa simples confirmação do
decidido pelas instâncias anteriores.
E tanto a frase “Assim, desde 25 de Outubro de 1996 até 8 de Janeiro de 1998 não
decorreram os dois anos de que a lei (art. 2020.º, n.º 1) faz depender a
atribuição de alimentos” como a frase “isto é, não se pode deixar de considerar
que todo o tempo do casamento como integrando o requisito temporal previsto
naquele artigo” são frases textuais do acórdão da Relação.
Ora, não fazia qualquer sentido que, num acórdão confirmativo, o Supremo fosse
utilizar frases exactamente iguais à utilizadas pelo Tribunal da Relação para
retirar uma conclusão oposta àquela defendida pela mesma Relação.
D)
E, se dúvidas restassem a respeito da interpretação do acórdão, é de atentar,
mais uma vez, em quanto se declara a fls. 5 do acórdão interpretativo de 13 de
Janeiro – nesta decisão se refere que o acórdão ora em recurso conclui, muito
enfaticamente (sic), que a A. não está em condições de pedir alimentos à herança
já que falta um (sublinhado nosso) requisito legal previsto no art. 2020.º do
C.C., do qual o art. 40.º, n.º 1, al. d) do DL 142/73, de 31/3, faz depender o
direito à prestação de sobrevivência.
Ora, se não há quaisquer dúvidas que o tribunal a quo considerou que a autora
não fez prova da impossibilidade de obter alimentos nos termos do art. 2009.º do
C. Civil – é o próprio despacho a que se responde que o refere no final da pág.
2 –, se a impossibilidade de obter alimentos nos termos do art. 2009.º do Cód.
Civil é um e apenas um dos requisitos legais previstos no art. 2020.º do mesmo
Código, não pode deixar de se concluir que, no que respeita aos requisitos
legais previstos no art. 2020.º do Cód. Civil, o único fundamento da decisão do
STJ foi o da falta de prova da impossibilidade de obter alimentos nos termos do
art. 2009.º do Cód. Civil e não já outro qualquer requisito legal,
designadamente, a inexistência de coabitação pelo período de dois anos.
Nestes termos, não podendo a recorrente deixar de admitir, em termos teóricos, a
interpretação que a Veneranda Conselheira Relatora faz do acórdão em recurso,
não pode deixar de manifestar, com todo o respeito, a profunda discordância
quanto à mesma.
No entender da recorrente, quanto aos requisitos legais previstos no art. 2020.º
do Cód. Civil, o acórdão em recurso tem um único fundamento – a consideração –
inconstitucional embora – de que a atribuição de uma pensão de sobrevivência por
morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem com ele convivia em
união de facto à demonstração da necessidade de alimentos e da impossibilidade
de os poder obter daquelas pessoas a quem se refere o art. 2009.º do Cód. Civil.
Assim sendo, o juízo de inconstitucionalidade pedido a esse Venerando Tribunal é
útil e necessário, mantendo a virtualidade de alterar a decisão do Supremo
Tribunal de não concessão da pensão de alimentos, pelo que se insiste na
prolação de um acórdão, nos termos já referidos nas alegações oportunamente
apresentadas.»
Após inscrição em tabela, discussão e votação, com base num “memorando”
elaborado pela Conselheira Relatora, e consequente mudança de Relator por
vencimento, cumpre decidir.
II. Fundamentos
A) Questão prévia
3.Importa começar por decidir a questão prévia relativa ao não conhecimento do
recurso.
No referido despacho proferido no Tribunal Constitucional (que se encontra a
fls. 446 e segs. dos autos e transcrito supra), foi suscitada a questão do
eventual não conhecimento do recurso em virtude da existência de um fundamento
alternativo, só por si bastante para a decisão recorrida, e que tornaria inútil
a apreciação da norma em causa no presente recurso. Esse fundamento seria a não
verificação do pressuposto do artigo 2020.º, n.º 1, do Código Civil, consistente
na união de facto em condições análogas às dos cônjuges por mais de dois anos,
uma vez que, nos termos da respectiva fundamentação, o falecido e a recorrente
estavam separados e a separação judicial de pessoas e bens não atingiu tal
período de tempo.
Entende, porém, este Tribunal que é de conhecer do presente recurso. Na verdade,
o Supremo Tribunal de Justiça, ainda que, de forma pouco compreensível, o tenha
feito ao explicar a razão pela qual arredaria a subsunção do caso na hipótese
concreta na previsão do artigo 2020.º, nº 1, do Código Civil, afirmou o
seguinte: “isto porque não poderia deixar‑se de considerar todo o tempo de
casamento como integrando o requisito temporal previsto nesse inciso normativo”
(itálico aditado). Ora, se não pode deixar de se considerar todo o tempo de
casamento, que ultrapassa largamente os dois anos, não se vislumbra fundamento
para considerar que não houve subsunção do caso dos autos na previsão do artigo
2020.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de
Novembro.
Entendendo-se que é de retirar desse passo da decisão recorrida, como um dado a
que o Tribunal Constitucional está vinculado, que se considerou cumprida a
exigência, prevista no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil, de convivência,
há mais de dois anos, em economia comum, não existe na fundamentação da decisão
recorrida, além da norma impugnada, qualquer outro fundamento alternativo, só
por si bastante para o resultado decisório a que chegou. Pelo que é de conhecer
do objecto do presente recurso.
B) Questão de constitucionalidade
4.A dimensão normativa em causa nos presentes autos corresponde à interpretação
dos artigos 40.º, n.º 1, e 41.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção
que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, que condiciona o
acesso a uma pensão de sobrevivência por parte do cônjuge separado de pessoas e
bens, mas que vivia em economia comum com o falecido, ao reconhecimento do
direito a alimentos da herança e da impossibilidade da sua obtenção nos termos
das alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 2009.° do Código Civil. Está em causa, em
particular, a alínea a) do n.º 1 do referido artigo 40.º. É a seguinte a
redacção desses preceitos do Estatuto das Pensões de Sobrevivência:
“Artigo 40.º
(Herdeiros hábeis)
1 – Têm direito à pensão de sobrevivência como herdeiros hábeis dos
contribuintes, verificados os requisitos que se estabelecem nos artigos
seguintes:
a) Os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas
e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.º do Código
Civil;
[...]
Artigo 41.º
(Ex-cônjuge e pessoa em união de facto)
1 – Os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens só se
considerarão herdeiros hábeis para efeitos de pensão de sobrevivência se tiverem
direito a receber do contribuinte à data da sua morte pensão de alimentos fixada
ou homologada judicialmente.
2 – Aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições
previstas no artigo 2020.º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil
para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe
o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1
do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido
direito.”
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 2020º do Código Civil (na redacção do Decreto-Lei
n.º 496/77, de 25 de Novembro) dispõe:
“1 – Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada
judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições
análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido,
se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º.
(...)”
E este artigo 2009º, n.º 1, do Código Civil enumera as “pessoas obrigadas a
alimentos”, indicando, nas alíneas a) a d), o cônjuge ou o ex-cônjuge, os
descendentes, os ascendentes e os irmãos.
5.Importa recordar que, no Acórdão n.º 159/2005 (publicado no Diário da
República, II Série, de 28 de Dezembro de 2005 e disponível no sítio da Internet
do Tribunal Constitucional www.tribunalconstitucional.pt), este Tribunal
decidiu, num caso em que estava em causa dimensão interpretativa
substancialmente idêntica à ora em apreciação, não julgar inconstitucional a
norma do artigo 41.º, n.º 2, 1.ª parte, do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência, na interpretação segundo a qual a titularidade de pensão de
sobrevivência em caso de união de facto depende de o companheiro do falecido
estar nas condições do artigo 2020.º do Código Civil, isto é, de ter direito a
obter alimentos da herança, por não os poder obter das pessoas referidas no
artigo 2009.º, n.º 1, alíneas a) a d), do mesmo Código. Disse-se na respectiva
fundamentação:
«(…)
5. Conforme se nota na decisão recorrida, o Tribunal Constitucional teve já
ocasião de apreciar esta norma. Assim, o acórdão n.º 88/2004, tirado na 3.ª
Secção, pronunciou‑se (por maioria) no sentido da sua inconstitucionalidade, por
violação do “princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições
conjugadas dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 36.º, n.º 1, e 63.º, n.ºs 1 e 3, todos
da Constituição da República Portuguesa”.
Solução normativa substancialmente idêntica a esta, embora reportada a outra
norma, fora já anteriormente apreciada por este Tribunal, pelo acórdão n.º
195/2003, tirado na 2ª Secção (invocado, aliás, num dos votos de vencido apostos
ao referido acórdão n.º 88/2004), no qual, igualmente por maioria, se não julgou
inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18
de Outubro, “na parte em que faz depender a atribuição da pensão de
sobrevivência por morte do beneficiário da segurança social, a quem com ele
convivia em união de facto, de todos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo
2020.º do Código Civil” (itálico aditado). Estava aqui em causa a dimensão
normativa segundo a qual a atribuição da pensão de sobrevivência por morte de
beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, a quem com ele convivia em união de
facto, dependia, também, da prova do direito do companheiro sobrevivo a receber
alimentos da herança do companheiro falecido, implicando a demonstração prévia
da impossibilidade da sua obtenção, nos termos das alíneas a) a d) [do n.º 1] do
art. 2009.° do Código Civil”. Disse-se na fundamentação deste acórdão n.º
195/2003:
«(...)
Ora, será que a distinção entre cônjuges (contemplados como titulares do direito
às prestações em questão no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º
322/90) e pessoas em situação de união de facto, para efeitos de fixação das
condições de atribuição da pensão de sobrevivência, requerendo para estas que
não possam exigir alimentos aos seus familiares mais próximos, é violadora do
princípio da igualdade?
A perspectiva da recorrente parece ser a de que a distinção entre pessoas
casadas e pessoas em situação de união de facto, para efeitos de atribuição da
pensão de sobrevivência, viola o princípio da igualdade por ser destituída de
fundamento razoável, constitucionalmente relevante, considerando,
designadamente, que “sempre será necessário fazer prova da já referida vivência
há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges”.
Cumpre, porém, reconhecer que este último argumento dá por pressuposto o
reconhecimento de uma imposição constitucional, por força do princípio da
igualdade, de um mesmo tratamento para cônjuges e pessoas que vivem em união de
facto (ainda que há mais de dois anos). Ora, numa certa perspectiva pode, é
certo, admitir-se que uma certa caracterização da situação de união de facto,
pela sua duração e por outras circunstâncias (por exemplo, a existência de
filhos comuns) a aproxima da situação típica dos cônjuges. No caso, porém, a
exigência de uma convivência há mais de dois anos em condições análogas às dos
cônjuges serve apenas para caracterizar de forma mínima a situação de união de
facto que poderá ser juridicamente relevante, para lhe serem reconhecidos –
embora, segundo o Código Civil, em medida bastante limitada e muito distinta da
relação entre os cônjuges – alguns efeitos jurídicos. É que, diversamente do que
acontece com a relação matrimonial, em que um acto revestido de uma forma
jurídica solene marca a criação de uma nova relação jurídica, no caso da
convivência entre pessoas não casadas, justamente por estar em causa uma
situação de união de facto, o tempo mínimo de convivência é considerado
relevante pelo legislador para o efeito de reconhecimento de efeitos jurídicos
(assim, por exemplo, o artigo 1.º, n.º 1, das citadas Lei n.ºs 135/99 e 7/2001
condicionam ambos os efeitos jurídicos que reconhecem à circunstância de se
tratar de pessoas “que vivem em união de facto há mais de dois anos”).
O problema não pode, pois, ficar resolvido logo com a mera invocação da
existência de uma convivência há mais de dois anos, em condições análogas às dos
cônjuges. Antes está, precisamente, em saber se uma situação de união de facto,
assim caracterizada, pode ser tratada de forma diversa do casamento, para o
efeito em causa.
Ora, como este Tribunal tem reconhecido, existem diferenças importantes, que o
legislador pode considerar relevantes, entre a situação de duas pessoas casadas,
e que, portanto, voluntariamente optaram por alterar o estatuto jurídico da
relação entre elas – mediante um “contrato celebrado entre duas pessoas de sexo
diferente que pretendem constituir familía mediante uma plena comunhão de vida,
nos termos das disposições deste Código”, como se lê no artigo 1577.º do Código
Civil –, e a situação de duas pessoas que (embora convivendo há mais de dois
anos “em condições análogas às dos cônjuges”) optaram, diversamente, por manter
no plano de facto a relação entre ambas, sem juridicamente assumirem e
adquirirem as obrigações e os direitos correlativos ao casamento.
Assim, como se salientou, por exemplo, também no referido Acórdão n.º 275/2002,
“não se pode excluir a liberdade do legislador de prever um regime jurídico
específico para os cônjuges, visando, por exemplo, a prossecução de objectivos
políticos de incentivo ao matrimónio”. Pelo que, “considerando desde logo a
existência de especiais deveres entre os cônjuges”, se pode dizer, como se
afirmou no citado Acórdão n.º 14/2000, que “(...) de harmonia com o nosso
ordenamento (ainda suportado constitucionalmente), o regime das pessoas unidas
pelo matrimónio confrontadamente com a união de facto não permite sustentar que
nos postamos perante situações idênticas à partida e, consequentemente, que
requeiram tratamento igual.”
Ora, um dos pontos em que o tratamento jurídico diverso entre ambas as situações
pode relevar é, justamente, o das condições, ora em causa, para o reconhecimento
do direito à pensão de sobrevivência no caso da união de facto.
Importa, aliás, recordar que, por exemplo, quem vive em situação de união de
facto também não é herdeiro (nem legitimário, nem legítimo) do de cujus com quem
convivia, apenas tendo um direito a exigir alimentos da herança, se não os puder
obter das pessoas referidas no artigo 2009.º, n.º 1, alíneas a) a d), do Código
Civil. E, se é certo poder sustentar-se que os fundamentos e a natureza dos
direitos à pensão de sobrevivência e a alimentos são distintos, não pode deixar
de notar-se o paralelo entre a situação sucessória do convivente em união de
facto – reduzida ao referido direito a exigir alimentos da herança – e a
situação decorrente da norma em causa, quanto à condição questionada para
atribuição da pensão de sobrevivência.
Ora, nem esta diferenciação de tratamento pode considerar-se destituída de
fundamento razoável ou arbitrária, nem, por outro lado, se baseia num critério
que tenha de ser irrelevante, considerando o efeito jurídico visado. Na verdade,
trata-se, aqui, tal como na distinção da posição sucessória do cônjuge e do
convivente em união de facto, justamente de um daqueles pontos do regime
jurídico em que o legislador trata mais favoravelmente a situação dos cônjuges,
não só visando objectivos políticos de incentivo ao matrimónio – enquanto
instituição social que tem por criadora de melhores condições para assegurar a
estabilidade e a continuidade comunitárias –, mas também como reverso da
inexistência de um vínculo jurídico, com direitos e deveres e um processo
especial de dissolução, entre as pessoas em situação de união de facto.
Tal diverso tratamento jurídico não pode considerar-se destituído de fundamento
constitucionalmente relevante, não podendo divisar-se na norma em apreço
violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental.
5. A conclusão a que chegámos é certamente sufragada também por quem não
considere que o legislador constitucional dispensa no artigo 36.º, n.º 1,
protecção à família, enquanto “elemento fundamental da sociedade”,
distinguindo-a, no n.º 1 e no n.º 2 desse artigo, do casamento, incluindo
igualmente uma família não fundada no casamento – e que, portanto, pode
retirar-se desta imposição, em conjugação com o princípio da proporcionalidade,
um parâmetro autónomo, susceptível de conduzir a decisões de
inconstitucionalidade, como foi o caso do citado Acórdão n.º 275/2002.
Mesmo, porém, à luz de outro entendimento do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição
conjugado com o princípio da proporcionalidade – como o que fundou o citado
aresto –, não se é, porém, conduzido a um juízo de inconstitucionalidade da
norma ora em causa. É que, no presente caso, não se está perante uma exclusão de
plano, e em abstracto, do direito do convivente, por contraposição ao direito do
cônjuge, e antes a norma em questão (que não trata de qualquer indemnização, ou
“compensação” de danos pessoais), o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
322/90, de 18 de Outubro, visou justamente, pelo contrário, conceder também
protecção, pela extensão de prestações na eventualidade da morte dos
beneficiários do regime geral de segurança social, “às pessoas que se encontrem
na situação prevista no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil”. Mesmo o
condicionamento da pensão à impossibilidade de obter alimentos (nos termos da
norma em causa e do citado artigo 3.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94)
representa, ainda, a prova, justamente, da necessidade de protecção da pessoa em
causa, por não a poder obter dos seus familiares directos.
E já se viu que existe fundamento constitucionalmente relevante para a distinção
de tratamento em causa. Não pode, pois, afirmar-se que, desse condicionamento do
direito à pensão de sobrevivência (tal como, por exemplo, da não atribuição da
qualidade de herdeiro legítimo ou legitimário), resulte violação de um “dever de
não desproteger, sem uma justificação razoável, a família que se não fundar no
casamento”, que se afirmou no citado Acórdão n.º 275/2002, quanto àqueles pontos
do regime jurídico que directamente contendam com a protecção dos seus membros
“e que não sejam aceitáveis como instrumento de eventuais políticas de incentivo
à família que se funda no casamento” (itálico aditado).»
6. Importa frisar que não pode estar aqui em causa apurar se a dimensão
interpretativa enunciada corresponde, ou não, ao melhor entendimento do direito
infra-constitucional, mas, apenas, apreciar a sua conformidade com a
Constituição da República. Neste plano, considera-se que o entendimento expresso
no acórdão transcrito é de reiterar no presente recurso, em que está igualmente
em causa a dependência da atribuição da pensão de todos os requisitos previstos
no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil (também no sentido da não
inconstitucionalidade, cfr., entretanto, Rita Lobo Xavier, “Uniões de facto e
pensões de sobrevivência. Anotação aos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs
195/03 e 88/04”, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de
2004, pp. 16 e segs.).
Assim, na óptica do princípio da igualdade, a situação de duas pessoas que
declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submeter a
um determinado regime (um específico vínculo jurídico, com direitos e deveres e
um processo especial de dissolução) não tem de ser equiparada à de quem,
intencionalmente, opta por o não fazer. O legislador constitucional não pode ter
pretendido retirar todo o espaço à prossecução, pelo legislador
infra‑constitucional, cujo programa é sufragado democraticamente, de objectivos
políticos de incentivo ao matrimónio enquanto instituição social, mediante a
formulação de um regime jurídico próprio – por exemplo, distinguindo entre a
posição sucessória do convivente em união de facto (reduzida ao referido direito
a exigir alimentos da herança) e a do cônjuge.
A diferenciação de tratamento em causa na presente norma não pode, assim, ser
considerada como destituída de fundamento razoável ou arbitrária,
verificando-se, por outro lado, um indiscutível paralelo entre ela e o
tratamento sucessório de ambas as situações (introduzido pela reforma de 1977 e
cuja conformidade com a Lei Fundamental não é aqui questionada).
7. Superada a objecção que se pudesse pretender extrair do princípio da
igualdade, e admitida a presente diferenciação à luz da política legislativa que
o legislador democrático entenda dever prosseguir, não ficam, porém, dissipados
todos os argumentos conducentes a uma conclusão de inconstitucionalidade. Aliás,
o acórdão recorrido baseou o seu julgamento de inconstitucionalidade,
decisivamente, na invocação do princípio da proporcionalidade (conjugado com o
reconhecimento constitucional da “família não fundada no casamento”), tal como o
havia feito (e invocando) o citado Acórdão n.º 88/2004.
Também neste plano se considera, porém, que é de reiterar a fundamentação
transcrita do Acórdão n.º 195/2003.
Com efeito, o que está em causa no confronto de uma solução normativa com o
princípio da proporcionalidade não é simplesmente a gravidade ou a dimensão das
desvantagens ou inconvenientes que pode acarretar para os visados (com, por
exemplo, a necessidade da prova da carência de alimentos, ou, mesmo, a exclusão
total de certos direitos). O recorte de um regime jurídico – como o da
destruição do vínculo matrimonial ou o dos seus efeitos sucessórios – pela
hipótese do casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam
intencionalmente submeter a ele, tem necessariamente como consequência a
exclusão dos respectivos efeitos jurídicos. O que importa apurar é se tal
recorte é aceitável – se segue um critério constitucionalmente aceitável – tendo
em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis – sem deixar de
considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e como de escolha
dessas alternativas, que, à luz dos objectivos de política legislativa que ele
próprio define dentro do quadro constitucional, tem de ser reconhecida ao
legislador (e que este Tribunal reconheceu, por exemplo, no Acórdão n.º
187/2001, publicado no Diário da República, II série, de 26 de Junho de 2001).
Ora, como revela o paralelo da solução normativa em causa com a posição
sucessória do cônjuge sobrevivo e da união de facto – não equiparada, aliás,
pelas Leis n.ºs 135/99 e 7/2001 –, o tratamento post mortem do cônjuge é,
justamente, um daqueles pontos do regime jurídico em que o legislador optou por
disciplinar mais favoravelmente o casamento.
Esta distinção entre a posição post mortem do cônjuge e a do companheiro em
união de facto – que, aliás, podem concorrer entre si depois da morte do
beneficiário – é adequada à prossecução do fim de incentivo à família fundada no
casamento, que não é constitucionalmente censurável – e antes recebe até (pelo
menos numa certa leitura) particular acolhimento no texto constitucional. A
conveniência de tal distinção de tratamento post mortem, com os concomitantes
reflexos patrimoniais, pode ser, e será com certeza, diversamente apreciada a
partir de diversas perspectivas, no debate político‑legislativo – em que poderão
vir a encontrar acolhimento argumentos como o da distinção entre o direito a
alimentos e a pensão de sobrevivência, a existência e o sentido dos descontos
efectuados pelo companheiro falecido, à luz do regime então vigente e da sua
situação pessoal, ou a maior ou menor conveniência em aprofundar consequências
económicas específicas de uma relação familiar como o casamento. Mas a
Constituição não proscreve essa distinção, ainda quando ela tem como
consequência deixar de fora do regime estabelecido para a posição sucessória do
cônjuge o companheiro em união de facto.
8. Entende-se ser justamente isto o que se passa com a interpretação em causa,
segundo a qual os requisitos para o direito à pensão de sobrevivência são
diversos, dependendo, no caso de união de facto, e tal como em geral para o
direito a alimentos nos termos do artigo 2020.º do Código Civil, de aquele ter
direito a obter alimentos da herança, por não os poder obter das pessoas
referidas no artigo 2009.º do mesmo Código.
Aliás, não é só para o companheiro sobrevivo que existem condições específicas
para ser reconhecido o direito à pensão: o ex-cônjuge ou cônjuge separado de
pessoas e bens só dela beneficia se tiver sido casado com o beneficiário pelo
menos um ano e se na data da morte tiver direito a uma pensão de alimentos; os
pais e os avós têm de estar “a cargo” do contribuinte à data da morte para terem
direito a pensão, etc. E a pensão cessa quando os titulares do direito obtiverem
outras fontes de rendimento. Apenas ao cônjuge não são exigidas condições
adicionais, pois os cônjuges estão ligados por específicos deveres de
solidariedade patrimonial – o dever de assistência e, na constância do
casamento, o dever de contribuir para os encargos da vida familiar (artigos
1672.º e 1675.º do Código Civil). Diversamente, a união de facto não implica
forçosamente, por opção das partes, deveres patrimoniais, ou uma geral
solidariedade patrimonial, admitindo-se mesmo que quem vive em união de facto
continue a ter direito a alimentos do ex-cônjuge ou, até, mantenha uma pensão de
sobrevivência (e podendo mesmo ser este o motivo para continuar na situação de
união de facto, e não casar). Recorde-se, aliás, que os próprios diplomas que
introduziram medidas de protecção das pessoas que vivem em união de facto (Leis
n.ºs 135/99, de 28 de Agosto, e 7/2001, de 11 de Maio) não obrigaram os membros
da união de facto a deveres de assistência recíprocos ou a deveres de alimentos
em caso de ruptura, ou, sequer, alteraram os preceitos do Código Civil sobre
alimentos em caso de morte.
Por outro lado, e como se notou no Acórdão n.º 195/2003, na solução normativa em
apreço não se verifica qualquer “exclusão de plano, e em abstracto, do direito
do convivente, por contraposição ao direito do cônjuge”. Antes a norma em
questão (que não disciplina qualquer ressarcimento, ou “compensação” de danos
pessoais) “visou justamente, pelo contrário, conceder também protecção, pela
extensão de prestações na eventualidade da morte dos beneficiários do regime
geral de segurança social, ‘às pessoas que se encontrem na situação prevista no
n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil’”. O sentido da remissão para o artigo
2020.º do Código Civil, com a exigência de provar os requisitos exigidos neste
normativo, como “condicionamento da pensão à impossibilidade de obter
alimentos”, mais não é do que “a prova, justamente, da necessidade de protecção
da pessoa em causa, por não a poder obter dos seus familiares directos”, sendo,
portanto, coerente com o objectivo visado pela prestação social em causa: para o
cônjuge, considerando os deveres de solidariedade patrimonial e a obrigação de
alimentos em caso de ruptura, presume-se essa situação; para o caso da união de
facto, é necessário fazer prova da necessidade de protecção, tal como quando se
pretende obter alimentos.
Da exigência daqueles requisitos (tal como, por exemplo, do não reconhecimento
da qualidade de herdeiro legítimo ou legitimário) não resulta, pois, qualquer
violação do princípio da proporcionalidade – sendo de notar, aliás, que, para
além da possível conveniência em distinguir a posição do cônjuge, pode
verificar-se também, no caso concreto, um problema de concurso entre aquele e o
companheiro em união de facto.»
6.Esta conclusão, no sentido da não inconstitucionalidade da solução normativa
segundo a qual a atribuição de pensão de sobrevivência à pessoa que vivia com o
falecido em união de facto depende do reconhecimento do direito a exigir
alimentos da herança e da impossibilidade da sua obtenção, nos termos das
alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 2009.° do Código Civil, então em apreço, é
transponível para os presentes autos, em que está em causa a atribuição dessa
pensão ao cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens do falecido, mas que
com ele continuou a viver em economia comum. É certo que o cônjuge separado
judicialmente de pessoas e bens é ainda casado com o falecido. Mas recorde-se
que, designadamente, tal casamento não releva para o chamamento à herança: nos
termos do artigo 2133.º, n.º 3, o cônjuge separado judicialmente de pessoas e
bens (“por sentença que já tenha transitado ou venha a transitar em julgado”, ou
ainda se a sentença de divórcio ou separação vier a ser proferida posteriormente
à data da morte do autor da sucessão) também não é considerado herdeiro.
Paralelamente, os artigos 40.º, n.º 1, alínea a), e 41.º, n.ºs 1 e 2, do
Estatuto das Pensões de Sobrevivência fazem depender o pensão do reconhecimento
do direito a alimentos já existente. Tudo isto, aspectos que, sobretudo em
certas idades ou contextos, poderão ser também ponderados pelos cônjuges já
antes da separação judicial de pessoas e bens.
Se, depois da separação judicial de pessoas e bens e à data da morte do
contribuinte, o cônjuge não era titular de um tal direito a alimentos, apenas
poderá obter pensão de sobrevivência, não enquanto cônjuge, mas por se encontrar
a conviver com o falecido em economia comum, nos termos previstos no artigo
2020.º do Código Civil. Foi justamente o que aconteceu no presente caso. Nesta
hipótese, porém, e como se disse no Acórdão citado, a exigência de provar os
requisitos exigidos neste normativo para obtenção da pensão (o direito de obter
alimentos da herança e a impossibilidade de os obter) representa, justamente, a
prova da necessidade de protecção da pessoa em causa, por não a poder obter dos
seus familiares directos, sendo também coerente com o objectivo visado pela
prestação social em causa.
Há, assim, que negar provimento ao presente recurso e confirmar o juízo de não
inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 40.º, n.º 1, alínea a), e
41.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi dada pelo
Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, na parte em que condiciona a
atribuição de pensão de sobrevivência ao cônjuge separado de pessoas e bens do
falecido, mas que com ele vivia em economia comum, ao reconhecimento do direito
a exigir alimentos da herança e da impossibilidade da sua obtenção, nos termos
das alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 2009.° do Código Civil.
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão
recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita;
c) Condenar a recorrente em custas, com 20 (vinte ) unidades de conta de
taxa de justiça.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de
declaração de voto junta).
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade é submetida
à apreciação do Tribunal Constitucional a norma dos artigos 40º e 41º, nº 1, do
Estatuto das Pensões de Sobrevivência, na medida em que condiciona o acesso a
uma pensão de sobrevivência, por parte do cônjuge separado judicialmente de
pessoas e bens mas que vivia em comunhão de leito, mesa e habitação com o
defunto.
Considero que a norma em apreciação é inconstitucional pelas razões constantes
da declarações de voto apostas no Acórdão nº 195/03 (v., ainda, o Acórdão nº
88/04). Com efeito, não obstante a diferença da presente questão (nestes autos,
o requerente da pensão era separado judicialmente de pessoas e bens do defunto,
vivendo com ele em economia comum), entendo que as razões dos votos de vencidos
se aplicam no presente caso (por maioria de razão, até).
Considero, assim, inconstitucional a norma em apreciação.
Maria Fernanda Palma