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Processo n.º 1106/04
Plenário
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
1. Pelo Acórdão n.º 223/2005, de 27 de Abril (a fls. 490 e seguintes),
proferido em plenário, concedeu o Tribunal Constitucional provimento ao recurso
que, com fundamento em violação de caso julgado constitucional, havia sido
interposto para este Tribunal por A..
Na fundamentação desse acórdão pode ler-se, para o que agora
interessa, o seguinte:
“[…]
7. Relativamente ao primeiro juízo de inconstitucionalidade formulado no acórdão
do Tribunal Constitucional n.º 379/2004, verifica-se que o tribunal recorrido
lhe deu acolhimento, pois que declarou nulas as escutas efectuadas ao abrigo do
despacho de fls. 53, isto é, ao abrigo do despacho que prorrogou as escutas
telefónicas por 30 dias, sem que o juiz tivesse tomado conhecimento prévio do
conteúdo das escutas anteriormente efectuadas.
Recorde-se que o Tribunal Constitucional censurara a norma constante do artigo
188º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de «uma
intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a
processar-se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração,
sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das
conversações».
Neste particular, portanto, nenhuma violação de caso julgado constitucional se
regista.
Nem o recorrente, aliás, parece invocar a violação de caso julgado em relação a
tal juízo de inconstitucionalidade, pois que se insurge apenas em relação à não
declaração de nulidade «de todas as escutas impugnadas, ou seja, as que tiveram
o seu início por despacho judicial de 23.10.00 e o seu término em 30.01.01»
(cfr. conclusão 5ª das alegações, supra, 4.).
[…].”.
2. Notificado do Acórdão n.º 223/2005, vem agora A., sem invocar
qualquer disposição legal, solicitar a respectiva aclaração (fls. 506 e
seguintes), “única e exclusivamente referida à primeira questão de
constitucionalidade”, tratada pelo Tribunal Constitucional na parte do acórdão
acima transcrita.
Sustenta o requerente:
“1. O Acórdão 379/04 do Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma
constante do art. 188°, n.º 1, do CPP quando interpretada no sentido de uma
intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a
processar-se, sendo prorrogada por NOVOS PERÍODOS, ainda que de menor duração,
sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das
conversações.
2. No caso concreto, tais intercepções foram autorizadas em 23.10.00 por um
período de 60 dias, prorrogado por DUAS VEZES por novos períodos de 30 dias cada
um, o que respectivamente foi feito por despacho de 21.12.00 constante de fls.
53 e por despacho posteriormente proferido em 17.01.01 constante de fls. 275 dos
autos.
3. Por que o Acórdão da Relação de Coimbra apenas tivesse determinado a anulação
das intercepções ordenadas ao abrigo do despacho de fls. 53, despacho esse, como
sabemos, correspondente apenas à primeira prorrogação,
4. o ora recorrente, sempre e apenas em relação à primeira questão de
constitucionalidade, alegou violação de caso julgado constitucional, nos termos
das alegações apresentadas, que aqui se dão como reproduzidas – cfr. conclusões
1ª a 5ª – também pelo facto de o Acórdão da Relação de Coimbra, ao invés de
declarar a nulidade de todas as intercepções, incluindo as recolhidas através
das prorrogações de 21.12.00 e 17.01.01, APENAS ter declarado a nulidade
daquelas, recolhidas ao abrigo do despacho de fls. 53 e referentes apenas à
primeira prorrogação.
5. Ao declarar que o Tribunal recorrido deu acolhimento ao primeiro juízo de
inconstitucionalidade, precisamente por ter declarado nulas as escutas
efectuadas ao abrigo do despacho de fls. 53, o douto Acórdão aclarando parece
interpretar claramente a decisão da Relação de Coimbra no sentido de nela ver
incluída também a declaração de nulidade das escutas recolhidas ANTES E DEPOIS
da 2ª prorrogação (de 17.01.01), exactamente até à data da audição do JIC
recorrida em 30.01.01.
6. Só assim – com a declaração de nulidade de tudo quanto, sem audição do JIC,
foi recolhido antes e a partir do despacho de fls. 53 – ganhará sentido a
conjugação das várias considerações produzidas no douto Acórdão aclarando,
segundo as quais nenhuma violação de caso julgado constitucional se regista ou
foi invocado, porquanto o recorrente «apenas se insurge em relação à não
declaração de nulidade de todas as escutas impugnadas, ou seja, as que tiveram o
seu início por despacho judicial de 23.10.00 e o seu término em 31.01.01».
Requer respeitosamente a V. Exª. se digne esclarecer se é esse o exacto sentido
da decisão do douto Acórdão n.° 223/2005 no que respeita à primeira questão de
constitucionalidade (fls. 8/9 do Acórdão).”
O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional respondeu ao
pedido de aclaração do seguinte modo (fls. 509):
“O Acórdão n.º 223/2005, proferido nos autos, é perfeitamente claro e
inequívoco, não competindo ao Tribunal Constitucional decidir sobre a exacta
existência, no caso concreto, de escutas telefónicas que correspondam às
censuradas pelo Acórdão n.º 379/04, constante de folhas 396 a 426.”.
Cumpre apreciar e decidir.
3. No presente pedido de aclaração vem o requerente solicitar, em
síntese, que o Tribunal Constitucional esclareça se perfilhou o entendimento
segundo o qual o acórdão recorrido – o da Relação de Coimbra, a fls. 437 e
seguintes – teria declarado nulas, não apenas as intercepções telefónicas
efectuadas ao abrigo do despacho de fls. 53, que ordenou a primeira prorrogação
das intercepções, mas também as realizadas ao abrigo do despacho de fls. 275 dos
autos, despacho este correspondente à segunda das prorrogações.
Segundo o requerente, o Tribunal Constitucional só poderia ter
concluído no sentido de que o acórdão recorrido não violara o caso julgado
constitucional – no que se refere ao primeiro juízo de inconstitucionalidade
constante do Acórdão n.º 379/2004, de 1 de Junho, do mesmo Tribunal – caso
tivesse adoptado o entendimento segundo o qual também as intercepções realizadas
ao abrigo do despacho de fls. 275 haviam sido declaradas nulas pelo tribunal
recorrido.
Mais alega o requerente que invocara, no recurso que interpusera
para o Tribunal Constitucional, violação de caso julgado constitucional em
relação ao mencionado primeiro juízo de inconstitucionalidade, precisamente
porque o tribunal recorrido apenas declarara nulas as intercepções recolhidas ao
abrigo do despacho de fls. 53.
4. Ao solicitar que o Tribunal Constitucional esclareça que, subjacente
à sua conclusão de que não se verificara violação de caso julgado
constitucional, esteve a consideração de que também as intercepções recolhidas
ao abrigo do despacho de fls. 275 foram declaradas nulas pelo tribunal
recorrido, pretende o requerente, na verdade, o seguinte:
a) Por um lado, que o Tribunal Constitucional identifique as
intercepções concretamente afectadas pelo primeiro juízo de
inconstitucionalidade constante do Acórdão n.º 379/2004, de 1 de Junho, e
extraia as consequências do primeiro juízo de inconstitucionalidade constante
desse acórdão – o que não se reconduz a qualquer obscuridade ou ambiguidade do
acórdão aclarando (nem, aliás, poderia ser realizado pelo Tribunal
Constitucional, que não tem competência para o efeito);
b) Por outro lado, que o Tribunal Constitucional modifique a
fundamentação jurídica do acórdão aclarando – o que também não significa
obscuridade ou ambiguidade desse acórdão.
Em suma, nenhuma obscuridade ou ambiguidade se aponta ao acórdão
cuja aclaração agora se pede.
5. Assim, porque é claro e compreensível o acórdão que se pretende seja
aclarado, nada havendo a esclarecer, indefere-se o presente pedido.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze)
unidades de conta.
Lisboa, 28 de Setembro de 2005
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Carlos Pamplona de Oliveira (vencido, nos termos da declaração que junto.)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
O modo como é colocada pelo recorrente a presente questão evidencia que o
problema do exacto alcance prático da declaração de inconstitucionalidade
normativa emitida pelo Tribunal Constitucional não pode resolver-se por via de
um recurso anómalo que, com fundamento nos artigos 2º e 80º ns. 1 a 3 da Lei
28/82 de 15 de Novembro, o Tribunal aceitou (a meu ver, erradamente) apreciar. É
que a competência para determinar esses efeitos pertence ao Tribunal comum, ao
qual incumbe aplicar a norma ao caso concreto, no exercício da função
jurisdicional que, em exclusivo, a Constituição lhe impõe – artigo 211º da
Constituição. Acresce que, neste domínio, o campo de conhecimento do Tribunal
Constitucional é restrito à questão da inconstitucionalidade normativa – artigo
71º n.º da LTC.
Mas, uma vez que, neste caso, o Tribunal Constitucional aceitou envolver-se na
averiguação dos concretos efeitos da declaração de inconstitucionalidade
normativa, apreciando o julgamento do Tribunal recorrido 'que declarou nulas as
escutas efectuadas ao abrigo do despacho de fls. 53', para concluir que 'nenhuma
violação de caso julgado constitucional se regista' então é bem certo que lhe
cabe enunciar com clareza quais as escutas em relação às quais teve aplicação a
norma inconstitucional.
Nesta lógica, é pertinente a questão colocada pelo recorrente.
Carlos Pamplona de Oliveira