Imprimir acórdão
Processo n.º 804/2005
Plenário
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Por intermédio do Acórdão nº 550/2005, proferido
nestes autos, foi decidido não tomar conhecimento do recurso interposto por
António Fernando Menezes Rodrigues, «cabeça de lista» e candidato à Câmara
Municipal do Seixal pelo Partido Socialista, da deliberação da assembleia de
apuramento geral das eleições realizadas em 9 do corrente mês de Outubro para os
órgãos das autarquias locais do concelho do Seixal.
Notificado desse aresto, vem agora o impugnante
apresentar «reclamação» com o seguinte teor: –
“António Fernando Menezes Rodrigues, recorrente nos autos em epígrafe,
notificado do douto ac[ó]rdão proferido a fls.. vem do mesmo, ao abrigo do[s]
artigos 77º nº 1 e 78 -A nº 3 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional ex vi
artigo 159º da Lei Org[â]nica n[ú]mero 1/2001 de 14 de Agosto e 688º do CPC com
as necessárias adaptações RECLAMAR, para a Conferência o que faz como se segue :
1- Vem o douto ac[ó]rdão sob censura, em s[í]ntese, invocar que o recurso em
causa não deu entrada até ao termo do hor[á]rio normal da secretaria judicial,
pelo que não conheceu da quest [ã]o de fundo,
2- mais fundamenta a sua decisão no facto do ora reclamante [t]er invocado
não [t]er disponível a acta da assembleia de apuramento em tempo útil, afirmando
irrelevante esse facto,
3- Contudo, salvo o mui devido respeito, confusão anda pela fundamentação
dada no dout [í]ssimo ac[ó]rdão, vejamos,
4- o ora reclamante, aí recorrente, enviou o seu recurso por correio
registado no dia 14 de Outubro de 2005, sendo que tal expediente faz parte dos
autos (fr doc 1 que se junta e se dá inteiramente por reproduzido e www.ctt.pt
pesquisa objectos RO408259035PT, INFO.);
5- e só enviou o fax em causa porquanto sentiu o dever de, dado o imediatismo
e urg[ê]ncia especial[í]ssima do processo em causa, desde logo dar conhecimento
ao tribunal da sua vontade de interpor recurso,
6- donde o ora reclamante apresentou atempadamente o seu recurso, acresce que
7- a questão prévia suscitada pelo ora reclamante, como plasmado está na sua
fundamentação, foi a t[í]tulo informativo e [à] cautela de qualquer questão que
pudesse ser colocada quanto á tempestividade da interposição do seu recurso,
8- não vindo o ora reclamante a desistir ou a colocar questão outra ou
diversa sobre essa matéria durante a tramitação do recurso,
9- antes pelo contrário, manteve o propósito de que o recurso fosse
conhecido,
10- ora a p[u]blicação dos resultados eleitorais definitivos segundo a data do
Edital é de 13 de Outubro de 2005,
11- o recurso foi enviado por correio registado no dia 14 de Outubro de 2005,
todavia,
12- não pode o ora reclamante deixar de dizer o seguinte a respeito do
Alt[í]ssimo critério, consagrado na fundamentação do ac[ó]rdão reclamado quanto
ao facto da tel[e]cópia [t]er sido enviada [à]s 17 horas e 39 minutos do dia 14
de Outubro.
13- desde logo, humildemente acompanhar o Altíssimo entendimento dos Senhores
Ju[í]zes Conselheiros que votaram vencidos,
14- Não porque tenha interesse útil e oportun[í]stico nesse acompanhamento, para
o sucesso da presente lide, mas por convicção,
15- Em primeiro lugar e desde logo na exacta medida porque foi a própria,
Secretaria Judicial Central que deu como data de entrada do requerimento
consubstanciador do recurso o dia [ ] 14 de Outubro de 2005,
16- Depois porquanto, sendo questão controvertida, da sua discussão e solução só
pode resultar a aplicação da JUSTIÇA, tal como se enquadra na lei e nos
princ[í]pios fundamentais e até naturais da vida,
17- Vamos a ver: o artigo 229º da LEOAL, salvo o devido respeito, regula a
prática de actos processuais por parte de entidades ou serviços públicos, tão
só.
18- Aliás seria bom de ver, a atender [à] interpretação do ac[ó]rdão sob
censura, quais os actos praticados durante a própria assembleia de apuramento
fora do hor[á]rio aí mencionado.
19- Colocando-se a questão então de saber se todos os actos praticados fora
desse hor[á]rio seriam nulos ??!!
20- Desde logo o facto da assembleia de apuramento, por exemplo, ter terminado
os seus trabalhos [à]s 20 HORAS e 30 Minutos do dia 12 de Outubro de 2005,o que,
por via da interpretação do douto ac[ó]rdão reclamado, violaria o artigo 147º nº
1 da LEOAL.
21- Obviamente que a resposta terá que ser negativa, senão vejamos a hora a que
se suspendeu a assembleia a quo na sua primeira reunião,
22- A ratio legis do artigo 229º é para regular a prática dos próprios actos das
entidades públicas, sendo certo que, no caso vertente, a regular os actos pelos
sujeitos processuais ter-se-á que atender ao expediente normal de proposição de
acções e recursos judiciai, maxime entender-se que o horário normal de uma
secretaria judicial é o que prevê o cumprimento de um prazo!
23- O que significa in casu, o cumprimento de um prazo excepcional e
curt[í]ssímo que é o previsto no artigo 155 nº 3 º da LEOAL,
24- Por outro lado fixa o artigo 159 º da referida lei: O recurso contencioso é
interposto perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do
Edital contendo os resultados definitivos, sucede que,
25- Reza o artigo 155º nº 3 da mesma lei que: A proclamação e a p[u]blicação dos
resultados, nos termos do artigo 150º, têm lugar no dia da última reunião da
assembleia de apuramento,
26- Ora, por maioria de razão, e numa interpretação literal do artigo 229º da
LEOAL, a publicação dos resultados terá que obedecer ao horário aí constante,
27- Isto é a assembleia de apuramento geral só poderia publicar os resultados
até [à]s 17 horas, horário de funcionamento dos serviços camarários,
28- Fiquemos, para já, por uma análise em abstracto desta interpretação: assim
sendo e estando o recurso condicionado [à] sua apresentação até ás 16 horas na
secretaria judicial, o DIA, consagrado no artigo 159º da LEOAL seria um dia sui
generis, salvo o devido respeito, seria um dia com 23 horas,
29- Ora, o referido dispositivo normativo não se refere ao ‘horas’ mas sim um
dia.
30- Se fosse o caso de horas, então aplicar-se ia o artigo279 alínea b) do
Código Civil, mas relativamente ás horas que integrassem o prazo.
31- Mas, como já vimos, não é. Aplicando-se assim, a alínea b) do artigo 279º do
Código Civil, na parte em que dispõe quanto [à] contagem quando se trata de um
prazo referido em dias,
32- Ora a norma é clar[í]ssíma, sendo que uma boa interpretação da lei impõe
aplicar os princípios e comandos previsto no artigo 9º do Código Civil, que, com
a devida vénia, reproduzimos:
Artigo 9º
(Interpretação da lei)
1- A interpretação não deve cingir-se [à] letra da lei, mas reconstituir a
partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade
do sistema jurídico, as circunst[â]ncias em que a lei foi elaborada e as
condições específicas do tempo em que é aplicada.
2- Não pode, porém, ser considerado pelo int[é]rprete o pensamento
legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal,
ainda que imperfeitamente expresso.
3- Na fixação do sentido e alcance da lei, o int[é]rprete presumirá que o
legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o pensamento em
termos adequados.
33- Ora in casu o legislador no mesmo diploma legal consagrou um prazo
referindo-se a ‘dia’, bem sabendo da redacção do artigo 279º do Código Civil;
34- sendo certo que da interpretação sistemática da lei só pode resultar que o
hor[á]rio normal, sendo o prazo um dia, contém, também, a possibilidade do
exercício do direito por outras vias que não só a presencial.
35- Mas vamos ao caso concreto dos autos:
36- Diz a acta de apuramento geral que os trabalhos de apuramento foram
encerrados [à]s vinte horas e trinta minutos do dia doze de Outubro de dois mil
e cinco,
37- Acrescentando que os resultados foram proclamados pelo Presidente e,
seguidamente, p[u]blicados por meio de edital....
38- Todavia o referido Edital tem a data de 13 de Outubro,
39- - Não contendo a HORA da sua afixação,
40- ora face [à] disparidade entre a hora do encerramento dos trabalhos e a
ausência de hora de afixação do edital não podemos concluir a HORA a que o
edital dos resultados definitivos foi publicado,
41- assim sendo impossível se torna contar o prazo nos termos do invocado artigo
229º da LEOAL.
42 -Ora, num processo desta natureza não podem as pessoas ou entidades com
legitimidade para recorrer ficar na dependência TOTAL e absoluta da organização
da assembleia, sendo certo que o domínio das horas e a sua contagem pode ser
vital para o sucesso do recurso,
43- recurso apresentado na base de um processo de contencioso especial[í]ssimo,
urgentíssimo, mas cuja finalidade é garantir o estado Democrático de Direito
relativamente a um acto soberano,
Conclusões:
a) a questão prévia colocada pelo recorrente foi meramente informativa e de
acautelamento,
b) o recorrente, ora reclamante apresentou o seu recurso pelo correio,
exercendo assim um direito que lhe assiste,
c) o edital que publicou os resultados definitivos não contém a hora da sua
publicação,
d) o horário dos serviços onde funcionou a assembleia de apuramento ( CM
Seixal) é diferente dos da secretaria judicial, sendo certo que os primeiros
encerram [à]s 17 horas e os segundos [à]s 16 horas,
e) assim o prazo fixado pelo artigo 158º da LEOAL fica absolutamente
coar[c]tado na medida em que um dia significa, naturalmente 24 horas, e deste
modo o recorrente só teria no máximo 23 horas,
f) sendo que o artigo 229º da referida lei tem como ratio legis a sua
aplicação aos actos processuais a praticar pela entidades públicas, só fazendo
sentido a sua interpretação literal cotejando com o artigo 158º da LEOAL, que
não menciona e estatui HORAS como prazo de recurso mas sim o dia seguinte: ou
seja UM DIA!
g) sendo que, deste modo se aplica in casu, o artigo 279º alínea b) do
Código Civil, na parte em que se refere á contagem de prazos quando a lei
menciona ‘dias’
h) dada a natureza e especialidade do processo em causa,
i) cujo fim primeiro e essencial é o de garantir a legalidade das
eleições, acto soberano do POVO,
j) e que não se compadece, apesar da urgência impl[í]cita, com
interpretações restritivas da lei.
Termos em que deve proceder a presente reclamação, sendo admitido o recurso
apresentado, por estar em tempo, devendo consequentemente conhecer-se da questão
de fundo, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA !!!
REQUERIMENTO.
Ao abrigo do artigo 159º nº 1 da LEOAL requer-se a Vª Exas se dignem requisitar
junto da Assembleia de apuramento geral, caso este Venerando Tribunal ainda não
o tenha efectuado, certidão da actas da assembleia do apuramento geral bem como
do edital que publicou os resultados definitivos.”
Cumpre decidir.
2. Em primeiro lugar, não é minimamente entendível a
vertente «reclamação» esteada ao abrigo dos artigos 77º, nº 1, e 78º-A, nº 3, da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, já que o presente processo cura de um recurso
contencioso interposto nos termos do artº 156º e seguintes da lei eleitoral dos
órgãos das autarquias locais aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de
Agosto, e não de um processo de reclamação de não admissão de recurso de
fiscalização concreta da constitucionalidade ou ilegalidade intentado interpor
para este Tribunal, ou de um recurso daquele jaez em que foi proferida decisão
sumária ao abrigo do nº 1 do citado artº 78º-A.
Em segundo lugar, mesmo aceitando-se que, tendo em conta
a sua natureza de especial urgência, é possível, nos recursos atinentes ao
contencioso eleitoral, a admissão dos incidentes de arguição de nulidade e
pedidos de rectificação, esclarecimento ou reforma, questão que aqui se não
enfrentará, é por demais claro que a peça processual consubstanciadora da
«reclamação» acima transcrita mais não representa que a manifestação de uma
dissidência quanto ao decidido pelo acórdão reformando.
Ora, o pedidos de reforma a que alude o nº 2 do artº 669º
do diploma adjectivo civil só poderão ser deduzidos caso tenha havido manifesto
lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos
ou, ainda, desde que constem do processo documentos ou quaisquer elementos que,
por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que, por
manifesto lapso, não foram tomados em consideração na decisão.
Não podem, desta sorte, tais pedidos ser utilizados, fora
do circunstancialismo do indicado nº 2 do artº 669º, com o desiderato de se
obter decisão diversa da tomada.
No caso sub specie, a decisão ínsita no Acórdão nº
550/2005 encontra-se devidamente fundamentada, não repousando, por isso, em
qualquer dos lapsos manifestos permissores de dedução de reclamação nos termos
daquele nº 2.
Poderá o «reclamante» não concordar com o que foi
decidido e com a fundamentação carreada, ajuizando, assim, para si, no sentido
de ter havido «erro de julgamento» no tocante à interpretação normativa que deu
lugar à decisão. Simplesmente, essa não concordância não tem a virtualidade de
modificar o decidido e, seguramente, não se pode levar a efeito recorrendo a um
pedido de reforma.
Nestes termos, indefere-se o peticionado.
Lisboa, 20 de Outubro de 2005
Bravo Serra
Paulo Mota Pinto
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos