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Processo nº 1070/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 15 de Janeiro de 2007 o relator proferiu
a seguinte decisão: –
“1. Pelo 4º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa instaurou
em 17 de Abril de 2000 (vindo a petição a ser enviada sob registo do correio
ocorrido em 14 desse mesmo mês) o Licº A. contra o Banco de Portugal acção,
seguindo a forma de processo ordinário e a que foi dado o valor de Esc.
68.265.000.000$00, solicitando que fosse declarado válido um contrato firmado
entre ele, autor, e o réu, que fosse esse contrato qualificado como um contrato
de prestação de serviços e, em função dessa qualificação, que fossem
consideradas determinadas cláusulas desse contrato, que fosse definido que de
entre as regalias que o réu concedia aos seus empregados figurassem certas
regalias, que discriminou, que fossem declaradas nulas determinadas alterações
introduzidas pelo réu no contrato sem consentimento do autor, e que fosse o
mesmo réu condenado a pagar-lhe: –
– determinados quantitativos, a apurar, a título de diferença
de vencimentos, e participação nos lucros do réu;
– prejuízos, no montante de Esc. 6.000.000$00, sofridos pela
alteração introduzida pelo réu nas condições de um mútuo concedido para
aquisição de habitação própria;
– prejuízos, no montante de Esc. 10.000.000$00, que o autor
sofreu por encargos fiscais que teve de suportar;
– prejuízos, no montante de Esc. 2.265.000$00, sofridos pela
antecipação da reforma;
- o montante de todas as despesas médicas e medicamentosas que
o autor despendeu ou venha a despender consigo ou com os seus familiares;
– a retribuição, a título de reforma, que vier a ser fixada com
a integração do chamado complemento remuneratório, diuturnidades, subsídios de
Natal e de férias e de comparticipação anual nos lucros;
– o fornecimento de material informático nas condições que
vieram a ser recusadas;
– o montante de Esc. 50.000.000$00 a título de indemnização por
danos morais.
Por despacho saneador proferido em 14 de Novembro de 2001 foi o
Tribunal do Trabalho julgado incompetente em razão da matéria para conhecer do
pedido, em consequência sendo o réu absolvido da instância, e isso porque foi
entendido que o contrato invocado na petição era de qualificar como um contrato
de trabalho.
Nessa peça processual foi ainda referido que a decisão tomada
quanto à excepção de incompetência prejudicava a apreciação de outras matérias,
designadamente a da prescrição invocada pelo réu, aditando-se que, pesasse
embora a prejudicialidade daquela apreciação, se afigurava que o direito
invocado pelo autor estaria já prescrito, o que, também por aí, conduziria a que
se considerasse procedente a excepção de prescrição.
E, quanto a este ponto, mencionou-se no despacho saneador que
ao caso não era aplicável o disposto no nº 3 do artº 327º do Código Civil, pois
que a anterior acção intentada pelo autor no foro civil comum em 2 de Março de
1994 e na qual o Banco de Portugal – que, tal como nestes autos, figurava como
réu – foi absolvido da instância, não tinha a virtualidade de interromper o
prazo prescricional. E isto porque a absolvição levada a efeito nessa acção era
de imputar ao autor, já que, tendo ele reputado o contrato pelo mesmo invocado
como detendo «traços» de contrato de trabalho, deveria, desde logo, ter optado
por intentado a acção perante os tribunais do trabalho.
Do referido despacho agravaram autor e réu para o Tribunal da
Relação de Lisboa.
O segundo (o réu), pretendendo, por intermédio do recurso, que
fosse o despacho saneador revogado na parte em que considerou o Tribunal do
Trabalho incompetente em razão da matéria, já que, na óptica do réu, uma tal
decisão teria violado o caso julgado formado pelo acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça lavrado na acção intentada no foro civil comum e na qual se decidiu que
o contrato em apreço era um contrato de trabalho. Solicitou, pois, o réu, nesse
agravo, que viesse a ser determinado o prosseguimento dos autos, com apreciação
do mérito da causa, nomeadamente da excepção de prescrição.
O primeiro (o autor), intentando, pela via do agravo, que fosse
o despacho agravado no tocante à decidida excepção de incompetência, objecto de
revogação, sendo substituído por outro que determinasse o prosseguimento do
processo.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 26 de Junho de
2002, concedeu provimento a ambos os agravos, revogando o despacho recorrido e
ordenando o prosseguimento do processo.
Em 24 de Outubro de 2002 foram elaborados, no 4º Juízo do
Tribunal do Trabalho de Lisboa, despacho saneador – que, no que ora releva,
julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pelo réu –, especificação
e questionário.
Inconformado com o despacho saneador, na parte em que teve como
improcedente a excepção de prescrição, recorreu o réu para o Tribunal da Relação
de Lisboa.
Em 6 de Julho de 2004, o Juiz do 4º Juízo do Tribunal do
Trabalho de Lisboa proferiu sentença por via da qual a acção foi julgada
parcialmente procedente. Nessa sentença foi: –
– declarado válido o contrato de trabalho celebrado entre o
autor o réu;
– o réu condenado a reconhecer que faziam parte daquele
contrato determinadas cláusulas;
– declarado que em Maio de 1974 autor e réu acordaram em que o
montante recebido inicialmente pelo autor também era devido a título de
subsídios de férias, Natal e Páscoa, que o réu suportaria o pagamento dos
impostos profissional e complementar do autor e das contribuições para o Fundo
de Desemprego que fossem devidos em função das remunerações auferidas por este
último, e que o mesmo tinha direito, ao fim de três anos de serviço, a um mútuo
a longo prazo até ao quantitativa de Esc. 1.000.000$00, com juro de 1,5% ao ano,
para aquisição de habitação própria nas condições de qualquer empregado do réu;
– declarada nula a reclassificação do autor, operada em 1977,
como assistente técnico III;
– condenado o réu a pagar ao autor, a título de indemnização
por danos morais, a quantia de € 8.500, acrescida de juros de mora à taxa legal,
desde a citação e até integral pagamento.
Do assim decidido apelaram autor e réu para o Tribunal da
Relação de Lisboa.
Este Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 18 de Janeiro de
2006 – que conheceu da apelação interposta pelo réu do despacho saneador –
revogou esse mesmo despacho, julgando procedente a excepção de prescrição, em
consequência absolvendo o réu da instância e considerando prejudicado o
conhecimentos das demais questões suscitadas nos outros recursos.
Irresignado, pediu o autor revista para o Supremo Tribunal de
Justiça.
Na alegação adrede apresentada, foi escrito, no que agora
interessa, em dados passos: –
‘(…)
E, para além do comportamento processual do Réu – perdoe-se a franqueza – também
surpreende que todas as decisões dos processos se conjuguem para impedir a
tutela jurisdicional efectiva dos direitos de que o Autor se arroga.
Especificamente, surpreende, não é demais repeti-lo, no que tange ao Acórdão
recorrido, a interpretação que faz dos n.ºs 2 e 3 do artigo 327º do Código Civil
no sentido de, no caso dos autos, a absolvição da instância por incompetência em
razão da matéria do tribunal cível, mesmo que decretada após o pedido de
apreciação prévia da questão substantiva da qualificação do contrato, possa
entender-se como motivo processual imputável a negligência do titular do
direito, pois que, com essa interpretação, tais normas violam o direito
constitucional, do Recorrente, de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20º
da Constituição, bem como os princípios da proporcionalidade e da tutela da
confiança, mais o disposto no n.º 2 do artº 202º do mesmo diploma. Além de
violar o artigo 9º do Código Civil.
(…)
CONCLUSÕES
(…)
6ª A absolvição da instância na 1ª Acção não pode ser imputável, por motivo
processual, ao ora Recorrente, enquanto titular dos direitos em causa, porque a
absolvição decorreu, não de razões de processo, mas de razões substantivas que
tinham a ver com a qualificação do contrato, e pela lei que vigorava eram os
tribunais civis da comarca de Lisboa os competentes para procederem à sua
qualificação, conforme decorre do citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 24 de Fevereiro de 2000.
7ª Assim sendo, pelo que está expresso na primeira parte do n.º 2 do artigo 288º
do Código de Processo Civil, a concessão do prazo de 30 dias da sua parte final
não repele, mas pelo contrário adiciona o regime dos números 2 e 3 do artigo
327º do Código Civil, pelo que, nesta perspectiva e de acordo com o artigo 9º do
Código Civil, a prescrição dos direitos do Autor nunca se pode considerar
completada antes de findarem dois meses após o trânsito em julgado da absolvição
da instância.
8ª E dois meses a contar do trânsito em julgado da absolvição da instância que,
como dissemos, ocorre em 16 de Março de 2000, permitiriam que a acção pudesse
ter sido intentada até 16 de Maio de 2000.
9ª Decidindo como decidiu, o Venerando Tribunal a quo não teve em consideração
ou interpretou mal as disposições legais que têm vindo a ser referidas; e, com
as interpretações que fez delas, mencionadamente, as dos n.ºs 2 e 3 do artigo
327º do Código Civil, inviabilizou a garantia constitucional do acesso ao
direito e tutela jurisdicional efectiva do ora Recorrente, bem como os
princípios da proporcionalidade e da tutela da confiança de todos os cidadãos na
resolução jurisdicional dos seus litígios (CRP artºs 20, n.ºs 1,4 e 5; e 202,
n.º 2).
(…)’
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de Novembro de
2006, negou a revista.
Para assim concluir, aquele Alto Tribunal, após decidir que o
autor não beneficiava, na presente acção, da eficácia interruptiva da prescrição
da citação do réu ocorrida na acção que fora intentada nos tribunais cíveis
comuns, visto não ter observado o prazo previsto no nº 2 do artº 289º do Código
de Processo Civil, impostou a questão de saber se o dito autor beneficiaria do
prazo de dois meses, para se completar a prescrição, a que se reporta o nº 2 do
artº 327º do Código Civil.
Quanto a este particular, o aresto de 15 de Novembro de 2006
enveredou pelo problema de saber qual era o sentido rigoroso da imputabilidade
ao autor do motivo da absolvição da instância.
A um tal problema conferiu a resposta alicerçada nos motivos
constantes da transcrição que se segue: –
‘(…)
2.3. O recorrente defende, por outro lado, que beneficia do prazo de dois meses,
para se completar a prescrição, previsto no n.º 3 do artigo 327.º do Código
Civil, porquanto o motivo que conduziu à absolvição do réu da instância na
primeira acção não lhe pode ser imputável, em termos de negligência, dado que
essa absolvição não decorreu de razões de processo, mas antes de razões de
índole substantiva relacionadas com a qualificação do contrato, e segundo a lei
em vigor eram os tribunais civis os competentes para procederem à sua
qualificação, conforme decorre do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24
de Fevereiro de 2000.
O n.º 3 do artigo 327.º do Código Civil prevê: «[s]e, por motivo processual não
imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem
efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto
terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão
ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera
completada a prescrição antes de findarem estes dois meses».
O normativo transcrito tem por objectivo evitar a perda do direito quando,
exercido ele a tempo, os efeitos desse exercício tenham sido afectados pela
absolvição da instância, devido a motivo processual não imputável ao titular do
direito, concedendo a lei a esse titular um novo prazo para exercer o direito.
Mantêm-se, assim, no caso de não imputabilidade do motivo da absolvição da
instância ao autor, o impedimento da prescrição resultante da eficácia
interruptiva da citação do réu na primeira acção.
Em anotação ao n.º 3 daquele artigo 327.º, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA
(Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 213) referem que, sobre
os fundamentos que podem determinar a absolvição da instância há que atentar no
artigo 288.º do Código de Processo Civil, afirmando, em seguida, que «[s]e esta
absolvição se der por motivo imputável ao titular do direito, a doutrina
aplicável é a do n.º 2 e não a do n.º 3 do artigo 327.º».
Portanto, se o motivo processual da absolvição da instância for imputável ao
autor, repõe-se o regime previsto nos artigos 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 2, do
Código Civil, começando a correr um novo prazo prescricional logo após o acto
interruptivo.
Mas qual é o sentido rigoroso da imputabilidade ao autor do motivo da absolvição
da instância?
Imputar significa atribuir um facto concreto ao seu agente.
Contudo, a imputação de um facto envolve dois momentos distintos: um objectivo,
em que se relaciona a acção ao seu agente, e um outro subjectivo, em que se
opera a delimitação da culpa ou da responsabilidade de um acto, ajuizando sobre
a eventual censura do comportamento, doloso ou negligente, do agente.
No dizer de ANSELMO DE CASTRO (ob. cit., p. 274), «[d]ifícil será, na verdade, o
caso em que seguramente possa dizer-se que a absolvição da instância não seja
imputável ao autor».
Já para VAZ SERRA («Prescrição Extintiva e Caducidade», em Boletim do Ministério
da Justiça, n.º 106, Maio, 1961, p. 257, nota 1010, 3.º §), pode não ser
imputável a negligência do titular do direito o facto de se ter proposto a acção
num tribunal incompetente, por exemplo, «por ser difícil a interpretação da lei
sobre a competência».
E prossegue este AUTOR na nota citada, «[p]arece, pois, de dispor que, se o
pedido judicial é rejeitado por algum motivo processual, não imputável ao autor,
tem este um prazo suplementar de sessenta dias para fazer valer o seu direito,
caso o prazo da prescrição tenha findado entretanto, contando-se aquele prazo da
publicação ou notificação da sentença, conforme ela não deva ou deva ser
notificada».
Ora, tendo sobretudo em conta considerações teleológicas ligadas à razão de ser
da norma (ratio legis) e ao fim visado pelo legislador ao consagrar o princípio
da manutenção do efeito interruptivo da prescrição em nova acção, quando ocorra
absolvição da instância na primeira acção, entende-se que a definição conceitual
de «motivo processual não imputável ao titular do direito», explicitado no n.º 3
do artigo 327.º do Código Civil, deve alicerçar-se, essencialmente, na ideia de
culpa – é este, aliás, o comando legal implícito na solução da lei.
Resulta, pois, do exposto que para a absolvição da instância ser imputável ao
titular do direito basta que este tenha agido com mera culpa, a qual deve ser
apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de
família, em face das circunstâncias de cada caso.
No caso vertente, a absolvição da instância na primeira acção proposta pelo
autor teve como fundamento a incompetência absoluta do Tribunal Cível da Comarca
de Lisboa, em razão da matéria, uma vez que o contrato celebrado entre as partes
se tratava de um contrato de trabalho, sendo materialmente competentes para
conhecer da causa os tribunais do trabalho.
A quem é, pois, imputável a absolvição da instância?
Na acção proposta, em 2 de Março de 1994, no Tribunal Cível da Comarca de
Lisboa, o autor alicerçou a causa de pedir no não cumprimento por parte do Banco
réu de um contrato que designou por «contrato misto, resultante da conjugação de
um contrato de prestação de serviço por avença, com subordinação económica e a
garantia da segurança de qualquer empregado bancário, com um contrato individual
de trabalho, sem a subordinação jurídica do empregado», sendo certo que, entre
os factos articulados na petição inicial, o autor invocou que «[...] o Banco,
sem qualquer explicação, deu a conhecer ao Autor, pela Comunicação de Serviço
Interno n.º 67/DPTRB/PR, de 3 de Janeiro de 1989, que a partir de 1 de Janeiro
desse ano o Autor passava a ser considerado empregado do Banco, em regime de
trabalhador por conta de outrem para efeitos fiscais», factualidade que provou
documentalmente (cf. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial).
Ora, se o próprio autor reconhecia a sua subordinação económica em relação ao
Banco réu, com «a garantia da segurança de qualquer empregado bancário», e
admitia que o contrato ajustado entre as partes compreendia prestações
características do contrato individual de trabalho, e se o réu, por sua parte,
considerava que o autor, a partir de 1 de Janeiro de 1989, estava juridicamente
vinculado ao Banco por um contrato de trabalho e não por um contrato de
prestação de serviço, isto com pleno conhecimento do autor, era elementar o
dever de instauração da acção no tribunal materialmente competente para conhecer
das questões emergentes de relações de trabalho subordinado, isto é, no tribunal
de trabalho, tanto mais que, quanto aos créditos resultantes do contrato de
trabalho, a LCT, afastando-se do regime instituído no Código Civil, estabelecia
um prazo de prescrição curto, de apenas um ano.
Acresce que, tal como se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa, de 24 de Junho
de 1999, confirmado pelo acórdão deste Supremo Tribunal, de 24 de Fevereiro de
2000, os factos apresentados a julgamento naquela primeira acção «integram, sem
margem para dúvidas, os elementos fundamentais caracterizadores do contrato de
trabalho», permitindo «ver que o que importava para o agravante [o Banco réu]
não era propriamente o resultado do trabalho do A., mas antes a actividade deste
trabalhador, segundo as directivas que aquele, a todo o momento, entendesse
dar--lhe», sendo que «os factos provados não nos deixa dúvidas quanto à
verificação de um vínculo de subordinação jurídica do A. ao R., pelo que o
contrato entre eles celebrado é um verdadeiro contrato de trabalho».
Assim, atendendo ao condicionalismo próprio da primeira acção proposta, é de
imputar ao autor o vício da incompetência absoluta de que padecia a acção e, por
conseguinte, a absolvição do réu da instância, uma vez que não empregou a
diligência normal que seria de exigir a um profissional do Direito na ponderação
dos pressupostos processuais relativos ao tribunal – a sua competência em razão
da matéria –, face à evidência dos elementos característicos do contrato de
trabalho.
Neste sentido, cf. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 21 de Outubro de 1993
(Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano I,
tomo III, 1993, pp. 79-81) e de 2 de Outubro de 1996 (Revista n.º 8/96, da 4.ª
Secção, disponível em www.dgsi.pt/jstj - documento n.º SJ199610020000084).
Aliás, como se afirma na contra-alegação do Banco recorrido:
«O recorrente, advogado em causa própria, não pode alegar ser possuidor de
apenas um discernimento próprio de um bonus paterfamilias para efeitos de
interpretação e qualificação dos contratos. Ele tem uma formação académica e
profissional – não de um jovem iniciado, mas de um profissional experiente com
largos anos de carreira [...] – que o torna num indivíduo especialmente apto
para qualificar, correctamente, o seu contrato de trabalho. E só a especial
persistência que pretende fazer passar para o exterior o pode ter levado a
instaurar a primeira acção no Tribunal Cível, persistência que se mantém, após
todas as decisões e demonstrações, como o documenta a seguinte passagem, a fls.
24, in fine, das alegações a que se responde:
'O recorrente até pede vénia para confessar que ainda não está convencido da
qualificação que o Tribunal fez do seu contrato.'
Tendo em consideração a fundamentação de todas as decisões proferidas nas várias
instâncias e as qualificações do recorrente, o caso afigura-se não ser apenas de
culpa, mas de dolo e este nem como (sic) referência ao discernimento de um bonus
paterfamilias, de instrução média, é desculpável.»
Não se verifica, assim, o pressuposto de que depende a aplicação da norma
prevista no n.º 3 do artigo 327.º do Código Civil.
Nesta conformidade, à data em que o autor instaurou a presente acção no Tribunal
do Trabalho de Lisboa (14 de Abril de 2000), para fazer valer os direitos
invocados na anterior acção proposta no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, já
esses direitos resultantes do contrato de trabalho celebrado entre as partes
estavam abrangidos pela prescrição invocada pelo réu.
Apenas se acrescentará, porque o recorrente alega que «o motivo que conduziu à
absolvição do réu da instância na primeira acção não lhe pode ser imputável, em
termos de negligência, dado que essa absolvição não decorreu de razões de
processo, mas antes de razões de índole substantiva relacionadas com a
qualificação do contrato, e segundo a lei em vigor eram os tribunais civis os
competentes para procederem à sua qualificação, conforme decorre do acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2000», que, por um lado, a
dita absolvição do réu da instância ocorreu, claramente, por falta de um
pressuposto processual relativo ao tribunal – a competência em razão da matéria
–, geradora da incompetência absoluta do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, e,
por outro lado, que nem a questão da qualificação do contrato celebrado pelas
parte se revelava, no caso, como uma questão complexa, face à evidência dos
elementos característicos do contrato de trabalho, nem era difícil a
interpretação da lei sobre a competência, que estabelecia a competência dos
tribunais do trabalho para conhecer, em matéria cível, das questões emergentes
de relações de trabalho subordinado, tudo a apontar no sentido de carecer de
suporte fáctico e de apoio legal a alegada necessidade de prévia apreciação
pelos tribunais civis da qualificação do contrato ajustado entre as partes.
Improcedem, pois, as conclusões 6.ª a 8.ª da alegação do recurso de revista.
(…)’
Do acórdão de que parte se encontra extractada recorreu o autor
para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo no requerimento consubstanciador do
recurso: –
‘(…)
b)A questão de inconstitucionalidade objecto do recurso é a norma que se extrai
da conjugação dos n.os 2 e 3 do art. 327.º do Código Civil, na interpretação
segundo a qual, tendo havido absolvição da instância do R. numa primeira acção
com fundamento em incompetência em razão de matéria do tribunal cível, se
considera que o motivo da absolvição da instância é imputável ao autor, em
termos de culpa, por ter escolhido o tribunal cível em função da qualificação
substantiva feita quanto ao contrato que é causa de pedir (contrato civil de
prestação de serviços de advocacia em vez de contrato de trabalho);
c)A norma em causa, na interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de
Justiça, confirmando a decisão da 2.ª instância no mesmo sentido, viola o art.
20.º, n.º 1, da Constituição inviabilizando a garantia constitucional do acesso
ao direito e tutela jurisdicional do Recorrente, bem como os princípios de
proporcionalidade e da tutela de confiança de todos os cidadãos na resolução
jurisdicional do litígio (art. 2.º, 20.º, nºs 4 e 5, 202.º, n.º 2, e 266.º, n.º
2, da Constituição);
d) A questão de constitucionalidade foi suscitada pelo ora Recorrente nas
alegações de recurso, nomeadamente na 9.ª conclusão, tendo a norma indicada sido
aplicada, com a interpretação impugnada, no douto Acórdão recorrido.
(…)’
O recurso interposto mediante o transcrito requerimento foi
admitido por despacho exarado em 13 de Dezembro de 2006 pelo Conselheiro Relator
do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este
Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o
recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A
da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma
conhecimento do objecto da presente impugnação.
Como resulta do «relato» supra efectuado, o autor, na alegação
produzida no recurso de revista, limitou-se, na «conclusão» 9ª, a dizer que o
acórdão então impugnado, com a interpretação que fez dos normativos ínsitos nos
números 2 e 3 do artº 327º do Código Civil, «inviabilizou a garantia
constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva» dele, então
recorrente, ofendendo ainda os princípios da proporcionalidade e da tutela da
confiança.
Desta sorte, não se surpreende, em tal «conclusão», a mínima
explicitação de qual seria a dimensão interpretativa que teria sido sufragada no
acórdão tirado no Tribunal da Relação de Lisboa.
Mas, se não nos ativermos unicamente às asserções constantes da
aludida «conclusão» 9ª, também como deflui do «relato» aqui realizado,
verifica-se, pela leitura do «teor» da alegação que acima se encontra
transcrita, que o autor brandiu com um argumento segundo o qual o acórdão então
impugnado, ao sufragar um entendimento, de decorreria da interpretação dos
números 2 e 3 do artº 327º do Código Civil, de acordo com o qual «a absolvição
da instância por incompetência em razão da matéria do tribunal cível, mesmo que
decretada após o pedido de apreciação prévia da questão substantiva da
qualificação do contrato», é considerada como a ocorrência de um «motivo
processual imputável a negligência do titular do direito», isso ofenderia o
direito de acesso aos tribunais, bem como os princípios da proporcionalidade e
da tutela da confiança.
Aquele artº 327º, em que se inserem os preceitos em causa
dispõe assim: –
Artigo 327.º
(Duração da interrupção)
1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou
de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto
não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou
esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o
novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for
absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da
prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao
trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o
compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes
dois meses.
Como resulta da alegação da revista, o ora impugnante não põe
em causa a textualidade do transcrito nº 3 do artº 327º do Código Civil, ou
seja, não questiona, do ponto de vista da sua conformidade constitucional, que o
«alargar» do completamento do prazo prescricional previsto naquele preceito não
ocorra caso a absolvição da instância seja imputável ao titular do direito.
Na verdade, o que o recorrente questiona é que, ocorrida a
absolvição do réu da instância numa situação específica em que essa absolvição
se fundou na incompetência material do foro civil em face da qualificação de um
dado contrato, seja essa absolvição – essa circunstância processual – imputável
ao titular do direito, e isso para os efeitos de não actuação do aludido
completamento do prazo prescricional.
Mas, a ser assim, como é, então é-se levado à conclusão que,
verdadeiramente, aquilo que foi impostado no recurso de revista não foi uma real
questão de inconstitucionalidade normativa (ainda que a norma tivesse sido
alcançada mediante um processo interpretativo incidente sobre determinado
preceito do ordenamento jurídico infra-constitucional), mas sim um problema de
desconformidade constitucional do modo como foi efectuada a subsunção, ao caso
então em apreciação, do normativo constante do nº 3 do artº 327º do Código
Civil.
Isto é: o que se questionou no prisma da compatibilidade com o
Diploma Básico foi o entendimento que fora seguido pelo acórdão então sob
recurso (o acórdão tirado no Tribunal da Relação de Lisboa), ao decidir a
questão que lhe foi apresentada – questão essa que consistia em saber se estava,
ou não, coberta pelo nº 3 daquele artº 327º, uma situação em que, em face de uma
qualificação conferida a um certo contrato, foi decidido ser o foro cível comum
incompetente em razão da matéria, e isto, como é claro, em vista a apurar se a
absolvição decorrente da declarada incompetência (decorrente, pois dessa
circunstância processual) era de imputar ao autor.
Ora, como sabido é, não constitui objecto dos recursos de
fiscalização concreta da constitucionalidade o modo como é feita a subsunção de
preceitos jurídicos aos casos apreciados pelas diversas ordens de tribunais.
Neste contexto, não tendo sido posto em causa o prescrito pelo
nº 3 do artº 327º do Código Civil na parte em comanda que, a haver imputação da
absolvição da instância ao titular do direito, não é de considerar o «aumento»
do alargamento do prazo ali estabelecido – regendo, então, a regra do seu nº 2
–, resulta claro que, na situação sub specie, o que se questiona são os
contornos concretos dessa situação e não, assim, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa.
A isto é de aditar, e com todo o relevo, que o acórdão ora
desejado submeter ao veredicto do Tribunal Constitucional, fez uma interpretação
dos preceitos em crise que, de todo – antes pelo contrário –, se não limitou a
considerar que, verificada a ocorrência da circunstância processual objectiva da
absolvição da instância, essa ocorrência seja imputada, sem mais, ao autor.
Efectivamente, é muito claro esse aresto ao distinguir entre o
momento objectivo da ocorrência da absolvição e a imputação da responsabilidade
dos factos em face dos quais veio a ser proferida a decisão absolutória da
instância (cfr. designadamente, as referências feitas no acórdão à doutrina de
Vaz Serra). E, na decorrência dessa distinção, apreciando os factos dos autos –
relativamente aos quais não pode ser exercida censura por este Tribunal –
concluiu que, no caso sub iudicio, a absolvição da instância por incompetência
material do tribunal cível se deveu a negligência censurável do autor.
Por isso nem sequer se pode dizer que o acórdão desejado
impugnar perante o Tribunal Constitucional tivesse, por alguma forma,
interpretado e aplicado os preceitos em causa com um sentido de acordo com o
qual da mera ocorrência da circunstância processual da absolvição da instância
se haveria de retirar, sem mais, negligência do autor, ainda que essa
absolvição, fundada na incompetência material do tribunal, pressupusesse uma
qualificação de determinado contrato.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se em seis unidades
de conta a taxa de justiça.”
Da decisão acima transcrita reclamou o Licº
A.nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, fazendo-o
por intermédio de requerimento em que consignou: –
“(…)
I
A MOTIVAÇÃO DO ORA RECLAMANTE
1. O ora Reclamante foi notificado da Decisão Sumária que lhe foi desfavorável e
quer deixar desde já registado o apreço que lhe mereceu a sua conscienciosa e
bem elaborada fundamentação.
2. Entende, todavia, o ora Reclamante, com todo o respeito, que deve esgotar as
vias processuais ao seu alcance, movido pela convicção de que possa ainda ser
revogado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, julgando improcedente o
recurso por si interposto, confirmou a decisão de 2ª Instância no sentido de que
se completara o prazo prescricional para exigir créditos à entidade patronal,
por não gozar o ora Reclamante do benefício do prazo de dois meses previsto no
artigo 327º, n.º 3, do Código Civil.
3. A presente reclamação não é deduzida por um espírito de teimosia do
Reclamante que seria susceptível de configurar uma forma de litigância
temerária, sancionável nos termos da lei.
4. Pelo contrário. Assenta na fé da Justiça. Na certeza de que o Direito é seu
instrumento e está ao seu serviço. E na impossibilidade, lógica e prática, de
aceitar que sejam os meios postos à disposição do Direito, para o serviço da
Justiça, que possam ser invocados para desactivar o Direito e inviabilizar a
Justiça.
De facto, assegurando a C. R. P., a todos, o acesso ao direito e a tutela
jurisdicional efectiva dos direitos de cada um mediante processo equitativo
(artigo 20º), não concebe o Reclamante que por meio de interpretações contrárias
à Constituição, se deixe por efectivar o direito do Reclamante ao julgamento
equitativo que a Constituição lhe garante.
5. O ora Reclamante celebrou um contrato no início de 1974 com o ora Reclamado
BANCO DE PORTUGAL para prestar serviços como advogado, tendo as partes
configurado esse contrato como um contrato de prestação de serviço por avença.
No decurso dos cerca de vinte anos em que o Reclamante desempenhou funções de
advogado ao serviço do Banco de Portugal sucederam-se vários eventos bem
conhecidos, tais como a Revolução de 25 de Abril de 1974, a subsequente
nacionalização do Banco de Portugal, a posterior transformação deste em empresa
pública e a orientação interna de considerar os contratos celebrados com os
advogados como puros contratos de trabalho.
6. O ora Reclamante manteve uma posição intransigente no sentido da qualificação
do contrato celebrado como contrato de prestação de serviços, tendo defendido ao
longo dos anos – em exposições internas que, por regra, ficavam sem resposta da
Administração – , que não dera consentimento a uma alteração, por forma
unilateral, da natureza do vínculo contratual constituído em 1974.
7. Tendo cessado o vínculo contratual em 1993, o ora Reclamante propôs em 1994,
nos Tribunais Cíveis de Lisboa, uma acção destinada a que fosse declarado que o
contrato celebrado com o referido Banco de Portugal não era um puro contrato de
trabalho, cumulando com esse pedido de simples apreciação, pedidos de condenação
do Banco com base no mesmo contrato.
8. Apesar de o Supremo Tribunal de Justiça ter confirmado a decisão da Relação
de Lisboa proferida no sentido da incompetência em razão da matéria dos
tribunais cíveis, quanto a alguns pedidos cumulados, por ter considerado que o
contrato em causa tinha a natureza de um contrato de trabalho, afirmou nesse
Acórdão que, sendo controvertida a questão da qualificação do contrato em causa,
careciam os tribunais de trabalho de competência para determinar a qualificação
do mesmo.
9. Dirigiu-se então, na sua via crucis, o Reclamante aos Tribunais de Trabalho
para fazer valer as suas pretensões creditícias contra a entidade patronal numa
segunda acção e, não obstante as várias excepções deduzidas, conseguiu
finalmente uma decisão de mérito que lhe concedeu muito parcialmente razão.
10. Todavia verificou-se que tal vitória fora ‘sol de pouca dura’, visto que a
Relação de Lisboa veio a julgar procedente um recurso interposto pelo ora
Reclamado, decidindo que estavam prescritos os créditos peticionados pelo ora
Reclamante por a acção, no Tribunal de Trabalho, ter sido proposta fora de
prazo, quer nos termos do n.º 2 do artigo 289º do Código de Processo Civil quer
nos termos do n.º 2 do artigo 327º do Código Civil.
11. A fundamentação desse Acórdão pareceu ao ora Reclamante ilegal e injusta, e,
não se conformando com o mesmo, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça.
12. Sem êxito, porém. Este Alto Tribunal confirmou a decisão recorrida, mas,
ainda assim, entendeu o ora Reclamante que o Supremo Tribunal de Justiça julgara
– salvo o devido respeito – mal uma questão de constitucionalidade por si
suscitada nas alegações e, consequentemente, interpôs o presente recurso para o
Tribunal Constitucional.
13. A decisão de não conhecimento do recurso de constitucionalidade, a ser
confirmada, porá termo à convicção do Reclamante de ser efectivada Justiça, num
processo que até agora não tem sido equitativo e há mais de uma década pende nos
tribunais, primeiro no cível e, depois, no laboral.
14. Pede vénia o ora Reclamante para afirmar que é para si um imperativo moral
esgotar os meios processuais ao seu alcance para conseguir uma decisão de mérito
final que lhe dê ou negue razão.
15. É, por isso, que se sente obrigado a repropor a questão da admissibilidade
do recurso de constitucionalidade, perante a conferência, no Tribunal
Constitucional.
16. Manifestando o seu respeito pela qualidade da decisão reclamada, vem pedir a
sua reapreciação, sob pena de, não o fazendo, não ter feito tudo o que devia
para alcançar Justiça.
II
A FUNDAMENTAÇÃO DA RECLAMAÇÃO
i) A Decisão Reclamada
17. Na douta decisão sumária afirma-se que o ora Reclamante suscitou de forma
vaga a questão da constitucionalidade na ‘Conclusão’ 9ª da sua alegação do
recurso de revista.
18. Mas a decisão em apreço não se queda por esta apreciação perfunctória e,
louvavelmente, vai mais fundo. Acrescenta:
«Mas, se não nos ativermos unicamente às asserções constantes da aludida
‘conclusão’ 9ª, também como deflui do ‘relato’ aqui realizado, verifica-se, pela
leitura do ‘teor’ da alegação que acima se encontra transcrita, que o autor
brandiu com um argumento segundo o qual o acórdão então impugnado, ao sufragar
um entendimento, de [que] decorrera da interpretação dos números 2 e 3 do art
327º do Código Civil, de acordo com o qual ‘a absolvição da instância por
incompetência em razão da matéria do tribunal cível, mesmo que decretada após o
pedido de apreciação prévia da questão substantiva da qualificação do contrato’,
é considerada como a ocorrência de um ‘motivo processual imputável a negligência
do titular do direito’, isso ofenderia o direito de acesso aos tribunais, bem
como os princípios da proporcionalidade e da tutela da confiança» (a fls.
12/13).
19. Todavia, o Exmº Relator discorda de que tenha sido posta uma questão de
inconstitucionalidade normativa ao Supremo Tribunal de Justiça pelo ora
Reclamante.
20. Para sustentar tal entendimento, pode ler-se na douta Decisão Sumária:
«Na verdade, o que o recorrente questiona é que, ocorrida a absolvição do réu
numa situação específica em que essa absolvição se fundou na incompetência
material do foro cível em face da qualificação de um dado contrato, seja essa
absolvição – essa circunstância processual – imputável ao titular do direito, e
isso para os efeitos da não actuação do aludido complemento do prazo
prescricional.
Mas, a ser assim, como é, é-se levado à conclusão que, verdadeiramente, aquilo
que foi impostado no recurso de revista não foi uma real questão de
inconstitucionalidade normativa (ainda que a norma tivesse sido alcançada
mediante um processo interpretativo incidente sobre determinado preceito do
ordenamento jurídico infra-constitucional), mas sim um problema de
desconformidade constitucional do modo como foi efectuada a subsunção, ao caso
então em apreciação, do normativo constante do n.º 3 do art. 327º do Código
Civil.» (fls. 13/14).
21. Do passo transcrito decorre que o Exmº Relator conclui que o ora Reclamante
não suscitou perante o Supremo Tribunal de Justiça uma questão de
inconstitucionalidade normativa, mas antes uma questão de inconstitucionalidade
de decisão judicial, visto que tal questão tinha sentido apenas no momento
aplicativo do Direito, na operação de subsunção dos factos ao disposto no n.º 3
do art. 327º do Código Civil.
22. A partir desta leitura das alegações do então Recorrente, ora Reclamante,
conclui a douta Decisão Sumária:
«Neste contexto, não tendo sido posto em causa o prescrito pelo n.º 3 do art.
327º do Código Civil na parte em que comanda que, a haver imputação da
absolvição da instância ao titular do direito, não é de considerar o ‘aumento’
do alargamento do prazo aí estabelecido – regendo, então, a regra do seu n.º 2
–, resulta claro que, na situação sub specie, o que se questiona são os
contornos concretos dessa situação e não, assim, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa.» (a fls.13).
23. Para demonstrar que o Supremo Tribunal de Justiça não fez uma interpretação
do n.º 3 do art. 327º do Código Civil de cariz objectivista – isto é, ‘se não
limitou a considerar que, verificada a ocorrência da circunstância processual
objectiva da absolvição da instância, essa ocorrência seja imputada, sem mais,
ao autor” (a fls. 14) – escreve-se nesta douta Decisão Sumária:
«Efectivamente, é muito claro esse aresto ao distinguir entre o momento
objectivo da ocorrência da absolvição e a imputação da responsabilidade dos
factos em face dos quais veio a ser proferida a decisão absolutória da instância
(cfr. designadamente, as referências feitas no acórdão à doutrina de Vaz Serra).
E, na decorrência dessa distinção, apreciando os factos dos autos –
relativamente aos quais não pode ser exercida censura por este Tribunal –
concluiu que, no caso sub iudicio, a absolvição da instância por incompetência
material do tribunal cível se deveu a negligência censurável do autor.
Por isso nem sequer se pode dizer que o acórdão desejado impugnar perante o
Tribunal Constitucional tivesse, por alguma forma, interpretado e aplicado os
preceitos em causa com um sentido de acordo com o qual da mera ocorrência da
circunstância processual da absolvição da instância se haveria de retirar, sem
mais, negligência do autor, ainda que essa absolvição, fundada na incompetência
material do tribunal, pressupusesse uma qualificação de determinado contrato.»
(a fls. 14, negritos nossos).
ii) As razões de discordância do Reclamante
24. Não pode o ora Reclamante deixar de destacar a cuidadosa fundamentação da
Decisão Sumária sob reclamação, nomeadamente escrúpulo interpretativo da
fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de que foi interposto o
recurso cujo não conhecimento foi determinado pela Decisão Reclamada.
25. Todavia, entende o ora Reclamante que suscitou durante o processo uma
questão de inconstitucionalidade normativa e que o Supremo Tribunal de Justiça
aplicou a norma do art. 327º, n.º 3, do Código Civil com a interpretação
impugnada quanto à sua constitucionalidade. Procurará de seguida o Reclamante
fundamentar a sua divergência em relação à tese acolhida na Decisão Reclamada.
26. De facto, nas alegações apresentadas no recurso de revista interposto para o
Supremo Tribunal de Justiça, o ora Reclamante suscitou, uma questão de
inconstitucionalidade normativa, como se pode comprovar. Em passo aliás
transcrito na douta Decisão Reclamada, o então Recorrente – depois de se queixar
de que se sentia surpreendido pelo facto de todas as decisões nos dois
processos, o interposto perante o tribunal cível e o interposto perante o
tribunal de trabalho, se conjugarem para impedir a tutela jurisdicional efectiva
dos direitos de que o autor se arroga – indicou claramente uma questão de
interpretação normativa que considerou violadora da Constituição:
‘Especificamente, surpreende, não é demais repeti-lo, no que tange ao Acórdão
recorrido, a interpretação que faz dos n.ºs 2 e 3 do artigo 327º do Código Civil
no sentido de, no caso dos autos, a absolvição da instância por incompetência em
razão da matéria do tribunal cível, mesmo que decretada após o pedido de
apreciação prévia da questão substantiva da qualificação do contrato, possa
entender-se como motivo processual imputável a negligência do titular do direito
(...).» (transcrito a fls. 6 da douta Decisão Reclamada)
27 Recorda-se, para melhor compreensão do que acaba de ser referido, que o
Tribunal da Relação se debruçara sobre as normas dos n.ºs 2 e 3 do art.º 327º do
Código Civil que estabelecem um regime regra e um regime de excepção sobre a
duração da interrupção da prescrição, no caso de não chegar a haver decisão de
mérito:
«2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou
esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o
novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for
absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo de
prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao
trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o
compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes
dois meses.»
Nessa ocasião, o Tribunal da Relação entendera que a improcedência de uma
primeira acção, destinada, entre outros pedidos, a declarar que certo contrato
celebrado entre um advogado e uma instituição de crédito devia ser qualificado
como de prestação de serviço – decorrendo essa improcedência de o referido
contrato ter sido qualificado como contrato de trabalho – constituía um motivo
imputável ao Autor pelo qual o Tribunal Cível se declarara incompetente em razão
de matéria para apreciar pedidos condenatórios cumulados com o pedido de simples
apreciação referido.
28 Na impugnação feita, o ora Reclamante discordara do referido Acórdão,
enquanto este aplicara o n.º 2 do art.º 327º do Código Civil, considerando
estarem extintos por prescrição os créditos peticionados na segunda acção. Nessa
medida, além de outros fundamentos de impugnação, o ora Reclamante colocou a
referida questão de inconstitucionalidade normativa:
«...a interpretação que [a Relação] faz dos n.ºs 2 e 3 do artigo 327º do Código
Civil, no sentido de, no caso dos autos, a absolvição da instância por
incompetência em razão da matéria do tribunal cível, mesmo que decretada após o
pedido de apreciação prévia da questão substantiva da qualificação do contrato,
possa entender-se como motivo processual imputável a negligência do titular do
direito (...).»
29 Parece claro que não é a decisão enquanto tal da Relação que o ora Reclamante
impugnou, mas antes a interpretação perfilhada do n.º 3 do art.º 327º do Código
Civil que permitiu a decisão concreta de julgar extintos por prescrição os
créditos peticionados
30 O que o ora Reclamante considerou desproporcionado, violador da tutela da
confiança e do acesso aos tribunais foi a referida interpretação normativa que
fundou o entendimento de que a apresentação de um pedido de simples apreciação
sobre a qualificação do contrato, em caso de improcedência, permitia a
imputação, em termos de negligência, àquele que colocara essa questão de simples
apreciação e decaíra, com a consequência de o tribunal cível, depois de se ter
considerado competente para a qualificação do contrato e o ter considerado de
trabalho, depois e por isso, se ter declarado incompetente em razão da matéria
para conhecer de outros pedidos cumulados na mesma acção e que dependiam da
qualificação do referido contrato.
31 Deve notar-se que o Supremo Tribunal de Justiça nessa decisão que confirmou o
Acórdão recorrido da Relação de Lisboa perfilhou a interpretação do n.º 3 do
art.º 327º do Código Civil impugnada pelo Recorrente, ora Reclamante.
De facto, o Supremo Tribunal de Justiça citou, para fundamentar a sua decisão, a
opinião de ANSELMO DE CASTRO, nos termos da qual este Processualista punha em
destaque que difícil seria, «na verdade, o caso em que seguramente possa
dizer-se que a absolvição da instância não seja imputável ao autor» e, por outro
lado, acolheu a afirmação de VAZ SERRA de que podia «não ser imputável a
negligência do titular do direito o facto de se ter proposto a acção num
tribunal incompetente, por exemplo, “por ser difícil a interpretação da lei
sobre a competência”.».
Situando-se neste plano de argumentação, o Supremo Tribunal de Justiça deu um
salto lógico e passou a entender que o acto de propositura de uma acção de
simples apreciação sobre a qualificação de um contrato como sendo de prestação
de serviços ou de trabalho poderá ser apreciado em termos de imputação de
negligência ao Autor quando este, tendo decaído na acção de simples apreciação
sobre a qualificação do contrato, vira ser determinada a absolvição da instância
do réu quanto a outros pedidos cumulados dependentes dessa qualificação por o
tribunal cível ser incompetente em razão da matéria.
32 Parece indisputado ao Reclamante que o Supremo Tribunal de Justiça, ao dar
tal salto lógico, teve necessariamente de adoptar a interpretação normativa
censurada, tendo aplicado a referida norma com o sentido inconstitucional
apontado.
O que o Reclamante sustenta – bem ou mal, constitui o objecto ou questão de
mérito do recurso de constitucionalidade – é que a propositura de uma acção com
um pedido principal de simples apreciação sobre a natureza de um contrato, nunca
pode, em caso de improcedência, prejudicar o autor da acção, que exerceu o seu
direito de acesso aos tribunais, em termos de afastar a aplicação do n.º 3 do
art.º 327º do Código Civil quando o tribunal se tenha declarado incompetente
para conhecer de pedidos dependentes que pressupunham a procedência do pedido de
simples apreciação.
33 Para se aferir do referido salto lógico do raciocínio do Supremo em termos de
solução desproporcionada, bastará chamar a atenção para o seguinte.
Afigurando-se ao ora Reclamante que podia ser controvertida a natureza do
contrato que celebrara com a instituição de crédito ré, proporia uma acção, com
pedido de simples apreciação perante o tribunal cível sustentando que o referido
contrato devia ser qualificado como de prestação de serviço. Concomitantemente,
proporia uma acção de condenação no tribunal de trabalho contra o réu, pedindo
desde logo a suspensão da instância por prejudicialidade.
No caso de procedência do primeiro pedido, viria a desistir da instância na
segunda acção ou considerar que havia inutilidade superveniente dela.
No caso de improcedência da primeira acção, devia fazer cessar a suspensão da
instância e fazer prosseguir a segunda acção, sem problemas de prescrição.
Parece manifesto que este comportamento possível, não era o único lícito ou
sequer o mais vantajoso, em termos de estratégia processual.
O ora Reclamante poderia – como optou por fazer – propor a acção com pedido de
simples apreciação no tribunal cível, cumulando logo os pedidos de condenação do
réu baseados no pressuposto de o contrato que integrava a causa de pedir dever
ser qualificado como de prestação de serviços, como sustentava.
No caso de decair no pedido de simples apreciação – como efectivamente decaiu –,
a absolvição da instância, por incompetência do tribunal cível quanto aos
pedidos de condenação dependentes, nunca poderia impedir que se aplicasse o n.º
3 do art.º 327º do Código Civil, porque a absolvição da instância não lhe podia
ser imputável em termos de negligência, na medida em que exercera licitamente o
seu direito de acesso aos tribunais sobre uma questão de natureza substantiva e
não processual.
Tudo isto para dizer que o Supremo só pode recusar a aplicação do art.º 327º,
n.º 3, do Código Civil, porque interpretou a norma sobre motivo processual
imputável ao ora Reclamante, no sentido inconstitucional por ele denunciado.
As considerações subsequentes do Supremo sobre a interpretação em termos de
negligência apreciada à face da conduta exigível a um bonus paterfamilias
relevam de facto do momento de subsunção, mas estão seguramente a jusante da
questão de inconstitucionalidade normativa apontada, em que está em causa o
critério normativo da decisão que incide sobre uma regra enunciada de forma
abstracta, destinada a ser potencialmente aplicada de forma genérica.
34 Não ignora o ora Reclamante as flutuações jurisprudenciais sobre a questão de
saber em certos casos o que constitui uma questão de inconstitucionalidade
normativa ou, pelo contrário, uma impugnação da decisão do Tribunal recorrido,
num quadro constitucional ilegal em que é seguro não ter sido acolhido entre nós
o recurso de amparo ou a queixa constitucional, ao invés do que ocorreu em
Espanha e na Alemanha, respectivamente.
De facto, frequentemente as partes suscitam perante o Tribunal Constitucional
questões de constitucionalidade relativamente a determinadas interpretações
normativas
«- em que a norma é tomada não com o sentido genérico e objectivo, plasmado no
preceito (ou fonte) que a contém, mas em função do modo como foi perspectivada e
aplicada à dirimição de certo caso concreto pelo julgador» (CARLOS LOPES DO
REGO, ‘O Objecto Idóneo dos recursos de Fiscalização concreta da
constitucionalidade: As Interpretações Normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional’, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho/Setembro de
2004, pág. 7).
Sustenta o Reclamante que é o que acontece no caso concreto.
35 Entende o ora Reclamante que a questão de interpretação normativa apontada
constitui objecto idóneo do presente recurso de constitucionalidade.
Constitui a efectivação da sua garantia de acesso à Justiça.
Constitui a efectivação do seu direito a um processo equitativo.
Nessa medida conclui no sentido da procedência da presente reclamação, confiando
em que, assim, se fará Justiça.”
Ouvido sobre a reclamação o Banco de Portugal
não veio a efectuar qualquer pronúncia.
Cumpre decidir.
2. A decisão agora em apreço não afastou, de
todo, que, aquando da alegação produzida pelo então recorrente na revista, este
não tivesse equacionado uma questão de desconformidade constitucional
reportadamente a um dado normativo extraível dos preceitos contidos nos números
2 e 3 do artº 327º do Código Civil.
Na verdade, após se ter discreteado da forma
que se discreteou – e que vem, aliás, transcrita na peça reclamatória em
apreciação – a atenção da decisão prolatada nos termos do nº 1 do artº 78º-A da
Lei nº 28/82, volveu-se para o modo como o mais Alto Tribunal da ordem dos
tribunais judiciais fez a aplicação daqueles preceitos ao caso que tinha de
decidir.
E, no tocante a essa apreciação, colocou então
em análise a questão de saber se o Supremo Tribunal de Justiça convocou, para a
sua decisão, um sentido interpretativo de acordo com o qual os ditos preceitos
apontavam para que, verificada a ocorrência da circunstância processual da
absolvição da instância, essa ocorrência, sem mais, haveria de ser imputada ao
autor da acção que culminou com o juízo absolutório, ainda que esse juízo
tivesse, do ponto de vista jurídico-discursivo, de pressupor uma concreta
qualificação do contrato ajuizado.
Ora, para se proceder à análise de uma tal
questão, obviamente que a decisão ora reclamada não poderia deixar de ter em
conta que teria havido um equacionamento, por banda do aqui impugnante, de um
problema ligado a uma por si esgrimida outra questão que, justamente, estava
ligada com aquele preciso sentido interpretativo. O que vale por dizer que não
foi «arredada» a plausibilidade de, neste particular ter sido impostada uma
questão de inconstitucionalidade normativa.
E, nessa plausibilidade, na decorrência da
análise que se propôs efectuar, a decisão em espécie veio a concluir que o
sentido interpretativo em causa não foi o perfilhado pelo aresto querido
submeter à censura do Tribunal Constitucional.
Neste específico ponto, o Tribunal não lobriga
razões para infirmar o que foi concluído na decisão reclamada, pelo que,
considerando-se que o Supremo Tribunal de Justiça não fez aplicação do normativo
(alcançado por via interpretativa) que teria sido objecto de questionamento do
ponto de vista da sua compatibilidade constitucional, haverá que se ser levado
ao entendimento de que não se verifica esse específico pressuposto do recurso
ancorado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Termos em que se indefere a reclamação,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em vinte unidades de conta.
Lisboa, 23 de Março de 2007
Bravo Serra
Vítor Gomes
Artur Maurício