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Processo n.º 487/05
Plenário
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
1. A. vem reclamar do despacho do relator, de 10 de
Outubro de 2005, que não admitiu recurso que ele interpusera, ao abrigo do
artigo 79.º‑D da Lei do Tribunal Constitucional, para o Plenário deste Tribunal
contra o Acórdão n.º 426/2005 da 2.ª Secção.
O recurso fora interposto através do requerimento de
fls. 3387 a 3393, que terminava com a formulação das seguintes conclusões:
“1. O douto acórdão de que se recorre decidiu não julgar inconstitucional a
norma constante do artigo 188.°, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, na interpretação de que
são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em
parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição
pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe
foram espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciaria, acompanhados das
fitas gravadas ou elementos análogos.
2. Esta decisão está em contradição com o douto acórdão proferido pelo mesmo
Tribunal, na 3.ª Secção, recurso n.º 488/04, de 11 de Junho de 2004.
3. Com efeito, este douto aresto que se invoca decidiu, além do mais, que o juiz
tinha de ouvir as gravações telefónicas, cominando com a declaração de
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 188.°, n.º 1, do CPP, quando
interpretada no sentido de que a primeira audição, pelo juiz de instrução
criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer seis meses após o início da
intercepção e gravação das comunicações telefónicas.
4. Entendemos que é a interpretação do douto acórdão que se invoca a única que
está em conformidade com as normas constitucionais.
5. Na verdade, a violação do prescrito no artigo 188.° do CPP constitui também
uma violação das normas constitucionais conforme resulta das normas conjugadas
do n.º 2 do artigo 18.° e n.º 4 do artigo 34.°, ambos da Constituição da
República Portuguesa.
6. Ora, o artigo 188.° do CPP prescreve que o juiz é o primeiro destinatário
das gravações e que tem de ouvir o material gravado, podendo em casos
excepcionais – no caso em que esteja em causa a prática de actos cautelares
necessários e urgentes para assegurar os meios de prova – tomar previamente
conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada.
7. Entendemos, assim, que deverá ser julgada inconstitucional a norma constante
do artigo 188.°, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, interpretada no
sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja
transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em
prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua
reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciária,
acompanhadas das fitas gravadas ou elementos análogos.
Violaram-se os artigos 18.° e 34.° da CRP e 188.° do CPP.”
2. O despacho ora reclamado não admitiu o recurso
interposto com a seguinte fundamentação:
“O recurso para o Plenário previsto no artigo 79.º‑D da Lei do Tribunal
Constitucional pressupõe que este Tribunal, no acórdão recorrido, tenha
julgado «a questão de inconstitucionalidade (...) em sentido divergente do
anteriormente adoptado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções».
Exige‑se, assim, identidade da norma objecto de juízos divergentes quanto à sua
constitucionalidade. E, por outro lado, a divergência há-de reportar‑se ao
sentido das decisões, não bastando eventuais discrepâncias ao nível das
fundamentações dessas decisões. Ora, essa identidade de norma não ocorre
manifestamente no presente caso, em que, embora reportadas, em parte, ao mesmo
preceito legal (n.º 1 do artigo 188.º do CPP), as dimensões normativas
questionadas no Acórdão n.º 426/2005 e na Decisão Sumária n.º 324/2004,
proferida no proc. n.º 488/2004, eram claramente distintas: naquele (acórdão
recorrido) estava em causa o modo de acompanhamento pelo juiz; neste (decisão
fundamento) estava em causa o tempo desse acompanhamento, ligado à exigência de
o auto de intercepção e gravação ser levado imediatamente ao conhecimento do
juiz.
A referida Decisão Sumária é clara ao afastar do âmbito do recurso a questão de
saber se é, ou não, constitucionalmente exigido que seja o próprio juiz a ouvir
as escutas e a seleccionar as passagens a transcrever. Lê‑se no n.º 9 dessa
Decisão Sumária:
«O mesmo [isto é: não pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso]
sucede relativamente à inconstitucionalidade que [o recorrente] imputa à norma
do n.º 3 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no
“sentido de que não necessita de ouvir e ser ele a seleccionar os diálogos
constantes das escutas telefónicas”.
Também não foi com este sentido que o preceito foi aplicado, como se pode ver da
transcrição do acórdão recorrido, o que igualmente impede a sua apreciação.»
A única questão apreciada e decidida nessa Decisão Sumária foi a da
constitucionalidade da interpretação do n.º 1 do artigo 188.º do CPP, na
redacção do Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, segundo a qual tal norma permite
«considerar imediatamente levado ao conhecimento do juiz intercepções e
gravações de conversações telefónicas realizadas meses antes» (cf. n.º 10). Tal
como no Acórdão n.º 379/2004, a referência, na Decisão Sumária n.º 324/2004, à
«audição» das gravações pelo juiz, respeita à caracterização da situação de
facto ocorrida nesses processos – em que o juiz optou por ouvir pessoalmente as
gravações mas só o fez, pela primeira vez, mais de três meses (no caso do
Acórdão) ou seis meses (no caso da Decisão Sumária) após o início da
intercepção e gravação das comunicações telefónicas –, não envolvendo, nem
explícita nem implicitamente, a erecção desse método como único
constitucionalmente admissível.
Não existe, assim, a divergência de juízos de constitucionalidade sobre a mesma
norma, o que inviabiliza o recurso para o Plenário.
Termos em que se decide não admitir o recurso para o Plenário interposto pelo
recorrente.”
3. Na reclamação ora em apreço expende o recorrente:
“O recorrente, no seu recurso interposto para o Plenário deste Tribunal, alegou
que foram proferidas, relativamente à mesma norma, duas decisões em sentido
divergente.
O douto despacho, agora em crise, decidiu não admitir o recurso do arguido, com
o fundamento:
«Ora, essa identidade de norma não ocorre manifestamente no presente caso, em
que, embora reportadas, em parte, ao mesmo preceito legal (n.º 1 do artigo 188.º
do CPP), as dimensões normativas questionadas no Acórdão n.º 426/2005 e na
Decisão Sumária n.º 324/2004, proferida no proc. n.º 488/2004, eram claramente
distintas: naquele (acórdão recorrido) estava em causa o modo de acompanhamento
pelo juiz; neste (decisão fundamento) estava em causa o tempo desse
acompanhamento, ligado à exigência de o auto de interpretação e gravação ser
levado imediatamente ao conhecimento do juiz.»
Em suma, o douto despacho entende que as duas decisões versam sobre a mesma
norma jurídica mas já não quanto ao sentido da decisão.
Salvo melhor entendimento, estamos absolutamente convencidos de que no acórdão
fundamento se decidiu também da obrigatoriedade de o juiz ouvir o material
gravado.
Vejamos.
O douto despacho, em favor da sua tese, argumenta com o facto de o acórdão
fundamento ter afastado expressamente, do seu conhecimento, a questão colocada
pelo recorrente: da obrigatoriedade de o juiz ouvir e seleccionar o material
gravado que lhe foi apresentado.
É verdade que o Tribunal não conheceu da questão suscitada pelo recorrente.
Todavia, problema diverso é o de se saber se o Tribunal decidiu, por um motivo
ou por outro, da questão de o juiz estar obrigado a ouvir o material gravado
que lhe é apresentado. Repare‑se que o recorrente colocou duas questões ao
tribunal: audição e selecção do material gravado. O Tribunal ao decidir que não
conhecia destas questões, por motivos de ordem processual, não significa que não
tenha tomado posição sobre as duas ou uma só das questões suscitadas.
Com efeito, em abstracto, o Tribunal podia não tomar conhecimento de uma ou mais
questões suscitadas pelo recorrente mas na decisão e fundamentação de outra ou
outras questões, de que conheceu, ter tomado posição sobre alguma das questões
de que decidiu não conhecer. A diferença é a de que enquanto que nas decisões
de que decidiu tomar conhecimento tem de rebater os argumentos do recorrente e
em caso de provimento retirar‑se as devidas consequências, se tomar
conhecimento no âmbito de uma outra questão não tem que fundamentar o sentido da
sua decisão nem tão‑pouco retirar ilações nesse processo.
Portanto, com o devido respeito, não procede o argumento, aduzido no douto
despacho de que se reclama, segundo o qual o Tribunal, no acórdão fundamento,
afastou do âmbito do recurso a questão de se saber se é, ou não,
constitucionalmente exigido que seja o próprio juiz a ouvir as escutas e a
seleccionar as passagens a transcrever.
O douto despacho acaba por admitir, se bem nos parece, a existência de
discrepância ao nível da fundamentação: «E, por outro lado, a divergência há‑de
reportar-se ao sentido das decisões, não bastando eventuais discrepâncias ao
nível das fundamentações dessas decisões».
Acontece que, no acórdão fundamento toma‑se posição sobre a obrigatoriedade de
o juiz ouvir o material gravado sem que a defesa tivesse colocado, de forma
processualmente correcta, essa questão. Na verdade, calcorreando as conclusões
do recorrente e do Ministério Público, sumariadas no acórdão fundamento, em vão
se encontra referência implícita ou explicita à audição pelo juiz do material
gravado. Pelo contrário, a defesa sempre colocou a questão do tempo decorrido
entre as autorizações e o momento em que o material gravado é apresentado ao
juiz.
Assim, com todo o respeito, não procede a alusão feita no douto despacho, agora
em crise, «Tal como no Acórdão n.º 349/2004, a referência, na Decisão Sumária
n.º 324/2004, à “audição” das gravações pelo juiz, respeita à caracterização da
situação de facto ocorrida nesses processos – em que o juiz optou por ouvir
pessoalmente as gravações...».
É que o juiz, no acórdão fundamento, jamais ouviu o material gravado, daí se ter
colocado a questão de se saber se era conforme à Constituição a interpretação
da norma constante do artigo 188.° do CPP, com o sentido da não audição pelo
juiz do material gravado.
Resulta que o douto acórdão fundamento teve a necessidade de decidir da
obrigatoriedade de o juiz ouvir o material que lhe é entregue.
Esse acórdão decidiu esta questão na fundamentação e voltou a decidi‑la no
momento da decisão.
Tomou inequivocamente posição sobre duas questões – se lhe foram ou não
suscitadas é coisa bem diversa – a saber: a interpretação da expressão
imediatamente e a audição pelo juiz do material gravado.
Se a última das questões foi decidida implicitamente ou como fundamento da
questão principal tal não obsta para a verificação da oposição de julgados.
Citando o Professor J. A. Reis, escrevem os Conselheiros Simas Santos e Leal
Henriques, in Recursos em Processo Penal, p. 150:
«E pondo o problema de saber, em tal contexto, se se tornaria necessário uma
oposição expressa (que não implícita) e incidindo sobre a própria decisão (que
não sobre os seus fundamentos), explicitou assim a sua tendência: “Se um acórdão
formulou abertamente determinada solução jurídica e outro não proclamou
explicitamente solução contrária, mas emitiu decisão que necessariamente
implica solução oposta àquela, deve entender‑se que existe oposição … Quer
dizer, o recurso … pode ter por fundamento a oposição entre julgado explícito e
um julgado implícito …”. E, quanto ao segundo problema, escreveu: “Para que seja
admissível recurso … não é forçoso que a oposição entre os acórdãos se manifeste
na decisão, isto é, que a questão final a resolver, num e noutro caso, fosse a
mesma …”».
Entendemos, assim, que o douto despacho, agora em crise, deve ser revogado por
outro que admita o recurso interposto, seguindo‑se os ulteriores termos
processuais.
CONCLUSÕES:
1. A circunstância de, no acórdão fundamento, o Tribunal não ter conhecido das
questões suscitadas – audição pelo juiz do material gravado e da selecção, por
este, dos diálogos ouvidos – nada impedia, como não impediu, de o Tribunal vir a
pronunciar‑se sobre uma dessas questões no âmbito da decisão de uma questão que
conheceu a título principal.
2. Na verdade, o Tribunal, no acórdão fundamento, toma posição sobre a audição
pelo juiz do material que foi apresentado sem que qualquer das partes tal lhe
sugerisse.
3. Salvo o devido respeito, a decisão sobre este ponto não serviu para
caracterizar a situação de facto ocorrida, mas sim como fundamento da decisão da
questão principal.
4. Acresce que no acórdão fundamento se tomou posição na sua fundamentação bem
como na própria decisão.
5. De resto, nada obsta que se invoque um acórdão fundamento onde se tenha
decidido uma questão implicitamente ou como fundamento da decisão principal.
6. A verdade é que a frase plasmada no acórdão fundamento: «… quando
interpretada no sentido de que a primeira audição, pelo juiz de instrução
criminal …» não foi ali colocada em vão, mas com um sentido jurídico preciso,
que não pode ser outro que não a de o juiz estar obrigado a ouvir o material
gravado.
Violou‑se o disposto no artigo 79.º‑D da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
Nestes termos e demais de direito, deverá a presente reclamação obter provimento
e em consequência revogar‑se o douto despacho por outro que admita o recurso
interposto.”
4. O representante do Ministério Público neste Tribunal
apresentou a seguinte resposta:
“1 – A presente reclamação é perfeitamente desprovida de sentido, só podendo
entender‑se como manobra dilatória do recorrente.
2 – Na verdade, como este bem sabe – ou devia saber – o recurso para o Plenário
do Tribunal Constitucional só é admissível quando, em termos de decisão de
mérito, este haja, através das suas Secções, proferido decisões contraditórias
sobre a mesma questão de constitucionalidade normativa.
3 – Ora, sendo – como se demonstra inquestionavelmente na douta decisão, ora
impugnada – diferentes os segmentos ou dimensões normativas em causa, é
evidente a inadmissibilidade do meio processual utilizado.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
5. A questão central colocada na presente reclamação
consiste em apurar se, na Decisão Sumária n.º 324/2004, o Tribunal
Constitucional emitiu algum juízo de inconstitucionalidade quanto à mesma norma
que no Acórdão n.º 426/2005 não foi julgada inconstitucional, a saber: “a norma
do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, interpretado no
sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja
transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em
prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua
reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela Polícia
Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos”.
No processo em que foi proferida a Decisão Sumária n.º
324/2004, haviam sido interpostos recursos por três arguidos, tendo sido
decidido:
– quanto aos recursos interpostos por B., não conhecer
do que tinha por objecto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, por não
verificação dos requisitos previstos na alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da
LTC, nem do que tinha por objecto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, por
visar a apreciação de questões de inconstitucionalidade não suscitadas durante o
processo e por o objecto do recurso de constitucionalidade não poder consistir
em violações da Constituição imputadas directamente a decisões judiciais (cf.
n.º 12 da Decisão Sumária);
– quanto ao recurso interposto por C., conhecer da
questão de inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 188.º do CPP, na
redacção do Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, “interpretado como
permitindo considerar imediatamente levado ao conhecimento do juiz intercepções
e gravações de conversações telefónicas realizadas meses antes” e conceder
provimento a esse recurso (cf. n.º 11, reportado ao n.º 10, da Decisão
Sumária);
– quanto ao recurso interposto por D. – que, de acordo
com o respectivo requerimento de interposição, visava apreciar a
inconstitucionalidade de: (i) n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo
Penal, que foi interpretado pelo acórdão recorrido, conforme indica, “com o
sentido de que a expressão «imediatamente» aí inserida deve ser entendida em
termos hábeis, mostrando‑se toleradamente respeitado, em adequada ponderação de
considerações garantísticas da defesa e superiores exigências da realização do
Direito, tanto mais que o caso em concreto diz respeito a aturadas e complexas
investigações sobre o crime com ramificações internacionais, de tráfico de
droga, incidentes sobre múltiplos agentes e vários telefones, ao longo de
significativos espaços temporais, com sucessivas prorrogações atempadamente
renovadas, ocorrendo a apresentação logo que superiormente definida, escassos
meses após as respectivas colheitas, estando o processo em segredo de justiça”,
o que viola o disposto nos artigos 34.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa; (ii) artigo 5.º do Código de Processo
Penal, que o acórdão recorrido interpretou “com o sentido de que a lei
processual é de aplicação imediata ainda que daí resulte prejuízo para a defesa
do arguido”, o [que] viola o artigo 32.º da Constituição da República
Portuguesa; (iii) artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, “com o
sentido de que o juiz não necessita de ouvir e ser ele a seleccionar os
diálogos constantes das escutas telefónicas”, o que viola os artigos 32.º, n.º
1, e 34.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; e (iv) artigo 187.º,
n.º 1, do Código de Processo Penal, 'com o sentido de que é possível autorizar a
realização de uma escuta telefónica com base em meras denúncias anónimas”, por
violação do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa (cf. n.º 5 da Decisão Sumária) – foi
decidido o seguinte:
“9. Passa‑se, então, à análise dos diversos recursos, começando pelo que foi
interposto por D., que recorre ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei n.º 28/82.
Ora, no que respeita à inconstitucionalidade que atribui à norma que refere ao
n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, a verdade é que o recorrente
não define qualquer questão de constitucionalidade normativa susceptível de
integrar o recurso que interpôs, antes manifestando a sua discordância quanto à
verificação de razões suficientes para se determinar a realização de escutas
telefónicas, como se verifica da leitura do acórdão recorrido. Não é na verdade
possível encontrar neste acórdão como ratio decidendi a interpretação de que
bastam «meras denúncias anónimas» para que seja determinada a realização de
escutas telefónicas.
Não pode, pois, o Tribunal Constitucional conhecer do recurso nesta parte.
O mesmo sucede relativamente à inconstitucionalidade que imputa à norma do n.º 3
do artigo 188.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no «sentido de
que não necessita de ouvir e ser ele a seleccionar os diálogos constantes das
escutas telefónicas».
Também não foi com este sentido que o preceito foi aplicado, como se pode ver da
transcrição do acórdão recorrido, o que igualmente impede a sua apreciação.
(sublinhados agora acrescentados).
Quanto à inconstitucionalidade que refere ao artigo 5.º do Código de Processo
Penal, verifica‑se que, não obstante a resposta de fls. 529, não se encontra na
motivação que junta qualquer arguição da respectiva inconstitucionalidade. Não
se podendo, portanto, considerar «suscitada durante o processo», o Tribunal
Constitucional não a pode conhecer.
10. Finalmente, verifica‑se que, no que toca ao n.º 1 do artigo 188.º do Código
de Processo Penal, na redacção aplicada no acórdão recorrido, ou seja, na que
resultou do Decreto-Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, interpretado como
permitindo considerar imediatamente levado ao conhecimento do juiz intercepções
e gravações de conversações telefónicas realizadas meses antes (cfr., além do
requerimento de interposição de recurso, as conclusões da motivação junta a fls.
530), não há obstáculos que impeçam o conhecimento do objecto do recurso.”
E, quanto a esta questão, única de que conheceu, a
referida Decisão Sumária, constatando que “o Tribunal Constitucional já apreciou
a questão que aqui se coloca, com referência às diversas versões do n.º 1 do
artigo 188.º do Código de Processo Penal (a anterior à da Lei n.º 59/98, de 25
de Agosto, a que resultou desta Lei e a que lhe veio a ser dada pelo Decreto‑Lei
n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro), relevantes conforme o caso, mas que não
divergiam quanto ao que agora releva”, e após transcrever as passagens tidas por
pertinentes da fundamentação do Acórdão n.º 379/2004, entendeu ser de reiterar
o julgamento de inconstitucionalidade exarado neste Acórdão e na demais
jurisprudência nele citada, pelo que decidiu, quanto a tal questão, “julgar
inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º
8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a
norma constante do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro,
quando interpretada no sentido de que a primeira audição, pelo juiz de
instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer seis meses após o
início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas”.
Como claramente resulta da precedente exposição, a
dimensão normativa alvo de juízo de inconstitucionalidade respeita apenas à
conformidade constitucional da duração do período de tempo (no caso, seis meses)
entre o início da intercepção de comunicações e o primeiro contacto do juiz com
os resultados obtidos, face à exigência, já formulada no Acórdão n.º 407/97, de
um acompanhamento judicial temporalmente próximo da recolha de provas. A
questão da constitucionalidade do modo de proceder a esse acompanhamento (se
sempre e exclusivamente através de audição pessoal pelo juiz da totalidade das
gravações ou se por leitura da sua reprodução efectuada pelo órgão de polícia
criminal, com possibilidade de, em caso de dúvida, apurar a sua conformidade com
os suportes que simultaneamente lhe são entregues) foi explicitamente afastada
do objecto do recurso decidido pela Decisão Sumária n.º 324/2004 e nada, na sua
fundamentação, permite concluir que tenha sido objecto de ponderação e decisão.
A referência, na fórmula decisória, à “primeira audição, pelo juiz de instrução
criminal, das gravações efectuadas”, é meramente descritiva da dimensão
normativa concretamente apreciada, não envolvendo, nem explícita, nem
implicitamente, qualquer juízo de inconstitucionalidade de qualquer outro método
de acompanhamento judicial da recolha de prova em causa.
Inversamente, no Acórdão n.º 426/2005, a única questão
que estava em causa era a da conformidade constitucional do modo de
acompanhamento acolhido na interpretação normativa adoptada, e já não a relativa
à “imediatividade” temporal desse acompanhamento.
Inexistindo identidade entre as dimensões normativas
apreciadas nas duas decisões alegadamente divergentes, não se verifica o
requisito de admissibilidade de recurso para o Plenário do Tribunal
Constitucional.
6. Em face do exposto, acordam em indeferir a reclamação
do despacho do relator que não admitiu recurso para o Plenário do Tribunal
Constitucional.
Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Outubro de 2005
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Silva Rodrigues
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício