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Processo n.º 62/13
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o MINISTÉRIO PÚBLICO, o primeiro vem reclamar, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/12/2012 que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 19-20).
2. O ora reclamante apresentou requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, ao abrigo das alíneas b) e g) do artigo 70.º da LTC, da «Decisão Singular proferida» pelo STJ em 6/11/2012 (cfr. fls. 15 a 17), nos termos seguintes (cfr. fls. 18):
«A., Arguido no processo à margem identificado, notificado da Decisão Singular proferida, não se conformando da mesma, vem desta interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da Lei nr.°28/82 de 15 de Novembro, “in casu” pela violação do disposto no Art.70° alínea b) e g) da referida.
Com efeito, foi o Arguido pronunciado e acusado pela autoria material de um crime de desobediência, p. e p. pelo art°. 348°., n°. 1, alínea a) e 69°., n.º 1, alínea c) do C. Penal, por referência ao art°. 152°, n.º. 3, do Código da Estrada.
Ora, pressupõe a prática do referido crime ou este é condicionado, como é bom de ver, pela prática de deteção de condução de veículo (Art.69.° nr. 1. c) do C.P.) e, ou tenha ocorrido o referido acidente.
Nem um nem o outro facto alegado ocorreu ou sequer foi provado.
Contudo, viria o Arguido em recurso interposto pelo Ministério Público, de decisão absolutória em 1ª Instância, recorrer por considerar que este se encontrava a conduzi-lo. Viria então este a ser pronunciado e condenado, por condução sob o estado de alcoolémia, numa pena de 80 dias de multa, à taxa de € 7,00, num total de €560,00, e na pena acessória de proibição de qualquer veículo com motor pelo período de 5 meses.
Ora, o fundamento da acusação por desobediência, consistiu desde sempre na suposta ocorrência de um facto — acidente - o qual afinal não ocorreu, nem sequer se provou que tenha ocorrido e, face à falta de prova, o M. Público, acusou o Arguido por factos não constantes da acusação, alterando de forma ilegal e inconstitucional a acusação, para condenação por condução em estado de alcoolémia, tendo sido o Arguido condenado nesses precisos termos.
O presente recurso encontra-se assim fundamentado na violação dos princípios constitucionais constantes nos Art.s 3º; 9º b); 13º; 29º; 32º da C.R.P., invocados no processo e ainda, por contradição, pela errada aplicação do disposto no Art.152 nr.°3 do Código da Estrada, ao crime pelo qual vinha o Arguido denunciado e, seria acusado.
É ainda inconstitucional a Decisão Singular pela violação (entre outros) do Acórdão nr° 275/2009, de 27/05/2009, publicado no DR, 2ª Série, nº 129, de 07/07/2009.
Termos em que Requer a V. Ex.as que se dignem admitir o presente recurso, seguindo ulteriores termos legais.».
3. O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 7/12/2012, proferiu despacho de não admissão do recurso para este Tribunal com o seguinte fundamento (cfr. fls. 19-20):
«(…) 1. O arguido A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70.°, nº 1, alíneas b) e g), da LTC, da decisão que indeferiu a reclamação referindo que «o presente recurso se encontra fundamentado na violação dos princípios constitucionais constantes dos arts. 3.°, 9.° alínea b), 13.°, 29.°, 32.° da CRP, invocados no processo e ainda, por contradição, pela errada aplicação do disposto no artº. 152.°, nº 3, do Código da Estrada… ».
«É ainda inconstitucional a decisão singular pela violação do Acórdão nº 275/2009 de 27.05.2009, publicado no Dr, 2ª Série, nº 129, de 07/07/2009».
2. As decisões judiciais em si mesmas não são passíveis de recurso de constitucionalidade, que apenas pode ter por objeto, nos termos do art. 280.°, nº l, da CRP normas em que as referidas decisões se baseiam e que constituíram, em concreto, critério de decisão.
Não se admite, assim, o recurso para o Tribunal Constitucional, na parte em que se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da decisão que indeferiu a reclamação, por não se reportar a qualquer norma em que a mesma decisão se tenham baseado.
3. No requerimento de interposição de recurso o recorrente parece também pretender a apreciação da inconstitucionalidade do art. 152.°, nº 3, do CE, referida à decisão de 28.06.2012 do Tribunal da Relação de Lisboa.
Não compete, porém, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso interposto desta decisão para o Tribunal Constitucional, atento o disposto no art. 76º, nº 1, da LTC, uma vez que nessa parte o recurso não se refere a decisão proferida nos termos do art. 405.° do CPP.
Deste modo, não se toma conhecimento desta parte do requerimento de fls. 51. (…)».
4. Inconformado, o recorrente e ora reclamante reclamou para a conferência, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da LTC, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 1 a 3):
«(…) A., notificado da decisão que indeferiu o Recurso para o Tribunal Constitucional e não se conformando com a mesma, vem
RECLAMAR para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76°, n.º 4, da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional).
Termos em que requer a V. Exa. se digne admitir a presente Reclamação, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
JUNTA: Motivação
RECLAMAÇÃO QUE APRESENTA A.
Processo: 17/11Ogcalm.11-AS1
V/ Refª. 31065515
3ª Secção
A., Arguido no processo à margem identificado, notificado da Decisão Singular proferida, não se conformando da mesma, vem desta interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da Lei nr.°28/82 de 15 de Novembro, “in casu” pela violação do disposto no Art.70° alínea b) e g) da referida.
Com efeito, foi o Arguido pronunciado e acusado pela autoria material de um crime de desobediência, p. e p. pelo art°. 348°., n°. 1, alínea a) e 69°., n.º 1, alínea c) do C. Penal, por referência ao art°. 152°, n.º. 3, do Código da Estrada.
Ora, pressupõe a prática do referido crime ou este é condicionado, como é bom de ver, pela prática de deteção de condução de veículo (Art.69.° nr. 1. c) do C.P.) e, ou tenha ocorrido o referido acidente.
Nem um nem o outro facto alegado ocorreu ou sequer foi provado.
Contudo, viria o Arguido em recurso interposto pelo Ministério Público, de decisão absolutória em 1ª Instância, recorrer por considerar que este se encontrava a conduzi-lo. Viria então este a ser pronunciado e condenado, por condução sob o estado de alcoolémia, numa pena de 80 dias de multa, à taxa de € 7,00, num total de €560,00, e na pena acessória de proibição de qualquer veículo com motor pelo período de 5 meses.
Ora, o fundamento da acusação por desobediência, consistiu desde sempre na suposta ocorrência de um facto — acidente - o qual afinal não ocorreu, nem sequer se provou que tenha ocorrido e, face à falta de prova, o M. Público, acusou o Arguido por factos não constantes da acusação, alterando de forma ilegal e inconstitucional a acusação, para condenação por condução em estado de alcoolémia, tendo sido o Arguido condenado nesses precisos termos.
O presente recurso encontra-se assim fundamentado na violação dos princípios constitucionais constantes nos Art.s 3º; 9º b); 13º; 29º; 32º da C.R.P., invocados no processo e ainda, por contradição, pela errada aplicação do disposto no Art.152 nr.°3 do Código da Estrada, ao crime pelo qual vinha o Arguido denunciado e, seria acusado.
É ainda inconstitucional a Decisão Singular pela violação (entre outros) do Acórdão nr° 275/2009, de 27/05/2009, publicado no DR, 2ª Série, nº 129, de 07/07/2009.
Termos em que Requer a V. Ex.as que se dignem admitir o presente recurso, seguindo ulteriores termos legais.»».
5. A reclamação para este Tribunal foi admitida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 12/07/2012 (cfr. fls. 10).
6. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu pelo indeferimento da reclamação, nos termos e com os fundamentos seguintes (cfr. fls. 24 a 27):
«(…)
8. Ora, julga-se essencialmente correcta a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, ao não admitir o recurso do interessado.
Desde logo, o requerimento de interposição de recurso é particularmente confuso, não se vislumbrando bem o que o arguido verdadeiramente deseja.
Depois, não há propriamente a formulação de uma dimensão normativa perceptível para a questão de constitucionalidade que se pretende suscitar. Apenas se referem, a este propósito, normas constitucionais pretensamente violados, sendo certo que tal enumeração não é suficiente para, à face de jurisprudência constante deste Tribunal Constitucional, se ter tal dimensão normativa por enunciada.
Para além do facto de tais normas não terem integrado a ratio decidendi da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pelo arguido, uma vez que tal decisão assentava, fundamentalmente, na aplicação, ao caso dos autos, dos arts. 432º, nº 1, alínea b) e 400º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Penal.
Finalmente, pretende o arguido que se proceda à apreciação de aspectos relativos à (alegada) deficiente aplicação, pelas instâncias, do art. 152º do Código da Estrada, quando tal juízo escapa, forçosamente, à sindicância deste Tribunal Constitucional, que apenas se ocupa da apreciação de questões normativas de constitucionalidade.
9. Por todas as razões invocadas, crê-se que a presente reclamação não deverá merecer provimento. (…)».
Cabe apreciar e decidir nos termos do n.º 3 do artigo 77.º da LTC.
II – Fundamentação
7. A ora reclamante reclama para a conferência do despacho de 7/12/2012 do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça por discordar do decidido quanto à inadmissibilidade do recurso interposto para este Tribunal.
7.1 No seu requerimento de reclamação para a conferência o reclamante não invoca qualquer razão pela qual discorda do decidido quanto à não admissibilidade de recurso para este Tribunal.
Com efeito o reclamante, na sua alegada «Motivação» junta ao requerimento de reclamação para a conferência, limita-se a transcrever o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 1 a 3 e fls. 18).
7.2 Afigura-se, na falta de qualquer argumentação apresentada pelo ora reclamante, ser de acolher a fundamentação invocada no despacho recorrido, na parte em que conheceu do requerimento de reclamação, segundo a qual o recurso para este Tribunal não pode ser admitido por falta de objecto normativo (cfr. n.º 2, fls. 19) – sendo o próprio reclamante que, no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal imputa a inconstitucionalidade à «Decisão Singular» proferida (cfr. parágrafo oitavo do requerimento, a fls. 18).
7.3 A fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da competência deste Tribunal incide sobre normas ou critérios normativos e não sobre decisões, incluindo decisões judiciais. Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):
«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».
7.4 Pelo que o recurso para este Tribunal não pode ser admitido por ausência de critério normativo.
8. Termos em que se impõe indeferir a presente reclamação.
III – Decisão
9. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro.
Lisboa, 27 de fevereiro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.