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Processo n.º 716/05
Plenário
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 - Henrique Humberto Ferreira Resendes, na qualidade de Presidente da
Junta de Freguesia de Ribeira das Taínhas, recorre contenciosamente do despacho
proferido pelo Ministro da República para os Açores, de 15 de Setembro de 2005,
que negou provimento ao recurso para ele interposto da decisão do Presidente da
Câmara Municipal de Vila Franca do Campo que determinou, por despacho datado de
9 de Setembro de 2005, como local de funcionamento da assembleia de voto, nas
eleições gerais autárquicas marcadas para o próximo dia 9 de Outubro de 2005, o
edifício da Escola Dr. Urbano Mendonça Dias, naquela freguesia.
2 – Como fundamentos do recurso contencioso, o recorrente alega o
seguinte:
«1 -Desde há 20 anos a mesa de voto realiza-se na Sede da Junta de
Freguesia, por:
- se encontrar no centro da Freguesia;
- possuir apenas três degraus, sendo o único equipamento da Freguesia com melhor
acessibilidade de pessoas com dificuldade de locomoção;
- sempre existir privacidade absoluta do exercício do direito de voto;
- nunca ter havido ao longo destes anos nenhuma reclamação;
A Escola Primária encontra-se no início da freguesia, tendo esta uma extensão de
três quilómetros e possuir muitos degraus.
Ao abrigo do art. 70º n.º 3 e 4 do Dec. 13 A/2005, vimos recorrer junto de Vossa
Excelência no sentido de manter o funcionamento da Assembleia de voto na Sede da
Junta de Freguesia das Taínhas, local que sempre funcionou, garantindo as
condições do exercício de voto livre e democrático da população».
Como prova do alegado, o recorrente juntou, com a petição do recurso
contencioso, cópia de ofícios da Junta de Freguesia, Câmara Municipal e do
Ministro da República e enviou, por correio electrónico, fotos dos acessos da
sede da Junta de Freguesia e da Escola Primária.
B – Fundamentação
3 –Considera-se que resulta dos autos o seguinte quadro:
a) Em 2 de Setembro de 2005, o Presidente da Câmara Municipal de Vila
Franca do Campo, “considerando que, tradicionalmente, a assembleia de voto da
freguesia da Ribeira das Taínhas, funciona no edifício sede da junta de
freguesia (…) [e] que face à legislação em vigor, o espaço em causa não reúne
alguns dos requisitos legais exigíveis, designadamente quanto à acessibilidade
de pessoas com dificuldades de locomoção e privacidade absoluta do exercício do
direito de voto”, solicitou ao Presidente da Junta de Freguesia de Ribeira das
Taínhas que indicasse, até ao dia 6 de Setembro, “espaços alternativos” a tal
edifício.
b) No dia 6 de Setembro de 2005, em resposta, o Presidente da mesma
Junta de Freguesia manifestou-se no sentido de a assembleia de voto dever
continuar na Sede Administrativa da Junta de Freguesia, considerando, por um
lado, que:
“(…) a freguesia possui poucos equipamentos;
(…) que a Escola Primária se situa no início da Freguesia, bastante
descentralizada, com muitos degraus, onde a acessibilidade de pessoas com
dificuldade de locomoção é péssima ou, para alguns, impossível;
(…) que o centro paroquial da freguesia possui muitos degraus, onde a
acessibilidade de pessoas com dificuldade de locomoção é péssima ou, para
alguns, impossível.”
E, por outro lado, que aquela sede é o local que “reúne as melhores
condições, por:
1. Se encontrar no centro da Freguesia;
2. Possuir apenas três degraus;
3. Existir privacidade absoluta do exercício do direito de voto;
4. A assembleia de voto funciona desde que existe a sede da Junta de
Freguesia;
5. Por nunca haver nenhuma reclamação ao longo das várias eleições”.
c) Por edital de 9 de Setembro de 2005, o Presidente da Câmara
Municipal de Vila Franca do Campo determinou, como local de funcionamento da
assembleia de voto para os eleitores inscritos na Freguesia de Ribeira das
Taínhas, a Escola Dr. Urbano Mendonça Dias, Monte Félix – Ribeira das Taínhas.
d) Desta decisão o ora recorrente, dando conta do pedido de informação
supra referido na alínea a) e da sua resposta – cujos fundamentos estão
transcritos na alínea b) –, interpôs recurso para o Ministro da República para
os Açores, pedindo que fosse decidido “manter o funcionamento da Assembleia de
Voto no local onde, desde sempre, funcionou garantindo as condições do exercício
de voto livre e democrático da população”.
e) Este recurso mereceu o despacho do Ministro da República do seguinte
teor:
«De acordo com o n.º 1, do art. 70º da Lei nº 1/2001, de 14 de Agosto, “compete
ao Presidente da Câmara Municipal determinar os locais de funcionamento das
assembleias de voto”. Segundo o nº 1, do art. 69º, do mesmo diploma, “as
assembleias de voto reúnem-se em edifícios públicos, de preferência escolas ou
sedes de órgãos municipais e de freguesia, que ofereçam as indispensáveis
condições de capacidade, acesso e segurança”.
Da decisão atrás referida cabe recurso para “…o Ministro da República”, de
acordo com o nº 3 do citado art. 70º.
Como parece evidente, seja pela natureza do recurso, seja pelo prazo previsto
para a sua decisão, seja ainda pelos espaços indicados como privilegiados para a
escolha do local de voto, não cumpre ao órgão de recurso “a quo” , produzir
prova sobre “as condições” referidas no art. 69º, mas tão só sindicar a
conformidade da escolha com o critério do local neste artigo referido.
Ora esta conformidade foi respeitada pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila
Franca do Campo ao determinar como local de voto a Escola Dr. Urbano Mendonça
Dias, na Freguesia de Ribeira das Taínhas.
Assim, negando provimento ao recurso, mantenho a decisão recorrida.
Notifique».
f) O recorrente foi notificado do despacho contenciosamente recorrido
no dia 15 de Setembro de 2005.
g) Não obstante o recurso contencioso haver sido inicialmente
apresentado directamente no Tribunal Constitucional no dia 16 de Setembro de
2005, veio o mesmo a ser ainda apresentado perante a autoridade administrativa
que proferiu o acto impugnado no mesmo dia.
4 – O recurso foi apresentado perante a autoridade administrativa que
proferiu o acto impugnado (n.ºs 1 e 7 do artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15
de Novembro - LTC), em prazo (n.ºs 1 e 5 do artigo 70.º da Lei Orgânica n.º
1/2001, de 14 de Agosto – que regula a eleição dos titulares dos órgãos das
autarquias locais – LEOAL).
O recorrente tem legitimidade para o interpor em face do disposto no
n.º 4 do referido art.º 70º da LEOAL.
5 – A controvérsia entre o recorrente e a administração eleitoral
prende-se com o facto de esta haver determinado como local de funcionamento da
assembleia de voto nas eleições gerais autárquicas, marcadas para o próximo dia
9 de Outubro, o edifício da Escola Dr. Urbano Mendonça Dias, em vez do edifício
da sede da Junta de Freguesia de Ribeira das Taínhas, ambos da mesma freguesia,
em contrário de alegado procedimento adoptado nas eleições dos anteriores 20
anos, defendendo o Recorrente esta solução com base na fundamentação por si
aduzida e acima transcrita.
6 - Sobre o local de funcionamento das assembleias de voto dispõe o
artigo 69º da LEOAL o seguinte:
“Artigo 69.º
Local de funcionamento
1 - As assembleias de voto reúnem-se em edifícios públicos, de preferência
escolas ou sedes de órgãos municipais e de freguesia que ofereçam as
indispensáveis condições de capacidade, acesso e segurança.
2 - Na falta de edifícios públicos adequados, são requisitados, para o efeito,
edifícios particulares.
3 - A requisição dos edifícios, públicos ou privados, destinados ao
funcionamento das assembleias de voto cabe ao presidente da câmara, que deve ter
em conta o dia da votação assim como o dia anterior e o dia seguinte,
indispensáveis à montagem e arrumação das estruturas eleitorais e à desmontagem
e limpeza.
4 - Quando seja necessário recorrer à utilização de estabelecimentos de ensino,
as câmaras municipais devem solicitar aos respectivos directores ou órgãos de
administração e gestão a cedência das instalações para o dia da votação, dia
anterior, para a montagem e arrumação das estruturas eleitorais, e dia seguinte,
para desmontagem e limpeza.”
A propósito de recurso relativo igualmente à determinação do local de
funcionamento de assembleias de voto nas mesmas eleições autárquicas, disse-se,
no recente Acórdão deste Tribunal, n.º 440/2005 (inédito), o seguinte:
«A lei confere à Administração eleitoral larga margem de apreciação.
Embora vinculada à preferência por edifícios públicos, o parâmetro jurídico da
escolha é expresso mediante um conceito indeterminado que é o das
“indispensáveis condições de capacidade, acesso e segurança”. No controlo do
exercício desta competência, para além dos aspectos sempre vinculados da
actuação administrativa – designadamente, a competência, forma (lato sensu) e
fim, aspectos em que o acto recorrido não é posto em crise – e do erro nos
pressupostos de facto, na parte em que a norma confere à Administração
prerrogativa de valoração, o Tribunal só pode censurar a decisão administrativa
em caso de erro grosseiro ou manifesto ou de utilização de critério
ostensivamente inadmissível».
Esta fundamentação é completamente transponível para o caso dos autos,
com a particularidade de, aqui, tanto o local escolhido pela administração
eleitoral como o proposto pelo recorrente se situarem em edifícios públicos.
A administração eleitoral determinou o local de funcionamento da
assembleia de voto em função de um juízo formado no sentido de que o
edifício-sede da Junta de Freguesia de Ribeira das Taínhas “não reúne alguns dos
requisitos legais exigíveis, designadamente quanto à acessibilidade de pessoas
com dificuldades de locomoção e privacidade absoluta do exercício do direito de
voto”.
Muito embora o Recorrente conteste a veracidade destes pressupostos de
facto e a correcção do juízo administrativo de aplicação do comando legal
expresso no artigo 69.º, n.º 1, da LEOAL, o certo é que não conseguiu demonstrar
nos autos que esses pressupostos de facto sejam errados e que, desse modo, o
acto administrativo sofra de tal vício de violação de lei.
Deste modo, gozando a administração eleitoral de uma margem de
valoração no preenchimento dos conceitos constantes da norma (“indispensáveis
condições de capacidade, acesso e segurança”), e que desvelam o fim a prosseguir
pela administração eleitoral, o acto administrativo apenas poderia ser anulado
caso se constatasse a existência de erro grosseiro ou de aplicação de critério
ostensivamente inadmissível.
Ora, não só não se mostram provados factos que suportem a existência
desse erro, como se verifica, também, que o critério pelo qual a autoridade
administrativa se determinou coincide, precisamente, com o indicado pela norma:
o de garantir uma boa acessibilidade e privacidade absoluta do exercício do
direito de voto.
C – Decisão
7 – Destarte, pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide negar
provimento ao recurso.
Lisboa, 20 de Setembro de 2005
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Artur Maurício