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Processo n.º 496/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães,
em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1,
alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC).
2. Em 15 de Setembro de 2005, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do
previsto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, pela qual se entendeu não conhecer do
objecto do recurso.
É a seguinte a fundamentação constante desta decisão:
«Conforme jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional,
'constituem requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b)
do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional: a aplicação pelo
tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é
questionada pela recorrente; a suscitação da inconstitucionalidade normativa
durante o processo; e o esgotamento de todos os recursos ordinários que no caso
cabiam' (cf. Acórdão nº 497/99, não publicado). Requisitos que são objecto do
exame preliminar previsto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, que tem precisamente
como finalidade indagar se pode ou não conhecer-se do objecto do recurso.
No caso em apreço, o tribunal recorrido não aplicou, como ratio decidendi, a
norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente, pelo que não se
verifica um dos requisitos do recurso de constitucionalidade que o recorrente
pretendeu interpor.
Com efeito, o Tribunal da Relação de Guimarães não aplicou a norma contida no nº
3 do artigo 335º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a
declaração de contumácia impede a decisão e apreciação sobre a prescrição do
procedimento criminal, segundo a formulação do requerimento de interposição do
recurso para o Tribunal Constitucional. Este Tribunal aplicou a norma contida no
nº 3 do artigo 335º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual
a declaração de contumácia obsta à admissão de recurso de despacho que decide
não apreciar a prescrição do procedimento criminal relativamente a arguido
declarado contumaz.
Por outras palavras, o tribunal recorrido decidiu que a consequência da
suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do
arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320º,
prevista no nº 3 do artigo 335º do Código de Processo Penal, impedia a admissão
do recurso interposto do despacho que decidira não apreciar a prescrição do
procedimento criminal. “Neste enquadramento legal [suspensão dos termos
ulteriores do processo] também não é admissível recurso do despacho que impugna
a decisão que desatendeu a pretensão do arguido” (itálico aditado).
De resto, não poderia sequer ser decidido, em sede de reclamação contra despacho
que não admitiu recurso (artigo 405º do Código de Processo Penal), se a
declaração de contumácia impede ou não a decisão e apreciação sobre a prescrição
do procedimento criminal».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo
do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, alegando que:
«Na verdade, o Ex.mo Sr Presidente da Relação de Guimarães proferiu a decisão de
considerar legal o despacho reclamado, ou seja, decidiu que o recurso interposto
pelo Reclamante para o Tribunal da Relação de Guimarães não fosse apreciado,
uma vez que (ou apenas porque), interpretou a norma contida no n° 3, do artº
335° CPP no sentido de que a contumácia, porque é causa de suspensão dos
ulteriores termos do processo, impede a decisão e a apreciação sobre a
prescrição do procedimento criminal.
Ou seja, a interpretação que está na base da decisão é apenas uma: a contumácia
suspende os ulteriores termos do processo mesmo para efeitos da prescrição.
Ora, é esta interpretação que se pretende ver fiscalizada por este Tribunal
Constitucional e não qualquer outra.
O facto de o Presidente da Relação ter decidido no sentido de que não fosse
apreciado o recurso em causa, é um mero efeito ou consequência da interpretação
que fez da norma contida no artº 335, n° 3 do CPP, que, repete-se, é aquela que
se pretende ver fiscalizada por este Tribunal:
a contumácia, porque é causa de suspensão dos ulteriores termos do processo,
impede a decisão e apreciação sobre a prescrição do procedimento criminal.
Aliás, esta mesma interpretação foi já efectuada pelo Tribunal de 1ª Instância,
que dela extraiu os efeitos conhecidos:
- a decisão de não analisar o requerimento em que se pugnava pela declaração de
extinção do procedimento criminal pelo decurso do prazo prescricional; e
- a decisão de não admitir o recurso interposto deste despacho».
4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público junto deste Tribunal
respondeu-lhe nos termos seguintes:
«1 – A reclamação deduzida é claramente improcedente.
2 – Na verdade, sendo a decisão recorrida a proferida, em processo de
reclamação, pelo Presidente da Relação, é manifesto que as únicas normas que tal
decisão pode efectivamente ter aplicado são as respeitantes à admissibilidade do
recurso, não admitido em 1ª instância – e não quaisquer outras, embora com elas,
porventura, conexionadas numa perspectiva lógico-jurídica».
II. Fundamentação
Numa situação em tudo idêntica à dos presentes autos, o Tribunal Constitucional
(Acórdão nº 477/05, não publicado) decidiu no sentido do indeferimento da
reclamação, pelas razões expostas de seguida:
«Começa por recordar-se que, como constitui jurisprudência constante do
Tribunal, só cabe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de norma que tenha sido aplicada pelo tribunal a
quo como ratio decidendi da decisão recorrida e que incumbe ao recorrente o ónus
de identificar a norma ou o preciso sentido normativo cuja conformidade com a
Constituição pretende ver apreciada [cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e n.º
1 do artigo 75.º-A da LTC].
A recorrente insiste em que o sentido da norma contida no n.º 3 do artigo 335.º
do Código de Processo Penal que quer ver fiscalizado pelo Tribunal é o de que “a
contumácia, porque é causa de suspensão dos ulteriores termos do processo,
impede igualmente a decisão e apreciação sobre a prescrição do procedimento
criminal.” Foi, efectivamente, esse o pressuposto de que partiu a decisão
sumária.
Ora, embora seja certo que o despacho do Presidente da Relação de Guimarães
discorre sobre se a apreciação da prescrição é um dos actos que deva ou não ter
lugar, face ao n.º 3 do artigo 335.º CPP, enquanto perdure a situação de
contumácia, fá-lo, como na decisão sumária se refere, para transpor as mesmas
razões para a retenção do recurso, ou melhor, para a decisão sobre a
admissibilidade do recurso da decisão que recaiu sobre aquela primeira questão.
Dito de outro modo, o sentido normativo da expressão “a declaração de contumácia
implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou
detenção do arguido” operante na decisão recorrida foi o de que nesses “termos
ulteriores” se compreendia o despacho de admissão de recurso da recusa de
apreciar a ocorrência da prescrição. Que assim é torna-se evidente se atentarmos
em que de outro modo o que o Presidente da Relação estaria a decidir seria o
mérito do recurso (: deve ou não apreciar-se imediatamente a prescrição quando
requerida, independentemente da apresentação ou detenção do contumaz) e não o da
reclamação (: deve ou não proferir-se imediatamente despacho a admitir o recurso
da decisão que considerou que a apreciação da prescrição só teria lugar quando
cessasse a contumácia). O decidido quanto a esta questão não é mero efeito ou
consequência jurídica da interpretação que se faz do n.º 3 do artigo 335.º do
Código de Processo Penal quanto à oportunidade de apreciação da prescrição.
Existe no despacho recorrido sustentação do entendimento que a recorrente
refere, mas apenas para daí extrair argumento de identidade de razão
(Independentemente do acerto desse raciocínio, seja na sua base de argumentação,
seja na sua transposição para a questão decidenda, que aqui não cumpre
apreciar). Porém, o decidido é fruto de um sentido normativo autónomo que,
servindo-nos dos termos da reclamante, poderia enunciar-se deste modo: “a
suspensão dos ulteriores termos do processo por virtude da contumácia impede a
apreciação do requerimento de interposição do recurso da decisão de recusa de
apreciar a prescrição do procedimento criminal”.
Como não é este o sentido normativo que a recorrente pretende submeter a
apreciação do Tribunal Constitucional, o presente recurso não pode prosseguir».
É esta jurisprudência que agora se reitera, confirmando-se, consequentemente, a
decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão sumária proferida.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 2 de Novembro de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício