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Processo nº 284/2007.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 5 de Março de 2007 o relator proferiu a
seguinte decisão: –
“1. Por acórdão prolatado em 31 de Outubro de 2006 pelo Tribunal da
Relação de Évora foi negado provimento ao recurso interposto da sentença
proferida no 2º Juízo do Tribunal de comarca de Beja e por via da qual foi o
arguido A. condenado, como autor material de um crime de homicídio por
negligência, na pena de multa de trezentos dias à taxa de €10, e, como demandado
cível, no pagamento (em solidariedade com B. Companhia de Seguros, S.A. – quanto
a esta ‘tendo em consideração o limite máximo do capital seguro[‘] –) das
quantias de: –
– € 380 000, a título de indemnização por danos patrimoniais e pela
perda do direito à vida de C., aos demandantes cíveis D., E., F. e G.;
– € 15 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, à
demandante D.;
– € 10 000, ao mesmo título, à demandante E.;
– € 10 000, também ao mesmo título, à demandante F.;
– € 15 000, ainda ao mesmo título, ao demandante G..
Pretendendo o arguido recorrer daquele aresto para o Supremo
Tribunal de Justiça, não foi esse recurso admitido por despacho exarado em 5 de
Dezembro de 2005 pelo Desembargador Relator o Tribunal da Relação de Évora,
fundado no disposto na alínea e) do nº 1 do artº 400º do Código de Processo
Penal.
Inconformado com o despacho de não admissão, reclamou o arguido
para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tendo, no requerimento dela
consubstanciador, referido, em dado passo: –
‘(…)
8 – Com efeito, a interpretação do artigo 400º nº 2 do CPP, vista em conjunto
com o estabelecido na Lei Orgânica dos Tribunais e artº 678º do CPC, no sentido
de permitir a existência de regime diferenciado quanto à apreciação
jurisdicional de pedido cível, consoante este seja deduzida separadamente da
acção penal, caso em que, se o valor e sucumbência o permitirem, como é o dos
presentes autos, será admitida a apreciação em três instâncias judiciais
(culminando no STJ), ou por adesão à acção penal, caso em que, nas mesmas
circunstâncias, será permitida a apreciação apenas em duas instâncias judiciais
(culminando na Relação) contraria o princípio da igualdade de tratamento
conjugado com o do acesso ao Direito consagrados nos artigos 13 e 20 da CR, uma
vez que, para situações idênticas impõe regime diferenciado sem justificação
atendível, vedando ao cidadão o acesso a ver a sua causa julgada equitativamente
em todos os casos, motivo pelo qual, a aplicação do artigo 400 nº 2 do CPP feita
pelo assento nº 1/2002 e o acórdão recorrido é inconstitucionalidade na
interpretação dada ao mesmo.’
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 18 de
Janeiro de 2007, indeferiu a reclamação.
Para tanto, carreou a essa decisão a seguinte fundamentação: –
‘(…)
Como resulta do disposto no art. 400º, n.º 1, alínea e), do CPP, para que seja
admissível recurso é necessário que o acórdão proferido, em recurso, pelas
relações, respeite a processo por crime a que seja aplicável pena superior a
cinco anos.
No caso concreto, verificou-se que ao crime porque foi condenado o ora
reclamante – crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, n.º 1,
do CP – corresponde pena inferior a cinco anos. Esta situação cai precisamente
na previsão do n.º 1 da alínea e) do art. 400.º do CPP.
Assim sendo, não é o recurso admissível para este Supremo Tribunal, no
respeitante à parte penal.
No respeitante à questão cível, refere-se que pelo Acórdão n.º 1/2002 deste
Supremo Tribunal, publicado no DR, I Série-A, de 21 de Maio de 2002, se fixou a
seguinte jurisprudência: ‘no regime do Código de Processo Penal vigente – n.º 2
do art. 400º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto – não cabe recurso
ordinário da decisão final do tribunal da Relação, relativa à indemnização civil
se for irrecorrível a correspondente decisão penal’.
Ora, no caso em apreço, da decisão penal não cabia recurso para este S.T.J.,
atento o disposto no art. 432º, alínea b), do CPP, com referência ao art. 400,
n.º 1, alínea e), do mesmo diploma legal.
Apesar de o citado acórdão não ser vinculativo, é todavia de acatar a decisão
dele constante, na ausência de novos fundamentos que nos levem a divergir dela.
Não colhe a invocação dos votos de vencido precisamente porque se trata disso:
posições que não foram acolhidas pela doutrina do acórdão que fez vencimento.
Assim, não se admite o recurso interposto.
Não se pode dizer que esta interpretação desrespeita o[s] arts 13.º e 20.º da
CRP.
O julgamento do pedido de indemnização em processo penal, implica a aplicação
àquele das regras do processo penal quanto a recursos, sem que isso ofenda a
Constituição.
O Tribunal Constitucional já apreciou a questão da constitucionalidade agora
suscitada, (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 201/94 – D.R. – II Série de
20-5-1994 e n.º 525/98 de 30 de Junho de 1999) concluindo pela não
inconstitucionalidade das correspondentes normas com o sentido que lhes foi
atribuído pelo acórdão de fixação de jurisprudência atrás referido.
Por último, no que concerne à alegação de o recurso ter sido também interposto
em vista à declaração de nulidade do acórdão ora questionado, refere-se que, a
existir o alegado vício processual, devia ter sido arguido perante a Relação,
como resulta do art. 379.º, n.º 2, do CPP, atento o disposto no art. 668º, n.º 3
do CPC, aplicável ex vi do art. 4º daquele diploma.
A lei não desprotege assim o ora reclamante, quando o acórdão padece de alguma
nulidade, sendo a decisão irrecorrível, uma vez que lhe possibilita a sua
arguição perante o próprio tribunal que proferiu o acórdão.
Não se pode entender que a simples invocação da nulidade de um acórdão que a lei
considera irrecorrível, transforme esse mesmo acórdão em decisão recorrível para
este Supremo Tribunal.
Em resumo: se o acórdão é recorrível, a nulidade deve ser invocada no
recurso a interpor para o S.T.J.; se o acórdão é irrecorrível, a nulidade só
pode ser invocada perante o próprio tribunal que proferiu a decisão.
(…)’
Do assim decidido recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional
ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
No requerimento de interposição do recurso consignou-se que se
pretendia ‘que o Tribunal Constitucional declare inconstitucional:
A) O disposto no artigo 400, conjugado com os artigos 427 e 432 todos do Código
de Processo Penal na interpretação dada pelos despachos de não admissão de
recurso proferidos pelos Exmos Srs. Juízes Desembargador e Conselheiro,
respectivamente, do TRE e STJ supra citados no sentido de que não é admissível o
recurso para terceira instância (STJ) do acórdão proferido pelo Tribunal da
Relação que apreciou em segunda instância pedido cível deduzido nos termos dos
artigos 71 e seguintes do CPP, contrariando o regime do recurso a três
instâncias que vigora para a mesma situação se desligada do procedimento
criminal (pedidos cíveis superiores à alçada do Tribunal da Relação e restante
circun[s]tancialismo previsto no artigo 678 nº 1 do CPC), por violação do
disposto nos artigos 13 e 20 da Constituição da República Portuguesa (CRP)
atento também o disposto no artigo 202 nº 2 da mesma Lei fundamental, devendo
ser admitido ao recorrente a possibilidade de interpor recurso do acórdão
condenatório do Tribunal da Relação que apreciou em segunda instância pedido
cível contra si deduzido em igualdade de circunstâncias com o regime
estabelecido pelo CPC;
b) O disposto no artigo 412 do CPP na interpretação dada pelo Tribunal da
Relação de Évora de que não deve ser concedido ao recorrente em processo penal a
possibilidade de aperfeiçoar a motivação e conclusões por aplicação subsidiária
do regime previsto no artigo 690 nº 4 do CPC, por tal implicar violação do
disposto nos artigos 32 nº 1 e 20 da CRP, devendo ser concedida tal faculdade ao
recorrente.’
O recurso interposto mediante o requerimento de que parte se
encontra extractada foi admitido por despacho exarado em 8 de Fevereiro de 2007
pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Justifica-se a prolação de decisão ex vi do nº 1 do artº 78º-A
da Lei nº 28/82.
Assim, no tocante ao artº 412º do Código de Processo Penal, é
inquestionável que o despacho ora impugnado, não convocou, como ratio juris do
ali decidido, um tal normativo, acrescendo que, aquando da reclamação dirigida
ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não foi, pelo ora impugnante,
impostada qualquer questão de desarmonia constitucional reportada àquele
preceito.
Desta sorte, por não ter sido suscitada a questão de
inconstitucionalidade do aludido artigo e por ele não ter sido aplicado na
decisão intentada recorrer, não se tomará conhecimento do objecto do recurso
atinente ao mencionado artigo.
2.1. Pelo que concerne ao recurso incidente sobre o artº 400º do
mesmo corpo de leis (recte, ao nº 2 do artº 400º), o problema aqui levantado é
de perspectivar como simples e, por isso, justificativo da prolação da vertente
decisão, atenta a jurisprudência já tomada por este Tribunal a respeito da
questão de saber se, não sendo recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça um
acórdão lavrado por um tribunal da Relação nos termos das diversas situações
previstas no nº 1 do artº 400º do Código de Processo Penal (in casu o aresto
proferido no Tribunal da Relação de Évora aplicou pena, abstracta a
concretamente, inferior a cinco anos de prisão), caso no processo crime tenha
sido deduzido pedido de indemnização cível e esse acórdão tenha condenado o
arguido em montante perante o qual a sucumbência deste lhe possibilitaria, em
face das normas processuais civis comuns, o recurso para aquele Supremo, isso
constituirá ofensa a normas ou princípios constitucionais.
Na verdade, por entre outros, à questão acima assinalada respondeu
negativamente este Tribunal por intermédio dos seus Acórdãos números 183/2001
(publicado na II Série do Diário da República, de 8 de Junho de 2001), 320/2001
(publicado nos mesmos jornal oficial e Série, de 7 de Novembro de 2001), 201/94
(idem, idem, de 20 de Maio de 1994), 548/94 (inédito), 138/98 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) e 722/98 disponível no mesmo site).
A jurisprudência que se extrai dos citados arestos é, em tudo,
transponível para o caso em apreço, pelo que, também aqui, se haverá de concluir
pela não desarmonia constitucional do preceito constante do nº 2 do artº 400º do
Código de Processo Penal agora em vigor, quando interpretado no sentido de não
caber recurso ordinário da decisão final da Relação, relativamente à
indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal.
3. Em face do que se deixa dito decide-se: –
a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso respeitante ao
preceito vertido no artº 412º do Código de Processo Penal;
b) Negar provimento ao recurso quanto à norma que deflui da
interpretação acima recortada do preceito constante do nº 2 do artº 400º do
mesmo diploma adjectivo.
c) Condenar o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa
de justiça em seis unidades de conta.”
Da transcrita decisão vem reclamar o arguido,
fazendo-o por intermédio de requerimento em que se consignou: –
“(…)
1 – Pelo recurso interposto para o Tribunal Constitucional pretendeu-se reagir a
despacho do Presidente do STJ que indeferiu reclamação deduzida pelo ora
recorrente em que se invocou a inconstitucionalidade do artigo 400 do CPP na
interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Évora no sentido de não ser
admissível recurso para o STJ do acórdão que aprecia, em segunda instância, o
pedido cível deduzido por enxerto na acção penal, ao abrigo dos artigos 71 e
seguintes do CPP, por violação do disposto nos artigos 13 e 20 da Constituição
República Portuguesa (CRP) atento também o disposto no artigo 202 nº 2 da mesma
Lei fundamental e a necessária conjugação com o artigo 678 do Código de processo
Civil (CPC).
2 – Como decorre do requerimento de interposição de recurso, pretendeu-se com o
mesmo que ‘o Tribunal Constitucional declare inconstitucional:
A) O disposto no artigo 400, conjugado com os artigos 427 e 432 todos do CPP na
interpretação dada pelos despachos de não admissão de recurso proferidos pelos
Exmos Srs. Juízes Desembargador e Conselheiro, respectivamente, do TRE e STJ
supra citados no sentido de que não é admissível o recurso para terceira
instância (STJ) do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que apreciou em
segunda instância pedido cível deduzido nos termos dos artigos 71 e seguintes do
CPP, contrariando o regime do recurso a três instâncias que vigora para a mesma
situação se desligada do procedimento criminal (pedidos cíveis superiores à
alçada do Tribunal da Relação e restante circunstancialismo previsto no artigo
678 nº 1 do CPC), por violação do disposto nos artigos 13 e 20 da Constituição
da República Portuguesa (CRP) atento também o disposto no artigo 202 nº 2 da
mesma Lei fundamental, devendo ser admitido ao recorrente a possibilidade de
interpor recurso do acórdão condenatório do Tribunal da Relação que apreciou em
segunda instância pedido cível contra si deduzido em igualdade de circunstâncias
com o regime estabelecido pelo CPC;
B) O disposto no artigo 412 do CPP na interpretação dada pelo Tribunal da
Relação de Évora de que não deve ser concedido ao recorrente em processo penal a
possibilidade de aperfeiçoar a motivação e conclusões por aplicação subsidiária
do regime previsto no artigo 690 nº 4 do CPC, por tal implicar violação do
disposto nos artigos 32 nº 1 e 20 da CRP, devendo ser concedida tal faculdade ao
recorrente.’
3 – Por despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 78-A da lei de
processo do Tribunal Constitucional foi decidido não poder conhecer-se do
presente recurso: no que respeita à inconstitucionalidade do artigo 412 do CPP
(Código de Processo Penal), por não constituir ‘ratio legis’ do despacho
recorrido, não tendo tal normativo sido aplicado pelo mesmo no que toca à
inconstitucionalidade do artigo 400 do CPP por a questão ser de decisão simples,
já tendo sido aflorada e objecto de orientação em vários acórdãos do Tribunal
Constitucional, citados a páginas 5 do despacho em apreço, pelo que se
considerou não infringir o normativo constitucional o disposto no artigo 400 nº
2 do CPP quando interpretado no sentido de não caber recurso ordinário da
decisão final da Relação, relativamente à indemnização civil, se for
irrecorrível a correspondente decisão penal.
4 – Relativamente à declaração de inconstitucionalidade do artigo 412 do CPP
admite-se que não seja objecto do presente recurso uma vez que o despacho
recorrido, de facto, se absteve de tomar posição quanto à mesma.
5 – Porém, quanto à inconstitucionalidade do regime do CPP que não admite a
apreciação em três instâncias do pedido cível deduzido por enxerto na acção
penal quando da decisão penal não caiba recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça (regime do artigo 400 do CPP), salvo o devido respeito, entende-se que
não assiste razão ao decidido, pese embora os doutos acórdãos deste Tribunal
Constitucional que corroboram a decisão tomada, citados na mesma pelo
meritíssimo Sr. Juiz Relator.
6 – Com efeito, o principio da igualdade (artº 13 da CR) decorre da necessidade
de salvaguarda da dignidade da pessoa e, consequentemente dos respectivos
direitos, liberdades e garantias, sendo verdadeiramente estruturante do Estado
de Direito Democrático (artºs 1º, 2º da CR) a todos vinculando.
7 – O princípio em causa (igualdade) não se compadece apenas com a igualdade
formal perante a lei, impondo o tratamento igual das situações concretas da vida
jurídica que merecem igualdade de tratamento.
8 – O artigo 20º da CR garante ao recorrente o direito de acção para salvaguarda
dos direitos e interesses legalmente protegidos, compreendendo o direito de
recurso, ínsito na noção de processo “equitativo” (nºs 1 e 4).
9 – O legislador não pode criar obstáculos que, de forma, infundada e
desproporcionada, prejudiquem o direito à tutela jurisdicional, incluindo nesta
o direito de recurso.
10 – Apesar de a Constituição da República não impor uma forma processual
específica, deixando espaço para intervenção ao legislador ordinário, se esta,
em matéria de acesso ao direito, no caso, direito de recurso, infringir os
direitos, liberdades e garantias do cidadão, bem como os princípios fundamentais
que presidem ao Estado de Direito Democrático, um dos quais é certamente o da
igualdade de tratamento, impõe-se um intervenção do Tribunal Constitucional por
forma a julgar a inconstitucionalidade do regime instituído.
11 – Sabe-se que ao Tribunal Constitucional não cabe suprir lacunas legislativas
ou modificar o regime legalmente vigente no sentido de, verificada a
desconformidade deste com a CR, se substituir ao legislador.
12 – No entanto se o Direito positivo vigente admitir várias interpretações,
compete a este Tribunal, verifica a desconformidade de uma delas com a CR, optar
por aquela que não se mostre eivada de vícios.
13 – Na questão em apreço, constata-se, a propósito de uma acção cível em que
existe responsabilidade civil emergente de um acidente, um tratamento desigual
em termos de, se a mesma se tivesse processado por via de processo cível o ora
recorrente ter direito a recurso a três instâncias de apreciação jurisdicional
(da primeira instância – Tribunal de Comarca – ao Supremo Tribunal de Justiça),
contrariamente ao que os Tribunais querem que suceda por tal acção cível ter
sido enxertada no procedimento criminal, caso em que, têm decidido só haver
lugar a um duplo grau de jurisdição (no caso concreto, Tribunal de Comarca –
Tribunal da Relação), por força do regime estabelecido no artigo 400 do CPP.
4 –Repare-se que o pedido cível enxertado na acção criminal tem a mesma natureza
jurídica do proposto em acção cível, em separado, motivo pelo qual se conclui
que a acção cível é a mesma, em termos de natureza. O próprio Código Penal
afirma que o pedido de indemnização cível se rege pela lei civil (artº 129 CP).
15 –Se assim é, dos princípios resultantes dos artigos 13, 1º, 2º e 20º,
impõe-se o tratamento igual para ambos os casos. Só assim não seria se outra
solução fosse imposta pela natureza das coisas e não por força de regime criado
artificialmente pelo legislador. Não se descortina, porém, que a natureza das
coisas imponha a discrepância de regime.
16 –Também não se vislumbra que o facto de o pedido cível ser enxertado na acção
penal constitua motivo para tratamento diverso, quanto ao regime de recurso, por
confronto com o pedido cível deduzido em separado, não existindo
proporcionalidade na discrepância de regimes aparentemente resultante do
disposto no artigo 400 do CPP.
17 – Assim sendo, forçoso é concluir pela desconformidade constitucional do
artigo 400 do CPP interpretado no sentido de vedar o recurso ao Supremo Tribunal
de Justiça por parte do arguido, Réu quanto ao pedido cível, no respeitante à
apreciação deste último, por traduzir um indevida e ilegítima discriminação de
tratamento, como se demonstrou.
18 – Desta forma, atento o exposto de 9 a 12 do presente, deve conceder-se ao
artigo 400 do CPP uma interpretação que permita igualdade de tratamento, em sede
de direito de recurso de pedido cível, a réus intervenientes em acções cujo
valor e sucumbência o permitam, aplicando-se, subsidiariamente, o direito
processual civil por força do disposto no artigo 4º do CPP, por se reputar o
adequado à própria natureza jurídica do pedido em questão (idêntica, seja
intentado em acção cível ou criminal, sendo certo que, por lei, se rege pelo
direito civil - por remissão expressa do artº 129 do CP).
19 – Antes, porém, de fazer apelo ao regime subsidiário do CPC (Código do
Processo Civil) por forma a permitir o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça
(STJ) como última instância no caso em apreço, julga-se, no entanto, que é
possível uma interpretação não inconstitucional do regime do artigo 400 do CPP
porquanto o recurso da parte cível da sentença criminal é autonomizado no seu
número dois, não resultando como única interpretação possível a comummente
aceite de não ser permitida a apreciação do pedido no STJ.
20 – Com efeito, dos artigos 427 e 432, para os quais remete o artigo 400 nº 2
do CPP, não ressalta expressa ou inequivocamente que não seja admissível recurso
ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da Relação
que aprecia, em segunda instância, o pedido cível. Para isso deveria o artigo
432 esclarecer que em casos como o dos autos, a decisão da Relação era sempre
irrecorrível nos termos da sua alínea b), o que não sucede. Nem se diga que o
artigo 400 nº 1 alínea e) é claro, uma vez que, se fosse totalmente abrangente
não se compreendia a existência do seu número 2 que visa, em separado,
debruçar-se sobre os pedidos cíveis.
21 –Desta forma crê-se que, por via de interpretação do regime estatuído o
Tribunal Constitucional pode e deve optar pela solução que se mostra conforme
aos imperativos constitucionais, e que só pode ser a de declarar a
inconstitucionalidade do artigo 400 do CPP na interpretação de vedar no caso dos
autos o recurso ordinário para o STJ do acórdão da Relação proferido, restrito
ao pedido cível apreciado, por violação das disposições conjugadas dos artigos
13, 1º, 2º e 20º da CR, sendo aplicável ao último o regime geral de recursos do
Código de Processo Civil, conforme à sua natureza, possibilitando o recurso de
tal acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito, embora, à matéria
cível.”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo
Representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio dizer que ela eram
“manifestamente improcedente”, já que “a argumentação do reclamante em nada
abala os fundamentos da reiterada corrente jurisprudencial que vem entendendo
não padecer de inconstitucionalidade o segmento normativo do artigo 400º do
Código de Processo Penal que o recorrente pretendia controverter”
Cumpre decidir.
2. Como se alcança da transcrita peça
consubstanciadora da reclamação, o impugnante, referentemente ao despacho
reclamado, tão só se insurge quanto do decidido no que tange à parte em que se
negou provimento ao recurso interposto para este Tribunal, ou seja, no
particular do juízo de não enfermidade constitucional do nº 2 do artº 400º do
diploma adjectivo criminal.
Intenta o mesmo impugnante – que, como não
devia deixar de ser, reconhece que a decisão reclamada, quanto ao referido
particular, se ancorou na jurisprudência a propósito tomada por este órgão de
fiscalização concentrada da constitucionalidade – carrear argumentos que, na sua
óptica, conduziriam a um juízo diverso daquele que foi tomado na dita decisão e
do antecedentemente decidido pelo Tribunal Constitucional.
Simplesmente, toda a panóplia argumentativa
ínsita na reclamação, na perspectiva deste órgão jurisdicional, não infirma os
anteriores juízos, sendo certo que os fundamentos de uma eventual
inconstitucionalidade foram já, nas decisões que comportaram aqueles juízos,
devidamente analisados e sido entendidos como não procedentes.
Neste contexto, reafirmando-se o juízo
efectuado na decisão reclamada, indefere-se a reclamação.
Custas pelo impugnante, fixando-se a taxa de
justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 26 de Março de 2007
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício