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Processo n.º 653/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que
é recorrente A. e em que são recorridos o Ministério Público e B. e outros, foi
interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no
artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (LTC).
2. Em 17 de Agosto de 2005, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do previsto
no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, pela qual se entendeu que a questão a decidir era
simples, por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior deste Tribunal.
É a seguinte a fundamentação constante de tal decisão sumária:
«A questão de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada foi já
objecto de decisões anteriores do Tribunal Constitucional, nas quais se decidiu
pela não inconstitucionalidade de um regime de recursos, em processo penal, que
permita, num único grau, o reexame da matéria de direito, sem prejuízo de o
recurso poder ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da
decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a
insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição
insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou erro notório
na apreciação da prova.
Por um lado, foi objecto de decisões que versavam sobre o regime dos recursos
interpostos de acórdãos proferidos pelo tribunal colectivo, à luz das
disposições legais anteriores à Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, podendo
destacar-se, entre outros, o Acórdão nº 573/98, tirado pelo plenário deste
Tribunal (Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 41º, p. 133):
“4.1. São incontáveis as vezes que este Tribunal teve que apreciar a
constitucionalidade das normas dos artigos 410º, n.º 2, e 433º do Código de
Processo Penal, e sempre ele concluiu, embora com vozes discordantes, pela sua
compatibilidade com a Lei Fundamental. Fê-lo, primeiro, no acórdão n.º 322/93
(publicado no Diário da República, II série, de 29 de Outubro de 1993), e,
depois, em muitos outros que seguiram na sua esteira, designadamente nos
acórdãos nºs 356/93, 443/93, 141/94, 170/94, 171/94, 172/94, 399/94, 504/94,
635/94, 55/95 e 177/96. E, mais recentemente, o Tribunal reafirmou esta sua
jurisprudência, no acórdão n.º 533/98, por publicar.
Apenas, pois, no acórdão n.º 486/98, aqui recorrido, o Tribunal concluiu pela
inconstitucionalidade das normas sub iudicio, entendendo que elas, na medida
apontada (ou seja: ‘na medida em que limitam os fundamentos do recurso a que o
vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras
da experiência comum’), violam o direito ao recurso, que se inclui no princípio
das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição.
4.2. O julgamento de inconstitucionalidade das normas sub iudicio, feito no
acórdão recorrido (o acórdão n.º 486/98), não é, porém, de manter. Ele deve ser
revogado, reafirmando-se a compatibilidade de tais normas com a Constituição. E
isso, justamente pelos fundamentos dos arestos em que se firmou tal
jurisprudência, em especial dos do acórdão n.º 322/93, para os quais se remete.
Da fundamentação do citado acórdão n.º 322/93, recordam-se aqui apenas algumas
notas. Assim, como aí se mostrou, o tribunal colectivo (de cujas decisões se
recorre para o Supremo Tribunal de Justiça), tendo em conta as regras do seu
próprio modo de funcionamento e as que comandam a audiência de discussão e
julgamento, constitui, ele próprio, uma primeira garantia de acerto no
julgamento da matéria de facto. Depois, no recurso de revista alargada, há
também lugar a uma audiência de julgamento, sujeita às regras respectivas, nela
podendo haver alegações orais. E, embora esse recurso de revista alargada vise,
em regra, tão-só o reexame da matéria de direito, o Supremo Tribunal de Justiça
pode, não apenas anular a decisão recorrida, como decretar o reenvio do processo
para novo julgamento. Questão (para este último efeito) é que detecte erros
grosseiros no julgamento do facto (a saber: insuficiência da matéria de facto,
contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova) e
que o vício detectado resulte do ‘texto da decisão recorrida, por si só ou
conjugada com as regras da experiência comum’ (…).
Sublinha-se, por último, que, não tendo o direito ao recurso sobre a matéria de
facto – como este Tribunal decidiu no acórdão n.º 401/91 (publicado no Diário da
República, I série-A, de 8 de Janeiro de 1992) – que implicar renovação de prova
perante o tribunal ad quem, nem tão-pouco que conduzir à reapreciação de provas
gravadas ou registadas – como este Tribunal também decidiu no acórdão n.º 253/92
(publicado do Diário da República, II série, de 27 de Outubro de 1992) –, a
garantia do duplo grau de jurisdição sobre o facto tem fatalmente – como faz
notar o Ministério Público – que circunscrever-se ‘a uma verificação pelo
tribunal de recurso da coerência interna e da concludência de tal decisão; e
sendo certo que a efectividade de tal reapreciação do acerto da decisão sobre a
matéria de facto pelo tribunal ad quem depende, de forma decisiva, da
circunstância de ela estar substancialmente fundamentada ou motivada – não
através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma
verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar
cada facto relevante como provado ou não provado’.
Recordam-se e sublinham-se estes pontos para concluir, uma vez mais, que o
sistema da revista alargada, plasmado, designadamente, nas normas legais
citadas, preserva o núcleo essencial do direito ao recurso, em matéria de facto,
contra sentenças penais condenatórias – direito que, recorda-se, está
compreendido no princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, n.º
1, da Constituição da República Portuguesa. Ou seja: a revista alargada, tal
como o nosso ordenamento jurídico a modela, ainda é remédio jurídico ou válvula
de segurança suficiente contra erros grosseiros de julgamento. Por ela, o
processo penal, ao mesmo tempo que assegura ao Estado ‘a possibilidade de
realizar o seu ius puniendi’, oferece aos cidadãos ‘as garantias necessárias
para os proteger contra abusos que possam cometer-se no exercício desse poder
punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta’ (cf. o
acórdão n.º 434/87, publicado no Diário da República, II série, de 23 de Janeiro
de 1988). Ou seja: a revista alargada cumpre as exigências feitas, nesse
domínio, pelo princípio do Estado de Direito”.
Por outro lado, a questão de constitucionalidade suscitada no requerimento de
interposição de recurso para este Tribunal foi objecto do Acórdão nº 175/04 (não
publicado), através do qual foi indeferida reclamação de decisão sumária, que
versou, especificamente, sobre o regime dos recursos interpostos de acórdãos
proferidos pelo tribunal do júri. Esta decisão foi proferida nos termos do nº 1
do artigo 78º-A da LTC,
“(…) atenta a jurisprudência seguida pelo Tribunal Constitucional no sentido de
não considerar como conflituante com a lei Fundamental os normativos processuais
penais de onde se extrai que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição
do tribunal de recurso a matéria de direito, são admitidos como fundamentos da
impugnação, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só
ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão
da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a
fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova.
Na verdade, resulta da alínea c) do artº 432º do Código de Processo Penal que se
recorre directamente para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos finais
proferidos pelo tribunal do júri (redacção posterior à vigência da Lei nº 59/98,
de 25 de Agosto).
De outro lado, comanda o artº 434º do mesmo compêndio normativo que o recurso
interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de
matéria de direito. Simplesmente, segundo o mesmo preceito, a regra acima
indicada é observada sem prejuízo do disposto nos números 2 e 3 do artº 400º do
dito Código.
Se é verdade que a alínea c) do artº 432º é, verdadeiramente, uma norma de
competência, da qual não resultará, por si só, o estabelecimento do âmbito da
determinação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. a este
propósito, o Acórdão deste Tribunal nº 34/92, publicado na II Série do Diário da
República de 16 de Março de 1993), também é certo que da sua concatenação com o
artº 434º resulta inquestionavelmente, no domínio daquela determinação de
poderes, que, quando está em causa um recurso interposto dos acórdãos finais
proferidos pelo tribunal do júri, é ainda possível a respectiva impugnação em
termos de se não postar tão somente em causa o reexame da matéria de direito. E
isso, justamente, porque a regra do exclusivo reexame da matéria de direito é
excepcionada pela possibilidade de reexame da matéria de facto nos limites
consentidos pelos números 2 e 3 do citado artº 410º.
Sendo isto assim, a questão que se põe é a de saber se este último reexame, nos
termos do respectivo consentimento legal ditado pela lei ordinária, se poderá
considerar como algo que conflitua com o Diploma Básico.
Ora, sobre esta questão [que se colocava já, anteriormente à vigência da Lei nº
59/98, relativamente aos recursos dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal
colectivo - cfr. anterior alínea c) do artº 432º], já teve este Tribunal ocasião
de, por variadíssimas vezes, se pronunciar”.
E concluiu tal decisão que a corte de razões constantes daquele acórdão do
Tribunal Constitucional nº 573/98
“(…) é, como é bom de ver, inteiramente aplicável, quer estejam em causa
acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri, quer estejam em causa acórdãos
finais proferidos pelo tribunal colectivo e, por isso, in casu, para a mesma se
remete”.
A questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos é, pois, simples,
face à definição oferecida pelo artigo 78º-A, nº 1, da LTC, pois que se não
vislumbram razões para afastar a mencionada jurisprudência, justificando-se, por
conseguinte, a presente decisão sumária».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos
do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, invocando, para o efeito, o seguinte:
“Não obstante o respeito que é efectivamente nutrido pela tese de que a decisão
agora em reclamação faz veemente – e estribada – apologia o reclamante não pode
deixar de calar a argumentação que, subsequentemente, vai desenvolver.
Na verdade, a decisão que se tenta pôr em crise enfatiza – univocamente – a
ausência de consagração na Lei Fundamental de “um duplo grau de jurisdição em
matéria de facto”. Ora, que é esse o entendimento sufragado numa miríade de
arestos do Constitucional tirados nas plúrimas vezes que a problemática tem sido
suscitada, é um dado perfeitamente pacifico que emerge amplamente corroborado
quanto mais não fosse pela plêiade de exemplos convocados pela Ex.ma Relatora(1)
[Muito embora, por exemplo na doutrina, tenha uma visão menos rígida que aquela
jurisprudencialmente sustentada. Paradigmaticamente JORGE MIRANDA, CRP Anotada,
Tomo I, Coimbra Editora, 2005, págs. 354 e 355, a propósito do artigo 32°, 1, da
Lei Fundamental. De facto, depois de anotar a alteração introduzida na Revisão
de 1997- a expressão «incluindo o recurso», escreve 'face ao texto vigente, o
direito a um grau de recurso, em termos amplos, abrangendo questões de facto e
de direito, é agora constitucionalmente garantido. Isto implica que o processo
deve ser estruturado para tornar efectivo o recurso à matéria de facto e de
direito (...)']. Contudo, sempre salvaguardando o respeito devido pela opinião
manifestada a questão que ressuma do presente recurso é toda outra.
Na verdade, hoje em dia é identicamente consensual que a Lei 59/98, de 25 de
Agosto, veio, de facto, criar o sobredito – e pelos vistos sem unanimidade na
visão da existência da respectiva refracção constitucional, directa ou reflexa –
duplo grau de jurisdição em matéria de facto no processo penal, mesmo quando a
audiência de discussão e julgamento decorra perante um Tribunal Colectivo.
Com efeito – independentemente da forma como os Tribunais da Relação se incumbem
da tarefa, legalmente enomendada, de reexaminar as assunções factuais levadas a
cabo pela primeira instância – é indubitável que os sujeitos processuais com
legitimidade para a interposição de recurso, passaram a gozar da possibilidade
de darem nota do dissenso também no que tange à matéria de facto. Ou seja, o
regime já existente no CPP88 para as audiências de discussão e julgamento
perante o tribunal singular conheceu uma louvável e constitucionalmente imposta
– diz o reclamante, pelo menos na boa companhia do Autor citado em nota 1 –
extensão para as audiências processadas perante o Tribunal Colectivo.
No entanto, o mesmo já não ocorre quando o processo – reunidos os pressupostos
elencados no artigo 13° do CPP e cumpridos os prazos aí estipulados – conhecer a
intervenção do Tribunal de Júri.
Na perspectiva do recorrente a questão nem seria dramática se o Tribunal de Júri
tivesse o seu espaço de intervenção delimitado taxativamente numa qualquer norma
processua1 (à imagem, do que ocorre no que tange ao Tribunal colectivo – vide
art. 14º do CPP). Na verdade, na ocorrência do aludido – hipotético –
circunstancialismo, tal corresponderia a uma opção prévia do legislador –
correcta ou incorrecta, é algo que para o que agora interessa não constitui alvo
de reflexão – com que todos os cidadãos, colocados nessa putativa situação,
teriam legitimamente de contar. Contudo, face ao desenho legal das
possibilidades de intervenção do Tribunal de Júri, tal qual a lei as recorta, a
questão emerge incontornável.
Com efeito, a faculdade dada ao MP – como de resto ao assistente e ao próprio
arguido – de unilateralmente requererem a intervenção do tribunal de júri e
assim imolar o direito ao recurso em matéria de facto dos outros sujeitos
processuais, nomeada e especificamente do arguido, é verdadeiramente lesiva de
direitos deste.
Com efeito, este sobredito mecanismo do Tribunal de Júri esvazia,
inapelavelmente, o direito ao recurso do arguido, única e simplesmente por força
de uma opção – que tão pouco carece de qualquer justificação – de outros
sujeitos processuais. De resto, nada impede que a opção pela intervenção deste
peculiar tribunal num determinado processo seja feita exactamente visando essa
deletéria teleologia de diminuir as garantias de defesa do arguido!
Ora, só essa eventualidade – o recurso a um tacticismo para limitar os direitos
de defesa de um cidadão – colide inexoravelmente com a ideia de Estado de
Direito Democrático recolhida na epígrafe do artigo 2° da CRP e que o mesmo
inciso assevera que a República Portuguesa é...
De facto, a única forma de compatibilizar o regime do tribunal de júri com a Lei
Fundamental será a de procurar obter a concordância, ou, pelo menos a não
oposição do arguido a tal tipologia de requerimento.(Cfr., no sentido do texto,
DAMIÃO DA CUNHA, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano VIII, fascículo
2°, pág. 256 “A estrutura dos recursos na proposta de revisão do CPP – Algumas
considerações” que aponta, até, para a supressão do aludido tribunal). De resto,
num lugar relativamente paralelo da muito menos, candente legislação processual
civil a solução encontrada é, stupetes gentes, muito mais cuidadosa!
Efectivamente, a intervenção do tribunal colectivo nas acções ordinárias –
equivalente à renúncia ao recurso em matéria de facto – só é possível, nos
termos plasmados no n.º 1 do art. 646º do CP Civil, desde que ambas as partes o
tenham requerido.
Ou seja, tratando-se da fazenda a lei precaveu-se não permitindo que um sujeito
processual imponha a outro a renúncia ao recurso em matéria de facto; todavia,
estando em causa valores, apesar de tudo, mais ingentes do que o património, já
se afigura suportável o sacrifício do designado direito ao recurso incidente
sobre a factualidade – que, além do mais, pode ocorrer tão só às mãos da parte
assistente, já que para legitimar a drástica limitação nem sequer se exige a
intervenção do Ministério Público e a unção de imparcialidade e objectividade
que a lei lhe assaca!
Ou seja, a solução legal tida em mira não pode deixar de ser encarada como, no
mínimo, fautor inexorável de perplexidades.
Por outro lado, ao que crê o reclamante, a argumentação passível de ser
expendida em abono da tese por si sustentada ainda acabou por conhecer um aliado
involuntário na improvável figura do Acórdão – indubitavelmente douto – exarado
pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Na verdade, o predito Alto e venerando tribunal acabou por optar por uma
interpretação absolutamente restrita daquilo que é o instituto da revista
alargada. Com efeito, não obstante o esforço de fundamentação efectuado pelo
Acórdão proferido pelo Tribunal de Júri e o modesto esforço de levantamento das
aporias que o inçam levado a cabo pelo recorrente tudo ficou sem resposta,
engolido na voragem do rigoroso entendimento dos poderes de cognição do STJ.
Ou seja, a verdade inexoravelmente dura é só uma:
- o agora reclamante ficou sem um efectivo direito ao recurso. Se era
esse o objectivo almejado por quem, quiçá receoso das fragilidades evidentes do
material probatório em causa, requereu a intervenção desta espécie de Tribunal
ganhou.
A vontade do reclamante é dizer a palavra de ordem de uma conhecida – e abortada
– revolução sul-americana, como num lúcido artigo a propósito de tentações
securitárias escreveu o Ilustre Magistrado Mouraz Lopes: No pasarán!
Mas até ao momento passaram ...”.
4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público junto deste Tribunal
respondeu-lhe nos termos seguintes:
“1°
A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente, não abalando as razões –
assentes em corrente jurisprudencial bem sedimentada – invocadas na decisão
reclamada.
2°
Efectivamente, o direito ao recurso do arguido, envolvendo a reapreciação da
matéria do facto, não implica uma necessária e imperativa reapreciação global
das provas produzidas perante Tribunal colegial, podendo circunscrever-se à
detecção e suprimento de erros de julgamento patentes ou manifestos.
3°
E acrescendo naturalmente que a intervenção na valoração das provas de tribunal
de estrutura colegial e composição alargada – como é do júri – representa
garantia acrescida de ponderação da decisão tomada.
Termos em que sempre seria de julgar improcedente a presente reclamação”.
5. Notificados os outros recorridos da presente reclamação, C. expôs o seguinte:
“O recorrido nada mais pode acrescentar à fundamentação da decisão sumária,
elaborada nos termos do n° 1 do artigo 78-A da Lei do Tribunal Constitucional,
pela qual foi negado provimento ao presente recurso.
Efectivamente, o volume de jurisprudência aí citado é tão amplo que seria
estulto procurar indicar outros acórdãos, o que, aliás, seria problemático, dado
que na citada decisão sumária proferida se cita um acórdão não publicado, ao
qual os recorridos, por isso, nem sequer teriam acesso.
Pelo exposto, os recorridos limitam-se a secundarem a posição expressa na
decisão sumária alvo de reclamação para a conferência”.
Cumpre apreciar e decidir
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão sumária por se ter qualificado a
questão a resolver como simples, à luz do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da
LTC: “Se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso ou que a
questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de
decisão anterior do Tribunal, ou por ser manifestamente infundada, o relator
profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior
jurisprudência do Tribunal” (itálico aditado).
A qualificação da questão a decidir como simples depende, pois – entre outros
casos, como demonstra a utilização do advérbio designadamente –, da existência
de decisão anterior do Tribunal Constitucional, que se considere, na nova
decisão, ser de acompanhar. Escreveu-se no Acórdão deste Tribunal nº 288/01 (não
publicado), que apreciou reclamação para a conferência de decisão sumária que
considerou ser simples a questão, remetendo para anterior decisão, o seguinte:
“(...) a questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso já
tinha sido decidida no citado acórdão nº(...). O facto de ela ser ‘susceptível
de discussão ou controvérsia no plano jurídico-constitucional’ não lhe retirou a
natureza de questão simples. Até porque todas as questões
jurídico-constitucionais são sempre susceptíveis de discussão ou controvérsia.
Só deixaria de ser uma questão simples, se ao Tribunal tivessem sido suscitadas
dúvidas sobre o bem fundado da solução dada pelo citado acórdão (...) à referida
questão de constitucionalidade”.
Assim, por um lado, a mera existência de decisão anterior não determina a adesão
à mesma, cabendo ao relator avaliar se há razões para dissentir do anterior
juízo; por outro, não ficam os recorrentes impedidos de questionar a
simplicidade da questão. Sucede, porém, que o recorrente não alinha quaisquer
razões que impliquem dissidência da jurisprudência invocada quanto à questão em
causa (inconstitucionalidade do artigo 432º, alínea c), do Código de Processo
Penal), nem tão-pouco questiona a simplicidade da questão.
Não contendo a reclamação quaisquer argumentos que permitam afastar a solução
alcançada em sede de decisão sumária, importa concluir pela respectiva
confirmação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 21 de Setembro de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício