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Processo n.º 277/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que
é recorrente A. e recorrida B., foi interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão daquele Tribunal, de 11 de Novembro de 2004.
Proferida decisão sumária (artigo 78º-A, nº 1, da LTC), vem agora o recorrente
reclamar para a conferência (artigo 78º-A, nº 3, da LTC).
2. Em 24 de Maio de 2005, foi proferida decisão sumária no sentido de que não
podia conhecer-se do objecto do recurso em causa, com os seguintes fundamentos:
«No caso em apreço, atendendo ao sentido que o Tribunal Constitucional tem vindo
dar à locução 'durante o processo', é de concluir que não se verifica este
requisito do recurso que o recorrente pretendeu interpor.
No Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/92 (Diário da República, II Série,
de 18 de Agosto de 1992) pode ler-se que 'vem este Tribunal entendendo, em
jurisprudência uniforme e reiterada, que o pressuposto de admissibilidade
daquele tipo de recurso (...) no atinente ao exacto significado da locução
'durante o processo' utilizado em ambos os normativos [artigos 280º, nº 1,
alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da LTC], deve ser tomado não
num sentido puramente formal (tal que a insconstitucionalidade pudesse ser
suscitada até à extinção da instância), mas num sentido funcional, tal que essa
invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda
pudesse conhecer da questão. Ou seja: a inconstitucionalidade haverá de
suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a
que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento
decorre do facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal
Constitucional, o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a
quo sobre a questão (de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso.
Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação
da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional 'não
constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna
esta obscura ou ambígua', há-de ainda entender-se que o pedido de aclaração de
uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio,
meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade (cfr.
sobre este tema, por todos, os Acórdãos nºs 62/85 e 94/88, Diário da República,
II série, respectivamente, de 31 de Maio de 1985 e de 22 de Agosto de 1988)'.
Como o próprio recorrente afirma, foi só quando reclamou, arguindo a nulidade do
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Novembro de 2004, que suscitou
as questões de inconstitucionalidade constantes do requerimento de interposição
de recurso e da resposta ao convite que lhe foi dirigido para o aperfeiçoar. Por
conseguinte, há que concluir, seguindo jurisprudência reiterada e uniforme do
Tribunal Constitucional, que o recorrente não suscitou qualquer questão de
constitucionalidade durante o processo, uma vez que a reclamação da nulidade
daquele acórdão não é meio idóneo e atempado para o fazer».
3. O recorrente vem agora reclamar desta decisão, nos termos e com os
fundamentos seguintes:
“1. A douta decisão sob reclamação fundamenta-se em jurisprudência do Tribunal
Constitucional que interpreta a locução “durante o processo” como devendo ser
tomada não num sentido puramente formal mas num sentido funcional, tal que essa
invocação (da inconstitucionalidade) haverá de ter sido feita em momento em que
o Tribunal “a quo” ainda pudesse conhecer da questão.
2. Isto é, entende a decisão sob reclamação, que é antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz, sobre a matéria que deve colocar-se a questão da
inconstitucionalidade.
3. E como se entende, por outro lado, que o poder jurisdicional se esgota, em
princípio, com a prolação da sentença e porque a eventual aplicação de norma
inconstitucional “não constitui erro material, não é causa de nulidade de
decisão judicial, nem toma esta ambígua” há que entender que o pedido de
aclaração ou a reclamação da sua nulidade não são meio idóneos e atempados para
suscitar a questão da inconstitucionalidade.
4. Ora salvo o devido respeito tudo isto era correcto no âmbito da aplicação do
Código de Processo Civil, na formulação anterior à introduzida em 1995, pelo DL
328-A/1995 e do aperfeiçoamento introduzido pelo DL 180/96.
5. A procura da Justiça material (ou para usar as palavras do Legislador no
Preâmbulo do DL n° 329-/95, de 12 de Dezembro. “... (a garantia) da prevalência
do fundo sobre a forma” determinou profundas alterações a que a jurisprudência
vem resistindo obstinadamente, como é o exemplo da jurisprudência que é
dominante no sentido de entender que o objecto da aclaração é tão só a parte
decisória.
6. Na verdade, e contra fundamentadamente pode ler-se no Código de Processo
Civil Anotado pelo PROF LEBRE DE FREITAS, que essa interpretação restritiva
briga com a redacção literal do preceito e com a exigência legal de
fundamentação.
7. E com razão face ao disposto no artigo 20 n° 4 da Constituição que impõe que
a fundamentação deve ser correcta sob pena de violar o direito da parte a um
processo equitativo.
8. Ireneu Cabral Barreto, na Convenção dos Direitos do Homem, Anotada, 2ª
Edição, Coimbra Editora, página 134, sublinha que os princípios do contraditório
e da igualdade são elementos incindíveis de um processo equitativo.
9. E mais adiante, como logo se vê, não deixa de relacionar isso da igualdade e
do contraditório com a motivação das decisões: “um processo equitativo - diz ele
a página 137 - pressupõe a motivação das decisões: a enunciação dos pontos de
facto e de direito sobre os quais se funda a decisão deve permitir às partes
avaliar a possibilidade de sucesso nos recursos.
10. Portanto um pedido de aclaração suscitado de forma a colocar a questão
equitativa como fundamento para uma tomada de posição de parte, nomeadamente a
pedir a reforma da decisão, é possível nos termos do artigo 670 nº2 do C.P.C.
não por erro material mas por erro de julgamento.
11. E o pedido de reforma, como o pedido de nulidade com fundamento em oposição
entre os fundamentos e a decisão, entendida nos termos do artigo 20 n° 4 da
Constituição, e portanto de acordo com uma interpretação conforme com a
constituição, permitem a alteração da decisão.
12. O erro de julgamento passou ao contrário do que sucedia antes da reforma do
Código de Processo Civil introduzida em 1995 a poder ser emendado nos termos do
artigo 669 n° 2 do C.P.C. que na sua alínea a) o admite expressamente.
13. Sob o n° 5 a pagina 673 da obra e autor citado em anotação ao Código
expende-se que tal é possível quer respeite aos factos da causa, quer respeite à
aplicação do direito aos factos apurados, fazendo-se valer normalmente em
recurso para um tribunal superior, salvo quando a decisão não é recorrível caso
em que compete ao próprio tribunal que a proferiu reformá-la ou rectificá-la.
14. E a expressão “lapso manifesto” não tem aqui no artigo 670 n° 2 do C.P.C. o
mesmo alcance que no artigo 667, diz-se ainda sob o n° 5, na obra citada, mas de
erro revelado por recurso a elementos que são exteriores ao contexto da decisão.
15. Tudo em consonância com a prevalência dada à ‘ratio legis’ das alterações
introduzidas pelo DL 329-A/95 da prevalência da Justiça material.
16. Por isso, salvo o devido respeito e melhor opinião, nada disto foi tido em
conta na decisão sob reclamação, como se vê pela jurisprudência citada que é
anterior às alterações legislativas introduzi das ao artigo 670 do C.P.C.,
quando não seja de aplicar o artigo 668 do mesmo Código, sendo certo que o
julgador na aplicação do direito não está sujeito às alegações da parte, nos
termos do artigo 664 do C. P. C.
17. E é por isso que o reclamante entende que deveria ser admitido o recurso”.
4. Notificada a recorrida, não apresentou qualquer resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Do teor da presente reclamação nada resulta que possa contrariar a decisão
reclamada, quando conclui que o recorrente não suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade durante o processo, uma vez que a reclamação da nulidade
do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Novembro de 2004, não é meio
idóneo e atempado para o fazer.
Apesar das normas do Código de Processo Civil serem subsidiariamente aplicáveis
à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional (artigo 69º da LTC), a
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional dispõe,
expressamente, tendo em vista as especificidades da justiça constitucional
portuguesa, que cabe recurso para este Tribunal das decisões dos tribunais que
apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada, durante o
processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigos
70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2).
Bem se compreende que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada
antes de estar esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que tal
questão respeita, pois só deste modo se cumpre a exigência, consagrada no artigo
280º, nº 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, no sentido de o
Tribunal Constitucional dever reapreciar uma questão já julgada pelo tribunal
recorrido e, consequentemente, não dever conhecer dela ex novo.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Lisboa, 6 de Julho de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício