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Processo n.º 760/2005
Plenário
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1. Em 4 de Outubro de 2005, o Presidente da República veio requerer ao Tribunal
Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 115º, n.º 8, da Constituição
e 29º, n.º 1, da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril (Lei Orgânica do Regime do
Referendo), “a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade da
proposta de referendo aprovada pela Resolução n.º 52 da Assembleia da República,
publicada em Suplemento à Iª Série – A do Diário da República de 29 de Setembro
de 2005, distribuído a 30 de Setembro”.
No requerimento afirmou ainda “salientar neste pedido, mas apenas porque a
questão gerou alguma controvérsia pública, a importância que terá o
esclarecimento pelo Tribunal Constitucional das dúvidas suscitadas a propósito
da renovação da iniciativa de proposta de referendo na sessão legislativa
actualmente em curso”.
Juntou cópia do exemplar do Diário da República no qual veio publicada a
referida Resolução, cujo texto é o seguinte:
“A Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos do artigo 115.º
e da alínea j) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa,
apresentar a S. Ex.ª o Presidente da República a proposta de realização de um
referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam
chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:
«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se
realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de
saúde legalmente autorizado?»”
Admitido o pedido, os autos foram distribuídos.
Foi apresentado e debatido o memorando previsto no n.º 2 do artigo 30.º da Lei
n.º 15-A/98, de 3 de Abril. Fixada a orientação a seguir, cumpre decidir.
2. A Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005 resultou da aprovação do
projecto de resolução n.º 69/X/1 (publicado no Diário da Assembleia da
República, II Série-A, n.º 50, de 22 de Setembro de 2005, págs. 22-23),
apresentado por um grupo de Deputados do Partido Socialista, e aprovado, com o
texto proposto, em 28 de Setembro.
Entrado em 15 de Setembro de 2005, o projecto foi admitido e veio a ser objecto
do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias, de 28 de Setembro seguinte, publicado no Diário da Assembleia da
República, II Série-A, nº 52, de 29 de Setembro.
O relatório, após recordar os “antecedentes parlamentares”, concluiu no sentido
de que “1 – A iniciativa foi apresentada nos termos do artigo 161.º, alínea j),
do artigo 115.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo
os requisitos previstos no artigo 138.º do Regimento. 2 – O projecto de
resolução tem como objectivo a realização de um referendo sobre a despenalização
da interrupção voluntária da gravidez”.
Assim, o relatório terminou afirmando que o projecto preenchia “os requisitos
constitucionais e regimentais para subir a Plenário, reservando os grupos
parlamentares as suas posições de voto para o debate”.
Contra a admissão do projecto havia sido apresentado recurso pelo Grupo
Parlamentar do Partido Popular, subscrito por um seu Deputado, invocando
violação das regras constantes do n.º 10 do artigo 115.º e do n.º 4 do artigo
167.º, ambos da Constituição.
Sobre este recurso foi elaborado o Parecer da Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de 22 de Setembro de 2005
(Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 51, de 24 de Setembro), que
se pronunciou no sentido de que o mesmo não tinha “fundamento legal”. O parecer
foi debatido e aprovado na reunião plenária de 22 de Setembro (Diário da
Assembleia da República, I Série, n.º 48, de 23 de Setembro de 2005, págs. 2197
e segs.) com os votos a favor do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda e os
votos contra do Partido Social Democrata, do Partido Comunista, do Partido
Popular e de Os Verdes.
3. A questão colocada no referido recurso relaciona-se com o facto de, em 20 de
Abril de 2005, ter sido aprovada pela Assembleia da República a Resolução n.º
16-A/2005, de 21 de Abril, com o seguinte conteúdo:
“A Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos do artigo 115.º
e da alínea j) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa,
apresentar a S. Exª o Presidente da República a proposta de realização de um
referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam
chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:
«Concorda que deixe de constituir crime o aborto realizado nas primeiras 10
semanas de gravidez, com o consentimento da mulher, em estabelecimento legal de
saúde?»”
O referendo assim proposto não veio, porém, a ser convocado pelo Presidente da
República. Em mensagem de 2 de Maio de 2005 (publicada no Diário da Assembleia
da República, II Série-A, n.º 12, de 7 de Maio de 2005), o Presidente da
República justificou a sua decisão de não convocação nos seguintes termos:
“Decidi não convocar o referendo proposto pela Assembleia da República sobre a
interrupção voluntária da gravidez porque entendi não estarem asseguradas as
condições mínimas adequadas a uma participação significativa dos portugueses.
Com efeito, face aos prazos e limites em vigor no actual quadro jurídico, o
referendo que me foi proposto teria de ser obrigatoriamente convocado para um
domingo no próximo mês de Julho, ou seja, seria necessariamente realizado numa
altura em que muitos portugueses já se encontram de férias. Para tal facto
alertei antecipadamente os partidos com representação parlamentar.
Não obstante a importância do referendo enquanto instrumento privilegiado de
exercício democrático do poder político, há que reconhecer que, do ponto de
vista da participação dos cidadãos, a nossa anterior experiência revelou
fragilidades cuja repetição importa prevenir, sob pena de o próprio instituto
acabar por ser decisivamente posto em causa.
Acresce que o tema da interrupção voluntária da gravidez foi já objecto de um
referendo de muito escassa participação, mas cujo resultado, se bem que não
juridicamente vinculativo e com uma votação muito dividida entre o «não» e o
«sim», resultou, na prática, num bloqueio legislativo cuja persistência é cada
vez mais discutida. Importa, pois, assegurar que a próxima consulta popular
sobre a mesma matéria se realize em condições de significativa participação
cívica.
De resto, a conveniência de realização de um novo referendo é hoje partilhada
por um amplo conjunto das forças políticas representadas na Assembleia da
República, pelo que a recusa de convocação de que agora dou conta não deve ser
interpretada como rejeição política do conteúdo da proposta que me foi
apresentada, mas antes como incentivo à realização do referendo em
circunstâncias mais adequadas na perspectiva de uma cidadania activa e
participada.
Por último, as dificuldades objectivas que relativamente a esta proposta e à que
incide sobre o tratado constitucional europeu tão evidentemente se manifestaram,
colocam-nos perante a inadiável necessidade de repensarmos a adequação do
conjunto dos prazos e limites circunstanciais, temporais e materiais que, entre
nós, envolvem a realização dos referendos. Tendo sido desencadeado um processo
de revisão constitucional extraordinária, será essa uma oportunidade excelente
para correcção prévia dos requisitos e condicionamentos que se têm revelado mais
problemáticos ou desajustados.
Lisboa, 2 de Maio de 2005.
O Presidente da República, Jorge Sampaio.”
4. A Resolução n.º 16-A/2005 resultara do Projecto de Resolução n.º 9/X/1,
apresentado por um grupo de Deputados do Partido Socialista em 22 de Março de
2005 (publicado no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 4, de 2 de
Abril de 2005, págs. 109-110), admitido em 31 de Março e aprovado após relatório
da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de 20
de Abril de 2005 (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 9, de 28 de
Abril de 2005, pág. 54 e segs.).
Note-se, aliás, que este relatório apreciara simultaneamente o Projecto de
Resolução n.º 7/X/1, apresentado por um grupo de Deputados do Bloco de Esquerda
em 16 de Março de 2005 (e igualmente publicado no Diário da Assembleia da
República, II Série-A, n.º 4, de 2 de Abril de 2005, pág. 107).
Em relação a ambos os projectos, a Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias concluíra que: “1 – As iniciativas foram
apresentadas nos termos do artigo 161.º, alínea j), e do artigo 115.º, n.º 1, da
Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais
previstos no artigo 138.º do Regimento. 2 – Os projectos de resolução têm como
objectivo a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção
voluntária da gravidez”.
Pronunciara-se, assim, no sentido de que ambos os projectos preenchiam “os
requisitos e [encontravam-se] em condições constitucionais e regimentais de
subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto
para o debate”.
Verificou-se todavia, que o Projecto de Resolução n.º 7/X/1 veio a ser retirado
(Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 10, de 21 de Abril de 2005,
pág. 395).
Quanto ao referendo proposto pela Resolução da Assembleia da República n.º
16-A/2005, como se viu já, não foi convocado, por decisão do Presidente da
República.
5. Resulta do disposto no n.º 8 do artigo 115.º e na alínea f) do n.º 2 do
artigo 223.º da Constituição, no artigo 11.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
e no artigo 26.º da Lei n.º 15-A/98, que cabe ao Tribunal Constitucional
“verificar previamente a constitucionalidade e a legalidade dos referendos
nacionais (...), incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo
universo eleitoral” (citada alínea f) do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição).
Como se sabe, foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional uma proposta de
referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez com uma pergunta a colocar
também aos cidadãos recenseados no território nacional formulada nos exactos
termos agora aprovados pela Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005.
No seu acórdão n.º 288/98 (Diário da República, I Série-A, de 18 de Abril de
1998), o Tribunal Constitucional deliberou, por maioria, “ter por verificada a
constitucionalidade e a legalidade do referendo proposto na (...) Resolução n.º
16/98 da Assembleia da República”.
Para alcançar este julgamento, o Tribunal Constitucional analisou os requisitos
constitucionais e legais definidos nos preceitos atrás indicados, concluindo
pela sua verificação.
6. Coloca-se desta vez, todavia, uma questão nova, resultante de ter sido
decidido pelo Presidente da República não convocar o referendo proposto pela
Resolução da Assembleia da República n.º 16-A/2005 e de ter sido renovada a
“iniciativa de proposta de referendo na sessão legislativa actualmente em curso”
(requerimento do Presidente da República, atrás transcrito).
Tendo em conta que o Presidente da República refere expressamente que se
suscitaram dúvidas quanto à possibilidade de renovação, começa-se por analisar
esta questão.
Segundo o n.º 10 do artigo 115.º da Constituição, “As propostas de referendo
recusadas pelo Presidente da República ou objecto de resposta negativa do
eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova
eleição da Assembleia da República ou até à demissão do Governo”. Esta proibição
consta igualmente do n.º 3 do artigo 36º da Lei n.º 15-A/98.
Para a hipótese de ter sido a Assembleia da República a rejeitar a iniciativa, o
n.º 4 do artigo 167.º da Constituição estabelece que “Os projectos e as
propostas (...) de referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados
na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República”.
De acordo com o n.º 1 do artigo 171.º da Constituição, “A legislatura tem a
duração de quatro sessões legislativas”.
“Em caso de dissolução”, prevê o respectivo n.º 2, “a Assembleia então eleita
inicia nova legislatura cuja duração será inicialmente acrescida do tempo
necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa em
curso à data da eleição”.
Por seu turno, o n.º 1 do artigo 174.º fixa para a sessão legislativa a “duração
de um ano” e o seu início em “15 de Setembro”. E o n.º 2 estabelece que “O
período normal de funcionamento da Assembleia da República decorre de 15 de
Setembro a 15 de Junho (...)”, dispondo os números seguintes as condições em que
esse período pode ser suspenso ou prorrogado.
7. Como se sabe, pelo Decreto do Presidente da República n.º 100-B/2004, de 22
de Dezembro, foi dissolvida a Assembleia da República. Foi também marcada a data
de 20 de Fevereiro de 2005 para a eleição dos deputados à Assembleia da
República, eleição que veio a realizar-se, tendo ocorrido em 10 de Março
seguinte a primeira reunião da nova Assembleia, nos termos previstos no n.º 1 do
artigo 173.º da Constituição (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 1,
de 11 de Março de 2005).
Verificada a recusa de convocação do referendo proposto pela Resolução da
Assembleia da República n.º 16-A/2005, coloca-se o problema de saber se a
aprovação da Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005 não infringe a
proibição de renovação da iniciativa do referendo “na mesma sessão legislativa”.
Duas questões têm de ser, sucessivamente, abordadas.
Em primeiro lugar, há que determinar se há “renovação” da iniciativa; só no caso
de a resposta alcançada ser afirmativa é que, então, se justifica determinar se,
para o efeito que agora interessa, o período de funcionamento da Assembleia da
República entre 10 de Março de 2005 (cfr. citado n.º 1 do artigo 173.º) e 14 de
Setembro de 2005 se inclui na sessão legislativa actualmente em curso, já que
foi em 15 de Setembro de 2005 que foi apresentado o Projecto de Resolução n.º
69/X/1.
8. A proibição de renovação de iniciativas na mesma sessão legislativa tem
antecedentes nas Constituições Portuguesas de 1822 (artigos 108.º e 110.º), 1911
(artigo 35.º) e 1933 (artigo 100.º).
Sobre tal questão – relativa à “renovação, na mesma sessão legislativa, de
projecto ou proposta de lei rejeitados” –, pronunciou-se a Comissão
Constitucional, no seu Parecer n.º 16/80 (Pareceres da Comissão Constitucional,
12.º vol., pág. 183 e segs.).
Transcrevendo um estudo de Jorge Miranda, o seu artigo “Deputado”, in Dicionário
Jurídico da Administração Pública, vol. 3º, Lisboa, 1990, pág. 483 e segs., a
pág. 510, a Comissão Constitucional começou por observar que a proibição de
renovação se deve a razões de economia processual, já que é de admitir que a
Assembleia “não voltará atrás sobre as suas deliberações” e portanto que se
trataria de “uma forma de obstrução da sua actividade normal a renovação de
iniciativas por ela rejeitadas. Mas se, entretanto, vier a dar-se a renovação da
própria Câmara por virtude de eleições gerais, então, em homenagem ao princípio
democrático, já não fará sentido que tal restrição funcione”.
Seguidamente, analisou qual é o “âmbito mínimo da proibição” de repetição, para
o efeito de determinar quando se deve entender que ocorre “renovação” do
projecto ou da proposta de lei:
“Não bastará, por certo, uma diferença de redacção ou mesmo de estrutura, ambas
de natureza formal, para a superar.
Também não terão tal mérito diferenças de conteúdo de simples pormenor, sem
significado bastante para se poder afirmar que não há identidade intelectual, de
sentido prescritivo, entre o diploma já rejeitado e o reposto, sem a
indispensável mediação temporal estabelecida.
O mesmo se diga se houver uma diferença de amplitude das hipóteses sujeitas às
correspondentes estatuições menor que a do diploma rejeitado. (...)
Ainda em consequência daquela ratio, indiferente será a falta de identidade
subjectiva das iniciativas legislativas, num caso o Governo, noutro um grupo de
Deputados, pois o órgão legislativo a que se dirigem as iniciativas legislativas
de um ou outro é o mesmo – a Assembleia da República – e é este que delibera
sobre elas.
Se houver, porém, diferença substancial de conteúdo preceptivo, a razão de ser
da proibição do artigo 170.º, n.º 3 (actual artigo 167.º, n.º 4) cessa e esta
não será aplicável”.
O mesmo autor, em Funções, Órgãos e Actos do Estado, apontamentos de lições do
Prof. Jorge Miranda (Lisboa, 1990, pág. 397 e segs.), observa que “o que conta é
a identidade de sentidos prescritivos”, e não a “identidade de matérias versadas
em duas ou mais iniciativas”, sendo irrelevantes “diferenças de simples
pormenor” e não contando a identidade subjectiva de quem toma a iniciativa.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, 1993, pág. 537, escrevendo especificamente
sobre o referendo, observam que a proibição de repetição “visa evitar a chicana
referendária” e que “a identidade de propostas é uma identidade substancial (não
basta uma pura diferença formal), a fiscalizar pelo Tribunal Constitucional'.
No Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias sobre o recurso apresentado pelo Partido Popular quanto à admissão do
Projecto de Resolução n.º 69/X/1, suscita-se a dúvida quanto à identidade das
iniciativas referendárias em causa. E as mesmas dúvidas foram repetidas no
debate prévio à aprovação da Resolução (Diário da Assembleia da República, I
Série, n.º 48, pág. 2198).
Afirma-se naquele Parecer que não ocorre “identidade subjectiva de iniciativas”
e que “existem igualmente diferenças de substância ao nível da exposição de
motivos e da própria pergunta a formular aos eleitores em sede de referendo,
sendo certo que existem diferenças técnicas entre os conceitos jurídicos de
despenalização e de descriminalização subjacentes a cada um dos projectos”
correspondentes às Resoluções da Assembleia da República n.ºs 16-A/2005 e
52-A/2005.
No entendimento deste Tribunal, todavia, deve considerar-se que ocorre entre as
duas Resoluções uma identidade que permite concluir pela renovação de
iniciativas referendárias.
Em primeiro lugar, afigura-se irrelevante que apenas haja uma coincidência
parcial entre os deputados do Partido Socialista que apresentam os
correspondentes projectos. Desde logo porque, como se entendeu no citado Parecer
n.º 16/80 da Comissão Constitucional, o que releva neste contexto é o
destinatário da iniciativa – no caso presente, ambas as propostas de convocação
de referendo se dirigem ao Presidente da República.
Reconhece-se, quanto a este ponto, que não há total analogia entre o caso agora
em análise e o que foi objecto do citado Parecer n.º 16/80, pois que,
contrariamente ao que sucede quando há eleição de nova Assembleia da República,
a eleição de novo Presidente da República não deve ser tida em conta para se
determinar se pode ou não ser repetida uma iniciativa referendária. Sucede, no
entanto, que essa solução decorre do próprio n.º 10 de artigo 115.º da
Constituição, que limita as iniciativas em função das sessões legislativas,
razão pela qual se conclui que, ainda que seja substituído o Presidente da
República, o que aliás não ocorreu no caso em análise, há identidade de
destinatário.
Em segundo lugar, afigura-se igualmente irrelevante para estabelecer a
identidade das duas propostas referendárias qualquer diferença verificada na
exposição de motivos dos projectos de resolução, apenas tendo cabimento
considerar o texto das perguntas que se pretende sejam submetidas ao eleitorado.
Na verdade, as diferenças de formulação das perguntas, especialmente tendo em
conta que se trata de propostas de referendos e não de textos legislativos, são
insuficientes para permitir afirmar que não se pretende que o eleitorado se
pronuncie sobre a mesma questão nas duas iniciativas referendárias.
Conclui-se, pois, no sentido de que se trata de uma “renovação” de “propostas de
referendo”, para os efeitos do disposto no n.º 10 do artigo 115.º da
Constituição. E observa-se que tal é sugerido pelo próprio teor do Relatório da
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo
ao Projecto de Resolução n.º 69/X/1, que apenas difere do que foi elaborado
sobre o Projecto de Resolução n.º 9/X /1 na medida em que este abrange outro
projecto então sob parecer e em que aquele relata ocorrências posteriores à
aprovação da Resolução da Assembleia da República n.º 16-A/2005.
9. Torna-se assim imprescindível determinar se esta renovação ocorreu na mesma
sessão legislativa em que foi apresentada ao Presidente da República a Resolução
n.º 16-A/2005, nos termos proibidos pelo citado n.º 10 do artigo 115.º da
Constituição.
Têm sido manifestadas opiniões divergentes.
Em Parecer relativo à duração da Sessão Legislativa solicitado por despacho de 1
de Setembro de 2005 do Presidente da Assembleia da República (Diário da
Assembleia da República, II Série-C, n.º 20, de 15 de Setembro de 2005, pág. 2 e
segs.), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias, apresentou as seguintes conclusões:
“1. A CRP é clara ao considerar que a realização de eleições dá lugar a uma nova
legislatura.
2. Da conjugação das normas constitucionais e regimentais supra citadas parece
poder concluir-se que as sessões legislativas têm uma duração fixa de um ano e
iniciam-se, invariavelmente, a 15 de Setembro de cada ano, independentemente das
vicissitudes eleitorais e da eventual mudança de legislatura. A elasticidade da
legislatura em termos de duração temporal não abrange portanto as sessões
legislativas.
3. Este entendimento parece encontrar acolhimento expresso na letra do n.º 4 do
artigo 167.º da CRP, ao determinar que: «Os projectos e as propostas de lei e de
referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão
legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República», o que equivale a
dizer que, em caso de eleição, é possível a renovação de iniciativas previamente
apresentadas na mesma sessão legislativa.
4. A ressalva introduzida no final desta norma constitucional não comporta outra
interpretação senão a de que a realização de eleições não interrompe a sessão
legislativa em curso, que deverá concluir-se no prazo normal.
5. Também o n.º 10 do artigo 115.º da CRP recorre a uma formulação de conteúdo
idêntico ao estatuir que: «As propostas de referendo recusadas pelo Presidente
da República ou objecto de resposta negativa do eleitorado não podem ser
renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da
República, ou até à demissão do Governo.» Infere-se, assim, que a solução
normativa contida no n.º 4 do artigo 167.º da CRP não constitui uma formulação
avulsa, mas antes a mais uma concretização de um princípio genérico assumido
pelo legislador constitucional.
6. Se assim não fosse, estar-se-ia a alargar injustificadamente o âmbito da
proibição de repetição de iniciativas legislativas ou referendárias, prevista no
n.º 4 do artigo 167.º da CRP. O alargamento da primeira sessão legislativa da X
Legislatura pelo tempo necessário para completar o período correspondente à
sessão legislativa em curso, implicaria uma violação expressa da letra do n.º 1
do artigo 47.º do RAR e precludiria a possibilidade de reapresentação de
qualquer das iniciativas entretanto apresentadas por um período muito superior a
um ano e como tal contrário à vontade do legislador constitucional.
7. A taxatividade da redacção do artigo 47.º do RAR não comporta outras
interpretações ao afirmar peremptoriamente que a sessão legislativa tem a
duração de um ano, iniciando-se a 15 de Setembro, entendimento aliás partilhado
no essencial pelo Prof. Jorge Miranda e Prof. Jorge Bacelar Gouveia.
8. A presente solução interpretativa é igualmente a mais vantajosa do ponto de
vista da salvaguarda dos direitos da oposição.
9. Deste modo, independentemente da designação jurídica do período que decorre
entre 20 de Fevereiro e 14 de Setembro de 2005 — «5.ª sessão legislativa»,
«sessão legislativa autónoma» ou «período de conclusão da sessão legislativa em
curso» — conclui-se, a par com a generalidade da doutrina, que em 15 de Setembro
de 2005 se iniciará uma nova sessão legislativa, com todas as implicações que
daí advêm.”
Esta posição foi seguida pelo Parecer da mesma Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso apresentado
pelo Partido Popular contra a admissão do Projecto de Resolução n.º 69/X/1,
aprovado, como se disse atrás, pelo Plenário da Assembleia da República, pela
maioria já referida.
Em declaração de voto apresentada por Deputados do Partido Social Democrata ao
Parecer relativo à duração da sessão legislativa, veio defender-se que “a
próxima sessão legislativa só terá início em 15 de Setembro de 2006 e que 15 de
Setembro de 2005 representará tão somente a continuação da 1ª sessão legislativa
da X Legislatura”.
Tal conclusão assentou, em síntese, na consideração de que o período decorrido
entre 10 de Março de 2005 e 14 de Setembro de 2005 não pode ser integrado na IX
Legislatura, porque a X Legislatura se iniciou em 10 de Março; integra-se na 1.ª
sessão da X Legislatura, que terminará apenas a 14 de Setembro de 2006, pois que
cada legislatura só pode ter 4 sessões legislativas.
Assim decorreria dos artigos 171.º e 174.º da Constituição e da prática
parlamentar, verificada em anteriores casos de dissolução da Assembleia da
República, prática reflectida na apresentação do Diário da Assembleia da
República sem contestação.
10. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição cit., págs. 700 e 701)
apresentam uma construção diversa.
Em anotação ao (então) artigo 174.º da Constituição (correspondente ao actual
artigo 171.º), escrevem que do respectivo n.º 2 resulta que “a legislatura da
Assembleia saída de eleições determinadas por dissolução terá, normalmente, uma
duração superior a 4 anos, podendo mesmo atingir quase os 5 anos, se a eleição
tiver lugar pouco tempo após a data normal de início de cada sessão legislativa
(...). Sublinhe-se que a data de referência é a de eleição da nova AR e não a da
dissolução da anterior. Nesse caso, a legislatura parece compreender 5 sessões
legislativas (não apenas 4), visto que o período sobrante da sessão legislativa
em curso à data da eleição haverá de constituir uma sessão legislativa autónoma
da nova Assembleia”.
11. É útil para a compreensão dos diversos preceitos constitucionais em análise
considerar a respectiva evolução.
Na versão originária da Constituição de 1976 verificava-se alguma autonomia
entre os conceitos de “legislatura”, utilizado para designar um mandato da
Assembleia da República, e de “sessão legislativa”, correspondente ao “período
de funcionamento normal da Assembleia”, nas palavras de Jorge Miranda
[intervenção no âmbito dos trabalhos de revisão constitucional de 1982,
publicada no Diário da Assembleia da República, II Série, 3.º suplemento ao n.º
38, de 18 de Janeiro de 1982, pág. 796(87)].
Essa relativa autonomia revelava-se desde logo no n.º 1 do (então) artigo 174.º,
que dispunha que “A legislatura tem a duração de quatro anos”, e explicava o
regime definido pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito, segundo os quais, “Em caso
de dissolução, a Assembleia então eleita não iniciará nova legislatura” (n.º 2)
e “Verificando-se a eleição, por virtude de dissolução, durante o tempo da
última sessão legislativa, cabe à Assembleia eleita completar a legislatura em
curso e perfazer a seguinte” (n.º 3).
A par destes preceitos, o n.º 1 do (então) artigo 177.º estabelecia que “A
sessão legislativa tem a duração de um ano e inicia-se em 15 de Outubro”.
Resultava então deste regime que a dissolução da Assembleia da República e a
consequente eleição de uma nova Assembleia (ou a sua entrada em funcionamento)
não provocava o fim da legislatura em curso. Muito diferentemente, a regra era a
de que a nova Assembleia apenas a completava. E, em qualquer caso, ou seja,
mesmo na hipótese prevista no n.º 3 do (então) artigo 174.º, a Assembleia eleita
sempre começaria por completar uma sessão integrada na legislatura ainda não
terminada.
Verificando-se as circunstâncias descritas no n.º 3 do artigo 174.º, a
Assembleia eleita após a dissolução poderia vir a desempenhar um mandato
superior a 4 anos; as legislaturas é que em caso algum excederiam esse período
de tempo.
À luz deste regime, o n.º 3 do (então) artigo 170.º, correspondente ao actual
n.º 4 do artigo 167.º, compreendia-se sem qualquer dificuldade, já que uma “nova
eleição da Assembleia da República”, ocorrida na sequência de uma dissolução,
não implicava mudança da legislatura – nem da sessão legislativa – em curso.
Muito pelo contrário, e como se viu, cabia a essa Assembleia completar a sessão
em curso, sessão essa que continuava a integrar a anterior legislatura.
12. Pela revisão constitucional de 1982, mudou-se deliberadamente o regime
definido para as legislaturas em caso de dissolução e de eleição subsequente de
nova Assembleia.
Como se conclui da leitura dos debates parlamentares atrás referidos, relativos
a esta revisão da Constituição, pretendeu-se garantir à nova Assembleia a
possibilidade de exercer um mandato também de quatro anos, ou seja, uma
legislatura completa.
Considerou-se então unanimemente que a circunstância de ser eleita na sequência
de uma dissolução não abalava a legitimidade democrática que lhe advinha do
sufrágio popular, nenhum motivo havendo para a distinguir de uma Assembleia
eleita no termo da legislatura [Diário da Assembleia da República, II Série, n.º
106, págs. 796(84) e segs.)].
Nas palavras do deputado Vital Moreira (pág. 85), “a actual solução
constitucional, segundo a qual a Assembleia eleita em consequência de dissolução
não é eleita por 4 anos, mas sim apenas para completar a legislatura daquela que
foi dissolvida, é ilógica, em termos democráticos. Não há razão nenhuma para que
uma Assembleia eleita tenha um estatuto diverso só porque as eleições de que ela
nasceu resultaram, não do termo da legislatura anterior, mas do facto de a
anterior ter sido dissolvida antes do fim da legislatura”.
Assim, o artigo 134.º da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, veio
suprimir o n.º 3 do artigo 174.º e alterar o n.º 2, que passou a ter a seguinte
redacção:
“2. No caso de dissolução, a Assembleia então eleita inicia nova legislatura
cuja duração será inicialmente acrescida do tempo necessário para se completar o
período correspondente à sessão legislativa em curso à data da eleição”.
Por seu turno, o n.º 1 do mesmo artigo 174.º passou a determinar que “A
legislatura tem a duração de quatro sessões legislativas” (e não “de quatro
anos”), acentuando a ligação introduzida entre as sessões legislativas e as
legislaturas em que se integravam.
O n.º 3 do (então) artigo 170.º não foi, porém, alterado em consonância. Veio
apenas a ser modificado com a Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, que o
passou para n.º 4 e lhe aditou “a expressão «e de referendo» entre «propostas de
lei» e «definitivamente rejeitadas»”, em consequência da introdução do referendo
nacional na Constituição, através do aditamento do (então) artigo 118.º.
Desse artigo 118.º constava o n.º 8, correspondente ao n.º 10 do artigo 115.º
vigente, que se limitou a reproduzir a formulação então constante do artigo
170.º, para a hipótese de as propostas de referendo terem sido “recusadas pelo
Presidente da República ou objecto de resposta negativa do eleitorado”.
13. Surgiu, desta forma, uma dificuldade de interpretar conjugadamente os
diversos preceitos agora relevantes para determinar se a renovação da iniciativa
referendária ocorreu ou não na mesma sessão legislativa em que foi recusada pelo
Presidente da República a proposta de referendo aprovada pela Resolução n.º
16-A/2005, de 21 de Abril.
Na verdade, se da letra do n.º 10 do artigo 115.º ou do n.º 4 do artigo 167.º
parece decorrer que é possível continuar a mesma sessão legislativa em caso de
eleição de nova Assembleia da República, por ter sido dissolvida a anterior
antes do termo da sessão em curso – o que conduziria a uma resposta negativa à
questão colocada –, do disposto nos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 174.º parece
resultar que essa continuação não pode ocorrer, porque a eleição da nova
Assembleia implica o início de nova legislatura (e de nova sessão).
Com efeito, dos n.ºs 1 e 2 do citado artigo 171.º resulta que se não pode
integrar na legislatura em curso à data da entrada em funções da nova Assembleia
o lapso de tempo que ainda faltava para completar a sessão legislativa
interrompida, porque com a nova Assembleia inicia-se imperativamente uma
legislatura diferente.
A ser possível, então verificar-se-ia que o mesmo lapso de tempo – que acresce,
por força do n.º 2, à nova legislatura –, se integraria em duas legislaturas
diferentes.
Não se aceitando tal leitura da Constituição, duas novas soluções se poderiam
colocar: considerar esse período como integrando a primeira das quatro sessões
da nova legislatura, cuja duração seria correspondentemente acrescida, ou
entendê-lo como uma sessão autónoma, a primeira sessão de uma legislatura
composta por cinco sessões.
Destas duas alternativas, ambas contraditórias com a ideia de continuação da
última sessão da legislatura anterior e, portanto, com a apontada interpretação
do n.º 10 do artigo 115.º e do n.º 4 do artigo 167.º da Constituição, resultam
respostas diversas para a questão que importa tratar, como é manifesto.
14. Cumpre, pois, determinar o que significa para a Constituição uma “sessão
legislativa”.
A revisão constitucional de 1982, como se viu, abandonou a regra de que a nova
Assembleia completava a legislatura e a sessão legislativa interrompidas por
dissolução, por ter sido considerada antidemocrática.
Ora só se alcança o objectivo de garantir à nova Assembleia um estatuto igual ao
da anterior se virmos na alteração constitucional a consagração do princípio de
que a nova Assembleia inaugura um novo ciclo parlamentar, não podendo existir
continuidade de sessão legislativa entre duas Assembleias diferentes.
Caso contrário, a nova Assembleia não poderia deliberar em certas matérias, por
estar esgotada a sua competência por força de deliberações da Assembleia
anterior.
Com efeito, a Constituição delimita em função da “sessão legislativa” o
exercício de diversos poderes integrados no mandato parlamentar.
Assim sucede, por exemplo, com o limite fixado para requerer a constituição de
comissões parlamentares de inquérito (n.º 4 do artigo 178.º); ou com o direito
dos grupos parlamentares de “provocar, por meio de interpelação ao Governo, a
abertura de (...) debates sobre assunto de política geral ou sectorial” (alínea
d) do n.º 2 do artigo 180.º); ou, finalmente, com a impossibilidade de
apresentação de nova moção de censura, em caso de não aprovação da anterior (n.º
3 do artigo 194.º).
Verifica-se que em todos estes casos a Constituição delimitou em função das
sessões legislativas o exercício de poderes compreendidos no mandato parlamentar
e que, contrariamente ao que sucedeu no artigo 167.º, n.º 4, e no artigo 115.º,
n.º 10, não previu que, havendo “nova eleição da Assembleia da República”, cessa
a limitação.
Entender-se que estes dois últimos preceitos implicam que se considere que a
eleição de uma nova Assembleia da República, embora implique o início de uma
nova legislatura (artigo 171.º, n.º 2), não provoca o início de uma nova sessão
legislativa obrigaria o intérprete, ou a aceitar uma eventual limitação do
mandato da Assembleia eleita na sequência da dissolução, ou a acrescentar a
todos os outros preceitos uma ressalva idêntica, já que se não encontra razão
para um tratamento diferente do que existe para as iniciativas a que respeitam o
n.º 10 do artigo 115.º e o n.º 4 do artigo 167.º.
A mesma ressalva teria ainda de ser acrescentada à hipótese prevista no n.º 4 do
artigo 169.º da Constituição, já que este preceito, embora não regule o
exercício de poderes compreendidos no mandato parlamentar, também recorre ao
conceito de “sessão legislativa” para o efeito de não permitir que volte “a ser
publicado no decurso da mesma sessão legislativa” um decreto-lei cuja cessação
de vigência foi aprovada na sequência de um processo de apreciação parlamentar.
Diga-se, além do mais, que se estaria a atribuir ao n.º 4 do artigo 167.º e ao
n.º 10 do artigo 115.º uma função que lhes não cabe. Com estes preceitos, o
legislador constitucional pretendeu estabelecer um princípio, a proibição de
repetição de determinadas iniciativas numa mesma sessão legislativa, e
esclarecer que não ocorre tal proibição quando é eleita nova Assembleia.
Solução, aliás, a que sempre se chegaria considerando que, em caso de dissolução
da Assembleia da República, o início de uma nova legislatura implica o início de
uma nova sessão legislativa.
Sustentar que eles impõem um conceito de sessão legislativa que obriga a
introduzir restrições em todos os outros casos referidos, em vez de recorrer às
regras relativas à definição da legislatura e de sessão legislativa e, em geral,
ao funcionamento da Assembleia da República, para o determinar, não é
seguramente a via mais correcta.
Essas regras estão nos artigos 171.º e seguintes da Constituição, relevando
agora especialmente os artigos 171.º, 173.º e 174.º, das quais resulta que as
sessões legislativas passaram a ser uma fracção das legislaturas, como mostra a
nova redacção do n.º 1 do (então) artigo 171.º.
E resulta ainda que o conceito de “acréscimo inicial” da legislatura vale
igualmente para a primeira sessão legislativa, sob pena de o referido artigo
171.º perder coerência. O início da legislatura e da sessão legislativa são,
assim, antecipados ambos, de forma a que a legislatura comporte quatro sessões
em cada uma das quais possam ser exercidos todos os poderes referidos pela
Constituição à sessão legislativa.
É evidente que este acrescentamento pode conduzir a uma primeira sessão
anormalmente longa; ou pode ser praticamente irrelevante, dependendo da data em
que a nova Assembleia entrar em funções. A Constituição não permite, porém,
qualquer diferença de tratamento de ambas as situações.
A variabilidade do intervalo de tempo a cumprir antes da renovação duma proposta
referendária é claramente aceite pela Constituição.
Mesmo em circunstâncias normais, esse intervalo de tempo pode ir de três meses
(ou menos, quando se verificar o prolongamento da sessão legislativa para além
de 15 de Junho) até um ano. Se o intervalo se alargar em virtude do início
antecipado da legislatura, esse facto nada terá de aberrante do ponto de vista
dos critérios constitucionais.
A Constituição admite tantas renovações quantas as sessões legislativas
subsequentes à primeira proposta. Mas não manifestou qualquer preocupação em
definir intervalos regulares entre elas.
15. Poder-se-ia objectar que esta conclusão não respeita a regra que fixa em 15
de Setembro o início da sessão legislativa; e que só o entendimento de que se
continua a última sessão da legislatura anterior é compatível com o disposto no
n.º 1 do artigo 174.º da Constituição, na redacção resultante da revisão
constitucional de 1997, e no artigo 47.º do Regimento da Assembleia da República
(aprovado pela Resolução da Assembleia da República publicada no Diário da
Assembleia da República n.º 16, suplemento, de 31 de Julho de 1976, republicado
na sequência das alterações introduzidas pela Resolução da Assembleia da
República n.º 4/93, de 2 de Março, e posteriormente alterado pelas Resoluções da
Assembleia da República n.ºs 15/96, de 2 de Maio, 3/99, de 20 de Janeiro, 75/99,
de 25 de Novembro e 2/2003, de 17 de Janeiro, que determinou nova republicação).
Esta objecção, diga-se desde já, valeria igualmente para a solução de se
entender o período correspondente ao “acréscimo inicial” como sessão inicial
autónoma, suplementar e atípica, de duração variável e com início numa data
necessariamente diferente da fixada pela Constituição (15 de Setembro).
Ora o que a leitura da Constituição e a consideração da prática constitucional
reiterada revelam é que a data de 15 de Setembro não se aplica, nem pode
aplicar, à primeira sessão legislativa de cada legislatura, nem mesmo nos casos
em que a legislatura anterior completou o seu termo.
A Constituição não determina a realização de eleições no intervalo das sessões,
como seria necessário para permitir o início da nova legislatura e da sua
primeira sessão legislativa em 15 de Setembro. A lei eleitoral, como se sabe,
também não impôs tal calendário. E a prática, constante e consensual, tem sido a
de convocar as eleições legislativas para uma data situada fora do período das
férias parlamentares.
Apenas em 1987 se realizaram, a 19 de Julho, eleições legislativas no período de
férias parlamentares, tornadas necessárias por virtude de ter ocorrido
dissolução da Assembleia da República, determinada pelo Decreto do Presidente da
República n.º 12/87, de 29 de Abril, havendo que respeitar o prazo previsto no
(então) n.º 6 do artigo 116.º da Constituição. Mas a data das eleições não foi
calculada para permitir o início da legislatura em 15 de Outubro seguinte, vindo
a nova Assembleia a reunir pela primeira em 13 de Agosto, data em que se iniciou
a legislatura e a sua primeira sessão legislativa.
Nas eleições ocorridas por termo normal de legislatura, repita-se, foi sempre
respeitado o princípio de as realizar fora das férias parlamentares. A título de
exemplo, recorde-se que se realizaram eleições por termo de legislatura em 6 de
Outubro de 1991, 1 de Outubro de 1995 e 1 de Outubro de 1999. Como é evidente,
todas as Assembleias então eleitas iniciaram funções sempre depois da data
constante do n.º 1 do artigo 174.º da Constituição: 4 de Novembro de 1991,
início da VI Legislatura (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 1, de
5 de Novembro de 1991), 27 de Outubro de 1995, início da VII Legislatura (Diário
da Assembleia da República, I Série, de 28 de Outubro de 1995) e 25 de Outubro
de 1999, início da VIII (Diário da Assembleia da República, I Série, de 26 de
Outubro de 1999).
Entre as últimas sessões plenárias anteriores às férias parlamentares e estas
primeiras sessões das novas legislaturas, a Assembleia da República funcionou na
sequência da legislatura anterior, mesmo depois da data de 15 de Outubro ou de
15 de Setembro, conforme os casos, geralmente em Comissão Permanente. A 1 de
Outubro de 1999 (Diário da Assembleia da República, I Série, de e de Outubro de
1999), a Assembleia da República reuniu em plenário, mas ainda no âmbito da
quarta sessão legislativa da VII Legislatura.
O início da primeira sessão legislativa resulta pois, ou adiado (se as eleições
ocorrerem no termo normal da legislatura) ou antecipado (no caso de eleições
antecipadas), relativamente à data normal de 15 de Setembro, na medida em que
acaba sempre por coincidir com o início de funções da nova Assembleia, definido
nos termos do n.º 1 do artigo 173.º da Constituição.
Torna-se, assim, incontestável que a regra de que “A sessão legislativa tem a
duração de um ano e inicia-se a 15 de Setembro” (n.º 1 do artigo 174.º da
Constituição) não é normalmente aplicável à primeira sessão legislativa de cada
legislatura. Sê-lo-á na hipótese prevista na parte final do n.º 1 do artigo 173º
da Constituição, por força deste próprio preceito. Trata-se, porém, de uma
hipótese que, como se viu, acaba por não se verificar.
A regra que determina o início das sessões a 15 de Setembro rege o calendário
parlamentar apenas nas sessões legislativas subsequentes. A data de 15 de
Setembro não constitui, portanto, o ponto de referência constitucional decisivo
para resolver a questão sob julgamento.
E nenhum argumento em contrário se pode retirar da regra do n.º 2 do mesmo
artigo, que fixa entre 15 de Setembro e 15 de Junho do ano seguinte a duração do
“período normal de funcionamento”, período esse que é flexível, como se vê dos
n.ºs 2 e seguintes deste artigo 174.º. Querer considerar distintos e autónomos
os conceitos de “sessão legislativa” e de “período normal de funcionamento”,
para a partir daí pretender que a sessão legislativa começa necessariamente a 15
de Setembro, embora a nova Assembleia possa começar a funcionar antes ou depois
dessa data, levaria a resultados inaceitáveis. A Assembleia não pode funcionar
fora de sessão, sob pena de se tornarem inaplicáveis todas as normas
constitucionais que pressupõem a localização dos actos parlamentares numa sessão
legislativa determinada. E também não é admissível o conceito inverso, isto é, o
de que uma nova Assembleia pode estar em sessão antes, ainda, de poder
funcionar. A Constituição prevê que o período normal de funcionamento seja mais
curto do que o das sessões legislativas, mas uma Assembleia que, por hipótese,
não está em funcionamento normal, mas está em sessão, é uma Assembleia que pode
funcionar nos termos previstos no n.º 3 do artigo 174.º da Constituição.
Realizando-se as eleições por termo de legislatura em data que não permita o
início de funções a 15 de Setembro (ou, até à revisão constitucional de 1997, a
15 de Outubro), como tem sucedido reiteradamente, e iniciando a nova Assembleia
o seu mandato “no terceiro dia posterior ao apuramento dos resultados gerais das
eleições” (n.º 1 do artigo 173.º e n.º 1 do 153.º da Constituição), a tese que
afirma a rigidez da data de início das sessões legislativas levaria assim a
concluir que a 15 de Setembro se iniciaria, em ano normal de eleições, uma
sessão legislativa integrada na legislatura cessante, e que, logo depois,
começaria a 1.ª sessão da legislatura nova.
Verificar-se-ia, afinal, que uma legislatura teria, em regra, pelo menos cinco
sessões, já que sempre seria acrescida no final de um período de funcionamento
depois da data de 15 de Setembro. E poderia mesmo ter um total de seis sessões,
se o seu início tiver ocorrido fora do calendário normal em virtude de eleições
antecipadas. Seria, aliás, o que sucederia com a Assembleia que actualmente se
encontra em funções, a entender-se que se teria iniciado em 10 de Março de 2005
uma sessão autónoma. Tudo isto em violação frontal do disposto no n.º 1 do
artigo 171.º da Constituição.
A realidade é que, no sistema constitucional e eleitoral português, a transição
de legislaturas obriga a flexibilizar as datas de início e termo da primeira e
da última sessão legislativa. Não resulta daí, sublinhe-se agora, qualquer
desvirtuamento dos ritmos de actividade parlamentar. O parlamento tornou-se hoje
em dia um órgão de soberania de funcionamento permanente, ao contrário da
tradição antiga que a Constituição de 1933 ainda conservou (cfr. art. 94.º
respectivo). O intervalo normal entre sessões corresponde a um período de férias
e tende a ser encurtado. A Assembleia pode prolongar livremente o período de
funcionamento em férias e tem o direito de reunir extraordinariamente por sua
própria deliberação. Tudo isto desvaloriza a importância do intervalo entre
sessões e o significado da data de 15 de Setembro, e leva a concluir que,
afinal, o conceito de “período de funcionamento” só é distinto do de sessão
legislativa para efeitos de férias parlamentares.
O ponto de referência mais importante, na solução da questão ora em julgamento,
não é, como se demonstra, a data normal de início das sessões. O ponto de
referência que prevalece, além do mais por estar associado à definição da
duração das legislaturas e à periodicidade do sufrágio, é a norma do n.º 1 do
artigo 171.º da Constituição. Ao estabelecer que a legislatura tem a duração de
quatro sessões legislativas, a Constituição estruturou claramente o ciclo da
actividade parlamentar, definindo indirectamente o quadro de oportunidades
oferecidas aos deputados, no decurso do seu mandato, para promover as
iniciativas que se não podem repetir dentro da mesma sessão.
16. Verifica-se, assim, que para a Constituição a “sessão legislativa” não é
apenas um lapso de tempo que decorre, salvo suspensões ou prorrogações, entre 15
de Setembro e 15 de Junho do ano seguinte, e que começa e termina
independentemente das legislaturas.
Da consideração conjunta dos preceitos atrás indicados (n.º 10 do artigo 118.º,
n.º 4 do artigo 167.º, n.º 4 do artigo 169.º, n.º 4 do artigo 178º., alínea d)
do n.º 2 do artigo 180.º, n.º 3 do artigo 194º.) e da regra de que cada
legislatura tem quatro sessões, resulta que, para o efeito de determinar as
condições em que uma iniciativa referendária pode ser repetida dentro de uma
mesma legislatura, se tem de adoptar um conceito material de sessão legislativa,
definido justamente em função dos poderes que, integrados no mandato
parlamentar, têm o seu exercício delimitado em função das quatro sessões
legislativas que o compõem.
E sendo imperativa a limitação a quatro das sessões que integram uma
legislatura, é impossível entender que o período de “acréscimo inicial” previsto
no n.º 2 do artigo 171.º da Constituição corresponde a uma sessão autónoma,
esgotando a primeira sessão da legislatura que se inicia com o início de funções
da nova Assembleia.
Por um lado, a rigidez e a imperatividade com que o n.º 1 do artigo 171.º fixa,
sem admitir excepções, que a legislatura tem quatro sessões legislativas,
contrasta com a flexibilidade afinal existente para o início e o fim das sessões
legislativas.
Por outro, e como já se observou, a admissibilidade de uma quinta sessão – na
prática, de uma sexta sessão, se o início de funções ocorrer antes de 15 de
Junho – criaria uma distinção inaceitável entre a Assembleia eleita no termo da
legislatura anterior e a que resultou de dissolução ocorrida antes desse termo,
já que veria multiplicada por maior número de vezes (cinco? seis?) todas as
iniciativas constitucionalmente delimitadas por sessão, em desrespeito frontal
da razão que determinou as alterações introduzidas pela revisão constitucional
de 1982.
17. A prática seguida pela Assembleia da República desde a revisão
constitucional de 1982 até ao recomeço do funcionamento da Assembleia da
República em 15 de Setembro de 2005, não sendo conhecidas quaisquer reclamações
ou determinações em contrário da Presidência da Assembleia, corrobora esta
interpretação. E pode ser confirmada consultando o respectivo Diário, jornal
oficial da Assembleia, uma vez que, segundo o n.º 3 do artigo 123.º do
Regimento, “Cada uma das séries do Diário tem numeração própria, referida a cada
sessão legislativa”.
Desde aquela revisão constitucional até hoje, verificaram-se dissoluções da
Assembleia da República seguidas de eleições na sequência dos Decretos do
Presidente da República n.ºs 2/83, de 4 de Fevereiro, 43/85, de 12 de Julho,
12/87, de 29 de Abril, 3/2002, de 18 de Janeiro e 100-B/2004, de 22 de Dezembro.
Não houve todavia que acrescentar às legislaturas iniciadas a seguir às
dissoluções de 1985 e de 1987 nenhum período da anterior legislatura porque, em
ambos os casos, as datas das eleições que se seguiram projectaram para depois da
data normal de cessação da sessão legislativa em curso (15 de Junho) o início
das funções da nova Assembleia.
É o que se pode verificar pela consulta do Diário da Assembleia da República, I
Série, n.º 1, de 5 de Novembro de 1985, relativo à sessão plenária de 4 de
Novembro, com que começou a IV Legislatura, e n.º 1, de 14 de Agosto de 1987,
respeitante à sessão plenária de 13 de Agosto, em que se iniciou a V
Legislatura.
No que toca aos restantes casos, em que o início de funcionamento da nova
Assembleia se deu antes de 15 de Junho, sempre ocorreu que o Diário da
Assembleia da República numerou de forma seguida e com referência à primeira
sessão da nova legislatura os exemplares relativos às diversas reuniões da
Assembleia, em correspondência com a ideia de que se iniciara a primeira sessão
legislativa antes de férias e que, concluídas estas, continuou o seu curso até
às férias parlamentares seguintes.
Verifica-se igualmente que as iniciativas, nomeadamente legislativas,
apresentadas e admitidas foram numeradas sequencialmente, sempre referidas a uma
mesma primeira sessão.
É o que se comprova facilmente consultando os exemplares do Diário da Assembleia
da República correspondentes às reuniões plenárias posteriores a 15 de Outubro
de 1983 e a 15 de Setembro de 2002.
Também nunca se entendeu que tais legislaturas comportassem cinco sessões
legislativas.
Só a partir do Diário da Assembleia da República n.º 45, I Série, de 16 de
Setembro de 2005, relativo à reunião plenária de 15 de Setembro, é que, embora
seguindo a numeração iniciada com a entrada em funcionamento da Assembleia em 10
de Março de 2005 e continuando a numerar sequencialmente as iniciativas
apresentadas, o Diário passou a incluir, junto ao número do exemplar e à
indicação “1.ª Sessão Legislativa (2005-2006)”, também constante dos anteriores,
a referência ao “Artigo 174,º n.º 1 da CRP, Artigo 47.º n.º 1 do RAR e Artigo
171.º n.ºs 1 e 2 da CRP”.
Já então estava suscitada a dúvida quanto à duração da primeira sessão
legislativa, razão pela qual esta inovação tem de ser entendida como uma
expressão do entendimento da Presidência da Assembleia sobre a questão,
naturalmente não invalidando o significado da prática anterior.
18. Das considerações apresentadas resulta que as Resoluções da Assembleia da
República n.ºs 16-A/2005 e 52-A/2005 foram aprovadas na mesma sessão
legislativa, iniciada em 10 de Março de 2005 e que, em princípio, decorrerá até
14 de Setembro de 2006.
Tendo sido recusada pelo Presidente da República a proposta constante da
primeira, não podia a mesma ter sido renovada, o que veio a ocorrer através da
Resolução n.º 52-A/2005.
É certo que, no caso, a recusa se ficou a dever a razões de oportunidade, como
se verifica a partir da mensagem dirigida pelo Presidente da República para a
fundamentar. É todavia igualmente certo que a proibição de renovação, constante
do n.º 10 do artigo 115.º da Constituição, não permite dar qualquer relevo aos
motivos que conduziram à recusa.
A interpretação deste preceito tem de ser feita em abstracto e não se
descortinam razões que levem a relativizar ou excepcionar a regra nele
estabelecida em função das expectativas concretas de êxito da nova proposta,
extraídas da motivação da primeira recusa.
19. Torna-se, assim, desnecessário prosseguir na análise das restantes
exigências de constitucionalidade e de legalidade da proposta de referendo.
20. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Considerar que a proposta de referendo aprovada pela Resolução da
Assembleia da República n.º 52-A/2005, de 29 de Setembro, violou a proibição de
renovação de propostas de referendo constante do n.º 10 do artigo 115.º da
Constituição e do n.º 3 do artigo 36º da Lei Orgânica do Regime do Referendo;
b) Consequentemente, ter por não verificadas a constitucionalidade e a
legalidade do referendo proposto na mencionada Resolução n.º 52-A/2005.
Lisboa, 28 de Outubro de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Bravo Serra
Maria Helena Brito (vencida, nos termos da declaração de voto junta)
Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração de voto junta pela Senhora
Conselheira Maria Helena Brito, à qual adiro).
Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos da declaração de voto junta)
Vítor Gomes (vencido, nos termos da declaração anexa).
Gil Galvão (vencido, nos termos da declaração de voto anexa)
Artur Maurício (vencido nos termos da declaração de voto da Exmª Consª Maria
Helena Brito a que adiro integralmente)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida e pronunciei-me no sentido de que podia ser renovada a
proposta de referendo em apreciação, pelas razões que a seguir sumariamente
enuncio.
1. O n.º 10 do artigo 115º da Constituição da República Portuguesa
dispõe que “as propostas de referendo recusadas pelo Presidente da República ou
objecto de resposta negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma
sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República, ou até à
demissão do Governo”.
Estabelece-se assim, como regra, que “as propostas de referendo
recusadas pelo Presidente da República ou objecto de resposta negativa do
eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa”; ressalva-se
todavia o caso de existir “nova eleição da Assembleia da República”.
A tomada de posição quanto à questão de saber se a recusa pelo
Presidente da República de convocar o referendo proposto pela Resolução da
Assembleia da República n.º 16-A/2005, de 21 de Abril, inviabiliza a renovação
do referendo proposto pela Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005,
de 29 de Setembro, depende da análise de um conjunto de disposições
constitucionais e desde logo – mas não apenas – daquelas que se referem à
duração da sessão legislativa e à duração da legislatura.
2. O n.º 1 do artigo 174º dispõe que “a sessão legislativa tem a duração
de um ano e inicia-se a 15 de Setembro”. Pode assim falar-se em “ano
parlamentar”, que não coincide com o ano civil, uma vez que se inicia em 15 de
Setembro de cada ano.
Desta disposição resulta claramente, em minha opinião, que a sessão
legislativa – o ano parlamentar – tem sempre a duração de um ano e inicia-se
sempre a 15 de Setembro, ainda que durante ela se verifique uma mudança de
legislatura, determinada por nova eleição da Assembleia da República, na
sequência de dissolução da Assembleia da República.
Este entendimento quanto à duração da “sessão legislativa” no caso
de nova eleição da Assembleia da República é confirmado por outras normas da
Constituição, das quais decorre que a sessão legislativa pode abranger mais do
que uma legislatura:
– o n.º 10 do artigo 115º, já referido, determina que “as propostas
de referendo recusadas pelo Presidente da República ou objecto de resposta
negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa,
salvo nova eleição da Assembleia da República, ou até à demissão do Governo”;
– o n.º 4 do artigo 167º estabelece que “os projectos e as propostas
de lei e de referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados na
mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República”.
Em ambas estas disposições se admite que a sessão legislativa
prossegue ainda que durante ela ocorra nova eleição da Assembleia da República
(neste sentido se pronuncia expressamente M. Benedita M. Pires Urbano, O
referendo. Perfil histórico-evolutivo do instituto. Configuração jurídica do
referendo em Portugal, Coimbra, 1998, p. 226 ss, a propósito da discussão sobre
os limites temporais ao referendo, estabelecidos pela Constituição, na versão
resultante da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho).
Naturalmente o n.º 10 do artigo 115º da Constituição (do mesmo modo
aliás que o n.º 4 do artigo 167º) não contém uma norma definidora de “sessão
legislativa”.
Mas o regime que nessa norma se estabelece quanto à possibilidade ou
não de renovação de propostas de referendo “na mesma sessão legislativa”
pressupõe a noção de “sessão legislativa” que decorre da própria Constituição.
Ora, esse regime não pode ser ignorado na resolução da questão que nos ocupa.
3. No sentido de que a sessão legislativa prossegue ainda que durante
ela se verifique uma mudança de legislatura aponta igualmente o fundamento da
proibição de renovação no mesmo ano parlamentar de iniciativas legislativas ou
referendárias: a par de razões de economia processual e da necessidade de evitar
a chicana política, visa-se também certamente garantir uma certa razoabilidade
quanto ao regime da proibição de renovação no mesmo ano parlamentar de
iniciativas legislativas ou referendárias.
A tese que fez vencimento no acórdão não assegura a razoabilidade
desse regime, permitindo uma limitação à renovação de iniciativas que pode ir
até quase dois anos (sabe-se que não é o caso agora) e que pode restringir
injustificadamente os direitos dos partidos da oposição (obviamente, também não
é esse o caso agora).
Em suma, também considerando a razão de ser da proibição de
renovação no mesmo ano parlamentar de iniciativas legislativas ou referendárias
me parece de afastar a tese do acórdão.
4. A conclusão a que chego, de que a sessão legislativa prossegue ainda
que durante ela ocorra nova eleição da Assembleia da República, não é, a meu
ver, inviabilizada pela norma do artigo 171º da Constituição.
É certo que o artigo 171º da Constituição, que se refere à “duração
da legislatura”, determina, como regra, no seu n.º 1, que “a legislatura tem a
duração de quatro sessões legislativas”.
Todavia, estabelece o n.º 2 do artigo 171º que, no caso de
dissolução da Assembleia da República, “a Assembleia então eleita inicia nova
legislatura cuja duração será inicialmente acrescida do tempo necessário para se
completar o período correspondente à sessão legislativa em curso à data da
eleição”.
Determina-se portanto que, no caso excepcional de dissolução da
Assembleia da República, e de eleição de uma nova Assembleia, a legislatura que
então se inicia será acrescida de uma parte da sessão legislativa em curso e,
assim, que a nova legislatura integrará o tempo necessário para se completar o
período correspondente à sessão legislativa em curso à data da eleição.
Isto é, em derrogação da regra geral estabelecida no n.º 1 do artigo
171º, admite-se que a nova legislatura inclua, além das quatro sessões
legislativas, mais uma parte de uma sessão legislativa, que é a continuação da
sessão legislativa que se encontrava em curso antes da dissolução da Assembleia
da República, e que por isso a nova legislatura integre o tempo necessário para
se completar o período correspondente à sessão legislativa em curso à data da
eleição.
Do artigo 171º, globalmente considerado, resulta que a legislatura
abrange, em princípio, quatro sessões legislativas completas; no caso de
dissolução da Assembleia, e de eleições antecipadas, a essas quatro sessões
legislativas pode acrescer – e no caso em apreciação acresce – o período de
tempo necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa
em curso à data da eleição, sem que tal signifique que esse período de tempo se
integra em duas legislaturas diferentes, como sustenta o acórdão.
O n.º 2 do artigo 171º vem dar resposta ao problema de saber qual a
duração da legislatura em caso de dissolução da Assembleia da República e de
realização de eleições antecipadas que ocorram num momento não coincidente com o
termo de uma sessão legislativa. A questão tratada neste n.º 2 do artigo 171º
tem relevância para efeitos de saber em que momento termina a legislatura da
Assembleia da República eleita através de eleições antecipadas e,
consequentemente, em que momento devem realizar-se as novas eleições
legislativas: no termo do período de quatro anos da legislatura que foi
interrompida com a dissolução ? no termo do período de quatro anos após a
entrada em funções da Assembleia da República eleita através de eleições
antecipadas ? ou, diferentemente, no termo de quatro sessões legislativas
completas após a eleição ? A solução adoptada n.º 2 do artigo 171º assenta na
resposta afirmativa a esta última alternativa.
Isto mesmo resulta da história do preceito, invocada no acórdão.
Em minha opinião, não é indiferente para a interpretação destas
disposições constitucionais a inserção sistemática da norma que se refere ao
problema suscitado, quanto à duração da legislatura, pela dissolução da
Assembleia da República e pela realização de eleições antecipadas num momento
que não coincida com o termo da sessão legislativa. Note-se que essa norma se
insere na disposição constitucional que trata da “legislatura” e não na que
disciplina a “sessão legislativa”.
5. Face à letra inequívoca do n.º 10 do artigo 115º da Constituição (e
do n.º 4 do artigo 167º), que só se compreende no pressuposto de que a eleição
de uma nova Assembleia da República não afecta a continuidade da sessão
legislativa em curso, a tese que fez vencimento inutiliza por completo a
ressalva feita naquele preceito constitucional. Na verdade, uma vez que – como
se afirma no acórdão – a eleição de uma nova Assembleia da República determina
sempre o início de uma nova sessão legislativa, fica sem qualquer sentido a
referência a essa eleição como ressalva à proibição de renovação de proposta de
referendo “na mesma sessão legislativa”.
E, por outro lado, assente que a revisão constitucional de 1982
visou conferir à Assembleia da República resultante de eleições antecipadas um
estatuto igual ao de uma Assembleia eleita em período “normal” (no termo da
legislatura) – como decorre do ponto 14. do acórdão –, a tese que fez vencimento
acaba por, contraditoriamente, restringir em termos inaceitáveis o poder de
iniciativa da nova Assembleia quanto à apresentação de propostas de referendo:
se não tivesse ocorrido dissolução, a Assembleia da República poderia apresentar
nova proposta de referendo a partir de 15 de Setembro de 2005, enquanto a nova
Assembleia da República só o poderá fazer a partir de 15 de Setembro de 2006 !
6. Tendo em conta o exposto, concluo que pode ser renovada em 29 de
Setembro de 2005 a proposta de referendo recusada pelo Presidente da República
em Maio de 2005.
Maria Helena de Brito
Declaração de voto
Votei vencida a decisão constante do presente acórdão, pela qual o Tribunal
Constitucional se pronunciou no sentido de a Resolução da Assembleia da
República nº 52-A/2005, de 29 de Setembro, violar a proibição de iniciativas
referendárias constante do nº 10 do artigo 115º da Constituição. Em meu
entender, o Tribunal deveria ter por verificadas a constitucionalidade e a
legalidade do referendo e a sua decisão em sentido contrário fundamentou-se numa
interpretação contra legem das normas constitucionais aplicáveis e na
desconsideração dos elementos histórico, sistemático e teleológico da
interpretação. As razões da minha discordância são, de modo sucinto, as
seguintes:
1ª Os artigos 115º, nº 10, 167º, nº 4, da Constituição determinam que os
projectos e as propostas de referendo definitivamente rejeitados não podem ser
renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da
República. Esta ressalva torna inteiramente claro que uma nova eleição da
Assembleia da República não faz cessar a sessão legislativa em que ocorre, dando
início a outra. Uma tal “interpretação” é contra legem, não possuindo um mínimo
de correspondência na letra da lei e presumindo que o legislador constitucional
não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, nºs 2 e 3,
do Código Civil).
A razão de ser deste regime compreende-se facilmente. O legislador
constitucional, para evitar a repetição inútil de uma proposta de referendo
rejeitada num passado recente, num quadro em que se afigura inevitável nova
rejeição dada a previsível persistência das razões da primitiva rejeição (cf.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
3ª ed., rev., p. 689), estabelece um período temporal mínimo, de cerca de um ano
(entre 15 de Setembro e 15 de Junho), para a repetição da proposta. Porém é
admitida a repetição na hipótese de alteração do quadro político, introduzida
por uma eleição da Assembleia da República, precisamente porque essa eleição
torna imprevisível o desfecho.
De todo o modo, a redacção da norma, que configura como excepção à regra de que
só pode haver uma proposta rejeitada por sessão legislativa a apresentação de
nova proposta após a eleição da Assembleia da República, só é compatível com a
conclusão de que a sessão legislativa se prolonga no início da nova legislatura
e com nenhuma outra.
2ª Mesmo no caso de dissolução, a Assembleia da República inicia uma nova
legislatura completa (artigo 171º, nº 2), que terá até uma duração superior a
quatro anos, podendo atingir quase os cinco, visto que será acrescida do tempo
necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa em
curso à data da eleição. A Constituição prossegue um desígnio de estabilidade,
evitando a proliferação de legislaturas incompletas, que era admitida, na
hipótese de sucessivas dissoluções, pela versão originária da Constituição de
1976. Na verdade, o nº 2 do artigo 174º prescrevia então que “no caso de
dissolução, a Assembleia então eleita não iniciará uma nova legislatura”,
limitando-se por conseguinte a completar a sessão legislativa interrompida..
O nº 1 do artigo 171º determina que a legislatura tem a duração de quatro
sessões legislativas. Ora, podendo a legislatura iniciar-se em qualquer altura,
após uma eleição, aquilo que é problemático é conciliar esta norma com o nº 1 do
artigo 174º, que estipula que a sessão legislativa tem a duração de um ano e se
inicia a 15 de Setembro. Aparentemente, se uma legislatura não se iniciar a 15
de Setembro, o que só sucederá por mera coincidência, as alternativas parecem
ser essa legislatura comportar mais do que quatro sessões legislativas ou
incluir uma sessão legislativa que não se inicie a 15 de Setembro, mas antes de
tal data.
3ª Na realidade, é o nº 2 do artigo 171º que dá resposta a este problema. No
caso de dissolução a Assembleia então eleita inicia nova legislatura cuja
duração será inicialmente acrescida do tempo necessário para se completar o
período correspondente à sessão legislativa em curso à data da eleição. Assim,
embora já no decurso de uma nova legislatura, o período inicial que se estende
até 15 de Junho (termo da sessão legislativa) será imputado à sessão legislativa
inacabada, iniciando-se uma nova sessão legislativa, nos termos normais, em 15
de Setembro, para dar cumprimento aos nºs 1 e 2 do artigo 174º.
Isto vale para o início e para o fim da legislatura ou, dito de outra forma,
para o início de duas legislaturas consecutivas. Deste modo, se a legislatura
terminar antes de 15 de Junho, a sessão legislativa só será concluída na
legislatura subsequente, de novo por força do nº 2 do artigo 171º. O que resulta
de tudo isto é que cada legislatura comporta quatro sessões legislativas mas há
um prolongamento da última sessão legislativa para a legislatura seguinte, por
expressa e iniludível determinação constitucional.
4ª É também esta interpretação que permite respeitar a letra dos artigos 115º,
nº 10, e 167º, nº 4. Com efeito, se uma eleição ocorrer entre 15 de Setembro e
15 de Junho, interrompendo uma sessão legislativa, o legislador constitucional
pretende assegurar que durante essa sessão legislativa pode haver duas propostas
de referendo (uma antes e outra depois da eleição).
A partir do termo dessa sessão legislativa e do início de uma nova sessão
legislativa, sempre em 15 de Setembro de cada ano, por força do nº 1 do artigo
174º que não prevê quaisquer excepções, já poderá ser apresentada, nos termos
normais, uma nova proposta de referendo. Deste modo, a rejeição de uma proposta
de referendo apresentada antes de 15 de Junho, na sequência de uma dissolução da
Assembleia da República e do consequente início de nova legislatura, nunca pode
impedir a apresentação de uma nova proposta a partir de 15 de Setembro, uma vez
que nessa data sempre se inicia uma nova sessão legislativa, por força do nº 1
do artigo 174º da Constituição.
Maria Fernanda Palma
Declaração de voto
Entendo que a iniciativa referendária em causa não viola, em razão
do tempo, a proibição constante do n.º 10 do artigo 115.º da Constituição e n.º
3 do artigo 36.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril. Não porque considere que o
período que acresce à nova legislatura nos termos do n.º 2 do artigo 171.º se
integre na última sessão legislativa da legislatura extinta, parecendo-me
convincentes as razões pelas quais o acórdão afasta este entendimento. Mas
porque interpreto a 2ª parte do n.º 2 do artigo 171.º como tendo natureza de
excepção à regra do n.º 1 e, consequentemente, concluo que o período sobrante da
sessão legislativa em curso à data da eleição é, para os diversos fins
constitucionais em que isso releva, uma sessão legislativa autónoma.
Entendimento que, de modo tópico, justifico da forma seguinte:
- Depois de enunciar a regra de que a legislatura tem a duração de
quatro sessões legislativas, o que por referência ao n.º 1 do artigo 174.º
significa que tem a duração de 4 anos e se inicia a 15 de Setembro (n.º 1 do
artigo 171.º), e de estendê-la à Assembleia resultante de eleição após
dissolução (1ª parte do n.º 2 do artigo 171.º), o legislador constituinte
enfrentou o problema de o ciclo assim estabelecido deixar um período sobrante.
Resolveu-o fazendo acrescer esse período à nova legislatura, mas sem qualquer
referência à sessão legislativa, como seria razoável, face à assim gerada
desarmonia com o n.º 1 do (actual) artigo 174.º, se a intenção fosse integrar
esse período na 1ª sessão legislativa da nova legislatura.
- O n.º 1 do artigo 174.º define a duração normal das legislaturas e a
periodicidade do sufrágio, não sendo forçoso que isso equivalha a definir a
composição da legislatura em quatro, e só quatro, sessões legislativas. Apesar
de o legislador constituinte ter sido confrontado com a diferença de sentido que
pode extrair-se de se dizer que “a legislatura tem a duração de 4 sessões
legislativas” e de se dizer que “a legislatura comporta 4 sessões legislativas”
[cf. intervenção da deputada Margarida Salema durante a discussão das propostas
de alteração a este preceito, na Comissão Eventual para a Revisão
Constitucional, DAR – II Série, 3º suplemento ao número 38, p. 796- (87)], a
redacção que veio a prevalecer foi a que privilegia o elemento temporal e não o
de estruturação, o que indicia que não se quis resolver aí este problema.
- A interpretação que prevaleceu, ampliando o conceito de sessão
legislativa, conduz a uma limitação dos poderes de iniciativa parlamentar (lato
sensu), nos casos em que o exercício desses poderes é limitado em função dele e
que o acórdão enumera, que – embora tal não suceda no caso presente –, na
generalidade das hipóteses vai comprimir, sobretudo, a intervenção política das
minorias.
- Essa limitação não é exigida pelas razões que estiveram na base da
mudança da duração das legislaturas em caso de dissolução, pela revisão
constitucional de 1982, em particular, com a igual legitimidade democrática dos
mandatos saídos de eleição decorrente do ciclo político normal e de eleição
decorrente de dissolução. Efectivamente, o mandato dos deputados eleitos em caso
de dissolução, quando a legislatura seja acrescentada nos termos da 2ª parte do
n.º 2 do artigo 171.º vai ter um acréscimo de duração que, no limite – que
concedo de verificação pouco provável – pode aproximar-se do correspondente ao
tempo de uma sessão legislativa. A tese que fez vencimento implica uma
“rarefacção” de poderes de iniciativa, mediante a sua distribuição ao longo
dessa mais extensa sessão legislativa para que não vejo justificação. É igual a
legitimidade democrática, mas é mais extenso o período em que os deputados são
chamados a exercê-la.
- Por último, mas não menos importante, a consideração de que essa é uma
sessão autónoma e que em 15 de Setembro se inicia uma outra sessão legislativa
não colide com os fins que ditaram a delimitação do exercício de poderes
compreendidos no mandato parlamentar em função das sessões legislativas.
Bastando-se a Constituição com balizar esse exercício em função do “ano
parlamentar” e não por interposição de um prazo mínimo, a renovação da
iniciativa em circunstâncias como a presente é substancialmente idêntica à que
ocorreria se a iniciativa anterior tivesse ocorrido noutro ciclo da vida
parlamentar que não no “tempo correspondente para completar a sessão legislativa
em curso à data da eleição”.
Tendo ficado prejudicada a apreciação pelo Tribunal das demais
questões relativas à constitucionalidade e legalidade do referendo proposto,
também sobre elas não vejo que deva pronunciar-me.
Vítor Gomes
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto à decisão, no essencial, pelas razões que, sumariamente,
passo a enunciar:
1. A decisão que fez vencimento assenta, a meu ver, num pressuposto
injustificado: o de que, na Constituição da República Portuguesa, de todas as
normas relevantes para a decisão da questão aqui colocada, uma deve prevalecer
sobre todas as outras, por ser, porventura, mais imperativa do que as demais – a
norma constante do n.º 1 do artigo 171º. Além disso, a fundamentação do acórdão
tem subjacente uma confusão entre sessão legislativa e período de funcionamento
da Assembleia da República, admitindo, por isso, que aquela tenha intervalos,
suspensões ou prorrogações e, consequentemente, duração variável.
2. Ao escolher dar prevalência ao disposto no n.º 1 do artigo 171º da
Constituição, o acórdão é, todavia, forçado a violar frontalmente, para utilizar
a sua própria linguagem, desde logo, o disposto no n.º 10 do artigo 115º e no
n.º4 do artigo 167º da Constituição. Mas é ainda forçado a, contrariamente ao
que faz em relação ao citado n.º 1 do artigo 171º, “flexibilizar as datas de
início e termo da primeira e da última sessão legislativa”, com completo
menosprezo pela “imperatividade” do estatuído no n.º 1 do artigo 174º da
Constituição. Ou seja, por um lado, remete para um qualquer “depósito” da
revisão constitucional de 1982 duas normas da Constituição que estão em vigor –
os citados n.º 10 do artigo 115º e n.º4 do artigo 167º, quando, expressamente,
se referem à mesma sessão legislativa, em caso de nova eleição da Assembleia;
por outro, é obrigado a concluir que um ano – a duração da sessão legislativa de
acordo com o imperativamente disposto no n.º 1 do artigo 174º da Constituição -
não tem 366 ou 365 dias, consoante seja ou não bissexto, mas sim algo entre 365
e mais de 700 dias, consoante a data em que, porventura, ocorra uma dissolução
da Assembleia da República.
3. Ora, em meu entender, bastaria dar a relevância devida a todos os preceitos
constitucionais pertinentes para se concluir, necessariamente, de forma diversa
da posição que fez vencimento. Na verdade, o que o n.º 1 do artigo 171º da
Constituição estatui é que uma legislatura tem quatro sessões legislativas
inteiras, de um ano cada, iniciando-se, cada uma delas, a 15 de Setembro; não
estatui que uma legislatura, nomeadamente a resultante de eleições provocadas
por uma dissolução da Assembleia, tem - e tem de ter apenas - quatro sessões
legislativas, de dimensão variável, como o acórdão defende. E tanto assim é que,
logo no número 2 do mesmo artigo, se explicita que, “no caso de dissolução, a
Assembleia inicia nova legislatura cuja duração será inicialmente acrescida do
tempo necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa
em curso à data da eleição” (itálico aditado). Sem que daí se possa concluir, ao
contrário do que se afirma no acórdão, que “o mesmo lapso de tempo – que acresce
por força do n.º 2 à nova legislatura -, se integra[] em duas legislaturas
diferentes”, pois é manifesto que, até por definição, o que acresce só se pode
integrar naquilo a que acresce, isto é na legislatura “acrescida”.
4. Assim sendo, como se me afigura que é, a conjugação do disposto nos referidos
n.º 10 do artigo 115º e n.º4 do artigo 167º, com o estatuído nos n.º s 1 e 2 do
artigo 171º e no n.º 1 do artigo 174º, todos da Constituição, sempre implicaria,
sem qualquer contradição, a conclusão de que se iniciou em 15 de Setembro de
2005 uma nova sessão legislativa, não tendo, por isso, a proposta de referendo
aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005, de 29 de
Setembro, violado qualquer proibição de renovação de propostas.
Gil Galvão