Imprimir acórdão
Processo n.º 214/2005
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Bravo Serra
Em 4 de Abril de 2005 proferiu o relator decisão com o
seguinte teor:-
“1. Tendo, pelo 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de
Leiria, impugnado A., a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das
Pessoas Colectivas e juros compensatórios referentes aos exercícios de 1998 e
1999, no valor de € 137.958,16, veio, em 3 de Setembro de 2003, a ser proferida
sentença que julgou improcedente a impugnação.
Não se conformando com o assim decidido, recorreu a impugnante para o
Tribunal Central Administrativo.
Na alegação adrede produzida, surpreendem-se para o que ora releva, as
seguintes asserções:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
A impugnação foi ainda julgada improcedente por ter sido entendido não poder
haver lugar à presente impugnação na medida em que houve um alegado acordo do
perito do contribuinte em sede de procedimento de revisão, estando o
contribuinte vinculado à posição do perito que nomeou.
..............................................................................................................................................................................................................................................
Acresce referir e deixar bem claro que a Recorrente não concorda com a análise
feita na douta sentença recorrida sobre a vinculação do contribuinte à decisão
do perito por si nomeado.
Muito menos concorda com a posição do M.º Juiz a quo quando o mesmo, fazendo uma
interpretação errónea do disposto nos artigos 92.º n.º 4, e 86.º n.º 4 da Lei
Geral Tributária, adiante LGT, pretende vedar à impugnante o seu direito de
defesa através do presente procedimento de impugnação em claro atropelo dos
direitos e garantias do contribuinte no processo tributário.
E que não se diga que pelo facto de ter existido uma comissão de revisão da
matéria colectável em que interveio um perito nomeado pelo contribuinte, estejam
verificadas as exigências do princ[í]pio da cooperação, do contraditório e da
persecução da verdade material.
A posição do perito do contribuinte não o vincula pois sem mais.
..............................................................................................................................................................................................................................................
Preocupou-se o M.º Juiz a quo em expor as diferenças existentes entre os peritos
enquanto agentes actuantes no âmbito da prova pericial e os peritos
intervenientes no procedimento de revisão, aparentemente porque sentiu
necessidade de demonstrar à impugnante que o procedimento de revisão não é um
procedimento probatório, o que também não é inteiramente correcto.
Com tal demonstração, reforçaria aparentemente a ideia de que, ao contrário do
que sucederia em sede de prova pericial, no procedimento de revisão, e à luz dos
nºs 3 e 4 do art. 92º da LGT, a posição do perito nomeado pelo contribuinte
vincula o mesmo.
Assim, segundo o juízo feito pelo tribunal a quo, o perito indicado pelo
contribuinte é o seu representante e, o acordo alcançado vincula os
intervenientes.
..............................................................................................................................................................................................................................................
Ora, um perito não é legalmente um representante.
É efectivamente indicado pelo contribuinte. Porém, nem este nem ninguém o
designa como representante legal, pelo que não poderá ser considerado
juridicamente como mandatário com poderes de renúncia ao direito de impugnar. Na
verdade, não está munido de qualquer mandato para tal.
Por isso mesmo, afirmam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge
Lopes de Sousa, na sua LGT anotada e comentada em anotação ao artigo 92.º o
seguinte: ‘o sujeito passivo, que não intervém na elaboração do acordo, não está
vinculado pelo acordo referido, que poderá impugnar com fundamento em qualquer
ilegalidade’.
Ora, a Recorrente não tomou parte no acordo pelo que podia e pode impugná-lo com
base em qualquer ilegalidade.
Negar essa possibilidade ofende directamente o disposto nos artigos 18.º e 20.º
da Constituição da República Portuguesa pois que tal equivale a denegar à
Recorrente o seu direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, e a
uma tutela efectiva dos seus direitos, direito que não pode ser em qualquer caso
restringido.
..............................................................................................................................................................................................................................................
Em face do exposto, é evidente que o artigo 86.º n.º 4 da LGT só pode ser
interpretado como restritivo do direito de impugnar nos casos em que o
impugnante tenha tomado parte no acordo, o que não sucedeu no caso.
Ainda que assim não se entendesse, o que por mero dever de patrocínio se admite
sem, obviamente se conceder, a mesma disposição, no limite, só poderia ser
interpretada no sentido de que apenas não poderiam, na impugnação, ser assacados
vícios resultantes de erro na quantificação.
Nunca, em qualquer caso, a mesma norma poderá ser interpretada no sentido de não
permitir a impugnação com base em outros vícios como sejam a falta de
verificação dos pressupostos de aplicabilidade de métodos indirectos ou a falta,
insuficiência ou obscuridade da fundamentação.
..............................................................................................................................................................................................................................................
III - CONCLUSÕES
..............................................................................................................................................................................................................................................
10. A Recorrente não concorda com a análise feita na douta sentença recorrida
sobre a vinculação do contribuinte à decisão do perito por si nomeado e muito
menos concorda com a posição do M.º Juiz a quo quando o mesmo, fazendo uma
interpretação errónea do disposto nos artigos 92.º n.º 4, e 86.º n.º 4 da Lei
Geral Tributária pretende vedar à Recorrente o seu direito de defesa através do
presente procedimento de impugnação em claro atropelo dos direitos e garantias
do contribuinte no processo tributário.
11. A posição do perito do contribuinte não o vincula sem mais.
..............................................................................................................................................................................................................................................
21. Ora, um perito não é legalmente um representante e se bem que efectivamente
indicado pelo contribuinte, nem este nem ninguém o designa como representante
legal, pelo que não podia ser considerado juridicamente como mandatário, e muito
menos como um mandatário com poderes de renúncia ao direito de impugnar.
22. Por isso mesmo, afirmam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e
Jorge Lopes de Sousa, na sua LGT anotada e comentada em anotação ao artigo 92.º
o seguinte: ‘o sujeito passivo, que não intervém na elaboração do acordo, não
está vinculado pelo acordo referido, que poderá impugnar com fundamento em
qualquer ilegalidade.’ Foi isso o que fez a impugnante.
23.A Recorrente não tomou parte no acordo pelo que podia e pode impugná-lo com
base em qualquer ilegalidade. Negar-lhe essa possibilidade ofende directamente o
disposto nos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa pois
que tal equivale a denegar à Recorrente o seu direito fundamental de acesso à
justiça e aos tribunais, e a uma tutela efectiva dos seus direitos, direito que
não pode ser em qualquer caso restringido.
..............................................................................................................................................................................................................................................
26. Nunca, em qualquer caso, o art. 86º nº 4 da LGT poderá ser interpretada no
sentido de não permitir a impugnação com base em outros vícios como sejam a
falta de verificação dos pressupostos de aplicabilidade de métodos indirectos ou
a falta, insuficiência ou obscuridade da fundamentação.
54. Ao negar o direito à apresentação de impugnação por se considerar que
existiu um acordo em sede de comissão de revisão, incorreu a sentença recorrida
na violação do direito ao acesso à justiça e negar essa possibilidade ofende
directamente o disposto nos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República
Portuguesa.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 11 de Maio de 2004,
negou provimento ao recurso.
No que agora interessa, pode ler-se nesse aresto:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
5.3. Tendo assumido a posição de que o acordo obtido no procedimento
de revisão impedia a recorrente de invocar ilegalidades do procedimento de
fixação da matéria tributável, aliás, ao abrigo do artigo 86º, nº 4 da LGT,
estava o Mmº Juiz dispensado de apreciar os argumentos da recorrente no que se
refere à utilização dos métodos indiciários.
Como bem se nota na decisão recorrida ‘... o acordo alcançado entre o
perito do contribuinte e o da Fazenda Pública tem os efeitos previstos nos
números 3 e 4 do artigo 92º da LGT, fixando em definitivo a matéria tributável.
E uma vez assim fixada, cada um cumpre a sua parte: o impugnante não impugna a
matéria tributável acordada (artigo 86º, nº 4 da LGT) e a Administração Fiscal
liquida o imposto de acordo com esses valores’.
Na tese da recorrente o acordo serviria apenas para vincular a
Administração Tributária, mas não o contribuinte, o que contraria frontalmente
as normas acima referidas.
Deste modo, o contribuinte poderá, eventualmente, impugnar a
liquidação efectuada com base na matéria tributável fixada no procedimento de
revisão com fundamento em qualquer vício da liquidação (por exemplo,
incompetência da entidade liquidadora, errada aplicação de taxa, caducidade do
direito de liquidar), mas não com fundamento em qualquer vício do procedimento
de revisão, não podendo pôr em causa a matéria tributável fixada.
Por outro lado, e esta é uma questão objecto de várias conclusões das
alegações, no âmbito do procedimento de revisão não cabe apreciar se estão ou
não verificados os pressupostos da utilização dos métodos indiciários,
cabendo-lhe apenas fixar a matéria tributável de acordo com os critérios
definidos na lei.
Assim, perante a posição assumida, toda a matéria alegada pela
recorrente referente ao procedimento de revisão carece de fundamento.
............................................................................................................................................................................................................................................’
A impugnante arguiu a nulidade deste aresto, pretensão que veio a ser
indeferida por acórdão de 9 de Novembro de 2004.
Fez então a impugnante juntar aos autos requerimento com o seguinte
teor:-
‘A., Recorrente nos autos acima indicados, notificada do douto acórdão de
09.11.04 que indeferiu a arguição de nulidade por omissão de pronúncia do
acórdão de 12.05.04 que constitui fls. 257/275, vem deste, em tempo, interpor
recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz ao abrigo do disposto na al.
b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 70.º e da al. b) do n.º 1 do artigo 72.º da Lei do
Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de Novembro), com vista à apreciação
da constitucionalidade do artigo 86.º n.º 4 da Lei Geral Tributária (Decreto-Lei
n.º 398/98, de 17 de Dezembro) que foi aplicado pelo douto acórdão recorrido num
sentido que, no entender da Recorrente, ofende os artigos 18.º, 20.º e 204.º da
Constituição da República Portuguesa pois que tal equivale a denegar à
Recorrente o seu direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais e a uma
tutela efectiva dos seus direitos, direito que não pode ser em qualquer caso
restringido.
A Recorrente invocou a referida inconstitucionalidade nas conclusões n.ºs 23, 26
e 54 das suas alegações de recurso para o Tribunal [C]entral Administrativo Sul.
O Recurso tem efeito suspensivo, sobe nos próprios autos e as alegações serão
produzidas no Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 78.º e
79.º da Lei do Tribunal Constitucional’.
O recurso interposto mediante o transcrito requerimento foi admitido
por despacho lavrado em 21 de Dezembro de 2004 pelo Relator do Tribunal Central
Administrativo Sul.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º
da Lei nº 28/82, de 15 e Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria
ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a
vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da
presente impugnação.
No requerimento de interposição de recurso, intenta a impugnante a
apreciação da constitucionalidade do preceito constante do nº 4 do artº 86º da
Lei Geral Tributária aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, que
‘que foi aplicado pelo douto acórdão recorrido num sentido que ... ofende os
artigos 18.º, 20.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa pois que tal
equivale a denegar à Recorrente o seu direito fundamental de acesso à justiça e
aos tribunais e a uma tutela efectiva dos seus direitos, direito que não pode
ser em qualquer caso restringido’, acrescentando que suscitou uma tal questão de
inconstitucionalidade nas «conclusões» 23ª, 26ª e 54º (acima transcritas) da sua
alegação do recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo (hoje,
Tribunal Central Administrativo Sul).
Parecendo, pelo teor daquele requerimento, que pretende a recorrente a
apreciação da conformidade constitucional da norma precipitada no indicado
preceito, quanto comportasse um determinado sentido interpretativo, anota-se
desde já que esse sentido não foi minimamente enunciado no dito requerimento.
Independentemente disso, porém, tratando-se, como se trata, de um
recurso ancorado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mister é,
inter alia, que, precedentemente à decisão judicial desejada colocar sob a
censura deste Tribunal, a «parte» com legitimidade para a sua interposição tenha
suscitado a desarmonia constitucional da norma que quer ver apreciada. E, se se
tratar de uma norma alcançada mediante um processo interpretativo incidente
sobre determinado preceito, necessário é, identicamente, que da dimensão
interpretativa que se questiona tenha havido suscitação da respectiva
inconstitucionalidade.
E isto, como claro é, porque a Constituição (artº 280º) e a Lei nº
28/82 (artº 70º) elegem como objecto dos recursos de fiscalização concreta da
constitucionalidade ou da ilegalidade as normas jurídicas pertencentes ao
ordenamento ordinário e não outros actos do poder público tais como, verbi
gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
Nesta parametrização, concluiu-se que, na alegação de recurso para o
Tribunal Central Administrativo, contrariamente ao dito pela impugnante no já
aludido requerimento, a mesma não equacionou qualquer questão de
inconstitucionalidade reportadamente a uma certa norma vertida no ordenamento
infra-constitucional.
Na verdade, dos extractados passos daquela peça processual resulta que
o que foi dito foi que o Juiz do 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância
de Leiria fez uma «errónea» interpretação dos artigos 92º, nº 4, e 86º, nº 4, da
Lei Geral Tributária, negando à então recorrente a possibilidade de impugnar,
com base em qualquer ilegalidade, o acordo a que chegaram os peritos
intervenientes no procedimento de revisão da matéria colectável e, desta sorte,
violando o direito do acesso à justiça e ofendendo directamente os artigos 18º e
20º da Constituição.
Em ponto algum da alegação se lobriga qualquer expressão ou asserção da
qual decorra que o preceito daquele nº 4 do artº 86º, tal como teria sido
interpretado pela sentença da 1ª instância judicial tributária no sentido de,
havendo acordo dos peritos intervenientes no procedimento de avaliação da
matéria colectável, não ser possível a impugnação desse acordo com base em
qualquer ilegalidade, torná-lo-ia desconforme com a Lei Fundamental.
Antes, como se viu e resulta da transcrição acima levada a efeito, foi
imputada à actividade judicial consubstanciada na sentença esse vício de
inconstitucionalidade, pois que, na óptica da impugnante, jamais o referido nº 4
do artº 86º poderia comportar tal interpretação.
Isso significa que, na perspectiva assumida pela impugnante na alegação
para o Tribunal Central Administrativo, a sentença recorrida, não obstante o
prescrito no nº 4 do artº 86º da Lei Geral Tributária, aplicou-o «erroneamente»
e, ao fazê-lo negou à recorrente o direito fundamental de acesso à justiça e aos
tribunais, assim violando os artigos 18º e 20º do Diploma Básico. O que o mesmo
é dizer que o vício de desarmonia constitucional foi assacado à decisão então em
crise e não especifica e directamente a um dado preceito ordinário, ainda que a
norma que dele se extraísse adviesse de um certo sentido interpretativo.
Assim sendo, porque, in casu, falta um dos requisitos pressupositores
do recurso prescrito na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82,
justamente aquele que consiste na suscitação prévia à decisão impugnada da
inconstitucionalidade da norma constitutiva do objecto do recurso, deste se não
toma conhecimento, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se
a taxa de justiça em seis unidades de conta.”
Da transcrita decisão reclamou a A. nos termos do nº 3
do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo no requerimento
consubstanciador dessa reclamação:-
“(..)
1.º
De acordo com a decisão ora reclamada, não se tomou conhecimento do objecto do
recurso porque ‘in casu, falta(va) um dos requisitos pressupositores do recurso
prescrito na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, justamente aquele
que consiste na suscitação prévia à decisão impugnada da inconstitucionalidade
da norma constitutiva do objecto do recurso’- cfr. fls. 308 da decisão
reclamada.
2.º
Com efeito, pode ler-se na decisão reclamada que ‘em ponto algum da alegação se
lobriga qualquer expressão ou asserção da qual decorra que o preceito daquele
n.º 4 do art. 86°, tal como seria interpretado pela sentença da 1.ª instância
judicial tributária no sentido de, havendo acordo dos peritos intervenientes no
procedimento de avaliação da matéria colectável, não ser possível a impugnação
desse acordo com base em qualquer ilegalidade, torná-lo-ia desconforme com a Lei
Fundamental’- cfr. fls. 307 da decisão reclamada.
3.º
Ora, e salvo o devido respeito por tal entendimento, a Recorrente não pode, no
entanto, estar mais em desacordo com o mesmo.
4.º
Com efeito, quer nas alegações de recurso para o Tribunal Central
Administrativo, quer no próprio requerimento de recurso para o Tribunal
Constitucional, a Recorrente deixou sempre bem claro que ao interpretar o art.
86.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT) no sentido de que o sujeito passivo
está vinculado ao acordo celebrado entre os peritos não o podendo impugnar com
fundamento em qualquer ilegalidade, o Tribunal ‘a quo’ inconstitucionalizara
aquele preceito, pois que tal equivalia a denegar à Recorrente o seu direito
fundamental de acesso à justiça e aos tribunais e a uma tutela efectiva dos seus
direitos, violando-se assim directamente o disposto nos artigos 18.º, 20.º e
204.º da Constituição.
5.º
De qualquer forma, diga-se ainda que entendendo o Exmo. Senhor Juiz Relator,
como refere na decisão ora reclamada, que pretendendo a Recorrente a apreciação
da conformidade constitucional da norma do art. 86.º, n.º 4 da LGT, quando
comportasse um determinado sentido interpretativo, que ‘esse sentido não foi
minimamente enunciado no dito requerimento (de recurso)’ (cfr. fls. 306 da
decisão reclamada),
6.º
Deveria o Exmo. Senhor Juiz Relator ter convidado a Recorrente a prestar essa
indicação, conforme se prevê no art. 75.º-A, n.º 5 da Lei do Tribunal
Constitucional, antes de decidir sobre a admissão do recurso.
7.º
Não obstante o que fica escrito, a verdade é que, reitere-se, nas alegações de
recurso para o Tribunal Central Administrativo, a Recorrente suscitou de facto a
inconstitucionalidade da interpretação da norma do art. 86.º, n.º 4 da LGT, tal
como a mesma havia sido aplicada aos autos por parte do Mmo. Juiz ‘a quo’.
8.º
Com efeito, e conforme resulta, designadamente, da conclusão 23.ª das referidas
alegações, a Recorrente alegou a inconstitucionalidade da norma do n.º 4 do art.
86.º da LGT, interpretada conforme o fez o Tribunal recorrido - no sentido de
que, havendo acordo dos peritos intervenientes no procedimento de avaliação da
matéria colectável, não é possível a impugnação desse acordo com base em
qualquer ilegalidade -, por violação do disposto nos artigos 18.º, 20.º e 204.º
da Constituição.
9.º
E, mais à frente, a Recorrente reforçou esse juízo de inconstitucionalidade
quando considerou que ‘(n)unca, em qualquer caso, o art. 86.º, n.º 4 da LGT
poderá ser interpretado no sentido de não permitir a impugnação com base em
outros vícios como sejam a falta de verificação dos pressupostos de
aplicabilidade de métodos indirectos ou a falta, insuficiência ou obscuridade da
fundamentação’ (cfr. conclusão 26.ª).
10.º
Efectivamente, não tendo a Recorrente tomado parte no referido acordo
(resultante da reunião da comissão de revisão), interpretar a norma no sentido
em que o Tribunal ‘a quo’ o fez, equivale a denegar à Recorrente o seu direito
fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, bem como a uma tutela efectiva
dos seus direitos.
11.º
E nem se diga, como na decisão ora reclamada, que o que a Recorrente fez foi
assacar o vício de desarmonia constitucional à decisão então em crise e ‘não
especifica e directamente a um dado preceito ordinário, ainda que a norma que
dele se extraísse adviesse de um certo sentido interpretativo’ (cfr. fls. 307 da
decisão reclamada).
12.º
Ora, não podem existir dúvidas de que o que a Recorrente critica não é a
decisão, mas apenas e só a interpretação que o Tribunal recorrido fez da norma
do art. 86.º, n.º 4 da LGT, a qual era e é ‘errónea’ (entenda-se
inconstitucional) por violar o disposto nos artigos 18.º, 20.º e 204.º da lei
fundamental.
13.º
Por isso, não se pode concordar com a decisão ora reclamada, quando se escreve
que ‘na perspectiva assumida pela impugnante (. . .), a sentença recorrida, não
obstante o prescrito no n.º 4 do art. 86.º da Lei Geral Tributária, aplicou-o
‘erroneamente’ e, ao fazê-lo negou à recorrente o direito fundamental de acesso
à justiça e aos tribunais, assim violando os artigos 18.º e 20.º do Diploma
Básico’ (cfr. fls. 307 da decisão reclamada).
14.º
Ora, o que está em causa nos autos não é uma mera aplicação errónea do disposto
no art. 86.º, n.º 4 da LGT pela sentença recorrida e com ela a violação do
disposto nos artigos 18.º e 20.º da Constituição, mas sim a interpretação
inconstitucional que do mesmo preceito é feita nessa decisão - interpretação
essa que viola os referidos normativos constitucionais e que, por isso, nunca
poderia ser aplicada pelo Tribunal - e que foi utilizada pela decisão recorrida
como ratio decidendi.
15.º
Do que se trata, portanto, é de julgar a inconstitucionalidade da norma
constante do n.º 4 do art. 86.º da LGT, quando interpretada no sentido apontado
atrás pelo Tribunal ‘a quo’, e não de analisar a inconstitucionalidade da
sentença recorrida.
16.º
Sublinhe-se, no entanto, que não estando em causa a apreciação, tout court, da
inconstitucionalidade de uma determinada norma aplicada pelo Tribunal recorrido,
mas apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado
preceito, tal pressupõe, necessariamente, um momento de intermediação
(interpretativa) do Juiz ‘a quo’.
Pelo que,
17.º
Não poderá ser assacado o vício de inconstitucionalidade à dimensão normativa de
um determinado preceito ordinário, sem que se faça referência à sentença
recorrida e à interpretação que desse preceito - e consequente aplicação do
mesmo de acordo com esse sentido interpretativo -, é feita na mesma sentença.
18.º
Não podem, no entanto, restar dúvidas de que o que está em causa com o presente
recurso é a apreciação de uma determinada interpretação do art. 86.º, n.º 4 da
LGT feita na sentença da primeira instância - e mantida no Acórdão recorrido – e
não a apreciação da própria sentença à luz da Constituição.
19.º
Assim, o que se pede a este Tribunal é, somente, que aprecie se é ou não é
desconforme com as normas e os princípios constitucionais indicados, o
entendimento professado na decisão recorrida para a norma do art. 86.º, n.º 4 da
LGT.
20.º
Pelo exposto, conclui-se que se encontram reunidos os pressupostos de
admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no art. 70.º, n.º 1,
al. b) da Lei n.º 28/82, uma vez que a questão da inconstitucionalidade da
dimensão normativa do art. 86.º, n.º 4 da LGT não só foi suscitada durante o
processo, como o foi de modo processualmente adequado pela Recorrente, tendo a
mesma sido aplicada como ratio decidendi pela decisão recorrida.
(...)”.
Ouvida sobre a reclamação, não houve pronúncia por banda
da Fazenda Pública.
Cumpre decidir.
2. Como se alcança da reclamação ora apresentada, a
impugnante brande, essencialmente, com os seguintes argumentos:-
- na alegação de recurso para o Tribunal Central
Administrativo Sul, teria «deixado bem clara» uma sua óptica de acordo com a
qual uma interpretação o nº 4 do artº 86º da Lei Geral Tributária - tal como foi
levada a efeito pelo Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Leiria - no
sentido de, havendo acordo entre os peritos no procedimento de revisão da
matéria colectável, e estando o sujeito passivo vinculado a esse acordo, se não
poder, posteriormente, impugnar a liquidação com fundamento em qualquer
ilegalidade, seria violadora dos artigos 18º, 20º e 204º da Constituição;
- que essa óptica decorria não só do «teor» daquela
alegação, como, especificamente, das «conclusões» 23ª e 26ª nela formuladas;
- que, ainda nessa alegação, não foi criticada, do ponto
de vista da sua conformidade constitucional, a decisão tomada por aquele Juiz,
mas sim a interpretação que o mesmo fez do indicado preceito;
- que, de todo o modo, deveria ter sido a impugnante
convidada, nos termos do “art. 75.º-A, n.º 5 da Lei do Tribunal Constitucional”,
a prestar a indicação de qual o sentido interpretativo do aludido nº 4 do artº
86º que pretendia que fosse submetido à apreciação por este Tribunal.
Na decisão agora questionada fez-se uma ampla
transcrição dos relevantes passos da alegação de recurso interposto pela
impugnante para o Tribunal Central Administrativo Sul e em que ela punha em
crise o modo como, no caso, foi aplicado o nº 4 do artº 86º da Lei Geral
Tributária, passos esses que são agora vincados pela reclamante para estearem a
sua perspectiva de que deles resulta inequivocamente a suscitação da desarmonia
constitucional da interpretação normativa que foi levada a cabo pela sentença
proferida na 1ª instância.
A verdade, porém, é que desses passos não resulta aquilo
que a reclamante defende, já que, como se assinalou na decisão ora em apreço, o
que foi sustentado foi que aquele nº 4 do artº 86º foi interpretado
«erroneamente» pelo Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Leiria, sendo
que a interpretação tomada da forma como o foi jamais poderia ser conferida
àquele preceito, e que, assim, a sentença, ao negar a possibilidade de
impugnação da liquidação com base em quaisquer ilegalidades, incorreu na
violação do direito de acesso à justiça.
E resulta, igualmente, que, da forma como se escreveu na
alegação de recurso, se não pode extrair que a defesa de um ponto de vista
sustentador de que, em abstracto, seria desarmónico com a Lei Fundamental a
conferência, ao dito nº 4 do artº 86º, de um sentido interpretativo segundo o
qual, havendo acordo dos peritos, ao qual estaria vinculado o sujeito passivo,
não se possibilitaria a impugnação da liquidação com base em qualquer vício.
Como já, por inúmeras vezes, tem sido sublinhado por
este Tribunal (cfr., verbi gratia, os Acórdãos números 489/2004, 710/2004 e
128/2004, disponíveis em http://www. tribunal constitucional. pt./tc/acordaos)
se se utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que em determinada
decisão foi violado um dado preceito legal ordinário e, simultaneamente,
violadas normas ou princípios constitucionais, tem-se por certo que a questão da
desconformidade constitucional é imputada à decisão judicial, enquanto subsunção
dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico infra-constitucional que se
tem por violado com essa decisão, pois que é contraditório sustentar-se que há
violação desse ordenamento e que ele é contrário ao Diploma Básico. De facto, se
um preceito da lei ordinária é inconstitucional e, por isso, não deveriam os
tribunais acatá-lo e, consequentemente, aplicá-lo, esgrimir-se com a violação
desse preceito por parte da decisão judicial, representa uma óptica de acordo
com a qual ele se mostra consonante com a Constituição. Isto é, se se sustenta
que determinada decisão, ao subsumir os factos ao direito, incorreu na violação
de preceitos do ordenamento infra-constitucional, que não poderiam ser
interpretados da forma como o foram, e, do mesmo passo, se defende que, ao
aplicá-los dessa sorte, se violaram normas ou princípios constitucionais, só se
pode concluir que se está a questionar a própria decisão e não a
constitucionalidade daqueles preceitos.
Há que convir que a forma como agora, na reclamação de
que se cura, é posta a questão tocante à desarmonia constitucional do preceito
ínsito no nº 4 do artº 86º da Lei Geral Tributária, se apresenta de modo muito
diverso daquele que foi levado a efeito na alegação para o Tribunal Central
Administrativo Sul.
Uma última nota para dizer que também não procede o
argumento, invocado pela impugnante, e de acordo com o qual deveria ela ter sido
convidada, nos termos do nº 6 (e não nº 5) do artº 75º-A da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro, para prestar a indicação de qual o sentido interpretativo que
desejava, referentemente ao nº 4 do artº 86º da Lei geral Tributária, ser
objecto de apreciação por este Tribunal.
Neste particular, deve desde logo notar-se que não foi
com esteio na consideração de que o requerimento de interposição de recurso para
este Tribunal não indicava aquele sentido que, na decisão sub iudicio, se não
tomou conhecimento do objecto da pretendida impugnação, disso sendo ilustrativa
a primeira asserção, constante do terceiro parágrafo de fls. 306, em que se diz
“Independentemente disso ...”.
Por outro lado, são realidades totalmente diversas não
conter o requerimento de interposição de recurso - fundado, como é o caso, na
alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 - a totalidade dos requisitos a
que aludem os números 1 e 2 do seu artº 75º-A, e não se verificarem os
pressupostos dessa forma de impugnação. De facto, se, tratando-se de um recurso
ancorado na dita alínea b), a «parte» que deseja lançar desse recurso,
precedentemente à decisão judicial a impugnar, não tiver suscitado a
desconformidade constitucional da norma de que tal decisão se serviu como ratio
decidendi, não pode, posteriormente, abrir-se a via recursória ali prevista,
ainda que no requerimento de interposição conste a indicação de todos aqueles
requisitos.
E, justamente por isso, numa tal situação (ou seja, no
caso de não ter sido, de modo processualmente adequado, suscitada a questão de
inconstitucionalidade normativa), ainda que o requerimento de interposição de
recurso faça a cabal indicação daqueles requisitos, não poderá o Tribunal
Constitucional tomar conhecimento do recurso. Daí que, verificando-se um caso em
que não foi cumprido o ónus de suscitação e o requerimento de interposição de
recurso não observou os requisitos enunciados nos números 1 e 2 do artº 75º-A,
se torne um acto inútil a formulação do convite expresso no nº 6 deste artigo.
Não merecendo, em face do exposto, censura a decisão
recorrida, indefere-se a reclamação, condenando-se a impugnante nas custas
processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta
Lisboa, 24 de Maio de 2005
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício