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Processo n.º 329/05
Plenário
ACTA
Aos quatro dias do mês de Maio de dois mil e cinco,
achando-se presentes o Excelentíssimo Conselheiro Presidente Artur Joaquim de
Faria Maurício e os Ex.mos Conselheiros Benjamim Silva Rodrigues, Rui Manuel
Gens de Moura Ramos, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, José Manuel de Sepúlveda
Bravo Serra, Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza, Maria Helena Barros de
Brito, Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto, Maria João da Silva Baila Madeira
Antunes, Maria Fernanda dos Santos Martins Palma Pereira, Mário José de Araújo
Torres e Vítor Manuel Gonçalves Gomes, foram trazidos à conferência os presentes
autos, para apreciação.
Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo
Conselheiro Presidente o seguinte:
ACÓRDÃO N.º 239/05
1. A Assembleia Legislativa da Madeira requereu ao Tribunal
Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória
geral, da norma do n.º 3 do artigo 47.º da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24
de Julho (diploma que aprovou a sexta revisão constitucional).
A norma em questão dispõe o seguinte:
Artigo 47.º
1 – (…)
2 – (…)
3 – A revisão da lei eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma
da Madeira terá em conta a fixação do número de deputados entre um mínimo de 41
e um máximo de 47 e o reforço do princípio de representação proporcional,
prevendo a lei, se necessário, para este efeito, a criação de um círculo
regional de compensação.
Segundo a requerente, a norma em causa possui carácter
substantivo ou material e pretende vigorar “não para a próxima alteração
legislativa mas para o futuro, sem horizonte temporal circunscrito”. Sustenta,
também, que tais características fazem com que a norma em questão não seja uma
disposição final e transitória da Lei n.º 1/2004 mas uma verdadeira alteração ou
aditamento à Constituição.
E daí que a norma do n.º 3 do artigo 47.º da Lei
Constitucional n.º 1/2004, como alteração à Constituição não inserida no seu
articulado, viole, segundo a requerente, o n.º 1 do artigo 287.º da
Constituição.
2. O pedido foi formulado com invocação do disposto no artigo
281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, onde se determina que, entre outros,
podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade,
com força obrigatória geral, “as Assembleias Legislativas das regiões autónomas
(…), quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em
violação dos direitos das regiões autónomas”.
De acordo com este preceito constitucional, o poder conferido
às Assembleias Legislativas das regiões autónomas (e, bem assim, às outras
entidades referidas na mesma alínea) pressupõe que esteja “necessariamente em
causa uma eventual violação de direitos das regiões em face do Estado nacional,
na medida em que esses direitos tiverem consagração constitucional, isto é,
conformarem constitucionalmente de modo directo a autonomia
político-administrativa das regiões” (cf. os Acórdãos n.º 198/00, n.º 615/03 e
n.º 75/04, publicados respectivamente em Acórdãos do Tribunal Constitucional,
Vol. 46.º, págs. 85 e segs., e Diário da República, Série II, de 7 de Fevereiro
de 2004 e de 16 de Março de 2004).
Este entendimento é também partilhado pela doutrina,
designadamente, por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira. De acordo com estes
autores, “por «direitos das regiões» devem entender-se os direitos
constitucionalmente reconhecidos às regiões face à República” (Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 1035).
O pressuposto em questão constitui, portanto, um requisito de
legitimidade das Assembleias Legislativas das regiões autónomas para requererem
a fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade.
Escreveu-se, a propósito, no já mencionado Acórdão n.º
198/00:
Constituindo a norma constitucional [do artigo 281.º, n.º 2, alínea
g)] uma atribuição de legitimidade para suscitar os mecanismos da fiscalização
abstracta pelos deputados regionais [e demais entidades aí referidas, como as
Assembleias Legislativas das regiões], em função da defesa dos direitos
constitucionais das regiões, não se verificará tal legitimidade quando as normas
questionadas não interfiram directamente com tal razão defensiva.
A falta deste requisito de legitimidade deu já lugar à não
admissão de anteriores pedidos de fiscalização da constitucionalidade.
E o Tribunal fê-lo tendo em conta - como não podia deixar de
ser - o princípio ou normas ditos violados pelos requerentes, o que está
subjacente à lógica do que se escreveu no Acórdão n.º 615/03 sobre o que
constitui o conhecimento do o mérito dos pedidos formulados ao abrigo do artigo
281º n.º 2 alínea g) da Constituição: 'o conhecimento do mérito limitar-se-á
então ao apuramento da violação ou não daqueles direitos [direitos regionais
constitucionalmente previstos] por parte das normas questionadas'.
Foi assim nos casos dos Acórdãos n.º 264/86, n.º 125/87 e n.º
75/04 - os dois primeiros, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional,
8.º Vol., págs. 169 e segs., e 9.º Vol., págs. 287 e segs., respectivamente),
onde se invocou a violação do princípio da igualdade e dos Acórdãos n.º 198/00 e
n.º 615/03, onde se fundamentou o pedido nas regras constitucionais de
repartição de competências entre os órgãos das regiões e nos princípios da
representação proporcional e da igualdade de sufrágio.
Ora, no presente caso, a requerente fundamentou o pedido de
fiscalização da constitucionalidade unicamente na violação do n.º 1 do artigo
287.º da Constituição.
E certo é que tal norma constitucional não consubstancia um
direito próprio e específico das regiões autónomas.
3. O n.º 1 do artigo 287.º da Lei Fundamental estabelece que
as alterações à Constituição sejam “inseridas no lugar próprio, mediante as
substituições, as supressões e os aditamentos necessários”.
Pretende-se com esta regra, desde logo, evitar “revisões não
expressas” ou “revisões materiais irrecognoscíveis”, que poderiam gerar
incertezas acerca do direito constitucional vigente (J. J. Gomes Canotilho,
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, 2003,
pág. 1069).
Ora, o que é tutelado na referida norma nada tem a ver com um
direito constitucional das regiões cuja ofensa pudesse legitimar o pedido.
Tal norma não concede poderes jurídicos às regiões autónomas,
enquanto pessoas colectivas territoriais, em concretização do princípio da
autonomia político-administrativa regional, face ao Estado nacional.
Não podendo, assim, entender-se que a norma do n.º 1 do
artigo 287.º da Lei Fundamental seja uma norma constitucional definidora de
direitos das regiões autónomas face ao Estado, haverá que concluir que não se
verifica o requisito de legitimidade previsto no artigo 281º, n.º 2, alínea g),
da Constituição.
E, soçobrando este requisito, o pedido não pode ser admitido
nos termos do artigo 52.º, n.º 1, da LTC.
4. Pelo exposto e em conclusão, decide-se não admitir o
pedido.
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Artur Maurício