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Processo n.º 632/03
2ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por acórdão datado de 18 de Junho de 2003, o Supremo Tribunal Administrativo
decidiu negar provimento ao recurso interposto por A. nos autos de oposição à
execução fiscal movida pela Fazenda Pública, e nessa medida, manter a decisão
recorrida do Tribunal Central Administrativo, a qual não conheceu do objecto do
recurso, nos termos do artigo 690.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, da
decisão do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, que, por sua vez,
julgara improcedente a mencionada oposição.
Na respectiva fundamentação, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que:
«O tribunal ora recorrido deu por assente, fixando, a seguinte matéria de facto:
a) Pelo M. Juiz do 4.º Juízo, 2.ª Secção, do Tribunal Tributário de Lisboa foi
proferida a sentença constante de fls. 279 a 287 dos autos, julgando
improcedente a oposição à execução fiscal deduzida pela ora recorrente;
b) De tal sentença foi interposto o recurso cujas alegações constam minutadas de
fls. 293 e segs. e conclusões de fls. 317 a 341 dos autos, correspondendo estas
a 117 alíneas, duas delas com várias sub-alíneas;
c) Pelo nosso despacho de fls. 400 verso, foi a recorrente notificada para
apresentar as suas conclusões de uma forma clara e sintetizada, onde dessa forma
resumida expressasse as razões da sua discordância com a sentença recorrida, a
promoção do Ex.m.º R.M.P., junto deste Tribunal;
d) Veio então a recorrente juntar as conclusões das suas alegações de fls. 402 a
426 dos autos, delas constando 125 alíneas de conclusões.
E, com base nela, houve por bem julgar procedente a questão prévia antes
suscitada pelo Ex.m.º Magistrado do Ministério Público - cfr. parecer de fls.
428 -, e, em consequência, não tomar conhecimento do objecto do respectivo
recurso jurisdicional.
É contra o assim decidido que se insurge agora a Recorrente, nos termos das
transcritas conclusões do presente recurso jurisdicional, perseguindo antes
julgado que determine a revogação do decretado não conhecimento do objecto do
recurso e imponha antes ao tribunal ad quem o perseguido conhecimento de mérito.
Não lhe assiste qualquer razão e o impugnado julgado impõe-se antes pela bondade
e irrepreensibilidade jurídicas que o caracterizam, quer olhando-o à luz da bem
criteriosa apreciação da conduta processual da Recorrente, quer vendo-o já em
função da interpretação e aplicação do direito e da consagração da
jurisprudência.
Convidada a sintetizar os 117 artigos de conclusões que formulara nas alegações
apresentadas em sede de recurso jurisdicional que, do T.T. de 1.ª Instância,
levava ao Tribunal Central Administrativo, questionando a bondade de sentença
que lhe julgara improcedente a oposição à execução fiscal n.º 95/102330.6, da
Repartição de Finanças do Cacém, execução que contra si revertera, enquanto
responsável subsidiária pela dívida fiscal de B., no valor de 25.665.622$00,
referente a IVA dos períodos de 1 a 31 de Dezembro de 1994,
Convidada, dizíamos, a sintetizar os 117 artigos de conclusões que formulara,
nos termos, para os efeitos e com a cominação legal, que o então invocado art.
690.º, n.º 4, do CPC expressamente estabelecia e ainda estabelece - cfr.
promoção de fls. 400, notificação de fls. 401 -, a Recorrente fê-lo nos
apontados termos - cfr. requerimento de fls. 402 - apresentando agora 125
artigos de conclusões!!!
Por isso e como vem de relatar-se, já de harmonia com o invocado art.º 690.º,
n.º 4, do CPC, considerou-se que a recorrente não cumprira o anterior despacho
e, em consequência, já perante a cominação legal estabelecida pelo referido
preceito legal, cominação que, com a notificação/transmissão daquele convite,
lhe fora também anunciada, e mais se considerando que não era caso de voltar a
notificar a recorrente, decidiu-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Decisão que agora, em sede de recurso jurisdicional e pelas apontadas razões,
importa integralmente confirmar.
Tanto mais que, tal como bem proficientemente evidencia o Ilustre Procurador
Geral junto deste Supremo Tribunal e ao contrário do perseguido e sustentado
pela Recorrente, aqui, no caso sub judicibus, não cabe o julgado de
inconstitucionalidade emitido pelo Tribunal Constitucional no invocado acórdão
de 05.05.1999, n.º 275/99, relativamente ao controvertido preceito (art.º 690º,
n.º 4, do CPC) do direito adjectivo comum.
No nosso caso e independentemente do número das conclusões formuladas,
valorizou-se e atendeu-se, para decidir como se decidiu, à apontada
circunstância de a Recorrente não ter satisfeito ou respeitado o convite que lhe
fora transmitido com a anunciada cominação legal (sintetizar as formuladas 117
conclusões das suas alegações de recurso jurisdicional).
E assim porque, sem invocar qualquer razão ou circunstância que porventura tal
justificasse, procurando ainda assim justificar o injustificável, no suposto
cumprimento e satisfação daquele convite a que não pode ser naturalmente
estranho o dever de cooperação que, como princípio angular e exponencial do
processo civil, destinado, além do mais, a propiciar se alcance, de uma feição
expedita e eficaz, a justiça do caso concreto, como se acentua no preâmbulo do
DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e depois se manteve no DL n.º 180/96, de 25
de Setembro, diplomas que operaram a mais profunda e recente alteração do nosso
direito adjectivo comum,
A Recorrente apresentou em juízo o documento de fls. 402 e seguintes nele tendo
formulado agora 125 conclusões!!!, não sem que antes, no intróito do respectivo
requerimento, expressamente afirme assim procurar “...ir ao encontro da douta
promoção do Ex.m.º Senhor Procurador, sem, naturalmente, desvirtuar ou retirar
sentido às referidas conclusões”.
O impugnado julgado se de alguma censura é susceptível ela é antes a da não
ponderação e eventual aplicação das regras de responsabilidade processual das
partes, tal como a definem agora as alíneas c) e d) do n.º 2 do art.º 456.º do
CPC, mediante prévia averiguação e fixação dos necessários factos materiais que
a apontada conduta processual da Recorrente parece susceptível de evidenciar.»
2.Inconformada com esta decisão, a recorrente interpôs o presente recurso de
constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional, pretendendo, com isso, “ver apreciada a
inconstitucionalidade da norma constante dos n.ºs 1 e 4 do artigo 690.º do Cód.
de Processo Civil com a interpretação com que foi aplicada na decisão
recorrida”, por considerar que a interpretação dada nessa decisão fora
“violadora dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, e 20.º da Constituição da República”.
Nas alegações que apresentou perante este Tribunal, a recorrente concluiu nos
seguintes termos:
«1.ª A decisão de não conhecer do objecto do recurso por alegado incumprimento
do disposto no artigo 690.º, n.ºs 1 e 4, do Cód. Proc. Civil funda-se,
exclusivamente, na extensão das conclusões, na perspectiva do número de páginas
e de artigos que as mesmas contêm.
2.ª A lei adjectiva não fixa em lado algum um limite numérico, máximo ou mínimo,
para as conclusões que integrem as alegações de recurso, tudo dependendo da
complexidade das mesmas.
3.ª Sintetizar, no contexto da própria lei, pode não querer significar reduzir o
número de artigos mas, sim, apresentar proposições mais curtas.
4.ª A Constituição da República não consente a existência de normas processuais
- ou de interpretações normativas - que se traduzam numa limitação inadmissível
ou injustificada dos direitos de defesa dos cidadãos.
5.ª As conclusões apresentadas, para além de indicarem as normas jurídicas
violadas, foram alinhadas pelos vários vícios que inquinam a decisão recorrida e
de forma sintetizada, sendo muito claras quanto ao sentido em que aquelas normas
deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
6.ª O Tribunal, podendo, embora, se o entendesse, deixar de conhecer do objecto
do recurso em parte, eventualmente, afectada, como previsto no artigo 690.º, n.º
4, do Cód. Proc. Civil, não conheceu do mesmo na sua totalidade.
7.ª A decisão proferida de não conhecer do objecto do recurso, pelas razões
invocadas, viola frontalmente princípios que devem ser seguidos em matéria de
recursos, nomeadamente, o ‘princípio amplianda et non restringenda’ e a
filosofia subjacente a vários Acórdãos do Tribunal Constitucional e do Supremo
Tribunal de Justiça que decidem em sentido oposto relativamente à questão que
determinou o não conhecimento do recurso, a saber:
- Ac. n.º 275/99, de 5.5.1999, do Trib. Constitucional: BMJ, 487º-61
- Ac. STJ, de 26.3.1985: BMJ, 345º-362
- Ac. STJ, de 6.1.1988: BMJ, 373°-538
- Ac. STJ, de 12.12.1990: BMJ, 402º-514
- Ac. STJ, de 21.3.1991: AJ, 17°-14
- Ac. STJ, de 2.2.1991: AJ, 17º-14
- Ac. STJ, de 10.7.1996: BMJ, 459º-462
8.ª Por imperativos constitucionais (artigos 18.º e 20.º da Constituição) os
tribunais estão limitados na escolha dos critérios que hão-de presidir à sua
decisão ou nas interpretações normativas, à salvaguarda dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidadãos que a eles recorrem.
9ª As normas do artigo 690.º, n.ºs 1 e 4, do Cód. Proc. Civil que levaram ao não
conhecimento do objecto do recurso, por alegado incumprimento por parte da
Recorrente, são inconstitucionais, por violadoras do artigo 20.º da Constituição
da República, quando interpretadas no sentido de considerar relevante - para
efeitos de decidir se um determinado conteúdo integrante de uma alegação de
recurso tem ou não a natureza de ‘conclusões’ - qualquer outro critério
normativo de decisão - designadamente um critério puramente formal traduzido no
número de artigos ou de páginas utilizadas pela recorrente - que não seja um
critério funcional.
10.ª O que importa é que o conteúdo da peça processual apresentada permita
realizar as funções que legitimam a exigência de conclusões, sob a cominação de
não se conhecer do objecto do recurso, e que são as de determinar claramente as
questões em que o recorrente discorda e os fundamentos porque discorda da
decisão recorrida, bem como a solução que sustenta e os fundamentos da mesma.
11.ª Também as normas do artigo 690.º, n.ºs 1 e 4, do Cód. Proc. Civil deverão
considerar-se inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade,
consagrado nos n.ºs 2 e 3 do art.º 18.º, com referência ao direito de acesso à
justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, quando
interpretadas no sentido de que não incorporam, ao nível da consequência
processual prevista - o não conhecimento do recurso - uma regra de redução desse
efeito processual à parte das conclusões que se mostre efectivamente afectada.
11.ª [12.ª] Tendo as normas do artigo 690.º, n.ºs 1 e 4, do Cód. Proc. Civil
sido interpretadas e aplicadas com o condicionalismo e alcance referidos nos
artigos anteriores, mostram-se as mesmas afectadas de inconstitucionalidade
material.
12.ª [13.ª] Normas jurídicas violadas: Foram violados, entre outros:
- O artigo 690.º, n.ºs 1 e 4, do Cód. Proc. Civil;
- Os artigos 18.º e 20.º da Constituição da República;
O douto Acórdão decidiu em sentido oposto à jurisprudência fixada pelos doutos
Acórdãos seguintes:
- Ac. n.º 275/99, de 5.5.1999, do Trib. Constitucional: BMJ, 487°-61
- Ac. STJ, de 26.3.1985: BMJ, 345º-362
- Ac. STJ, de 6.1.1988: BMJ, 373º-538
- Ac. STJ, de 12.12.1990: BMJ, 402º-514
- Ac. STJ, de 21.3.1991:AJ, 17º-14
- Ac. STJ, de 2.2.1991: AJ, 17º-14
- Ac. STJ, de 10.7.1996: BMJ, 459º-462
Sentido de interpretação e aplicação do artigo 690.º, n.ºs 1 e 4, do Cód. Proc.
Civil:
As normas constantes do artigo 690.º, n.ºs 1 e 4, do Cód. Proc. Civil deveriam
ter sido interpretadas e aplicadas no sentido apontado pela jurisprudência
citada, tendo em conta o ‘princípio amplianda e non restringenda’ aplicável ‘in
casu’ e em matéria de recursos e em obediência aos princípios constitucionais
constantes dos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República.»
Notificada para alegar, a recorrida não se pronunciou.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Está em causa no presente recurso uma dimensão normativa atinente à
consequência de rejeição liminar do recurso para o não cumprimento do convite
para apresentação de conclusões das alegações que, de forma clara e sintética,
exprimam e resumam as razões da sua discordância com a sentença recorrida. No
acórdão n.º 259/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 53.º
vol., págs. 415‑441), procedeu-se ao seguinte relato da “jurisprudência do
Tribunal Constitucional relativa aos ónus das partes nos recursos de natureza
não penal (ou contra-ordenacional)”:
«11.1. No acórdão n.º 715/96, de 22 de Maio (publicado no Diário da República,
II Série, n.º 65, de 18 de Março de 1997, p. 3271), o Tribunal Constitucional
decidiu não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 690.º, n.ºs
1 e 3, do Código de Processo Civil, que exigem que as alegações terminem pela
formulação de conclusões em que se indiquem os fundamentos por que se pede a
alteração ou anulação da decisão (n.º 1 do artigo 690.º do Código de Processo
Civil) e que permitem que, caso as conclusões faltem, sejam deficientes ou
obscuras, ou nelas se não especifique a norma jurídica violada, o juiz ou
relator convide “o recorrente a apresentá‑las, completá-las ou esclarecê-las,
sob pena de não se conhecer do recurso” (n.º 3 do artigo 690.º do Código de
Processo Civil), por entender que elas não afectam substancialmente a defesa
contra actos jurisdicionais, apenas impondo uma colaboração do recorrente na
melhor formulação do problema jurídico, assegurando, em última instância, a
defesa de direitos e a objectividade da sua realização.
11.2. No acórdão n.º 40/2000, de 26 de Janeiro (publicado no Diário da
República, II Série, n.º 243, de 20 de Outubro de 2000, p. 16995), em que estava
em causa um recurso interposto em processo administrativo, o Tribunal
Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 690.º, n.º 3, do
Código de Processo Civil (na redacção anterior à que lhe foi conferida pelo
Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), “quando interpretada no sentido de
que a falta de concisão das conclusões poderá levar à rejeição do recurso, sem
que exista um novo convite ao recorrente para o seu aperfeiçoamento”. Nesse
aresto, disse o Tribunal Constitucional, nomeadamente, que “não existe
seguramente em nenhum caso tal direito constitucionalmente garantido a um
segundo convite. E isto é tanto mais assim, fora do processo penal e
contra-ordenacional, quando não há sequer um direito constitucionalmente
garantido ao recurso de decisão jurisdicional”.
11.3. No acórdão n.º 374/2000, de 13 de Julho (publicado no Diário da República,
II Série, n.º 285, de 12 de Dezembro de 2000, p. 19897), proferido num processo
de natureza administrativa, considerou o Tribunal Constitucional não ser
inconstitucional a norma do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de
Processo Civil, com referência ao n.º 4 do artigo 690.º do mesmo Código, tendo
dito nomeadamente o seguinte:
“[...] no caso em apreço - o que está em causa é o conteúdo mesmo das conclusões
da alegação, ou seja, o facto de elas visarem, não a sentença recorrida, mas o
acto administrativo inicialmente impugnado por via contenciosa, facto de onde o
STA extraiu a conclusão de que o recurso não tinha por referência aquele que, no
entender desse Tribunal, seria o objecto admissível de um recurso jurisdicional
- já que são as conclusões finais que delimitam o objecto do recurso.
Ora, pretende o recorrente, em todo o caso, e no fundo, que uma interpretação do
artigo 690.º, n.º 4, do CPC, que não abranja, na obrigação de convite aí
referida, esta situação, é inconstitucional, pelo que da omissão desse convite
resulta a violação de um dever do tribunal, implicando a ocorrência da nulidade
processual prevista e sancionada pela alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do
Código de Processo Civil. Esta a questão de constitucionalidade agora em apreço.
No entanto, a verdade é que há todo o lugar para distinguir entre os dois tipos
de situações, postos em evidência, a saber: um, em que (para além de se tratar
de processo punitivo) se está perante deficiências relativas apenas à
‘formulação’ das conclusões; e o outro, em que as ‘deficiências’ são imputadas
ao próprio conteúdo daquelas, resultando naturalmente de considerações que lhes
são logicamente anteriores e são relativas à definição do objecto do recurso.
Ora, nesta segunda situação (que é a do caso presente) tendo ela a ver com a
identificação da questão posta ao tribunal - identificação essa que se não
afigura deficiente, ambígua, obscura, complexa ou contraditória, e, a esse
nível, não põe ao mesmo tribunal qualquer dificuldade de entendimento - não se
vê que a Constituição possa impor àquele qualquer dever de convidar o
interessado a corrigir ou completar a peça processual em causa (ou as suas
conclusões). O tribunal há-de, naturalmente, poder extrair dessa peça as ilações
que, em seu critério, ela impõe: isto é, há-de logo poder, a partir dela, emitir
o seu julgamento. E se o tribunal conclui, porventura, em termos ou num sentido
que o interessado julga juridicamente incorrecto, o que então ocorrerá (do ponto
de vista deste último) é um ‘erro de julgamento’: do facto, porém, de este haver
eventualmente decorrido do modo como o mesmo interessado enunciou ou pôs certa
questão numa peça processual, não pode ele (o interessado) pretender que, antes
da decisão, haveria de ter sido convidado a corrigir tal peça.
Assim, em qualquer caso, e por último, não colhe a arguição de
inconstitucionalidade das normas do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), com
referência ao artigo 690.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, no entendimento
que lhe foi dado no caso, pelo acórdão do STA de 6 de Março de 1998, sub
judicio. Na verdade, não se vê como tais normas, nesse entendimento, violem,
seja o artigo 20.º (direito de acesso aos tribunais), seja, muito menos, o
artigo 205.º, n.º 1 (fundamentação das decisões judiciais), da Constituição.
[...].”
11.4. No acórdão n.º 403/2000, de 27 de Setembro (publicado no Diário da
República, II Série, n.º 286, de 13 de Dezembro de 2000, p. 19953), em que se
apreciou a conformidade constitucional da exigência, constante do artigo 72.º,
n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, de arguição de nulidades da
sentença no próprio requerimento de interposição do recurso, sob pena de
extemporaneidade, disse o Tribunal Constitucional o seguinte:
“[...]
Sem prejuízo de, nas suas alegações, invocar tais nulidades como fundamentos do
recurso, a exigência dessa invocação no próprio requerimento possibilita ao
tribunal recorrido a sua mais rápida e clara detecção e consequente suprimento.
Trata-se de formalidade que, sobretudo quando o requerimento de interposição do
recurso e as alegações constam da mesma peça processual, pode parecer excessiva
e inútil, mas que ainda se justifica por razões de celeridade e economia
processual.
Em terceiro lugar, refira-se que, além de não ser anómala face ao sistema
processual civil e de se justificar por razões de economia e celeridade
processual, a interpretação acolhida no acórdão recorrido não implica a
constituição, para o recorrente, de um pesado ónus, que pudesse dificultar de
modo especialmente oneroso o exercício do direito ao recurso. Ao interpor o
recurso, sabe certamente a parte vencida quais os fundamentos do recurso que
pretende invocar: assim sendo, a exigência de que os indique no próprio
requerimento em nada constitui uma incumbência que não possa levar a cabo ao
interpor o recurso. Tanto mais que, se se considerarem os prazos de interposição
dos recursos, eles são perfeitamente razoáveis (artigo 75.º do Código de
Processo do Trabalho de 1981).
Finalmente, alega o recorrente que a solução do acórdão recorrido é drástica,
dado que optou pela solução do não conhecimento do objecto do recurso, por
extemporaneidade, em vez de ter ‘admitido a possibilidade de o recorrente
aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso’, ou de ‘começar por dar
ao recorrente a possibilidade de regularizar o requerimento’ (cfr. parecer junto
a fls. 1218 e segs.). Simplesmente, não pode considerar-se incluído, dentro do
direito ao acesso aos tribunais, o direito à obtenção de um despacho de
aperfeiçoamento, quando se verifiquem obstáculos ao conhecimento do objecto do
recurso: casos há (vários, aliás, no Código de Processo Civil: cfr., por
exemplo, artigos 687.º, n.º 3, 1.ª parte, ou 690.º, n.º 3) em que, por
impossibilidade de suprimento do vício, pela gravidade deste, ou por razões de
disciplina da própria actividade processual, se justifica que o recorrente sofra
imediatamente as consequências do inadequado exercício do direito ao recurso,
sem lhe ser dada uma segunda oportunidade para o exercer adequadamente.
Não se verificando qualquer justo impedimento para a não arguição atempada das
nulidades da sentença, a possibilidade de convite à parte para sanar o vício,
que o recorrente reivindica como corolário do princípio pro actione, enquadra-se
ainda dentro da liberdade de conformação do legislador.
[...].”
11.5. No acórdão n.º 122/2002, de 14 de Março (Proc. n.º 447/01), ainda inédito,
o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo
690.°-A do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de o recorrente,
sob pena de rejeição do recurso tocante à matéria de facto, dever apresentar, em
separado da alegação que produz, a transcrição dactilografada das passagens da
gravação em que funda o erro na apreciação das provas. Lê-se o seguinte, no
texto desse acórdão:
“[...]
Cumprirá, desde logo, assinalar que, por se situar fora dos seus poderes
cognitivos, este Tribunal não se pode pronunciar sobre a questão de saber se a
interpretação levada a efeito pelo acórdão recorrido é a única, ou, ao menos, a
mais consonante com o teor do n.º 2 do art.º 690.º-A em apreço.
Incumbe-lhe, isso sim, saber se a norma resultante daquela interpretação é
ofensiva do Diploma Básico, o que equivale a dizer que a questão ora sub iudicio
consiste em dilucidar se será conflituante com a Constituição – designadamente
por violação do que se preceitua no seu artigo 20.° – um preceito que exija ao
recorrente que impugna a matéria de facto em processo cujos meios probatórios
constaram de gravação nele realizada e sob pena de rejeição do recurso, que
proceda à transcrição, em escrito separado da alegação das passagens da gravação
em que se esteia.
5. O direito processual constitui um encadeamento de actos com vista à
consecução de um determinado objectivo, qual seja o de se obter uma decisão
judicial que componha determinado litígio o que, consequentemente, impõe, por um
lado, que as ‘partes’ assumam posições equiparadas para desfrutarem de igualdade
processual para discretear sobre as razões de facto e de direito apresentadas
por uma e outra (cfr., sobre o ponto, Manuel de Andrade, Noções Elementares de
Processo Civil I, 364 e 365, e Acórdão deste Tribunal n.º 223/95, publicado na
2.ª Série do Diário da República, de 27 de Junho de 1995); e, por outro lado,
para se alcançar uma justa e equitativa decisão, mister é que haja determinada
disciplina para, além do mais, se conseguir que a composição do litígio se não
‘perca’ por razões ligadas a um livre alvedrio das mesmas ‘partes’, alvedrio
esse que, no limite, poderia conduzir a uma ‘eternização’ de actos com
repercussão na não razoabilidade da tomada de decisão em tempo útil.
Daí que o processo, todo o processo – aqui se incluindo obviamente, o processo
civil –, para além de dever ser um due process of law (vejam-se, entre outros,
os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 249/97 e 514/98, publicados na 2.ª Série do
jornal oficial de, respectivamente, 17 de Maio de 1997 e 10 de Novembro de
1998), tenha de obedecer a determinadas formalidades que, elas mesmas não podem
deixar de ser consideradas, numa certa perspectiva, como constituindo,
inclusivamente, factores ou meios de segurança, quer para as ‘partes’, quer para
o próprio tribunal.
As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os
estabelecimentos de prazos, requisitos de apresentação das peças processuais e
efeitos cominatórios, são, pois, algo de inerente ao próprio processo. Ponto é,
porém, que a exigência desses formalismos se não antolhe como algo que, mercê da
extrema dificuldade que apresenta, vai representar um excesso ou uma intolerável
desproporção que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar
o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia
postulada pelo n.º 1 do artigo 20.° da Constituição.
Afora casos como esse, a exigência das formalidades processuais não poderá,
desta arte, ser vista como a prescrição de obstáculos à livre e desmedida
actuação processual das ‘partes’.
Na interpretação conferida pelo aresto sub specie à norma ínsita no n.º 2 do
art.° 690.º-A do Código de Processo Civil (e viu-se já que este Tribunal não
poderá, no caso, aquilatar da sua ‘bondade’ em sede de direito ordinário), o
mesmo entendeu que, como acima se transcreveu, a transcrição em escrito
dactilografado a apresentar em separado da alegação tinha um intuito louvável,
justamente porque evitaria ‘a confusão que resultaria da sua inclusão na
alegação de recurso’, o que vale por dizer que, na óptica do tribunal a quo,
aquela apresentação, no fundo, tinha por escopo facilitar a tarefa, quer do
tribunal, quer dos próprios intervenientes processuais, maxime as ‘partes’, que,
dessa sorte, mais facilmente descortinariam os pontos de divergência sobre a
matéria de facto invocados pelo recorrente.
Sendo isto assim, então há-de concluir-se que a exigência alcançada pela
interpretação sub specie constitucionis não se revela:
– por uma banda, desprovida de qualquer sentido útil, antes apresentando uma
finalidade disciplinadora do processo, com o escopo de facilitar a missão do
tribunal e dos próprios intervenientes processuais;
– por outra, como constituindo uma acentuada dificuldade imposta às ‘partes’,
por isso que, na realidade das coisas, o labor de transcrição em escrito
dactilografado das passagens da gravação em que o recorrente se funda é
equivalente, quer ela ocorra em escrito separado, quer na própria peça
processual da alegação;
– por outra, ainda, que seja desconforme com a justiça e equidade que devem ser
apanágio do processo, como vertente do direito de acesso aos tribunais, ou uma
diminuição das garantias dos recorrentes, pois que a dita exigência, de todo em
todo, não coarcta a possibilidade de eles desfrutarem da possibilidade de acesso
à impugnação da matéria fáctica.
[...]”.»
E mais recentemente, no acórdão n.º 488/2003 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), também se disse:
«A questão da conformidade constitucional das diversas normas do artigo 690.º do
Código de Processo Civil, antes e depois da redacção que lhe foi conferida pelo
Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, foi já decidida por este Tribunal.
Foi-o, a maioria das vezes, enquanto tais normas eram aplicáveis
subsidiariamente ao processo penal – v.g. Acórdãos n.ºs 275/99 e 532/01,
publicados, respectivamente, no Diário da República (DR), II Série, de 13 de
Julho de 1999 e de 28 de Janeiro de 2002; e n.ºs 184/01 e 101/02, não
publicados); mas também, outras vezes, enquanto aplicáveis subsidiariamente ao
processo administrativo – Acórdãos n.ºs 40/00 e 374/00, publicados,
respectivamente, no DR, II Série, de 20 de Outubro de 2000 e de 12 de Dezembro
de 2000; e, ainda outras vezes, enquanto normas directamente aplicáveis em
processo civil – Acórdãos n.ºs 715/96 e 4/97, publicado, o primeiro, no DR, II
Série, de 27 de Fevereiro de 1996, que não julgaram inconstitucionais “as normas
constantes do artigo 690.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil”.
Mesmo sem entrar na análise detalhada das várias questões de constitucionalidade
que, a propósito dessas normas, se suscitaram, resulta, porém, destes últimos
acórdãos que é logo a diferença de parâmetros constitucionais convocáveis em
processo penal (ou contra-ordenacional) e em outros ramos de direito processual
que impede uma simples transposição de soluções obtidas em matéria de processo
criminal e contra-ordenacional – por confronto com o artigo 32º da Constituição
– para o exterior do âmbito de aplicação desta norma.”
4.Das alegações apresentadas pela recorrente parece resultar que o que leva a
pugnar por um juízo de inconstitucionalidade seria, como se escreveu no acórdão
n.º 189/2003 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 55.º vol., págs.
795‑807), ter-se atendido “a critérios de pura extensão material (e, logo,
meramente formal)”, “baseados, nomeadamente, no número das [conclusões] ou das
páginas ocupadas”, para “se apurar se as ‘conclusões’ da motivação de um recurso
em processo criminal eram prolixas.”
Efectivamente, no caso decidido pelo referido acórdão n.º 189/2003, tal tinha
ocorrido numa primeira decisão do Supremo Tribunal de Justiça, tendo o Tribunal
Constitucional, no seu acórdão n.º 417/99 (publicado no DR, II Série, de 13 de
Março de 2000) julgado inconstitucional as normas constantes dos artigos 412.º,
n.º 1, e 420.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (versão originária do
diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro), quando
interpretadas no sentido de a falta de concisão das “conclusões” da motivação de
recurso implicar a rejeição liminar deste, sem que ao recorrente fosse
previamente dada oportunidade de suprir o vício decorrente dessa falta de
concisão. Formulado convite aos recorrentes “para suprirem o vício da falta de
concisão das conclusões da sua motivação”, em obediência ao decidido por este
Tribunal, vieram estes, porém, a reincidir na apresentação de conclusões
“bastante extensas e complexas”, levando a nova rejeição liminar do recurso. E,
trazido o caso a reapreciação deste Tribunal, foi decidido, por maioria, nesse
acórdão n.º 189/2003, que
«o acórdão pretendido recorrer não levou a efeito uma interpretação dos
preceitos ínsitos nos já citados n.º 1 do art.º 412.º e n.º 1 do art.º 420.º,
por forma a que dos mesmos se retire a possibilidade de o tribunal a que foi
dirigido um recurso de uma decisão condenatória imposta a um arguido poder
liminarmente rejeitá-lo por entender que as “conclusões” constantes da motivação
desse recurso são extensas e complexas, com base num critério meramente formal
(e, consequentemente, não substancial ou funcional) assente exclusivamente na
extensão material dessas “conclusões” e no seu aspecto gráfico.
Na esteira desse entendimento, seria curial a perspectiva de harmonia com a qual
aquele aresto, na realidade das coisas, considerou que as asserções utilizadas
nas “conclusões” apresentadas pelos recorrentes - após lhes ter sido endereçado
o convite para formularem novas “conclusões”, que constituíssem “um resumo dos
fundamentos porque” se pedia o provimento do recurso, por forma a tornarem
“fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal ‘ad quem’” a “delimitação
objectiva do recurso, indicando concreta e precisamente as questões a decidir”,
pois que “conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e
considerou ao longo das alegações” (cfr. aquilo que, no acórdão de 24 de
Setembro de 1998, foi considerado como deficiências que se surpreendiam nas
“conclusões” da motivação do recurso e que o acórdão de 17 de Fevereiro de 2000
determinou, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 417/99, que
fossem supridas) - não constituíam, de um ponto de vista lógico-discursivo, uma
síntese das razões, quer de facto, quer de direito, explanadas ao longo do
“teor” da alegação e que, na óptica dos impugnantes, deveria conduzir ao
provimento do recurso, e, dessa arte não representando uma síntese dessas
razões.»
Ora, no presente caso, a mais de se não se tratar de matéria penal e, portanto,
de serem diferentes os parâmetros de aferição constitucional, o tribunal que
primeiro recusou o recurso (o Tribunal Central Administrativo, no seu acórdão de
18 de Junho de 2002), com fundamento no não cumprimento do despacho de
apresentação de conclusões formulou de facto, um juízo “de apreciação da
substancialidade”, transcrevendo a lição de Alberto dos Reis (Código de Processo
Civil Anotado, vol. V, reimpressão, p. 359”), invocando jurisprudência do
Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo, e apelando
à própria norma do n.º 1 do artigo 690.º do Código de Processo Civil, então
aplicável por força do artigo 2.º, alínea f), do Código de Processo Tributário:
«O que sejam conclusões das alegações de um recurso, logo a citada norma nos dá
a primeira aproximação…conclusão de forma sintética dos fundamentos por que se
pede a alteração ou anulação da decisão…ou seja, estas devem exprimir, tal como
as próprias alegações anteriormente formuladas, as razões, os motivos por que se
pede a anulação ou alteração da decisão recorrida, com uma importante diferença
relativamente àquelas: as conclusões devem ser formuladas de forma sintética,
abreviada, consistindo como que num resumo do que naquelas se invocou. Aliás,
era este mesmo o termo “indicação resumida” que do anterior CPC no seu art.º
690.°, constava como sendo o conteúdo das conclusões do recurso.»
Notando que às alegações de 25 páginas correspondiam, inicialmente, outras 25
páginas de conclusões, escreveu-se na decisão do Tribunal Central
Administrativo:
“Foi assim oportuna a promoção do Ex.m.º R.M.P., junto deste Tribunal, no seu
parecer, acolhida pelo nosso despacho de fls. 400 verso, que ordenou a
notificação da recorrente para apresentar as conclusões do seu recurso, de forma
clara e sintética, tendo em vista que tais conclusões se reconduzissem à sua
verdadeira forma e função, de exprimirem as razões vazadas na anterior alegação
por que se pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, de uma forma
sintética, resumida, e em obediência ao disposto no art.º 690.°, n.ºs 1 e 4, do
CPC.
E não tendo a recorrente acolhido tal despacho, já que veio juntar uma peça de
conclusões, correspondente a 25 folhas do processado – 402 a 426 dos autos – não
de menor dimensão mas ainda maior, e também com maior número de alíneas – 125
contra 117 das primitivas conclusões – de modo nenhum se pode considerar que a
recorrente cumpriu o despacho para que foi notificada de vir apresentar as
conclusões das suas alegações de uma forma sintetizada.
Assim, não resta a este Tribunal em aplicação da norma do art.º 690.°, n.° 4, do
CPC, outra solução que não seja não conhecer do recurso, já que também não é de
voltar a notificar a recorrente, para, de novo, vir apresentar conclusões
sintetizadas das suas alegações.”
Conclui-se, pois, que não procedem as razões invocadas pela recorrente esteadas
num critério de apreciação meramente formal, relativo à extensão das alegações,
e não material ou funcional.
5.Porém, na decisão do Supremo Tribunal Administrativo que confirmou a dita
decisão do Tribunal Central Administrativo, e tal como neste também se fizera,
considerou-se antes que a dimensão interpretativa que obstava ao conhecimento do
recurso era menos a deficiência das conclusões do que o não cumprimento do
convite para suprir tal deficiência:
“No nosso caso e independentemente do número das conclusões formuladas,
valorizou-se e atendeu-se, para decidir como se decidiu, à apontada
circunstância de a Recorrente não ter satisfeito ou respeitado o convite que lhe
fora transmitido com a anunciada cominação legal (sintetizar as formuladas 117
conclusões das suas alegações de recurso jurisdicional).”
Uma vez que a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida a norma
dos n.ºs 1 e 4 do artigo 690.º do Código de Processo Civil foi a de rejeição do
recurso, não directamente por ineptidão das conclusões, mas por “incumprimento
do convite que lhe fora transmitido com a anunciada cominação legal”, perde,
assim, sentido grande parte das alegações da recorrente.
Por outro lado, encontram-se dois precedentes mais próximos nos casos decididos
por este Tribunal nos acórdãos n.ºs 40/2000 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 46.º vol., págs. 307-318) e 488/2003, já citado.
No primeiro aresto escreveu-se o seguinte, depois de se referir que “nem a
jurisprudência firmada no acórdão n.º 193/97, nem a dos acórdãos n.ºs 43/99,
303/99, 319/99 e 417/99” valia no caso então objecto de recurso:
“naqueles citados arestos esteve em causa o direito a um primeiro convite,
enquanto que no caso presente se trata da pretensão a um segundo convite de
aperfeiçoamento. Ora, não existe seguramente em nenhum caso tal direito
constitucionalmente garantido a um segundo convite. E isto é tanto mais assim,
fora do processo penal e contra-ordenacional, quando não há sequer um direito
constitucionalmente garantido ao recurso de decisão jurisdicional.”
Podia pensar-se tratar-se aí de uma situação algo diversa da que está agora em
apreciação, na medida em que o (primeiro) convite de aperfeiçoamento resultara,
nesse caso, da total ausência de conclusões. De um ponto de vista substancial,
porém, o caso era inteiramente idêntico ao presente, como resulta do que então
se escreveu:
«Desde logo parece-nos questionável a interpretação “restritiva” do
despacho/convite do Relator do processo no Supremo Tribunal Administrativo (fls.
81 dos autos), que é pressuposta pelo raciocínio do recorrente, no sentido de
que esse despacho consubstanciaria apenas um convite para que o recorrente
apresentasse “qualquer coisa” a que formalmente chame conclusões.
Parece-nos, pelo contrário, que o sentido do convite do Relator é para que o
recorrente apresente da forma completa, clara e concisa exigida por aquele n.º 3
os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão; ou seja, para
que cumpra integralmente o ónus previsto naqueles n.ºs 1 e 3 do artigo 690.º.
Numa frase: parece-nos que o sentido lógico do despacho/convite de fls. 81 dos
autos é para que o recorrente dê integral - e não apenas parcial - cumprimento
ao disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 690.º do Código de Processo Civil,
apresentando, de forma completa, clara e concisa as suas conclusões.»
No segundo dos referidos acórdãos, proferido em recurso civil (não já
administrativo, como no primeiro), pode, assim, retomar-se uma formulação da
norma objecto de recurso muito próxima da identificada pelo Tribunal no acórdão
n.º 40/2000 (que era a seguinte: “é inconstitucional a norma do artigo 690.º,
n.º 3, do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de que a
falta de concisão das conclusões poderá levar à rejeição do recurso, sem que
exista um novo convite ao recorrente para o seu aperfeiçoamento ?”), a saber, a
“norma do artigo 690.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior
à que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro),
quando interpretada no sentido de que uma vez convidado o recorrente, ao abrigo
daquele n.º 3, a formular e apresentar conclusões (que não existiam), se as
mesmas, quando apresentadas, não cumprirem integralmente os requisitos de
completude, clareza e concisão ali exigidos, haverá desde logo lugar à rejeição
do recurso, sem que seja necessário previamente efectuar um segundo convite ao
recorrente, desta vez destinado ao aperfeiçoamento das conclusões que
apresentou.”
E também aí se concluiu que era improcedente o recurso e que a inexistência de
novo convite para aperfeiçoamento das conclusões, quando já fora feito um
anterior, não merecia censura constitucional.
6.Também no presente caso, a interpretação adoptada na decisão recorrida não
merece censura constitucional, nem é susceptível de ser reduzida a uma parte das
conclusões, como também solicitado. É que fazer a triagem do que fica e não fica
prejudicado no conhecimento do tribunal é o próprio objectivo da imposição do
ónus da apresentação de conclusões, que deve ser cumprido pelo recorrente. Se
acaso se pudesse restringir a deficiência da não apresentação de indicação
resumida das questões a apreciar a uma parte destas, então não faria
verdadeiramente sentido considerar incumprido o despacho de aperfeiçoamento
proferido. Aliás, sobre essa mesma questão se pronunciou deste modo o referido
acórdão n.º 488/2003:
«Acontece, porém, que a norma em causa – a do n.º 4 do artigo 690.º do Código de
Processo Civil – prevê expressamente que o relator deve convidar o recorrente “a
apresentar, completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões sob pena de não se
conhecer do recurso, na parte afectada”.
Ou seja: a norma em causa não é, em rigor, passível do entendimento desconforme
à Constituição que lhe é imputado, porque ela prevê isso mesmo que a recorrente
pretende. E, em aplicação dessa norma, o que, segundo o tribunal recorrido,
obstou a esse efeito pretendido – a redução do não conhecimento do recurso
àquela sua parte afectada pela ausência de conclusões (já que, segundo a decisão
recorrida, elas correspondiam a “uma reprodução das alegações, embora com alguns
pequenos cortes”) – foi, precisamente, o juízo efectuado sobre a extensão da
parte afectada, pela ausência de cumprimento do disposto no artigo 690.º do
Código de Processo Civil. A decisão do tribunal a quo assentou, pois, numa certa
avaliação, que lhe competia, sobre a extensão da conclusões que era afectada.
Por isso disse o Conselheiro-relator no tribunal recorrido, para fundamentar a
rejeição do recurso devido à extensão das novas alegações:
“(...)
Dir-se-á que a questão não se resume a linhas. Também entendemos que a síntese
não pode resumir-se a uma contagem de linhas.
Mas o que ela não pode, decerto, ser é uma reprodução das alegações, embora com
alguns pequenos cortes.
Entendemos que não foi cumprido o art.º 690.º do C.P.C. e, ao abrigo do disposto
no art.º 690.º, n.º 4 não tomamos conhecimento do recurso”
Ora, como já se referiu a propósito da primeira questão de constitucionalidade
que se quis trazer a este Tribunal, estamos perante um juízo que –
independentemente da maior ou menor pormenorização da sua fundamentação (na
qual, porém, se afastou expressamente um puro critério formal, de contagem de
linhas) – não pode ser reapreciado pelo Tribunal Constitucional em recurso de
constitucionalidade.
E, aliás, está-se aqui perante uma situação em que “não há sequer um direito
constitucionalmente garantido ao recurso de decisão judicial” (Acórdão n.º
40/00, já citado), tendo este até já sido exercido (trata-se aqui de recurso de
uma 2.ª decisão: a do Tribunal da Relação).
Ora, não havendo consagração constitucional do direito a um segundo grau de
recurso em matéria civil, um entendimento restritivo da norma que o admita não
pode ter-se por constitucionalmente censurável, nem o artigo 18.º, n.ºs 2 e 3,
da Constituição pode ser invocado – mais a mais depois de se ter já convidado
uma vez a recorrente a cumprir as regras do artigo 690.º do Código de Processo
Civil.
Como também se não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição, e o previsto
no seu artigo 13.º não tem cabimento, face às circunstâncias em que veio
invocado, claudicam na totalidade os argumentos da recorrente.
7. Aliás, também o mesmo se concluiria fazendo apelo ao que se afirmou, para
apreciação da conformidade constitucional de ónus processuais, no citado Acórdão
n.º 259/02:
“Ao analisar os vários preceitos legais que consagram ónus processuais, tem o
Tribunal Constitucional procurado averiguar se, por um lado, a consagração
desses ónus se reveste de alguma utilidade, não redundando em mero formalismo, e
se, por outro lado, o cumprimento de tais ónus se não reveste de excessiva
dificuldade para as partes. Estando verificadas as duas condições, não
resultaria violado o direito de acesso aos tribunais ou o princípio da
proporcionalidade.”
Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 184/01, já citado (invocando o Acórdão n.º
715/96, publicado no DR, II Série, de 18 de Março de 1997), normas “como a do
artigo 690.º do Código de Processo Civil”,
“não afectam, só por si, e substancialmente, o princípio da plenitude das
garantias de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, não
sendo, por isso, inconstitucionais. Como se sustentou naquele Acórdão, tais
normas ‘apenas impõem uma colaboração do recorrente na melhor formulação do
problema jurídico, assegurando, em última instância, a defesa de direitos e a
objectividade da sua realização’.
Desempenham assim essas normas uma função importante não apenas na perspectiva,
mais geral, da realização da justiça, mas inclusive na perspectiva da própria
garantia de defesa dos direitos do recorrente.
E, é essa função que as conclusões são aptas a realizar – tida como um valor,
quer na perspectiva da realização da justiça quer na perspectiva das garantias
de defesa do arguido – que, em última análise, legitima do ponto de vista
constitucional a existência de normas processuais que as exijam, sob a cominação
de não se poder conhecer do objecto do recurso.”
E é evidente que o cumprimento desse ónus não implica excessiva dificuldade para
a recorrente, dotada de patrocínio especializado e beneficiando de duas
oportunidades para o fazer devidamente, tendo sido alertada uma vez para a
questão da extensão das conclusões.
Estão, pois, preenchidas as duas referidas condições, pelo que não resulta
“violado o direito de acesso aos tribunais ou o princípio da
proporcionalidade”.»
E conclui-se, assim, que deve ser negado provimento ao presente recurso.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma dos n.ºs 1 e 4 do artigo
690.º do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de que implica a
imediata rejeição do recurso o não cumprimento do convite formulado ao
recorrente para apresentação de conclusões das alegações que, de forma clara e
sintética, exprimam e resumam as razões da sua discordância com a sentença
recorrida;
b) Por conseguinte, confirmar a decisão recorrida e condenar o
recorrente em custas, fixando em 20 (vinte) unidades de conta a taxa de
justiça.
Lisboa, 21 de Setembro de 2005
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos