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Processo n.º 516/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. O A., ora recorrente, intentou contra B. e outros, acção declarativa pedindo
a declaração de nulidade do registo de uma hipoteca a favor dos RR, incidente
sobre fracções autónomas de prédio urbano, identificado nos autos, anteriormente
adquiridas pelo A. Por decisão do Tribunal de Círculo do Barreiro, de 15 de
Setembro de 1997, foi a acção julgada improcedente e, em consequência, foram os
RR absolvidos do pedido.
2. Inconformado com esta decisão o A. recorreu dela para o Tribunal da Relação
de Lisboa que, por acórdão de 27 de Maio de 1999, julgou o recurso improcedente.
3. Novamente inconformado o A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que,
por acórdão de 17 de Fevereiro de 2000, considerando que, “na pendência desta
acção, foi proferido acórdão uniformizador de jurisprudência em sentido
contrário ao que baseou as decisões das instâncias”, estabeleceu que “no caso de
não se ter por existente má fé, prevalece o registo da hipoteca, porque
efectuado antes do registo de aquisição das fracções autónomas pela autora. No
caso contrário, ficará afectada a hipoteca, na parte que abrange as referidas
fracções.” Assim sendo, concedeu, em parte, provimento à revista, ordenando a
“remessa dos autos à Relação para ampliação da matéria de facto no que diz
respeito à questão suscitada pelo autor, de má fé na celebração da hipoteca e
consequente registo”.
4. Em cumprimento deste acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa, considerando
que o apuramento da matéria em causa “pressupunha a necessária produção de
prova”, da competência da 1ª instância, para aí ordenou a remessa dos autos.
Foi, então, elaborado o respectivo quesito, que obteve resposta negativa, vindo
a acção a ser novamente improcedente, por decisão de 3 de Janeiro de 2002.
5. Mais uma vez inconformado o A. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa
que, por acórdão de 20 de Janeiro de 2004, voltou a julgar a apelação
improcedente.
6. Desta decisão foi interposto recurso de revista. Já no Supremo Tribunal de
Justiça, o relator do processo, considerando não ser possível conhecer do
objecto do recurso proferiu parecer nesse sentido. Na parte ora relevante, é o
seguinte o seu teor:
“[...] Por este STJ foi proferido acórdão em que foi ordenada a ampliação da
matéria de facto, com expressa indicação do concreto ponto a indagar e da
finalidade do suprimento da insuficiência, bem como da definição do direito e
solução jurídica a adoptar consoante ficasse ou não demonstrado o facto cuja
apreciação fora omitida.
Tratou-se da situação contemplada e excepcionalmente admitida e regulada nos
arts. 729°-3 e 730°-1 C PC - o Supremo está em condições de definir já o direito
aplicável, por a matéria de para tanto se revelar suficiente, apesar da
deficiência, mas o apuramento do facto omitido mostra-se necessário à
concretização decisória.
No caso, decidido que a pretensão do A. procederia se se viesse a provar a má fé
e improcederia no caso contrário só haveria que apurar esse facto e declará-lo
em conformidade nas instâncias.
Quando tal hipótese se verifica o julgamento da causa 'resultará, a final, da
combinação dos arestos dos tribunais de revista e de apelação ou da decisão da
1.ª instância. Na perspectiva da finalidade do recurso, é o sistema intermédio o
concretizado (AMÂNCIO FERREIRA, 'Manual dos Recursos...” 4ª ed., 257).
Cumprida pelas Instâncias a ampliação da matéria de facto e aplicado o regime
jurídico definitivamente fixado pelo Supremo, a decisão da Relação não admite
recurso, como resulta do disposto no art. 730° citado e é facilmente
compreensível.
Consequentemente, à luz do regime invocado, que é o aplicável, o recurso
interposto não é admissível.
3. - Ocorre, porém, que o Recorrente funda a pretensão recursiva na violação da
lei substantiva, enquanto fixa a força probatória da confissão como meio de
prova, colocando-se, desse modo, a coberto da excepção prevista no último
segmento do n.º 2 do art. 722° CPC, que, por regra, veda ao STJ a intromissão na
matéria de facto quanto à sua fixação e à valoração das provas.
Cabe, então, averiguar se, por isso, excepcionando a limitação acolhida pelo
art. 730°, o recurso deve ser admitido.
Entende-se que a resposta continua a ser negativa.
A lógica e coerência do sistema não comportam outra solução.
Na verdade, o acórdão que julgou a revista e mandou averiguar o concurso da má
fé pelas instâncias fê-lo - e apenas o poderia ter feito - por não dispor o STJ
do facto omitido, quer no elenco do factos assentes pela Relação, quer
demonstrado por documento ou outro meio de prova com força probatória plena.
Por isso, e apenas por isso, deferiu às instâncias o respectivo apuramento,
cabendo à Relação a última palavra na valoração das provas e fixação dos factos
em função das mesmas (arts. 722° e 729°).
O Recorrente alegara já, naquele recurso para o Supremo, o concurso do requisito
má fé, justamente a extrair dos factos articulados e dos documentos - em termos
próximos dos que ora vem repor - e, subsidiariamente, a ampliação da matéria de
facto 'com a consequente prova', ou seja, para sobre ela ser produzida a
necessária prova.
O STJ. acolheu esta pretensão subsidiária, do mesmo passo que afastou a
principal - a de se poder ter por demonstrada a má fé com base no alegado nos
articulados e nos documentos não impugnados ( a invocada confissão) -, como se
colhe da circunstância de ter considerado que a má fé atribuída pelo A. aos RR.
«é contrariada na contestação» para, de seguida, na procedência parcial das
conclusões, ordenar a ampliação que, doutro modo, seria de todo desnecessária.
A mesma linha, sem impugnação, seguiu o acórdão da Relação ao julgar a
averiguação do facto omitido à produção de prova em julgamento da matéria de
facto na 1ª instância.
E, ainda no seguimento do caminho traçado pelo próprio Recorrente, foi elaborado
um quesito, coisa que a lei proíbe quando o facto a que o mesmo se reporta
esteja provado por documento ou por confissão. Se o facto já estava provado (o
que fora rejeitado) não poderia ser quesitado nem respondido, o que vale por
dizer que não poderia ser submetido à prova e julgamento (arts. 508°~A-1-e),
511°-1 e 646°-4, todos do CPC).
Nunca antes, nomeadamente até ao referido acórdão deste Supremo, suscitou o
Recorrente a desconsideração nas decisões de mérito de 'factos provados por
documentos ou por confissão reduzida a escrito' em violação do imperativo
dirigido ao julgador pelo n.º 3 do art. 659° C PC.
Não houve, entretanto, qualquer alteração da causa de pedir ou do pedido no
sentido da apreciação da invalidade (anulabilidade) do negócio hipotecário -
que, salvo melhor opinião, consistiria em eventual ineficácia em relação ao
representado (arts. 268° e 269° C. Civil) - e da subsequente invalidade e
cancelamento do registo.
4. - Consequentemente, tem de concluir-se que as questões suscitadas não escapam
ao objecto e limites do que ficou definitivamente decidido pelo acórdão deste
Tribunal de 17/2/2000, encontrando-se completamente precludido o conhecimento de
questões nele não expressa, porque já excepcionalmente definidas.
Porque novas e extravagantes relativamente aos contornos fixados por aquele
aresto ou porque nele decididas - como sucede com o afastamento, da tese da
aquisição do facto má fé dos RR. com base no alegado na contestação e nos
documentos que a instruem -, as questões suscitadas no recurso ora em apreciação
já se encontram decididas ou são inidóneas para afastar a regra mencionada regra
da inadmissibilidade de novo recurso para o STJ, ficando, nessa medida, um tal
recurso sem objecto.
De igual modo, enquanto fundamento acessório, a apreciação de nulidades, seja
qual for a espécie de recurso, só pode ter lugar se este for admissível - arts.
721°-2,722°-1 e 754° CPC.
Do que se deixa exposto manifesta-se o entendimento de que não é possível
conhecer do objecto do recurso, por vedado pelo art. 730°- 1 e 2, a contrario.”
7. Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre o conteúdo deste
parecer, disse o ora recorrente, para o que agora importa, o seguinte:
“1. A questão prévia, suscitada no citado despacho, da impossibilidade de
conhecimento do objecto do recurso de revista ora interposto pelo A., de modo
àquele ser julgado findo, sem mais, conforme previsto na 2ª parte da alínea e)
do n.º1 do art. 700° do mesmo Código, merece - só pode merecer, conforme razões
que se alinharão infra - a mais profunda discordância e censura da parte do
Recorrente, para mais, competindo, como compete aos Tribunais, administrar a
justiça (art. 156° do CPC);
[...]
10.Chegados aqui, passemos, então, a elencar as razões que nos fazem discordar,
total e absolutamente, do entendimento manifestado no despacho, de v. Exa., de
2005.01.12, 'de que não é possível conhecer do objecto do recurso, por vedado
pelo art. 730°- 1 e 2, a contrario', ou seja, da 2ª revista;
11. Com efeito, não é verdade, afirmar-se, como se afirma, no citado despacho,
dever 'concluir-se que as questões suscitadas não escapam ao objecto e limites
do que ficou definitivamente decidido pelo acórdão deste tribunal de 17/2/2000,
encontrando-se completamente precludido o conhecimento de questões nele não
expressa(s), porque já excepcionalmente definidas' e 'Porque novas e
extravagantes relativamente aos contornos fixados por aquele aresto ou porque
nele decididas - como sucede com o afastamento da tese da aquisição do facto má
fé dos RR. com base no alegado na contestação e nos documentos que a instruem -,
as questões suscitadas no recurso ora em apreciação já se encontram decididas ou
são inidóneas para afastar a regra mencionada regra da inadmissibilidade de novo
recurso para o STJ, ficando, nessa medida, um recurso sem objecto'.
12. Senão vejamos!;
13. Salvo o devido respeito, esquece-se v. Exa., Senhor Juiz Conselheiro, que as
aludidas questões suscitadas, alegadamente já decididas e precludidas, nunca
poderiam encontrar-se já decididas e muito menos precludidas pela simples razão
de que até ser proferido o acórdão de 2000.02.17 - que constituiu o ponto de
viragem no presente processo, ao ordenar, com base no Acórdão uniformizador de
jurisprudência n° 3/99, entretanto, publicado, que fosse tomada em linha de
conta a boa ou má fé dos RR./Recorridos, daí mandar ampliar a matéria de facto e
definir o novo regime jurídico aplicável -, a boa ou má fé, pura e simplesmente,
não relevavam;
14. Por outras palavras, só a partir da referida data é que o pleito prosseguiu
com a selecção da matéria de facto atinente à má fé, com a consequente prova,
sendo aquela, até então, impertinente;
15. Depois, lendo 'de fio a pavio', quer a sentença de 2002.01.03 quer o acórdão
de 2004.01.20, facilmente se constata que, seja uma seja a outra instâncias,
nenhuma se pronuncia sobre as questões suscitadas, apesar de a isso estarem
obrigadas, por força do novo direito mandado aplicar, razão pela qual estamos
perante uma situação de omissão de pronúncia;
16. Importa esclarecer ainda que não é pelo facto de só nas alegações produzidas
no âmbito da presente revista se mencionar, expressamente, o conceito jurídico
de confissão, que as questões que a consubstanciam e já anteriormente suscitadas
se convolam em questões novas, extravagantes e inidóneas;
17. De facto, relevantes são os factos ou questões suscitados e não a
qualificação jurídica que lhes damos;
18. Nos autos, o A. sempre suscitou, oportunamente, as questões, e procedendo,
agora, à sua classificação, recorrendo ao conceito de direito adequado;
19. Como é óbvio, tal classificação, feita pelo Recorrente, é facultativa e
nunca obrigatória!
20. Tudo isto para dizer que é ao julgador que cabe rotular, em última análise,
a modalidade de prova em que assenta um determinado facto, pelo que a afirmação
produzida, por V. Exa., de que 'Nunca antes, ..., suscitou o recorrente a
desconsideração nas decisões de mérito de 'factos provados por documentos ou por
confissão reduzida a escrito', vale o que vale;
21. Por seu turno, é, também, inequívoco que a opção feita por esse Supremo
Tribunal de Justiça no sentido de mandar ampliar, como mandou, a matéria de
facto em nada pode afectar o Recorrente, sendo certo que tal solução até foi
requerida, pelo mesmo, a título subsidiário (cfr. pontos 3 e 4 supra);
22. Com efeito, uma vez elaborado o quesito, depois de ter sido ordenada a
ampliação da matéria de facto, importava, isso, sim, que o tribunal tivesse
apreciado devidamente as provas, confrontando-as, fazendo prevalecer, no caso em
apreço, aquela que tem força probatória plena;
23. Por tal não ter acontecido, ou seja, com base em erro notório na apreciação
das provas, foi interposta a presente revista, ao abrigo do n.º 2 do art. 722°
do CPC;
24. Com efeito, não tivesse sido esquecida a matéria alegada, pelos 2°s RR., nos
n.ºs 1, 2 e 3 da sua contestação, assim como os documentos que a instruem, seja
pela 1 a, seja pela 2a instâncias e teria sido dado como provado o quesito
único;
25. É que tal alegação, acompanhada dos referidos documentos, considerando que
não houve impugnação, constitui uma confissão judicial escrita, que, por ser
desfavorável aos confitentes (2°s RR., ora Recorridos), tem força probatória
plena contra os mesmos, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 358° do Código Civil;
26. Trata-se de factos articulados e de documentos oferecidos pelos 2°s RR que
não foram impugnados, pelo que, por força do disposto nos arts. 264°, 515° e
664° do CPC, deviam ter sido tomados em consideração e devidamente apreciados
pelo tribunal e que, pura e simplesmente, o não foram (cfr. ponto 8 supra);
27. Conforme consta do último parágrafo da decisão sobre a matéria de facto, o
próprio tribunal ainda divaga sobre a não existência daqueles documentos:
'...dos restantes documentos juntos aos autos não se retira qualquer declaração
confessória por parte dos RR. C. e D.' (sublinhado nosso);
28. Em relação ao articulado pelos 2°s RR. nos n.ºs 1, 2 e 3 da contestação que
ofereceram, então, o tribunal, nem divagar, divaga. Esquece-se totalmente da
matéria ali articulada;
29. Em suma, com base na aludida confissão judicial escrita e documental, a má
fé dos 2°s RR., ora Recorridos, resulta inevitavelmente provada;
30. Por tudo o que antecede, não restam dúvidas que o recurso de revista
integra-se, pois, no n.º 2 do art. 722° do CPC, pelo que é admissível;
31. E que, o seu fundamento radica em erro da decisão sobre a matéria de facto,
ao não ter tido em conta o alegado na contestação, assim como documentos juntos
à mesma;
32. Do que se recorre é da decisão de considerar não provado o quesito em causa
- aliás, único;
33. O que V. Exa. defende, salvo o devido respeito e melhor opinião, teria
cabimento se o recurso tivesse sido interposto sobre a aplicação do direito face
à matéria provada. Efectivamente, tendo sido definido, pelo STJ, o regime
jurídico aplicável, a decisão da Relação não admitiria recurso, como resulta do
disposto no art. 730° do CPC e, de resto, é facilmente compreensível - vide
Fernando Amâncio Ferreira, 'Manual dos Recursos em Processo Civil', 3ª Edição,
Revista, Actualizada e Ampliada, pág. 256. Mas não ... . O recurso, em questão,
é interposto sobre a decisão que recaiu quanto à matéria constante do aludido
quesito, razão pela qual o art. 730° do CPC não está em causa;
34. Consequentemente, os arts. 722° e 730° do CPC, na interpretação que lhes é
dada por V. Exa., violam, nomeadamente, os princípios constitucionais da
confiança, ínsito no princípio do estado democrático e do acesso ao direito.
Termos em que deve improceder a questão prévia da impossibilidade de
conhecimento do objecto do recurso de revista e, consequentemente, admitido, ao
abrigo do n.º 2 do art. 722° do CPC, seguindo-se os demais termos até final”.
8. Por parte do Ex.mo Conselheiro Relator do processo no Supremo Tribunal de
Justiça foi, então, proferido despacho com o seguinte teor:
“O A. Recorrente veio insistir na admissibilidade da revista com fundamento em
que o recurso foi interposto «com base em erro notório na apreciação das provas,
ao abrigo do n.º 2 do art. 722° do CPC», por ter «por ter sido esquecida a
matéria alegada pelos 2°s RR., nos n.º 1, 2 e 3 da sua contestação, assim como
os documentos que a instruem (...)», concluindo que o recurso «é interposto
sobre a decisão que recaiu quanto á matéria constante do aludido quesito (o
quesito aditado, em ampliação, para indagar da má fé), razão pela qual o art.
730° não está em causa».
A objecção do Recorrente encontra resposta directa e, ao que se crê, clara e
completa, no ponto 3. do despacho parecer.
Para evitar inúteis e fastidiosas repetições, remete-se para o que aí se deixou
escrito, dando-o aqui por reproduzido.
Apesar disso, sempre se insiste na reafirmação de que, ao mandar ampliar a
matéria de facto, mediante a elaboração de quesito complementar, com sujeição à
produção de prova testemunhal, entenderam os Tribunais, e designadamente o STJ,
que o facto não estava confessado nem provado, quer nos articulados quer pelos
documentos juntos ao processo.
De contrário, repete-se, ter-se-ia agido contra legem pois que não podem ser
elaborados quesitos sobre factos já provados por confissão ou documentalmente,
nem a eles dadas respostas (arts. 508°-A-l-e), 511°-1 e 646°-4 CPC).
Daí que, nessa perspectiva, se encontre vedada, por precludida, qualquer censura
ao juízo de necessidade de ampliação da matéria de facto pelas instâncias feito
pelo acórdão deste Supremo que fixou o direito aplicável.
No mais, como expressamente se prevê no n.º 2 do art. 722°, o erro na apreciação
das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do
recurso de revista, sendo que, como conclui o Recorrente, o que está em causa é
apenas a resposta a um quesito ao qual, como nota a Relação ao apreciar o pedido
de alteração, foi produzida prova oralmente, sem que exista ou se indique
documento com força probatória plena ou não impugnado que imponha resposta
diversa.
- Termos em que, em conformidade com o disposto nos arts.701°, 730°-1 e 2 e
700°- 1-e), todos do CPC, por inadmissibilidade do recurso, não se conhece do
seu objecto e se julga extinta a respectiva instância”.
9. Novamente inconformado, o recorrente veio, ao abrigo do n.º 3 do artigo 700º
do Código de Processo Civil, requerer que sobre aquele despacho recaísse um
acórdão.
10. Por parte do Supremo Tribunal de Justiça foi então proferido, em 19 de Abril
de 2005, acórdão com o seguinte teor:
“[...] A decisão impugnada fundou-se na circunstância de o recurso de revista se
encontrar vedado pela norma do n.º 2 do art. 730° CPC, em virtude de, em
conformidade com o n.º l do mesmo preceito e n.º 3 do art. 729°, no anterior
acórdão, o STJ ter definido o direito aplicável consoante se apurasse a boa ou
má fé dos RR.- recorridos e ordenado a ampliação da matéria de facto para tal
apuramento.
Insiste o Recorrente no facto de terem sido desconsiderados factos alegados e
confessados pelos RR., bem como outros resultantes de documentos juntos por
estes na contestação.
Como já se deixou anteriormente dito, ao definir, como definiu, o regime
jurídico e ao mandar ampliar a matéria de facto mediante a elaboração de quesito
complementar, com a inerente sujeição prova testemunhal, entendeu o STJ que o
facto não estava confessado nem documentalmente provado.
A actuação das Instâncias ficou, assim, limitada ao cumprimento do acórdão deste
Supremo e, para sempre, arredado novo recurso de revista.
Consequentemente, e remetendo ainda para os mais desenvolvidos fundamentos
constantes do despacho reclamado, indefere-se a pretensão do Requerente e
mantém-se o nele decidido”.
11. Desta decisão foi interposto recurso para este Tribunal, através de um
requerimento que tem o seguinte teor:
“1. O presente recurso é interposto ao abrigo das disposições conjugadas da
alínea b) do n.º1 do art. 70° e dos nºs 1 e 2 do art. 75°- A, ambos da citada
Lei n° 28/82, de 15 de Novembro com a redacção introduzida pelas Leis nºs 85/89
e 13-A/98, de 7 de Setembro e 26 de Fevereiro, assim como da alínea b) do n.º1
do art. 280° da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, na
redacção que lhe foi dada pelas Leis Constitucionais n.ºs 1/82, de 30 de
Setembro, 1/89, de 8 de Julho, 1/92, de 25 de Novembro, 1/97, de 20 de Setembro,
1/2001, de 12 de Dezembro e 1/2004, de 24 de Julho;
2. Em causa no presente recurso está, por um lado, a omissão de pronúncia do
Tribunal da Relação de Lisboa sobre matéria que, inequivocamente, lhe competia
apreciar, acrescida do não uso, pelo mesmo, da faculdade que lhe é conferida
pela alínea b) do n.º1 do art. 712° do Cód. de Processo Civil - e que se impunha
no caso sub judice -, por se traduzir numa clara violação do princípio da
confiança, ínsito nos princípios do Estado de direito democrático, para além do
princípio da segurança jurídica, inerente à função judicial, consagrados nos
arts. 2° e 9°, alínea b) da C.R.P.;
3. E, por outro lado, os arts. 700°, n.º1, alínea c), 701°,704°,722°,729° e
730°, todos do C.P.C., na interpretação que lhes é dada na decisão recorrida,
por violar, também, o princípio da confiança, ínsito nos princípios do Estado de
direito democrático, bem como o do acesso ao direito, previsto no art. 20° da
C.R.P.;
4. Ora, as referidas inconstitucionalidades foram suscitadas pelo Recorrente,
respectivamente, nas Alegações que produziu em sede de recurso de Revista,
entregues em 2004.05.10 - cfr. n.º 20 das respectivas Conclusões - e na sua
pronúncia, ao abrigo do n.º1 do art. 704° do Código de Processo Civil,
apresentada em 2005.01.31 vide n.º 34 da mesma;
5. Aquilo que o Recorrente ataca é o tratamento (ou melhor, ausência de
tratamento) e interpretação dados, no Acórdão impugnado, aos referidos preceitos
legais;
6. Por outras palavras, aquilo que o Recorrente pretende é ver apreciada a
constitucionalidade dos citados normativos legais, com base no tratamento e
interpretação conferidos aos mesmos na decisão recorrida;
7. O presente recurso é viável, considerando que tem sido entendido doutrinária
e jurisprudencialmente que invocar a inconstitucionalidade de uma dada
interpretação de certa norma jurídica é invocar a inconstitucionalidade da
própria norma, nessa interpretação - só se fechando a via do recurso previsto na
alínea b ) do n.º1 do art. 70° da Lei 28/82 quando o mesmo tem por objecto a
impugnação da decisão propriamente dita (cfr. Acórdão n° 633/85, publicado no
DR, 2ª Série, de 24 de Abril de 1996, o qual remete ainda para os Acórdãos, no
mesmo sentido, n.ºs 102/84, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional,
4° Vol., págs. 293 e segs. e 388/87, 141/92, 228/94 e 612/94, publicados no DR,
2ª Série, de 15 de Dezembro de 1987, 21 de Agosto de 1992, 28 de Julho de 1994 e
11 de Janeiro de 1995, respectivamente, e para a doutrina, igualmente no mesmo
sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira em 'Fundamentos da Constituição',
Coimbra, 1991, pág. 258, J.M. Cardoso da Costa, na ' A Jurisdição Constitucional
em Portugal', 1992, pág. 50 e Armindo Ribeiro Mendes, em 'Recursos em Processo
Civil', 2ª ed., Lisboa, 1994, pág. 327);[...]”.
12. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte relevante, o seu teor:
“12. Importa, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso,
uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr.
art. 76º, n.º 3, da LTC).
12.1. No ponto 2. do requerimento de interposição do recurso, peça processual
que delimita o respectivo objecto, começa o recorrente por referir que “em causa
[...] está, por um lado, a omissão de pronúncia do Tribunal da Relação de Lisboa
sobre a matéria que, inequivocamente, lhe competia apreciar, acrescida do não
uso, pelo mesmo, da faculdade que lhe é conferida pela alínea b) do n.º1 do art.
712° do Cód. de Processo Civil”, situação que, no seu entendimento, traduz uma
“clara violação do princípio da confiança, ínsito nos princípios do Estado de
direito democrático, para além do princípio da segurança jurídica, inerente à
função judicial, consagrados nos arts. 2º e 9º, alínea b) da CRP”.
Como é, porém, patente e manifesto, tal afirmação não representa, sequer, a
colocação pelo recorrente de uma qualquer questão de constitucionalidade
normativa, mas, quando muito, de um problema de constitucionalidade de uma
decisão, que nem é, tão pouco, a recorrida. Com efeito, é a uma decisão – e não
a normas por esta aplicadas – que o recorrente imputa o vício de
constitucionalidade e, sendo assim, como claramente é, apenas há que concluir,
desde já, que não pode, neste ponto, conhecer-se do objecto do recurso. É que,
como o Tribunal tem sistematicamente afirmado, o recurso previsto na al. b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, visa submeter à
apreciação do Tribunal Constitucional a constitucionalidade de norma(s)
aplicada(s) pela decisão recorrida. É, por isso, jurisprudência pacífica e
sucessivamente reiterada que, estando em causa a própria decisão em si mesma
considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade vigente em Portugal.
Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se
evidente que não pode, no que se refere à questão suscitada no ponto 2. do
requerimento de interposição do recurso, conhecer-se do objecto do recurso.
12.2. Já no ponto 3. daquele requerimento refere o recorrente pretender ver
apreciada a constitucionalidade dos artigos “700°, n.º 1, alínea c), 701°, 704°,
722°, 729° e 730°, todos do C.P.C., na interpretação que lhes é dada na decisão
recorrida”, por violar, também, o princípio da confiança, ínsito nos princípios
do Estado de direito democrático, bem como o do acesso ao direito, previsto no
art. 20° da C.R.P”. Esclarece, ainda, no ponto 4. do mesmo requerimento, que
teria suscitado a questão de constitucionalidade destes preceitos “em sede de
recurso de Revista, entregues em 2004.05.10 - cfr. n.º 20 das respectivas
Conclusões - e na sua pronúncia, ao abrigo do n.º1 do art. 704° do Código de
Processo Civil, apresentada em 2005.01.31 - vide n.º 34 da mesma”.
A verdade, contudo, é que, compulsados os autos, designadamente nas partes
referidas pelo recorrente, verifica-se que não foi assim. Desde logo, nas
conclusões indicadas pelo recorrente, nunca este imputou qualquer questão de
constitucionalidade aos artigos 700°, n.º 1, alínea c), 701°, 704° e 729º do
Código de Processo Civil, bastando, para o demonstrar, recordar o teor daquelas
conclusões. Assim, na conclusão 20ª do recurso de revista entregue em 10 de Maio
de 2004, afirma: “Por fim, face à omissão de pronúncia do Tribunal da Relação
sobre matéria que, inequivocamente, lhe competia apreciar, acrescida do não uso,
pelo mesmo, da faculdade que lhe é conferida pela alínea b) do n.º1 do art. 712°
do Cód. de Processo Civil - e que se impunha no caso sub judice -, cumpre
suscitar a violação do princípio da confiança, ínsito nos princípios do Estado
de direito democrático, consagrados constitucionalmente”. Por sua vez, na
conclusão 34ª da sua pronúncia, ao abrigo do n.º1 do art. 704° do Código de
Processo Civil, diz: “Consequentemente, os arts. 722° e 730° do CPC, na
interpretação que lhes é dada por V. Exa., violam, nomeadamente, os princípios
constitucionais da confiança, ínsito no princípio do estado democrático e do
acesso ao direito”.
Ora, como este Tribunal tem reiteradamente afirmado e resulta expressamente do
disposto no n.º 2 do artigo 72º da Lei n.º 28/82, o recurso previsto na alínea
b) do n.º 1 do artigo 70º daquele diploma, “só pode ser interposto pela parte
que haja suscitado a questão de constitucionalidade [...] perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida”, o que, manifestamente, no caso dos autos, não
aconteceu em relação aos artigos 700°, n.º 1, alínea c), 701°, 704° e 729º do
Código de Processo Civil.
Em face do exposto, apenas resta concluir que também não é possível, nesta
parte, conhecer do objecto do recurso.
12.3. Resta, finalmente, verificar se pode conhecer-se do objecto do recurso, na
parte em que vem solicitada a apreciação da constitucionalidade dos artigos 722º
e 730º do Código de Processo Civil, “na interpretação que lhes é dada na decisão
recorrida”.
É certo, como nota o recorrente, que este Tribunal tem, repetidamente, afirmado
que nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão
normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, tem também sempre
acrescentado que recai sobre o recorrente o ónus de indicar (durante o processo
e no requerimento de interposição do recurso), de forma clara e perceptível, o
exacto sentido normativo do preceito que considera ser inconstitucional. Como se
disse, por exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
30º vol., p.1118.), e em inúmeros outros que o antecederam e se lhe seguiram,
“tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e
perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, Diário da República, II
Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma
certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa
interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a
Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o
tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários
daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em
causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”.
Verifica-se, porém, que nem no requerimento de interposição do recurso - onde se
limita a remeter para a “ interpretação que lhes é dada na decisão recorrida” -
nem, durante o processo, concretamente na conclusão 34ª supra referida, onde se
refere à “interpretação que lhes é dada por V. Exa.”, referindo-se ao despacho
do Conselheiro Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça - o recorrente
identifica, ao menos nos termos claros e perceptíveis que vêm sendo exigidos por
este Tribunal, e que supra já descrevemos, qual o exacto sentido normativo dos
artigos 722º e 730º do Código de Processo Civil que considera inconstitucional.
E daí que, não tendo sido colocada pelo recorrente, de modo processualmente
adequado, uma questão de constitucionalidade, em termos de o Supremo Tribunal de
Justiça dela estar obrigado a conhecer, este não tenha, sequer, sem que lhe
fosse imputada qualquer omissão de pronúncia, referido qualquer problema de
inconstitucionalidade.
Ora, o não cumprimento daquele ónus obsta a que se possa, também nesta parte,
conhecer-se do objecto do recurso. Até porque a não identificação pelo
recorrente, de forma clara e perceptível, da exacta dimensão normativa dos
preceitos cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, obsta a que o
Tribunal possa verificar se encontram preenchidos outros pressupostos de
admissibilidade do recurso que pretendeu interpor (o previsto na alínea b) do
n.º 1 do art. 70º da LTC), nomeadamente saber se a decisão recorrida utilizou,
como ratio decidendi, a precisa dimensão normativa cuja inconstitucionalidade o
recorrente pretende ver apreciada.
12.4. Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, desnecessárias no
presente contexto, há que concluir que se não pode conhecer do recurso que o
recorrente pretendeu interpor para este Tribunal, por manifesta falta dos seus
pressupostos de admissibilidade.
13. O que se acaba de concluir impede igualmente que o Tribunal se possa
pronunciar sobre um eventual carácter manifestamente infundado do recurso. Com
efeito, relacionando-se as questões de constitucionalidade que vêm colocadas com
uma determinada interpretação normativa - não claramente identificada - de
preceitos (os artigos 722º e 730º) que delimitam os termos em que é admissível
recurso de revista, por alegada violação do disposto no artigo 20º da
Constituição, cabe recordar que, sobre esta matéria (direito ao recurso em
processo civil), o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado (cfr.,
por último o Acórdão n.º 302/05, desta 3ª secção), que, da garantia de acesso de
acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20º, n.º 1, da
Constituição, não decorre a garantia generalizada de um duplo grau de
jurisdição. E, seguramente, em caso algum, de um triplo. Como se ponderou, por
exemplo, no Acórdão n.º 261/2002 (todos os acórdãos citados estão disponíveis na
página Internet do Tribunal Constitucional em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), reiterando anterior
jurisprudência deste Tribunal, designadamente a constante dos Acórdãos n.ºs
451/2002 e 202/99, este último tirado em plenário:
“[...] O artigo 20º, n.º 1, da Constituição assegura a todos “o acesso ao
direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos”. Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos,
segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e
independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena
igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista
(designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal
possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral
de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de
ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a
garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição?
A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso
para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil;
e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei
Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a
menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando,
aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual
a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida
(mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das
garantias de defesa previstas naquele artigo 32º [...].
Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir
ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer”. [...]
Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode
concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a
faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática.
Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a
existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. os citados
Acórdãos n.º 31/87, 65/88, e ainda 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
vol. 12, pág. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos n.º
359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, pág. 605), n.º 24/88,
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 525), e n.º 450/89,
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13, pág. 1307). [...]”. (Sublinhados
aditados).
A impossibilidade de conhecer do objecto do recurso, impede, porém, que se
decida sobre a eventual aplicabilidade desta jurisprudência à situação que é
objecto dos presentes autos.”
13. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º
3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que o reclamante fundamenta
nos seguintes termos:
“[...], Recorrente nos autos à margem identificados, notificado da douta decisão
sumária proferida, pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator, nos termos do n.º1 do
art. 78°-A da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (Lei sobre Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), na redacção introduzida
pela Lei n° 13-A/l98, de 26 de Fevereiro, vem reclamar para a conferência, ao
abrigo do n.º 3 do citado preceito legal, o que faz nos termos e com os
fundamentos seguintes:
1. Reclama-se da decisão de não tomar conhecimento do recurso quando aí se
decide, como decide e com os seguintes fundamentos:
- que a questão suscitada no ponto 2 do requerimento de interposição do recurso
traduz-se num problema de constitucionalidade de uma decisão e não numa questão
de constitucionalidade normativa;
- que o Recorrente nunca imputou durante o processo e perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida qualquer questão de constitucionalidade em relação
aos arts. 700°, nº1, alínea c), 701°,704° e 729° do Código de Processo Civil; e
- que, nem durante o processo nem no requerimento de interposição do recurso, o
Recorrente não identificou, nos termos claros e perceptíveis que vêm sendo
exigidos pelo Tribunal Constitucional, qual o exacto sentido ou interpretação,
dados na decisão recorrida, aos arts. 722° e 730° do citado Código e que
considera inconstitucional.
2. Estabelece o art. 75°-A da citada Lei do Tribunal Constitucional, nos seus
nºs 1 e 2, quais os requisitos que devem ser satisfeitos, pelo Recorrente, no
requerimento de recurso interposto nomeadamente ao abrigo da alínea b) do n° 1
do art. 70° da mesma Lei, ou seja, o dos autos.
Assim, para que o requerimento de interposição do referido recurso obtenha
deferimento, necessário se toma que sejam indicados, por um lado, a norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o tribunal aprecie, por
outro lado, aquela alínea do n° 1 do art. 70° e, por outro lado ainda, a norma
ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, assim como a peça
processual em que o Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou
ilegalidade.
Ora, tudo elementos constantes, a propósito das questões suscitadas no n.° 2 do
requerimento, dos autos, de interposição do recurso, do respectivos nºs 1, 2
(naturalmente), 4, 1ª parte (até 'Conclusões', inclusive e daí o uso, nesse
número, do termo 'respectivamente') e 5 e 6.
Concretizando, no n° 1 do aludido requerimento é mencionada expressamente a
alínea b) do n° 1 do art. 70° da Lei do Tribunal Constitucional, ao abrigo da
qual é interposto o recurso e no n° 2 - o qual transcrevemos na íntegra - que
'Em causa no presente recurso está, por um lado, a omissão de pronúncia do
Tribunal da Relação de Lisboa sobre matéria que, inequivocamente, lhe competia
apreciar, acrescida do não uso, pelo mesmo, da faculdade que lhe é conferida
pela alínea b) do n° 1 do art. 712° do Cód. Processo Civil- e que se impunha no
caso sub judice -, por se traduzir numa clara violação do princípio da
confiança, ínsito nos princípios do Estado de direito democrático, para além do
princípio da segurança jurídica, inerente à função judicial, consagrados nos
arts. 2° e 9°, alínea b) da C.R.P .', isto é, depois de devidamente compaginado
com os respectivos nºs 5 e 6, as normas cuja inconstitucionalidade se pretende
que esse tribunal aprecie - arts. 668°, n° 1, alínea d), 1ª parte e 712°, n° 1,
ambos do Código Civil -, bem como os princípios constitucionais considerados
violados e aquilo que o Recorrente, efectivamente, ataca - '... o tratamento (ou
melhor, a ausência de tratamento)' dado no douto Acórdão, de 2005.04.19, do
Supremo Tribunal de Justiça aos citados preceitos legais - ou pretende '...
ver apreciada a constitucionalidade dos citados normativos legais, com base no
tratamento ... conferido(s) aos mesmos na decisão recorrida'.
Por seu turno, no já referenciado excerto do n° 4 do requerimento de
interposição do recurso é mencionada a peça processual onde o Recorrente
suscitou a competente inconstitucionalidade, a saber: '... nas Alegações que
produziu em sede de recurso de Revista, entregues em 2004.05.10 - cfr. n° 20 das
respectivas Conclusões - . . .'.
Aliás, não constando do requerimento de interposição do recurso a indicação de
algum dos requisitos exigidos pelo art. 75°-A, impende sobre o juiz, primeiro,
do tribunal recorrido e, depois, do Tribunal Constitucional mandar notificar o
Recorrente para facultar o elemento em falta, sob pena de o recurso, interposto,
ser então julgado deserto (n.ºs 5 a 7 do art. 75°-A da Lei do Tribunal
Constitucional).
O que não aconteceu no caso vertente, nem podia ter acontecido, dada a total e
escrupulosa observância, pelo Recorrente - conforme teve oportunidade de
demonstrar supra -, do que lhe era exigido para efeito de interposição de
recurso, ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 70° da LTC.
Depois, salvo o devido respeito, falece razão à decisão reclamada quando nela é
referido que é a uma decisão e não a normas por esta aplicadas que o Recorrente
imputa o vício de constitucionalidade. Efectivamente, se é certo não poder
suscitar-se a questão da inconstitucionalidade da decisão, ou seja, do acto de
aplicação do direito mas sim da norma que nela haja sido aplicada, não é menos
certo que o conteúdo do n° 2 do requerimento de interposição do recurso, ao
explicitar que 'Em causa está. . . , por um lado, a omissão de pronúncia do
Tribunal da Relação de Lisboa sobre matéria que, inequivocamente, lhe competia
apreciar, acrescida do não uso, pelo mesmo, da faculdade que lhe é conferida
pela alínea b) do n° 1 do art. 712° do Cód. Processo Civil - e que se impunha no
caso sub judice -, por se traduzir numa clara violação do princípio da
confiança, ínsito nos princípios do Estado de direito democrático, para além do
princípio da segurança jurídica, inerente à função judicial, consagrados nos
arts. 2° e 9°, alínea b) da C.R.P .', não se reconduz à respectiva decisão
judicial mas, sim, a normas adjectivas que deviam ter sido observadas e não
foram, resultando, justamente, dessa inobservância a denunciada
inconstitucionalidade.
É que, a questão da inconstitucionalidade tanto pode ser suscitada a propósito
da interpretação ou sentido dados, no caso concreto, a determinada norma, como,
também, no caso de determinada norma ter sido, pura e simplesmente, ignorada,
tal como aconteceu com os arts. 668°, n° 1, alínea b), 1 o parte e 712°, n° 1,
alínea b) ambos do C.P.C.
Pelo que, salvo melhor opinião, tanto podemos ter na génese da
inconstitucionalidade uma incorrecta interpretação da norma, assim como a sua
desaplicação, sem mais.
Nesta conformidade e, pelo menos, no que a esta parte diz respeito, deve
conhecer-se do objecto do recurso.
3. No que diz respeito ao outro fundamento em que assentou a decisão reclamada
de o Recorrente não ter imputado durante o processo e perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida qualquer questão de constitucionalidade em relação
aos arts. 700°, n° 1, alínea c), 701°,704° e 729° do Código de Processo Civil,
cumpre remeter para o regime do já citado art. 75°-A da Lei do Tribunal
Constitucional, na medida em que, a existir a alegada falta de indicação da
respectiva peça processual porque é disso e só disso que se trata, já que estão
reunidos todos os outros requisitos, previstos na lei -, competia ao tribunal
ter convidado o Recorrente a sanar essa falta, sob pena de o recurso ser logo
julgado deserto.
Ora, tratando-se, como se trata, da omissão de uma formalidade prescrita no n° 6
do art. 75°-A da LTC com influência indiscutível na decisão da causa, mais não
seja por nos encontrarmos já na última instância e não tendo tal formalidade
sido observada, compete arguir, pois, para os devidos efeitos, a competente
nulidade da decisão reclamada, nos termos dos arts. 201° e 203° do Cód. Processo
Civil.
4. Chegados aqui, chegamos ao último dos fundamentos invocados na douta decisão
reclamada ao concluir não poder conhecer-se do recurso por, nem durante o
processo nem no requerimento de interposição do recurso, o Recorrente não ter
identificado, nos termos claros e perceptíveis que vêm sendo exigidos pelo
Tribunal Constitucional, qual o exacto sentido dado na decisão recorrida aos
arts. 722° e 730° do citado Código e que considera inconstitucional.
Ora, mais uma vez sem qualquer razão, como se passa a demonstrar!
Com efeito, no 'Breviário de Direito Processual Constitucional (Recurso de
Constitucionalidade). Jurisprudência. Doutrina. Formulário', da Coimbra Editora,
1997 e da autoria de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, respectivamente, Juiz
Conselheiro a Assessora do Tribunal Constitucional consta, da respectiva Nota
Prévia, que 'Não sendo de estranhar que, primordialmente, se dirija aos
advogados, profissionais de tais matérias ( e daí a inserção de um formulário e
exemplos de reclamação e alegações), espera-se, contudo, que o livro venha a
revelar-se útil a outros profissionais do foro que com tal matéria terão de
lidar', da nota de rodapé n° 65 que 'Na Secção IV deste Capítulo indica-se um
modelo possível de formulário de requerimento de interposição de recurso, ao
abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 70° da LTC, por ser um dos vários tipos de
recurso previstos naquele artigo que é mais utilizado' e, de págs. 79, a
respectiva minuta de requerimento de interposição de recurso.
Isto para dizer que, tendo sido vertidos, pelo Recorrente, no requerimento do
recurso que interpôs, ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 70° da LTC, todos
os requisitos exigidos pelos n.ºs 1 e 2 do art. 75°A da LTC, concretamente, no
seu n° 1, a menção expressa àquela alínea, no n° 3 os arts. 722° e 730° do
Código de Processo Civil, como normas cuja constitucionalidade pretende ver
apreciada na interpretação dada pelo Acórdão recorrido, o princípio da
confiança, ínsito nos princípios do Estado de direito democrático, bem como o do
acesso ao direito, previsto no art. 20° da CRP , como os princípios
constitucionais considerados violados e, no n° 4, 2ª parte, o n° 34 da sua
pronúncia, oferecida ao abrigo do n° 1 do art. 704° do Cód. Processo Civil e
apresentada em 2005.01.31, como peça processual onde o Recorrente suscitou a
questão da respectiva inconstitucionalidade - repare-se, desta feita, que a 2ª
parte do n° 4 do requerimento de interposição reporta-se ao n° 3 do mesmo
requerimento, daí a utilização, ali, do termo 'respectivamente - e coincidindo,
na íntegra, o conteúdo daquele requerimento com o do Formulário/Exemplos,
constante de fls. 79 da citada obra, afigura-se, no mínimo, estranho vir, agora,
dizer-se na decisão reclamada que, também nesta parte, não pode conhecer-se do
objecto do recurso.
E não se argumente que a referida obra, por ser de 1997, se encontra entretanto
ultrapassada, isto pela simples razão de que os Acórdãos n° 178/95 e 269/94,
dados como exemplos, na decisão reclamada, da obrigatoriedade de indicar,
durante o processo e no requerimento de interposição do recurso, de forma clara
e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito considerado
inconstitucional, são de 1994 e 1995, portanto, anteriores àquela.
De resto, a clareza e perceptibilidade exigidas fazem essencialmente sentido em
sede de Alegações pois é justamente a partir daí que o tribunal tem que enunciar
na decisão que proferir o sentido (interpretação) de determinada norma legal,
caso venha a julgá-lo desconforme com a Constituição, por forma a que o tribunal
recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela
e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido em causa que não pode
ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental.
É com as Alegações que importa estabelecer o alcance, condicionalismo e sentido
dado à norma porque só depois é que o tribunal irá decidir de mérito.
De todo o modo, não é verdade que nas peças processuais da lavra do Recorrente
este não identifica, em termos claros e perceptíveis, qual o sentido normativo
dos arts. 722° e 730° do CPC que considera inconstitucional. Basta ler-se a
pronúncia que subscreveu ao abrigo do n° 1 do art. 704° do CPC e que ofereceu em
2005.01.31, assim como o requerimento que apresentou, em 2005.03.01, a requerer
que fosse proferido Acórdão, sendo que aquela é transcrita parcialmente na
decisão reclamada e este último objecto, aí, de uma mera referência - quiçá, a
mera referência àquele, aliada à transcrição dos dois despachos do Senhor Juiz
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 2005.01.12 e 2005.02.10,
assim como do Acórdão entretanto proferido, em 2005.04.19, tenham contribuído
para o tribunal considerar o requerimento de interposição de recurso deficiente
...
Nesta medida, a decisão reclamada só pode ser substituída por outra que mande
conhecer o objecto do recurso, pelo menos, nesta parte.
Sempre se acrescenta, no entanto, que mesmo que assim não se entenda - o que se
admite apenas por mera cautela e sem conceder -, a decisão reclamada enformaria
também, nesta parte, de nulidade.
De facto, na eventualidade da falta de clareza e perceptibilidade exigíveis,
cabia igualmente aqui ao tribunal convidar o Recorrente para sanar o vício, nos
termos do art. 75°-A da LTC e nunca decidir, como decidiu, sem mais, pelo não
conhecimento do recurso. Tanto mais que a faculdade de que as partes dispunham,
nos termos do n° 1 do art. 78°-A, na redacção anterior à Lei n° 13-A/98, de 26
de Fevereiro, de modo a permitir que fosse suprida alguma deficiência na
interposição do recurso, perderam‑na.
Termos em arguimos, também à cautela, mais esta nulidade, ao abrigo dos arts.
201° e 203° do CPC.
Nestes termos, devem ser atendidas as arguidas nulidades, com as respectivas
consequências legais e/ou determinado o prosseguimento do recurso com a
notificação do Recorrente para produzir Alegações. [...]”
Notificados os recorridos da presente reclamação, veio C. dizer que, “salvo
melhor opinião, carece em absoluto de fundamento o que vem alegado pelo A.
requerente, pelo que a sua pretensão deve ser indeferida.” Os restantes nada
disseram.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
III – Fundamentação
14. Na decisão sumária reclamada concluiu-se no sentido da impossibilidade de
conhecer do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor, por não
estarem cumulativamente reunidos, em relação a nenhuma das questões suscitadas
no respectivo requerimento de interposição, os pressupostos de admissibilidade
do mesmo.
Com a presente reclamação o reclamante vem contestar que assim seja. Porém, como
se verá já de seguida, sem qualquer razão.
14.1. No ponto 2. do requerimento de interposição do recurso afirmava o
recorrente que: “em causa [...] está, por um lado, a omissão de pronúncia do
Tribunal da Relação de Lisboa sobre a matéria que, inequivocamente, lhe competia
apreciar, acrescida do não uso, pelo mesmo, da faculdade que lhe é conferida
pela alínea b) do n.º1 do art. 712° do Cód. de Processo Civil”, situação que, no
seu entendimento, traduziria uma “clara violação do princípio da confiança,
ínsito nos princípios do Estado de direito democrático, para além do princípio
da segurança jurídica, inerente à função judicial, consagrados nos arts. 2º e
9º, alínea b) da CRP”.
Na decisão sumária reclamada considerou-se não estar ali colocada uma verdadeira
qualquer questão de constitucionalidade normativa, mas, quando muito, um
problema de constitucionalidade de uma decisão, o que, só por si, inviabiliza,
nesta parte, a admissibilidade do recurso.
Contrapõe agora o reclamante que “o conteúdo do n.º 2 do requerimento de
interposição do recurso (…) não se reconduz à respectiva decisão judicial mas,
sim, a normas adjectivas que deviam ter sido observadas e não foram, resultando,
justamente, dessa inobservância a denunciada inconstitucionalidade”. E,
acrescenta ainda, a “inconstitucionalidade tanto pode ser suscitada a propósito
da interpretação ou sentido dados, no caso concreto, a determinada norma, como,
também, no caso de determinada norma ter sido, pura e simplesmente, ignorada,
tal como aconteceu com os arts. 668°, n° 1, alínea b), 1 o parte e 712°, n° 1,
alínea b) ambos do C.P.C. Pelo que, salvo melhor opinião, tanto podemos ter na
génese da inconstitucionalidade uma incorrecta interpretação da norma, assim
como a sua desaplicação, sem mais”.
Mas, como a simples recordação do teor do ponto 2. do requerimento de
interposição do recurso traz à evidência, nada do que o reclamante agora alega
infirma a conclusão a que se chegou na decisão sumária reclamada e que
inviabilizou, nesta parte, o conhecimento do objecto do recurso. Com efeito,
ainda que fosse possível, num recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, questionar a
constitucionalidade de normas alegadamente desaplicadas na decisão recorrida, é
efectivamente inquestionável que o recorrente não imputa ali, como agora alega,
a inconstitucionalidade a quaisquer normas adjectivas porventura desaplicadas –
ou a uma sua dimensão normativa – mas sim ao próprio acto de não aplicação,
i.e., à decisão judicial que, alegadamente, as não terá aplicado. Ora, sendo
assim, como efectivamente é, evidente se torna que, pelas razões já constantes
da decisão reclamada e que agora se reiteram, não podia efectivamente, nesta
parte, conhecer-se do objecto do recurso.
14.2. Pretendia ainda o recorrente, nos termos do ponto 3. do requerimento de
interposição do recurso, ver apreciada a constitucionalidade dos artigos “700°,
n.º 1, alínea c), 701°, 704°, 722°, 729° e 730°, todos do C.P.C., na
interpretação que lhes é dada na decisão recorrida”, por violar, também, o
princípio da confiança, ínsito nos princípios do Estado de direito democrático,
bem como o do acesso ao direito, previsto no art. 20° da C.R.P”, esclarecendo,
no ponto 4. do mesmo requerimento, que teria suscitado a questão de
constitucionalidade destes preceitos “em sede de recurso de Revista, entregues
em 2004.05.10 - cfr. n.º 20 das respectivas Conclusões - e na sua pronúncia, ao
abrigo do n.º1 do art. 704° do Código de Processo Civil, apresentada em
2005.01.31 - vide n.º 34 da mesma”.
Também nesta parte se concluiu na decisão sumária reclamada pela impossibilidade
de conhecer do objecto do recurso, agora com o fundamento, como então se
demonstrou, de o recorrente nunca ter suscitado, perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, designadamente nas peças processuais por si indicadas, como
exige expressamente o artigo 72º, n.º 2, da LTC, qualquer questão de
constitucionalidade relativa aos artigos 700°, n.º 1, alínea c), 701°, 704° e
729º do Código de Processo Civil.
O reclamante, sem contestar verdadeiramente esta conclusão, alega no entanto
que, termos do artigo 75º-A, n.º 6, da LTC “a existir a alegada falta de
indicação da respectiva peça processual - porque é disso e só disso que se
trata, já que estão reunidos todos os outros requisitos, previstos na lei -,
competia ao tribunal ter convidado o Recorrente a sanar essa falta, sob pena de
o recurso ser logo julgado deserto”, concluindo, a final, pela nulidade da
decisão reclamada, por omissão da formalidade prevista naquele artigo 75º-A, n.º
6, da LTC.
Mas uma vez, porém, não tem qualquer razão.
Com efeito, o convite previsto no n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, como aliás
ressalta da jurisprudência deste Tribunal, nomeadamente dos acórdãos n.º
296/2004 e 205/05 (já disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional,
no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), visa permitir
que um recorrente de boa fé, não tendo dado cumprimento, desde logo, como devia,
à exigência, contida no artigo 75º-A da LTC, de indicação dos elementos
previstos nos n.ºs 1 a 4 do mesmo artigo, venha suprir tal falta. Ponto
essencial, como facilmente se compreenderá, é, portanto, que se verifique a
situação prevista no n.º 5 do referido artigo 75º-A; isto é, que o requerimento
de recurso não indique algum dos elementos previstos no presente artigo. Ora,
como é patente, não é essa a situação dos autos. Com efeito, o recurso foi
interposto por meio de requerimento, no qual o ora reclamante indicou
expressamente as peças processuais onde teria alegadamente suscitado as questões
de constitucionalidade que pretendia ver apreciadas – cfr., ponto 4. do
requerimento de interposição do recurso. Não se trata, pois, de uma omissão de
indicação no requerimento de interposição do recurso das peças processuais onde
a questão de constitucionalidade teria sido suscitada, mas antes da constatação
de que, nessas peças processuais, designadamente nas partes indicadas pelo
recorrente, este não suscitou, ao contrário do que alegou, as questões de
constitucionalidade em causa.
Em suma: a ratio decidendi da decisão reclamada não se encontra num vício do
requerimento de interposição do recurso, susceptível de ser corrigido na
sequência de um despacho de aperfeiçoamento, mas na falta de um pressuposto
processual de admissibilidade do recurso - a não suscitação, perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida, das questões de constitucionalidade que
pretendia ver apreciadas - logicamente insusceptível de ser ultrapassada por um
eventual aperfeiçoamento daquele requerimento.
Não existe, assim, qualquer nulidade, continuando a ser evidente que, pelas
razões também constantes da decisão reclamada e que agora se reiteram, não
podia, igualmente nesta parte, conhecer-se do objecto do recurso.
14.3. Finalmente, pretendia ainda o recorrente ver apreciada a
constitucionalidade dos artigos 722º e 730º do Código de Processo Civil, “na
interpretação que lhes é dada na decisão recorrida”. Esta pretensão foi
rejeitada pela decisão sumária reclamada com fundamento em que, durante o
processo, designadamente nas peça processuais indicadas pelo recorrente, o mesmo
não teria identificado, nos termos claros e perceptíveis que vêm sendo exigidos
por este Tribunal, a concreta interpretação normativa desses artigos do Código
de Processo Civil que pretendia ver apreciada, limitando-se sistematicamente a
remeter para a interpretação que lhe teria sido dada pela decisão recorrida.
Para contestar esta conclusão o reclamante começa por invocar em sua defesa o
Breviário de Direito Processual Constitucional. Recurso de Constitucionalidade.
Jurisprudência. Doutrina. Formulário, de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos.
Alega, em síntese, que se terá limitado a seguir o “modelo” de requerimento de
interposição do recurso constante da pág. 79 desse Breviário, que, no seu
entendimento, sugere a suficiência da remissão para “a interpretação com que [a
norma] foi aplicada pela decisão recorrida”. Esta invocação, porém, é
absolutamente improcedente.
Mesmo abstraindo do facto de que uma obra doutrinária não é fonte de direito, a
verdade é que, mais uma vez, o ora reclamante confunde um vício do requerimento
de interposição do recurso com a falta de um pressuposto de admissibilidade do
mesmo, previsto no artigo 72º, n.º 2, da LTC. Reitera-se, por isso, que também
aqui a ratio decidendi não foi a falta de indicação no requerimento de
interposição do recurso da exacta interpretação normativa cuja
inconstitucionalidade o recorrente pretendia ver apreciada, mas a omissão de o
fazer perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
De qualquer forma, sempre se esclarece que, quando pretenda questionar apenas
uma determinada interpretação normativa de um preceito, o recorrente deve,
também no requerimento de interposição do recurso, indicar claramente essa
interpretação normativa. Isso mesmo tem sido reiterado pela jurisprudência
constitucional em inúmeras decisões e está também hoje já claro na 2ª ed. do
Breviário citado, publicada em 2002 (cfr. p. 101, nota 116). Há, por isso, neste
caso, também um vício do requerimento. Não obstante, não há, neste caso, lugar
ao convite a que se refere o artigo 75º-A, n.º 6, da LTC. É que, como se
recordou por último no Acórdão n.º 205/05, já citado, “o convite só será
efectuado no pressuposto de que tal suprimento é essencial para que se possa
decidir sobre o conhecimento do recurso, não devendo nem podendo ser utilizado
quando, nos termos do artigo 137º do Código de Processo Civil, configure um acto
inútil”. Ora, é precisamente o que ocorre nos presentes autos, uma vez que, como
já se evidenciou, faltando o pressuposto de admissibilidade do recurso exigido
constante do artigo 72º, n.º 2, da LTC, a superação do vício do requerimento não
poderia, manifestamente, levar a decisão diversa quanto à admissibilidade do
recurso.
Alega ainda o recorrente que “a clareza e perceptibilidade exigidas fazem
essencialmente sentido em sede de Alegações”. Mais uma vez, porém, sem razão.
Não só porque essa clareza e perceptibilidade são essenciais para delimitar o
objecto do recurso interposto – que é função do requerimento de interposição do
mesmo, e não das alegações –, mas também porque tal clareza e perceptibilidade
são condição imprescindível da possibilidade de averiguar se os demais
pressupostos de admissibilidade do recurso estão reunidos, designadamente o de
saber se a norma em causa em causa foi efectivamente aplicada pela decisão
recorrida com o sentido que lhe imputa o recorrente.
Alega, finalmente, que, de qualquer modo “não é verdade que nas peças
processuais da lavra do Recorrente este não identifica, em termos claros e
perceptíveis, qual o sentido normativo dos arts. 722° e 730° do CPC que
considera inconstitucional”, reiterando ainda que “na eventualidade da falta de
clareza e perceptibilidade exigíveis, cabia igualmente aqui ao tribunal convidar
o Recorrente para sanar o vício, nos termos do art. 75°-A da LTC e nunca
decidir, como decidiu, sem mais, pelo não conhecimento do recurso”. As questões
que, nesta parte, o reclamante coloca, já estão, contudo, suficientemente
respondidas. A primeira, na decisão sumária reclamada, onde - em termos que, por
merecerem a nossa inteira concordância, agora se reiteram - se evidenciou que o
recorrente nunca confrontou o Supremo Tribunal de Justiça com a questão da
inconstitucionalidade de uma perfeitamente identificada interpretação normativa
dos artigos 722º e 730º do Código de Processo Civil – o que, como então já se
disse, levou mesmo a que aquele Tribunal se não tivesse pronunciado sobre
qualquer questão de constitucionalidade reportada àqueles preceitos, sem que o
ora reclamante tenha invocado qualquer omissão de pronúncia. A segunda - mais
uma vez, a da alegada nulidade por omissão da formalidade prevista no artigo
75º-A, n.º 6, da LTC – na fundamentação supra, onde, por duas vezes, se concluiu
pela improcedência da alegação.
Assim sendo, não existindo quaisquer nulidades e improcedendo na totalidade a
argumentação do reclamante, há que concluir pela improcedência da reclamação.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Outubro de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício