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Processo n.º 606-A/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Por Decisão Sumária proferida em 15 de Julho de 2005,
ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro – LTC), foi
decidido não conhecer do objecto do recurso interposto por A., em processo com
réu preso.
Essa Decisão Sumária foi notificada ao mandatário do
recorrente, via fax, no próprio dia 15 de Julho de 2005, tendo, na mesma data, a
secretaria procedido à remessa do original por correio registado.
Em 29 de Julho de 2005 deu entrada neste Tribunal, via
fax, reclamação para a conferência contra a referida Decisão Sumária.
Considerando que tal reclamação dera entrada no terceiro
dia útil posterior ao termo do prazo sem que tivesse ocorrido pagamento
espontâneo da multa devida, a secretaria notificou o recorrente, em 1 de Agosto
de 2005, para pagar a multa prevista no n.º 6 do artigo 145.º do Código de
Processo Civil, tendo sido indicado, nas respectivas guias, como data limite de
pagamento o dia 12 de Setembro de 2005.
Não tendo sido paga a multa devida no prazo assinalado,
o relator proferiu, em 14 de Setembro de 2005, despacho a considerar sem efeito
a reclamação para a conferência e, consequentemente, transitada em julgado a
Decisão Sumária, a que foi atribuída o n.º 257/2005.
Esse despacho foi notificado ao recorrente, via fax, em
14 de Setembro de 2005, tendo, no subsequente dia 15, sido notificado o
recorrente, nos termos do artigo 59.º do Código das Custas Judiciais, para,
querendo, reclamar da conta de custas nessa data elaborada.
Em 27 de Setembro de 2005, o recorrente veio, via fax,
“reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 77.º, n.º 1, da
Lei do Tribunal Constitucional”, contra o despacho do relator que julgou
deserta a reclamação da Decisão Sumária proferida nestes autos e considerou a
mesma transitada em julgado. Nesta reclamação, aduz o recorrente:
“1. Por douto despacho datado de 15 de Julho p. p., veio o Ex.mo Sr. Juiz
Relator proferir decisão sumária de não admissão do recurso interposto junto do
STJ e dirigido a este Tribunal Constitucional.
2. Essa decisão foi enviada nesse mesmo dia 15 de Julho, pela parte da tarde,
via fax, para o escritório do signatário.
3. Ainda nesse mesmo dia 15 de Julho foi enviado, pela Secretaria deste
Tribunal, carta registada, que foi recebida no escritório do abaixo signatário
no dia 18 de Julho de 2005.
4. O signatário contou os 10 dias de que dispunha para reclamar daquela decisão
sumária do recebimento da notificação postal enviada.
5. Por seu turno, e ao arrepio de todas as normas processuais aplicáveis, o M.mo
Juiz Conselheiro Relator considerou que o termo inicial do prazo para reclamar
reportava‑se ao dia do envio do fax para o escritório do mandatário.
6. Dispõe o artigo 253.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC ora em diante)
que as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos
seus mandatários judiciais.
7. O artigo 254.º, n.º 1, do CPC estabelece que os mandatários são notificados
por carta registada, dirigida para o seu escritório ...
8. E que a notificação postal presume‑se feita no 3.º dia posterior ao do
registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
9. Dispõe o artigo 69.º da LTC: «À tramitação dos recursos para o Tribunal
Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo
Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação».
10. Verifica‑se, desta forma, que a legislação aplicável é a mencionada em 6 a 8
da presente reclamação.
11. Por outro lado, não se fez qualquer menção no rosto do fax enviado naquele
dia 15 de Julho p. p. de que o prazo começava a correr desse dia, sendo certo
que o signatário recebeu no dia 18 a carta registada contendo a decisão.
12. Constitui deslealdade processual a decisão arbitrária e ilegal de contar o
prazo processual e inicial do envio da decisão via telecópia.
13. Se era essa a interpretação (incorrecta) dada àquelas normas do CPC, então o
porquê de enviar «nova» notificação?
14. Seria confirmativa da «primeira notificação»?
15. Entendemos que não, pois então tornava‑se um acto processual inútil porque
repetitivo!
16. E a lei de processo proíbe os actos inúteis.
17. Entende‑se que o envio via telecópia não garante ao Tribunal (nem às partes)
que o destinatário tenha recebido nas melhores condições aquilo que se
transmite, daí que a lei obrigue as partes a remeterem a juízo os originais das
peças enviadas por fax.
18. Por esse motivo e porque a Lei do Processo Civil o exige (vd. artigo 254.º
do CPC) a Secretaria enviou o original via postal registada para o signatário,
estando este certo quando considerou o termo inicial do prazo de que dispunha
aquele dia 18 de Julho.
19. Por esse motivo, o envio para esse Tribunal da reclamação no dia 28 de Julho
estava ainda dentro do prazo normal, sendo indevidamente exigido o pagamento da
multa prevista no artigo 145.º, n.º 5, do CPC.
20. Pelo exposto, considera‑se que a decisão reclamada é violadora dos preceitos
enunciados do CPC.
21. Sendo de substituir aquela decisão por outra que admita a reclamação por
tempestivamente apresentada, seguindo‑se os ulteriores termos legais.
Em conclusão:
a. Foi, em 15 de Julho p. p., enviado para o escritório do signatário,
mandatário constituído pelo recorrente, cópia, via telecópia e via postal
registada, da decisão sumária que rejeitou o recurso apresentado no STJ;
b. Ao abrigo do disposto no artigo 254.º do CPC (aplicável expressamente por
via do artigo 69.º da LTC) foi estabelecido que os mandatários são notificados
por carta registada, dirigida para o seu escritório!
c. Foi o que ocorreu, por esse motivo o termo inicial de contagem do prazo para
a prática de acto só teve início no 3.º dia seguinte, isto é, o dia 18 de Julho
(sendo certo que os dias 16 e 17 foram um fim de semana)!
d. Dai que o acto (reclamação) apresentado em juízo em 28 de Julho se tenha por
tempestivo;
e. Sendo ilegal e violador das normas processuais civis aplicáveis a
interpretação realizada pelo Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro Relator de que o prazo
para a prática do acto se conte a partir da data do envio da telecópia – sendo
certo que não fez qualquer menção de que aquele meio utilizado substituiria o
meio processual adequado (via postal registada) nem de que se tratava de um
«acto urgente»!
Pelo exposto, deve a presente reclamação ser julgada procedente e, por via da
mesma, ser ordenado o prosseguimento dos autos e da reclamação apresentada em
28 de Julho de 2005.”
O representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional, notificado da reclamação, apresentou a seguinte resposta:
“1.º – As razões aduzidas pelo reclamante são manifestamente improcedentes.
2.º – Desde logo, estando em causa um processo referente a arguido preso, é
evidente que as respectivas notificações têm de se qualificar como actos
urgentes, sem necessidade de expressa advertência ao defensor do próprio
arguido, que bem conhece a natureza do processo.
3.º – E sendo obviamente em função de tal «urgência» legal que se terá realizado
a notificação da decisão sumária proferida, via fax, nos termos do artigo
176.°, n.º 5, do Código de Processo Civil – sendo certo que o recorrente não
questiona o efectivo e tempestivo recebimento da mensagem que lhe foi remetida.
4.º – Acresce que – ao ser notificado pela Secção para o pagamento da multa
prevista no artigo 145.°, n.º 5, do Código de Processo Civil – o recorrente não
questionou, perante o relator, os pressupostos em que assentava a
intempestividade da reclamação deduzida e o consequente ónus de pagar tal multa
como condição da prática do acto – estando naturalmente precludida a
possibilidade de o vir a fazer neste momento, em que o processo apenas subsiste
para o efeito da eventual cobrança das custas em dívida.”
2. Da conjugação dos n.ºs 5 e 6 do artigo 176.º do CPC
resulta a admissibilidade da utilização, para a comunicação de actos pelas
secretarias judiciais, dos seguintes meios: (i) via postal; (ii) telecópia;
(iii) meios telemáticos; (iv) telegrama; (v) comunicação telefónica ou outro
meio análogo de comunicação – sendo que os três últimos apenas são utilizáveis
tratando‑se de actos urgentes e que a comunicação telefónica, relativamente às
partes, apenas é lícita como forma de transmissão de uma convocação ou
desconvocação para actos processuais. A referência feita às “partes” no n.º 6
desse preceito evidencia que as formas de comunicação previstas no n.º 5 se
aplicam não apenas a comunicações entre serviços judiciários ou com outras
entidades públicas (o n.º 4, aliás, refere‑se também a comunicações com
entidades privadas), mas também a comunicações com as partes. E do n.º 5 resulta
que a telecópia é utilizável, a par da via postal, mesmo quando não esteja em
causa a prática de actos urgentes.
Por seu turno, o n.º 10 do artigo 113.º do Código de
Processo Penal prevê que as notificações ao advogado ou ao defensor oficioso
nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos das
alíneas a), b) e c) do n.º 1 do mesmo artigo (contacto pessoal, via postal
registada e via postal simples), ou por telecópia.
Surge, assim, como sustentável – pese embora o disposto
no artigo 254.º, n.º 1, do CPC – o uso da telecópia para a comunicação de
decisões do Tribunal Constitucional, designadamente quando respeitem a
processos urgentes, como são os recursos de constitucionalidade emergentes de
processos penais em que algum dos interessados esteja detido ou preso (cf.
artigo 43.º, n.º 2, da LTC), situação que o ora reclamante não podia
desconhecer ser a do recurso em que era recorrente, emergente de processo em que
ele próprio se encontra preso.
Justificando‑se em preocupações de celeridade processual
a admissibilidade do uso desse meio de comunicação de actos judiciais, é óbvio
que a data para o início de qualquer prazo processual que nessa comunicação se
inicie (designadamente o prazo para impugnação da decisão judicial comunicada)
se tem de contar da recepção da telecópia pelo destinatário. Seria, com efeito,
absurdo, em casos em que, a seguir à comunicação por telecópia, a secretaria
procede à remessa, por via postal registada, de cópia, em suporte de papel, da
decisão judicial já comunicada (remessa que tem o objectivo útil de prevenir
eventuais deficiências da transmissão por fax, à semelhança do que ocorre com o
envio de actos das partes pelo mesmo meio – cf. artigo 4.º, n.º 3, do
Decreto‑Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro), considerar a comunicação efectuada,
não na data em que foi efectivamente recebida via telecópia, mas apenas no
terceiro dia posterior ao do registo (ou no primeiro dia útil seguinte a este,
quando o não seja), nos termos do n.º 3 do artigo 254.º do CPC. Tal entendimento
representaria a inutilização das preocupações de celeridade que presidiram à
escolha do meio mais rápido de comunicação dos actos e transformaria a
comunicação por telecópia num acto inútil.
Mas mesmo que se entendesse não ser o uso da telecópia
permitido para notificação de decisões do Tribunal Constitucional proferidas em
recursos emergentes de processos penais com réus presos, que a sua utilização
constituía prática de um acto que a lei não admitia e que a irregularidade
cometida podia influir na decisão da causa (artigo 201.º, n.º 1, do CPC), o
certo é que tal nulidade já estaria sanada, por falta de oportuna arguição. Na
verdade, o prazo para arguição da nulidade (prazo de dez dias previsto no artigo
153.º, n.º 1, do CPC) “conta‑se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a
parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para
qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir‑se que então
tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a
devida diligência” (n.º 1 do artigo 205.º do CPC). O recorrente, no n.º 2 da sua
reclamação, reconhece que a decisão do Tribunal Constitucional foi enviada por
fax, para o escritório do seu mandatário, em 15 de Julho de 2005, pelo que nessa
data ficou a saber que se tinha entendido ser utilizável esse meio para
comunicação da decisão, sendo de assinalar que não refere qualquer deficiência
na qualidade da comunicação que, designadamente, afectasse a legibilidade do
texto transmitido. E com a notificação, expedida em 1 de Agosto de 2005, para
pagamento da multa prevista no n.º 6 do artigo 145.º do CPC, ficou o recorrente
em condições de saber, “agindo com a devida diligência”, que à notificação da
decisão sumária por telecópia fora atribuído o efeito de desencadear o decurso
do prazo para a apresentação de eventual reclamação dessa decisão. Assim sendo,
mesmo atribuindo relevância apenas à data desta última notificação (expedida em
1 de Agosto de 2005), e não à própria recepção da telecópia (em 15 de Julho de
2005), para o início do prazo de arguição da nulidade que pretensamente teria
sido cometida com o uso deste meio de comunicação, é patente que este prazo há
muito estava esgotado quando, em 27 de Setembro de 2005, o recorrente apresentou
a presente reclamação.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente
reclamação.
Custas pelo recorrente (que beneficia de apoio
judiciário), fixando‑se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 20 de Outubro de 2005
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos