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Processo nº 119/2007
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em que figura como recorrente o
Ministério Público e como recorrida a A. (Coimbra), Lda., é submetida à
apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº
103/80, de 8 de Maio, interpretada no sentido de o privilégio imobiliário geral
conferido às instituições de previdência preferir à garantia emergente do
registo da penhora sobre determinado imóvel, norma que foi desaplicada com
fundamento em inconstitucionalidade pela decisão recorrida.
O Ministério Público produziu alegações, concluindo o seguinte:
1º
Não viola os princípios constitucionais da igualdade ou da confiança a
oponibilidade, em procedimento de verificação e graduação de créditos, de um
privilégio imobiliário geral de créditos da segurança social ao exequente ou a
qualquer outro credor comum que apenas beneficie da garantia emergente da
realização e do registo da penhora, nos termos do artigo 822° do Código Civil.
2°
Na verdade, a quebra da regra da “par conditio creditorum” é justificada pela
finalidade e relevo constitucional dos créditos da segurança social.
3°
E a referida prevalência do privilégio imobiliário geral, no confronto do credor
comum que apenas obteve a consumação da penhora em seu beneficio, não viola o
princípio da confiança, já que o requerente deve saber que o registo da penhora
não preclude a oponibilidade, no seu confronto, das garantias reais anteriores
de que beneficiem quaisquer credores preferenciais.
4°
Termos em que deverá proceder o presente recurso, em consonância com um juízo de
não inconstitucionalidade das normas que integram o objecto do presente recurso.
A recorrida não contra‑alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentação
2. A questão que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade
já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, nos Acórdãos nºs
193/2003 e 697/2004, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar
inconstitucional a norma agora em apreciação, explicitando as diferenças da
questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso e as
questões que foram apreciadas nos Acórdãos nºs 362/2002 e 363/2002, arestos
citados pela decisão agora recorrida.
Não suscitando o presente recurso qualquer questão nova que deva ser apreciada,
remete‑se para a fundamentação dos citados Acórdãos nºs 193/2003 e 697/2004,
concluindo‑se pela não inconstitucionalidade da norma em apreciação.
III
Decisão
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar
inconstitucional a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 8 de Maio,
na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido às
instituições de previdência prefere à garantia emergente do registo da penhora
sobre determinado imóvel, concedendo provimento ao recurso e revogando a decisão
recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de não
inconstitucionalidade.
Lisboa, 28 de Março de 2007
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da
declaração de voto que junta)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido por entender (acompanhando o essencial da posição constante da
declaração de voto aposta pela Sr.ª Cons.ª Maria dos Prazeres Beleza ao Acórdão
n.º 697/2004) que, sob o ponto de vista, constitucionalmente relevante, do
princípio da confiança, não existe uma diferença decisiva entre a situação do
credor hipotecário e da do credor que obteve já o registo de uma penhora sobre o
imóvel (e isto, mesmo sem qualquer compromisso com a qualificação da posição
deste segundo credor como tendo passado a gozar de um verdadeiro direito real de
garantia).
No quadro de uma visão que valoriza o processo executivo e o património do
devedor como “garantia geral das obrigações”, e a iniciativa e impulso do
credor, para satisfazer os seus direitos naquele processo, considerei não
existir diferença constitucionalmente decisiva, para à luz do princípio da
confiança, deixar de estender à preferência sobre a garantia emergente do
registo da penhora o juízo de inconstitucionalidade afirmado por este Tribunal
(em declaração com força obrigatória geral, v. o Acórdão n.º 363/2002) sobre a
norma do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, na interpretação
segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social
prefere à hipoteca.
No Acórdão n.º 193/2003, citado no Acórdão n.º 697/2004 (e para os quais a
presente decisão remete) indicam-se, como circunstâncias que fundariam tal
diferença – e o facto de, face à hipoteca, a garantia do credor comum resultante
da penhora ser “bem mais fraca” – as circunstâncias de a dívida exequenda não
gozar ab origine de qualquer privilégio, não estar de qualquer modo relacionada
com o bem penhorado e surgir num momento imprevisível dependente da simples
tramitação processual. A primeira e a terceira circunstâncias são, a meu ver,
irrelevantes, pois apenas pode estar em causa, no conflito com o credor que já
obteve o registo da penhora, a situação desse credor depois desse registo, e não
anteriormente, isto é, a situação de confiança que lhe foi criada com o registo
da penhora. Não pode, aliás, dizer-se, a meu ver, que o surgimento do
correspondente privilégio surge apenas dependente da tramitação processual, pois
a iniciativa do processo, e o correspondente impulso, por forma a obter o
registo da penhora, dependem do credor em causa. Por outro lado, o “investimento
na confiança” realizado pelo credor com base na penhora cujo registo obteve
(deixando de promover outras acções, não interrompendo as relações com o
devedor, etc.) pode ser tão ou mais significativo como o que é feito com base na
garantia hipotecária (que, aliás, não tem também de ser constituída logo como
contrapartida da concessão do crédito). E quanto ao facto de o bem penhorado
poder não estar relacionado com a dívida exequenda, recordo que isso é
igualmente o que se pode passar com o imóvel hipotecado.
Noto, igualmente, que, tal como acontecia em relação à posição do credor
hipotecário, também o credor que conseguiu obter o registo de uma penhora em
muitas circunstâncias não poderá saber se existem obrigações do devedor perante
a Segurança Social, que estejam garantidas por um privilégio imobiliário geral.
E é igualmente improcedente (como se refere também na citada declaração de voto)
o argumento de garantia decorrente da penhora desaparecer no âmbito do processo
de falência, desde logo, porque os privilégios da Segurança Social também
desaparecem (cfr. o artigo 152.º do Código dos Processos Especiais de
Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de
23 de Abril, e, agora, para os privilégios constituídos mais de um ano antes do
início do processo de insolvência, o artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Código da
Insolvência).
No quadro de uma visão que valoriza o processo executivo e o património do
devedor como “garantia geral das obrigações”, e a iniciativa e impulso do
credor, para satisfazer os seus direitos naquele processo, considerei não
existir diferença constitucionalmente decisiva, para à luz do princípio da
confiança, deixar de estender à preferência sobre a garantia emergente do
registo da penhora o juízo de inconstitucionalidade que foi afirmado por este
Tribunal (em declaração com força obrigatória geral, v. o Acórdão n.º 363/2002)
sobre a norma do artigo 11.º do Decreto‑Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, na
interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à
Segurança Social prefere à hipoteca.
Teria, pois, julgado inconstitucional a norma em questão, negando provimento ao
presente recurso.
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos