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Processo n.º 810/05
Plenário
Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1 – Por requerimento que deu entrada, via telecópia, na secretaria
deste Tribunal pelas 16:15 do dia 14 de Outubro de 2005, António Fernando
Chaves, mandatário do Partido Social Democrata do concelho de Murça, veio
«apresentar recurso gracioso na sequência dos factos constantes da acta de
encerramento da Assembleia de voto da Freguesia de Fiolhoso, Concelho de Murça,
dado não ter sido atendido o nosso recurso à Assembleia de Apuramento Geral das
Eleições Autárquicas do Concelho de Murça». Assim:
«Secção de voto nº 1 (Fiolhoso)
1º Denúncia de 2 (dois) boletins de voto encontrados no decorrer do escrutínio
pertencentes à Assembleia de voto da Freguesia de Jou, não havendo qualquer
explicação para o acontecido, pelo que se impõe uma investigação.
2º Foram apresentados 4 (quatro) atestados médicos de Cidadãos eleitores que
apresentavam aptidão para o exercício do voto, além de os correspondentes
atestados médicos não referirem a incapacidade inibidora do exercício.
Estas situações foram veementemente protestadas pelo Delegado do Partido Social
Democrata que não foram aceites pela mesa.
Um dos eleitores acompanhado de atestado médico nem sequer se dirigiu à câmara
de voto, tendo exercido o direito de voto a sua acompanhante e completamente
sozinha, contrariando o disposto nos artigos nºs 100 e 116.
Apresenta ainda protesto para os acontecimentos decorridos na Secção de voto nº
2 (Cadaval):
1º Não foi retirado um cartaz do Partido Socialista que se encontrava a menos de
50m da mesa de voto, apesar do protesto dos delegados do Partido Social
Democrata.
2º A Presidente da Assembleia de voto não permitiu que os Delegados do Partido
Social Democrata procedessem à verificação visual dos boletins de voto
escrutinados e ainda o constante do nº 1 do artº 134.
3º Os Delegados do Partido Social Democrata por indicação do Presidente da Mesa
abandonaram a sala de escrutínio, antes mesmo dos boletins de voto serem
introduzidos nos respectivos sobrescritos e lacrados sem que a acta de
encerramento estivesse elaborada. Por isso mesmo não constam dos envelopes e da
acta de encerramento as assinaturas dos Delegados do Partido Social Democrata.
Pelo exposto, solicitamos a V. Exª a análise das irregularidades verificadas, e
uma deliberação acerca das mesmas».
Notificados os recorridos – o Grupo de Cidadãos Juntos por Jou, o
Partido Popular, o Partido Socialista e a coligação CDU-PCP-PEV –, a mandatária
das listas do Partido Socialista enviou a este Tribunal cópia das actas da
assembleia de apuramento geral da eleição dos órgãos autárquicos do concelho de
Murça.
Em 19 de Outubro de 2005, o relator no Tribunal Constitucional proferiu
o seguinte despacho:
«Notifique-se o presidente da Assembleia de Apuramento Geral da Eleição dos
Órgãos Autárquicos do Concelho de Murça a fim de que envie a este Tribunal:
a) cópia do Edital contendo os resultados do apuramento, certificando a data da
respectiva afixação; e
b) cópia das actas das Assembleias de Apuramento Local da Eleição dos Órgãos
Autárquicos do Concelho de Murça relativas às secções de voto nºs 1 e 2 da
freguesia de Fiolhoso, e dos documentos que eventualmente as acompanhem».
O Presidente da Assembleia de Apuramento Geral da Eleição dos Órgãos
Autárquicos do Concelho de Murça fez chegar a este Tribunal, por Fax, em 21 de
Outubro de 2005, cópia do Edital contendo os resultados do apuramento geral, o
qual é assinado por essa entidade e datado de 13 de Outubro de 2005, bem como
cópia de certidão, subscrita pela Chefe de Secção de Recursos Humanos da Câmara
Municipal de Murça, que atesta a afixação daquele edital no mesmo dia 13 de
Outubro de 2005. Os originais destes documentos deram entrada no Tribunal, por
via postal, a 24 de Outubro.
Conclui-se, pois, que a afixação do edital contendo os resultados do
apuramento geral da eleição dos órgãos autárquicos do concelho de Murça ocorreu
no dia 13 de Outubro de 2005.
2. O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão nº 543/05 (inédito), já teve
ocasião de se pronunciar sobre uma questão em tudo semelhante à dos presentes
autos. Aí se afirmou o seguinte:
«[O] artigo 158º da mesma lei [“Lei que regula a eleição dos titulares dos
órgãos das autarquias locais” (LEOAL), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de
14 de Agosto] [determina] que “o recurso contencioso é interposto perante o
Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital contendo os
resultados do apuramento”. Finalmente, o n.º 2 do artigo 229º da LEOAL estatui
que, “quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a
intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos
considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou
repartições.”
No caso dos autos, tendo o citado edital sido afixado no dia 12 de Outubro, o
recurso deu entrada neste Tribunal, via telecópia, entre as 20H43 e as 20H45 do
dia 13 de Outubro, sendo registado no livro de entradas apenas no dia 14 do
corrente.
Ora, entendendo-se que, neste tipo de recursos, ainda que os mesmos possam ser
interpostos via telecópia, a mesma não pode deixar de dar entrada até ao “termo
do horário normal” da secretaria judicial (no caso 16H00, cfr. n.ºs 1 e 3 do
artigo 122º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) do dia seguinte à afixação do
edital, há que concluir que o recurso é extemporâneo, pelo que dele se não pode
conhecer.
Esta solução corresponde, outrossim, a anterior jurisprudência deste Tribunal,
nomeadamente à dos acórdãos n.ºs 414/2004 - sobre o prazo para interposição de
recurso - e 41/2005 - sobre o prazo para apresentação de candidaturas (ambos já
disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional, no endereço
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos)».
No caso em apreço, tendo o edital contendo os resultados do apuramento
geral sido afixado no dia 13 de Outubro de 2005, o recurso para este Tribunal
deveria ter dado entrada até às 16:00 do dia seguinte – o dia 14 de Outubro de
2005 – ou seja, até ao «termo do horário normal da secretaria judicial», de
acordo com os nºs 1 e 3 do artigo 122º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.
Sucede, porém, que o requerimento de recurso para este Tribunal deu entrada,
como se referiu, pelas 16:15 do dia 14 de Outubro de 2005. Assim, o recurso é
extemporâneo e, como tal, o Tribunal não pode dele tomar conhecimento.
3. Ante o exposto, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso.
Lisboa, 24 de Outubro de 2005
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (vencida pelas razões que resultam
essencialmente da declaração aposta ao Acórdão n.º 412/04).
Mário José de Araújo Torres (vencido nos termos da
declaração junta)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não votei o não conhecimento do recurso com fundamento na
extemporaneidade da sua interposição, pois entendo que o recurso foi
tempestivamente apresentado, por razões similares às expostas nos votos de
vencido que apus aos Acórdãos n.ºs 414/2004, 540/2005, 542/2005, 543/2005,
550/2005, 551/2005, 552/2005, 553/2005 e 556/2005.
Na verdade, nos termos do artigo 158.º da Lei que regula a
eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (doravante designada por LEOAL), o recurso
contencioso tendo por objecto as irregularidades ocorridas no decurso da votação
e no apuramento local ou geral ou as decisões sobre as reclamações, protestos
ou contraprotestos apresentados contra essas irregularidades “é interposto
perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital
contendo os resultados do apuramento”. Trata‑se, assim, do prazo de um dia (e
não de 24 horas), a contar da data da afixação do edital contendo os resultados
do apuramento geral. No cômputo dos prazos são aplicáveis, salvo disposição
especial, as regras do artigo 279.º do Código Civil, das quais deriva que nessa
contagem não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo
começa a correr e que o prazo termina às 24 horas do último dia do prazo
(alíneas b) e c) desse preceito, sendo entendimento corrente o de que a regra
desta última alínea também se aplica aos prazos fixados em dias). Isto é: o
prazo de um dia para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional
começa a correr no início do dia seguinte ao do da afixação do edital e termina
às 24 horas desse dia.
Entendeu‑se, porém, no precedente acórdão que ao caso era
aplicável a regra do n.º 2 do artigo 229.º da LEOAL, nos termos do qual: “Quando
qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de
entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera‑se
referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições”.
A formulação literal do preceito – que não utiliza as fórmulas
habituais de o acto ter de ser praticado em juízo (alínea e) do artigo 279.º do
Código Civil) ou perante o serviço público (alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do
Código do Procedimento Administrativo – CPA) –, ao aludir explicitamente à
circunstância de o acto em causa implicar o envolvimento de entidades ou
serviços públicos através de uma intervenção dessas entidades ou serviços, logo
inculca que se pretendeu contemplar as situações em que a prática do acto
determina o desenvolvimento de uma actividade desses entes públicos, e não já os
casos em que os serviços funcionam como mera instância de recepção de
documentos. Daqui deriva, pois, a não aplicabilidade da regra do citado artigo
229.º, n.º 2, ao presente caso.
Sendo “aplicável ao contencioso da votação e do apuramento o
disposto no Código de Processo Civil”, como expressamente dispõe o n.º 5 do
artigo 159.º da LEOAL, é, hoje em dia, inequívoco não só que “as partes podem
praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio electrónico,
em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos
tribunais” (artigo 143.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), aditado pelo
Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto), como também que quando o acto é
praticado por “envio através de telecópia, [vale] como data da prática do acto
processual a da expedição” (artigo 150.º, n.º 1, alínea c), do CPC, na redacção
do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).
Em face do exposto, terminando às 24 horas do dia 14 de
Outubro de 2004 o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional e sendo incontroversa a admissibilidade do envio por telecópia
da respectiva petição, independentemente do “horário de funcionamento” do
serviço destinatário, o envio efectuado às 16h13 desse dia 14 de Outubro não
pode deixar de ser considerado como tempestivo, sendo inaplicável a regra do
artigo 229.º, n.º 2, da LEOAL, por o acto praticado não “envolver a intervenção”
(na acepção atrás assinalada) de entidades ou serviços públicos, mas a mera
recepção, por qualquer meio, de um documento transmissível por telecópia,
recepção essa que não exige a presença física de qualquer funcionário.
O prazo de um dia é, por definição, sempre superior ao prazo
de 24 horas, pois despreza o tempo decorrido no dia em que ocorreu o evento que
desencadeia o início do prazo e termina às 24 horas do dia seguinte. A tese que
fez vencimento – considerando que o prazo termina às 16 horas desse dia – tem o
efeito (a meu ver inadmissível) de poder transformar um prazo de um dia em prazo
inferior a 24 horas, o que ocorrerá sempre que o edital contendo os resultados
do apuramento geral seja afixado depois das 16 horas (no caso dos presentes
autos, não consta a hora de afixação do edital).
Entendendo que o fundamento da extemporaneidade não era idóneo
a fundar o não conhecimento do recurso, resta-me constatar que o processo não
contém ainda os elementos necessários para poder, em consciência, tomar posição
quer quanto à eventual existência de outros obstáculos a esse conhecimento,
quer quanto ao mérito do recurso.
Mário José de Araújo Torres
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050566.html ]