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Processo n.º 85/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
   
 
                Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no 
 n.º 3 do artigo 78.º‑A [por manifesto lapso refere o n.º 4 do artigo 76.º] da 
 Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), da decisão sumária do relator, de 
 
 2 de Fevereiro de 2006, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 
 do mesmo preceito, não conhecer do objecto do presente recurso.
 
  
 
                1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
    “1. A. interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada 
 pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 
 
 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), recurso do acórdão do Tribunal da Relação de 
 Coimbra, de 30 de Novembro de 2005, que, além do mais, negou provimento ao 
 recurso por ele interposto contra o acórdão do Tribunal Colectivo do 2.º Juízo 
 da Comarca de Seia, de 14 de Julho de 2005, que o condenou, pela prática de um 
 crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 
 
 204.º, n.ºs 1, alínea e), e 2, alínea e), na pena de três anos de prisão e na 
 pena acessória de expulsão do território nacional com interdição de entrada no 
 mesmo território pelo período de cinco anos.
 
    De acordo com o respectivo requerimento de interposição de recurso:
 
  
 
    «2 – Pretende‑se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 
 
 412.°, n.°s 3, alíneas b) e c), e 4, do Código de Processo Penal, quando 
 aplicada com a interpretação e o alcance dados àquele normativo, pelo Venerando 
 Tribunal da Relação de Coimbra, ao considerar que o recorrente, no recurso que 
 interpôs para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra do douto Acórdão 
 proferido pelo Tribunal Judicial de Seia, não procedeu ao cumprimento dos ónus 
 impostos nas alíneas b) e c) dos n.°s 3 e 4 do artigo 412.° do Código de 
 Processo Penal, tendo como consequência a vedação ao Venerando Tribunal da 
 Relação de Coimbra da apreciação da prova testemunhal produzida em audiência de 
 discussão e julgamento, e a mesma fixada, uma vez que, em tal recurso, o 
 recorrente estava impossibilitado de especificar as provas que impunham decisão 
 diversa da recorrida e as provas que deveriam ser renovadas, bem como estava 
 impossibilitado de proceder a tais especificações por referência aos suportes 
 técnicos, e respectiva transcrição, conforme estabelece o artigo 412.°, n.°s 3, 
 alíneas b) e c), e 4, do Código de Processo Penal, dado que nada ficou gravado 
 no registo em suporte fonomagnético da sessão de audiência de julgamento 
 realizada em 8 de Julho de 2005 e à qual se reporta a acta de fls. 1561 a 1566.
 
  3 – Sendo certo que foi a ausência dessa documentação da prova que impediu o 
 recorrente de proceder às especificações acima mencionadas e atendendo a que 
 nessa sessão de audiência de julgamento foram produzidos os depoimentos das 
 testemunhas B. e C. e que, conforme resulta da fundamentação do douto Acórdão 
 proferido pelo Tribunal Judicial de Seia, contribuíram de forma relevante e 
 fundamental para a convicção daquele Tribunal de modo a considerar provados os 
 factos enumerados de 36 a 52 da matéria de facto provada e constante do Acórdão 
 proferido por aquele Tribunal.
 
 4 – Tal realidade foi alegada pelo recorrente no seu requerimento de 
 interposição de recurso, bem como na sua motivação, conforme resulta de fls. 
 
 ..., tendo determinado a sua impossibilidade de recorrer da matéria de facto 
 fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância.
 
 5 – A aplicação do artigo 412.°, n.°s 3, alíneas b) e c), e 4 do Código de 
 Processo Penal pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, com a 
 interpretação e o alcance que lhe foram conferidos pelo douto Acórdão 
 recorrido, violou as garantias de defesa do recorrente na vertente do seu 
 direito ao recurso, em sede de matéria de facto, consagrado no artigo 32.°, 
 n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.
 
 6 – Mais pretende o recorrente ver apreciada a questão da inconstitucionalidade 
 da norma do artigo 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, quando 
 interpretada e aplicada no sentido em que o Venerando Tribunal da Relação de 
 Coimbra o fez, no douto Acórdão recorrido, considerando a factualidade dada 
 como provada harmónica, fundamentada e bastante para servir de suporte à 
 condenação do ora recorrente e quando omite a questão de saber como é que a 
 partir dos depoimentos das testemunhas B. e C. veio a considerar como provado 
 que o recorrente praticou o crime de furto qualificado, desde logo o 
 arrombamento da porta e o corte do cofre. Sendo certo que a demonstração do modo 
 como aqueles meios de prova foram utilizados pelo Tribunal recorrido para firmar 
 a convicção da autoria pelo recorrente de tais factos é um requisito essencial 
 
 à correcta fundamentação da matéria de facto dada como assente e, por 
 conseguinte, ao cumprimento efectivo do disposto no artigo 374.°, n.º 2, do 
 Código de Processo Penal.
 
 7 – A aplicação do artigo 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal pelo 
 Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, com a interpretação e o alcance que 
 lhe foram conferidos pelo douto Acórdão recorrido violou o princípio in dubio 
 pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência 
 consagrado no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa e o 
 princípio da fundamentação das decisões judiciais estabelecido no artigo 205.°, 
 n.° 1, da Lei Fundamental.
 
 8 – A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos presentes autos no 
 recurso interposto pelo recorrente do douto Acórdão proferido pelo Tribunal 
 Judicial de Seia a fls. ... do presente processo.
 
 9 – A interpretação e aplicação dadas à norma do artigo 412.°, n.°s 3, alíneas 
 b) e c), e 4, do Código de Processo Penal pelo douto acórdão proferido pelo 
 Venerando Tribunal da Relação de Coimbra verificou‑se com a notificação ao ora 
 recorrente de tal acórdão, pelo que o mesmo só nesse momento conheceu de tal 
 interpretação e aplicação, que reputa como inconstitucional. Por conseguinte, 
 só perante o acórdão proferido pelo Tribunal Superior se viu o recorrente na 
 possibilidade de arguir a inconstitucionalidade em causa, fazendo‑o agora e no 
 primeiro momento em que se lhe impõe fazer.
 
 10 – Pelo exposto, deve considerar‑se tal suscitação de inconstitucionalidade 
 efectuada de modo processual e atempadamente adequado para os efeitos da 
 alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada 
 pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei 
 n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei 
 n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro.
 
 11 – Por último, o recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade 
 do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no 
 sentido em que não dá cumprimento ao disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 
 
 379.° do Código de Processo Penal, uma vez que o acórdão em causa não se 
 pronuncia sobre o não acesso do ora recorrente à documentação da prova produzida 
 na sessão de audiência de julgamento realizada em 8 de Julho de 2005 e a sua 
 consequente impossibilidade de recorrer da matéria de facto fixada pelo 
 Tribunal Judicial de Seia, com clara violação do direito ao recurso do 
 recorrente, no que respeita à matéria de facto, consagrado no artigo 32.°, n.° 
 
 1, da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que tal questão tinha 
 que ser apreciada por aquele Tribunal Superior e foi suscitada no recurso 
 interposto pelo ora recorrente do douto acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ª 
 Instância.»
 
  
 
    O recurso foi admitido por despacho do Desembargador Relator do Tribunal da 
 Relação de Coimbra, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal 
 Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), e, de facto, entende‑se que, no 
 caso, o recurso é inadmissível, o que permite a prolação de decisão sumária, 
 ao abrigo do disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC.
 
  
 
    2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas, ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre 
 os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa 
 daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na 
 primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério 
 normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter 
 de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, 
 enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios 
 normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
 
    Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão 
 de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a 
 decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, 
 por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota 
 com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo 
 excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade 
 processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a 
 decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que 
 suscitasse então a questão de constitucionalidade.
 
    Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o 
 apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de 
 constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter 
 proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em 
 princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente 
 entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido 
 da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de 
 suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma 
 norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da 
 decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» 
 do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica 
 dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que 
 implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, 
 por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de 
 constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de 
 interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
 
  
 
    3. Recordados estes critérios, torna‑se patente que o presente recurso é 
 inadmissível, desde logo por não ter sido adequadamente suscitada, pelo 
 recorrente, perante o tribunal recorrido, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa.
 
    Na verdade, as questões suscitadas na motivação do recurso penal interposto 
 pelo ora recorrente para o Tribunal da Relação de Coimbra encontram‑se 
 sintetizadas nas respectivas conclusões, do seguinte teor:
 
  
 
    «1.ª – Por douto acórdão de fls. ..., foi o arguido A. condenado pela 
 prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 
 
 203.°, n.° 1, e 204.°, n.°s 1, alínea e), e 2, alínea e), do Código Penal, na 
 pena de três (3) anos de prisão.
 
    2.ª – Salvo o devido respeito, a matéria de facto dada como provada em sede 
 de audiência de julgamento e os princípios que norteiam o direito penal impõem 
 uma decisão distinta da que foi proferida pelo Tribunal a quo.
 
    3.ª – Atendendo à produção da prova realizada em sede de audiência de 
 discussão e julgamento, o ora recorrente considera que os factos vertidos nos 
 pontos 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 
 
 54, 55, 56, 57 e 58 da matéria de facto provada, constantes do acórdão 
 recorrido, não podiam ser dados como provados pelo Tribunal recorrido.
 
 4.ª – Efectivamente, perante a prova produzida em julgamento e sua análise, o 
 Tribunal recorrido não podia ter concluído pela responsabilização criminal do 
 ora recorrente.
 
 5.ª – Os depoimentos das testemunhas B. e C. em caso algum demonstram que o 
 arguido A. tenha praticado o crime de furto qualificado pelo qual foi 
 condenado.
 
 6.ª – O Tribunal recorrido não explicitou o raciocínio lógico que lhe permitiu 
 firmar a convicção de que o recorrente cometeu o crime de furto qualificado.
 
 7.ª – Efectivamente, a fundamentação fáctica da matéria dada como assente pelo 
 Tribunal a quo é omissa relativamente à questão de saber como é que a partir dos 
 depoimentos das testemunhas acima referidas se veio a considerar como provado 
 que o arguido tenha praticado o ilícito penal imputado na acusação, desde logo o 
 arrombamento de porta e o corte do cofre.
 
 8.ª – A demonstração do modo como estes meios de prova foram utilizados pelo 
 Tribunal recorrido para firmar a convicção da autoria pelo arguido dos factos 
 descritos na acusação é um requisito essencial à correcta fundamentação da 
 matéria fáctica dada como assente e, por conseguinte, ao cumprimento efectivo do 
 disposto no artigo 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
 
 9.ª – Perante uma prova débil, equívoca e insuficiente produzida na audiência 
 de julgamento, o Tribunal recorrido concluiu que o arguido praticou o alegado 
 crime de furto qualificado.
 
 10.ª – Ao actuar da forma como fez, o Tribunal recorrido violou o princípio in 
 dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de 
 inocência, estabelecido no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição da República 
 Portuguesa, e o princípio da fundamentação das decisões judiciais, consagrado no 
 artigo 205.°, n.° 1, da Lei Fundamental Portuguesa, bem como o disposto nos 
 artigos 97.°, n.º 4, e 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
 
 11.ª – Pelo exposto, deve o recorrente ser absolvido do crime de furto 
 qualificado.
 
 12.ª – Sem prescindir, entende o arguido e ora recorrente que a pena aplicada 
 pelo Tribunal a quo é inadequada e excessiva, face aos elementos de facto 
 apurados em sede de audiência de julgamento.
 
 13.ª – Na verdade, o ora recorrente não tem antecedentes criminais.
 
 14.ª – Tem 30 anos de idade.
 
 15.ª – O ora recorrente tem a sua família na Roménia.
 
 16.ª – O cumprimento de uma pena de três anos de prisão efectiva é brutal para 
 o recorrente.
 
 17.ª – Todos estes elementos são essenciais na determinação da medida concreta 
 da pena a aplicar de acordo com o disposto no artigo 71.° do Código Penal.
 
 18.ª – Salvo o devido respeito, perante a factualidade provada e face à 
 fundamentação da douto acórdão, verifica‑se que o Tribunal recorrido não 
 procedeu a uma criteriosa ponderação das circunstâncias provadas, em ordem à 
 determinação da pena a aplicar ao arguido A..
 
 19.ª – Ao condenar o arguido da forma como o fez, o Tribunal a quo não teve em 
 consideração o papel que a pena de prisão tem no actual sistema sancionatório 
 penal português.
 
 20.ª – Fazendo errada interpretação e aplicação dos artigos 71.°, 203.° e 204.° 
 do Código Penal.
 
 21.ª – Violou o Tribunal recorrido os princípios político‑criminais da 
 necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade da pena de prisão 
 consagrados na nossa lei substantiva.
 
 22.ª – Entende o arguido e ora recorrente, sem prescindir, que a pena aplicada 
 deve situar‑se perto do limite mínimo da moldura penal, por se afigurar mais 
 correcta no caso em apreço e conforme o direito penal.
 
 23.ª – Mais devendo ser suspensa na sua execução ao abrigo do disposto no 
 artigo 50.° do Código Penal.
 
 24.ª – Na verdade, tendo em consideração os aspectos acima mencionados e dados 
 como provados em sede de julgamento, é lícito concluir que a simples censura 
 dos factos e a ameaça da pena serão suficientes para afastar o arguido da 
 criminalidade, ficando também satisfeitas as exigências de prevenção e reparação 
 dos crimes.
 
 25.ª – Não podendo o Tribunal recorrido afirmar que o arguido revela uma 
 personalidade incapaz de assumir e interiorizar a sua culpa, uma vez que o 
 arguido exerceu o direito ao silêncio que lhe é consagrado, tendo sido julgado 
 num País que não é o seu.»
 
  
 
    Como é patente, nesta peça não foi suscitada nenhuma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, limitando‑se o recorrente, na conclusão 10.ª, 
 a imputar directamente à decisão judicial então impugnada a violação de normas 
 de direito ordinário (artigos 97.°, n.º 4, e 374.°, n.° 2, do Código de 
 Processo Penal) e princípios constitucionais («o princípio in dubio pro reo, 
 constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência, 
 estabelecido no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, e 
 o princípio da fundamentação das decisões judiciais, consagrado no artigo 
 
 205.°, n.° 1, da Lei Fundamental Portuguesa»), e, na conclusão 21.ª, a imputar, 
 de novo à decisão judicial em causa, a violação dos «princípios 
 político‑criminais da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade da 
 pena de prisão consagrados na nossa lei substantiva».
 
  
 
    4. Por seu turno, o acórdão ora recorrido, a propósito da impugnação da 
 matéria de facto, consignou:
 
  
 
 «Questionam os dois primeiros recorrentes a matéria de facto fixada pelo 
 Tribunal e que motivou a respectiva condenação, mas fazendo‑o de uma forma 
 generalizada, dizendo o primeiro [D.] que apenas se baseou o Tribunal em 
 
 “provas indiciárias e circunstanciais” e o segundo [A.] afirmando que se 
 alicerçou, a decisão, numa “prova débil, equívoca e insuficiente”.
 Ora o que se vê de manifestamente insuficiente é esta forma de argumentação 
 traduzida na diversa opinião sobre a fundamentação da prova que serviu de base 
 para alicerçar o acervo factual vertido no acórdão.
 E assim que, sem complexidade de maior se nos apresenta esta questão aportada 
 que se reconduz unicamente a discordância sobre o julgamento efectuado pelo 
 tribunal e, assim, ao princípio da apreciação da prova com derivada e óbvia 
 invocação do erro notório na apreciação desta.
 Com efeito, limitam‑se os recorrentes a dar uma versão dos factos diversa da 
 que apurada foi em tribunal, criticando, sem mais, a maneira como o tribunal 
 formou a sua convicção.
 Ora, contrariamente ao invocado, cuidou o tribunal de esclarecer, de forma 
 quase exaustiva, o raciocínio lógico e crítico dos meios de prova conducentes 
 
 àquele acervo factual, fazendo, aliás, descrição pormenorizada dos depoimentos 
 e declarações prestadas em audiência.
 E tanto assim é que o recorrente não ousa sequer questionar essa descrição 
 probatória, limitando‑se a daí retirar diferentes e muito próprias 
 
 (convenientes) conclusões.
 A invocada absolvição estaria apenas dependente da ausência de prova, a qual, 
 porém, se mostra abundantemente fundamentada.
 Ainda na análise desta questão, qual seja a da apreciação da prova feita em 
 julgamento, diremos que os recorrentes não contestaram os factos apurados, da 
 forma legalmente exigível.
 De harmonia com o disposto no artigo 412.°, n.º 3, do CPP (como os que se 
 seguirem, sem menção de origem), quando o recorrente impugne matéria de facto 
 tem de cumprir os ónus de especificação referidos neste normativo, a saber:
 a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
 b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida:
 c) As provas que hão‑de ser renovadas.
 Acrescentando o n.º 4 do mesmo artigo que, quando as provas tenham sido 
 gravadas, as especificações referidas nas alíneas b) e c) se fazem por 
 referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.
 Cotejando a motivação e conclusões dos recorrentes, verifica‑se que elas não 
 obedecem a tais imposições legais.
 Assim, independentemente da posição que se tome acerca do ónus da transcrição, 
 no caso em apreço, não tendo sido cumpridos os demais ónus impostos aos 
 recorrentes pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.°, a consequência é ficar desde logo 
 vedada ao tribunal a apreciação da prova testemunhal, artigo 431.°, e, assim 
 sendo, tem de se considerar a mesma fixada, sem prejuízo de se poder conhecer 
 dela no estrito âmbito do artigo 410.°, n.º 2.»
 
  
 
    Entrando de seguida na apreciação da eventual ocorrência de erro notório, 
 prossegue o acórdão recorrido:
 
  
 
    «Apesar de os recorrente não invocarem qualquer dos vícios a que se reporta o 
 n.° 2 do artigo 410.º – aliás, ao longo das suas motivações e conclusões, 
 nunca se «dignaram» invocar qualquer norma onde se encontre arrimo para a tese 
 defendida –, a leitura das conclusões de recurso levam‑nos a concluir que o 
 vício que se quer apontar só pode consistir no erro notório da apreciação da 
 prova, que frequentemente é confundido com a valoração e apreciação das provas, 
 como é o caso.
 Ora, como escrevem Simas Santos e Leal Henriques [Código de Processo Penal 
 Anotado, II vol., 2.ª edição, p. 740]: “Verifica‑se erro notório quando se 
 retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, 
 quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter 
 acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um 
 facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou 
 notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando 
 determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório 
 com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto do decisão 
 recorrida”.
 E continuam: “Mas quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente 
 admissível, não se pode afirmar a verificação do referido erro”.
 Quanto ao vício do erro notório na apreciação da prova a que se reporta a alínea 
 c) do n.º 2 do artigo 410.º, escreve‑se, também, no Acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça, de 15 de Abril de 1982 [Boletim do Ministério da Justiça, n.º 476, 
 p. 91; no mesmo sentido, cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de 
 Outubro de 1999, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de 
 Justiça, ano VII, tomo 3.º, p. 186], “como se vem reafirmando constantemente, 
 não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que 
 teria sido a do próprio recorrente... e só existe quando, do texto da decisão 
 recorrida por si só ou conjugada com as regras do experiência comum, resulta por 
 demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal. Erro tão 
 crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer 
 exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida 
 extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica 
 ou excluindo dela algum facto essencial.”
 Pois bem, basta ler a fundamentação exaustiva plasmada na sentença e 
 confrontá‑la com os factos dados como provados e não provados para logo se ver 
 que a sentença recorrida não incorreu neste vício; aliás, da simples leitura das 
 conclusões de recurso a que nos estamos a reportar e da motivação onde elas se 
 apoiam resulta desde logo que o recorrente não aponta qualquer vício intrínseco 
 
 à sentença, mas antes quer é atacar a motivação e a valoração das provas que 
 determinaram que a sentença desse como provados e não provados os factos que 
 dela constam.»
 
  
 
    No que concerne ao requisito da fundamentação da decisão então impugnada, 
 expendeu o acórdão ora recorrido:
 
  
 
    «Quanto ao desiderato de uma decisão fundamentada, rege o artigo 374.º, n.º 
 
 2, que impõe que na motivação da sentença se faça “uma exposição tanto quanto 
 possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que 
 fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram 
 para formar a convicção do tribunal”.
 
    No nosso sistema processual penal, em matéria de apreciação da prova, rege o 
 artigo 127.°, que estabelece o princípio da livre apreciação da prova, também 
 designado por sistema da íntima convicção ou de prova moral, que se contrapõe ao 
 sistema da prova legal, que implica a pré‑fixação pelo legislador da valoração 
 dos meios de prova.
 Esta regra da livre apreciação da prova “não se confunde com a apreciação 
 arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O 
 julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a 
 verdade material, deve observância a regras de experiência comum, utilizando 
 como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, 
 genericamente susceptíveis de motivação e de controlo” [cf. Simas Santos e Leal 
 Henriques, Código de Processo Penal Anotado, vol. I, p. 685].
 Ou, como se escreve no Acórdão desta Relação, de 23 de Abril de 1998 [Colectânea 
 de Jurisprudência, ano XXIII, tomo 2.º, p. 60, que, por sua vez, remete para os 
 Profs. Figueiredo Dias e Castanheira Neves]: “O julgador é livre na apreciação 
 da prova, conquanto vinculado esteja aos princípios em que se consubstancia o 
 direito probatório (artigo 127.°), pelo que a liberdade concedida se trata de 
 uma liberdade de acordo com um dever, qual seja o de perseguir a chamado 
 verdade material, de tal sorte que a apreciação há‑de ser, em concreto, 
 recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de 
 motivação e de controle”.
 E continua: “Deste modo, a liberdade do juiz, neste particular, mais não é que a 
 liberdade para a objectividade, aquela que se concede e se assume em ordem a 
 fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcenda a pura 
 subjectividade e que se comunique e imponha aos outros”.
 Citando o Prof. Germano Marques da Silva [Curso de Processo Penal, vol. II, 
 pp. 126/127]: “O juízo sobre a valoração do prova tem diferentes níveis. Num 
 primeiro aspecto, trata‑se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de 
 prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não 
 racionalmente explicáveis (v. g., a credibilidade que se concede a um certo meio 
 de prova). Num segundo nível, referente à valoração da prova, intervêm as 
 deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e 
 agora já as interferências não dependem substancialmente da imediação, mas 
 hão‑de basear‑se na correcção do raciocínio, que há‑de basear‑se nas regras da 
 lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo 
 englobar na expressão regras da experiência.”
 Chamaram‑se estes ensinamentos à colação para dizer que os julgadores do 
 tribunal de recurso, a quem está vedada a imediação e a oralidade em toda a 
 extensão – mesmo quando se põe em causa a matéria de facto e se cumprem todos 
 os procedimentos dos n.°s 3 e 4 do artigo 412.°, [o que] de todo em todo não 
 aconteceu no caso dos autos – só podem afastar‑se do juízo feito pelo julgador 
 da primeira instância naquilo que não se tiver operado em consonância com a 
 fundamentação de que trata o artigo 374.°, n.º 2.
 O que os recorrentes pretendem é substituir a convicção do tribunal, que é a 
 que releva, nos termos dos citados artigos 127.° e 374.°, n.º 2, pela sua 
 própria convicção.
 O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos 
 artigos 97.°, n.° 4, e 374.°, n.° 2, exigindo que sejam especificados os 
 motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame 
 crítico das provas que serviram para formar a convicção.
 São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.° do 
 Código de Processo Penal).
 A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: 
 o juiz lança‑se à procura do “realmente acontecido”, conhecendo, por um lado, os 
 limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por 
 outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca derivados da(s) finalidade(s) 
 do processo [Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e “in dubio 
 pro reo”, Coimbra, 1997, p. 13].
 A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da 
 entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artigo 127.° 
 do Código de Processo Penal).
 A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova 
 nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de 
 prova: a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a 
 critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem 
 jurídica [Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª edição, 1991, 
 p. 221, com citação de Alberto dos Reis, Cavaleiro de Ferreira, Eduardo Correia 
 e Marques Ferreira].
 Daqui resulta, como salienta Marques Ferreira, um sistema que obriga a uma 
 correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do 
 processo, de modo a permitir‑se um efectivo controlo da sua motivação [Jornadas 
 de Direito Processual Penal, p. 228].
 Ora, a impugnada decisão obedece, rigorosamente, a estes ditames, 
 designadamente no aspecto da garantia dos direitos dos arguidos e ora 
 recorrentes, como supra se deixou explicitado, vendo‑se uma factualidade 
 harmónica, fundamentada e bastante para servir de suporte às condenações 
 prolatadas.»
 
  
 
    Por último, após considerações sobre a correcção da medida das penas 
 aplicadas e ponderação do pedido de suspensão da sua execução, o acórdão ora 
 recorrido, a propósito da alegada violação do princípio in dubio pro reo, 
 consignou o seguinte:
 
  
 
 «Todos os arguidos/recorrentes e na sequência da impugnação da matéria de facto 
 aqueles primeiros, aduzem a violação deste princípio.
 Traduz, esta regra, o correspectivo da culpa em direito penal ou “a dimensão 
 jurídico‑procesual do princípio jurídico‑material da culpa concreta como 
 axiológico‑normativo da pena” [Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada].
 
 “O princípio in dubio pro reo aplica‑se sem quaisquer limitações e portanto não 
 apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também 
 
 às causas da exclusão da ilicitude (v. g., legítima defesa) e de exclusão da 
 culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção 
 da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, 
 conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da 
 circunstância favorável ao arguido” [Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 
 
 1974, p. 211].
 Assim que, no que aos actos desfavoráveis ao arguido tange, a dúvida insanável 
 deve levar a dar como não provado o facto sobre o qual recai.
 Já no que concerne aos factos favoráveis ao arguido, a solução não se afigura de 
 linearidade, havendo alguns autores (designadamente Frederico Isasca e Cristina 
 Líbano Monteiro) a sustentar que, neste casos, o tribunal, colocado perante uma 
 dúvida insanável, deverá dar como provados tais factos e daí (e só se daí) 
 retirar as devidas consequências (maxime, a absolvição).
 Entende‑se que deve sempre, de qualquer modo, o tribunal consignar as dúvidas 
 na fundamentação de facto com a consequente aplicação deste princípio na 
 fundamentação de direito, assim se logrando obter o resultado ínsito naquele 
 princípio.
 Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça esclarece que “... não é exigível, de 
 resto, que, sendo a verdade processual irremediavelmente distinta da verdade 
 absoluta, pois não passa de uma verdade prático‑jurídica, se considerem 
 provados os factos duvidosos favoráveis ao arguido ou se arrolem os mesmos para, 
 na perspectiva de um ónus de prova material, sobre eles se decidir em desfavor 
 da acusação” [Boletim do Ministério da Justiça, n.º 409, p. 628].
 O desrespeito por este princípio só se dá quando o tribunal, colocado em 
 situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir contra o 
 arguido [Proc. n.º 1543/97, de 18 de Março de 1998].
 Não nos podemos esquecer, também, que ao julgador não é permitido formular um 
 juízo de non liquet sobre a prova produzida e só a ele é exigida objectividade, 
 podendo ser, e sendo‑o muitas vezes, diferente a perspectiva com que a prova é 
 entendida e avaliada, o que origina, a final, que se possam obter resultados 
 díspares ou pelo menos não coincidentes.
 Por fim, é patente, da simples leitura da fundamentação da decisão recorrida, 
 ao contrário do que defende o recorrente, que o tribunal não teve qualquer 
 dúvida sobre os pontos de facto que deu como assentes, dúvidas que a nós 
 tribunal de recurso, mesmo sem acesso à oralidade e imediação, também não nos 
 assaltam, pois que só se a fundamentação revelasse que o tribunal, face a algum 
 ou alguns dos pontos de facto, tivesse ficado em estado de “dúvida patente e 
 insuperável”, “e, perante essa dúvida, tivesse optado pela tese que desfavorecia 
 o recorrente é que se podia dizer que havia postergado o princípio in dubio pro 
 reo” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Junho de 2000, 
 Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano 
 VIII, tomo 2.º, p. 228].
 
 “Não adquirindo o tribunal a certeza (a convicção positiva ou negativa) da 
 verdade prática sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do 
 princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido, não é o princípio 
 in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato 
 processual da exclusão desse ónus” [Castanheira Neves, Processo Criminal, 1968, 
 pp. 59/60].
 Ora, o tribunal fez uma ponderada reflexão e análise crítica quanto à prova 
 recolhida, após o que obteve uma plena convicção, porque subtraída a qualquer 
 dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e ora 
 recorrente e que motivaram a sua condenação.»
 
  
 
    5. Recordadas as questões colocadas pelo ora recorrente perante o tribunal 
 recorrido (supra, n.º 3), e a resposta que este deu àquelas que poderiam 
 ligar‑se a questões de constitucionalidade (supra, n.º 4), há que concluir pela 
 inadmissibilidade de conhecimento de qualquer das três questões de 
 constitucionalidade identificadas no requerimento de interposição de recurso 
 para o Tribunal Constitucional.
 
    Quanto à primeira, reportada ao artigo 412.º, n.ºs 3, alíneas b) e c), e 4, 
 do CPP (n.ºs 2 a 5, 9 e 10 do requerimento de interposição de recurso), cumpre, 
 desde logo, salientar que a interpretação dada a essas normas pelo acórdão 
 recorrido nada tem de anómalo ou de inesperado. Depois, nas transcritas 
 conclusões da motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra 
 nenhuma alusão é feita ao facto, invocado apenas no requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, de que «nada ficou 
 gravado no registo em suporte fonomagnético da sessão de audiência de julgamento 
 realizada em 8 de Julho de 2005». Facto que, aliás, nem sequer é mencionado no 
 teor da aludida motivação, onde apenas se refere, no n.º 14, que o recorrente 
 não teve acesso, até à data da apresentação dessa motivação, ao registo da 
 prova produzida nessa audiência, «pelo que está neste momento impedido de 
 proceder à transcrição dos referidos depoimentos», o que constitui realidade bem 
 distinta, sendo, aliás, de notar que não foi por o recorrente não ter procedido 
 
 à transcrição – ónus que até nem recai sobre ele – que o acórdão recorrido não 
 apreciou a impugnação da matéria de facto, mas antes por não ter sido cumprido 
 nenhum dos ónus elencados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP e só os do n.º 
 
 4 pressupunham o acesso às gravações. Isto é: mesmo que seja exacta a afirmação, 
 apenas feita no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, 
 da falta de gravação da audiência de 8 de Julho de 2005, tal não obstava a que o 
 recorrente cumprisse as exigências contidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do 
 mesmo preceito. E, sobretudo, não o dispensava de colocar, perante o tribunal 
 recorrido, a questão de inconstitucionalidade normativa que a esse respeito 
 considerasse pertinente, o que ele, de todo em todo, não fez, contrariamente ao 
 que refere.
 
    Quanto à segunda questão de inconstitucionalidade, reportada ao artigo 374.º, 
 n.º 2, do CPP (n.ºs 6 a 8 do requerimento de interposição de recurso), é patente 
 que ela não foi suscitada na motivação do recurso interposto para o tribunal 
 ora recorrido, em termos processualmente adequados, como resulta da leitura das 
 correspondentes conclusões, atrás transcritas.
 
    Por último, quanto à terceira questão, reportada ao artigo 379.º, n.º 1, 
 alínea c), do CPP (n.º 11 do requerimento de interposição de recurso), o que 
 nela se suscita – pela primeira vez nos autos – é um pretenso incumprimento, 
 pelo Tribunal da Relação, do dever de conhecer nulidades da decisão perante ele 
 impugnada, sendo, assim, manifesto que aí não se coloca qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, sendo a pretensa violação do direito ao recurso 
 directamente imputada a hipotisada omissão processual e não a qualquer norma ou 
 interpretação normativa.
 
  
 
    6. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 
 
 78.º‑A da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso.”
 
  
 
                1.2. A reclamação do recorrente apresenta a seguinte 
 fundamentação: 
 
  
 
 “1 – A decisão de rejeição do presente recurso tem por base a consideração de 
 que o ora recorrente não suscitou de forma adequada, perante o Tribunal 
 recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
 
 2 – Porém, não assiste razão à Decisão ora reclamada.
 
 3 – Efectivamente, o recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo 
 Venerando Tribunal da Relação de Coimbra foi interposto ao abrigo do disposto no 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 
 
 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 
 
 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro.
 
 4 – E no qual se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do 
 artigo 412.º, n.°s 3, alíneas b) e c), e 4, do Código de Processo Penal, quando 
 aplicada com a interpretação e o alcance dados àquele normativo, pelo Venerando 
 Tribunal da Relação de Coimbra, ao considerar que o recorrente, no recurso que 
 interpôs para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra do douto Acórdão 
 proferido pelo Tribunal Judicial de Seia, não procedeu ao cumprimento dos ónus 
 impostos nas alíneas b) e c) dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de 
 Processo Penal, tendo como consequência a vedação ao Venerando Tribunal da 
 Relação de Coimbra da apreciação da prova testemunhal produzida em audiência de 
 discussão e julgamento, e a mesma fixada, uma vez que, em tal recurso, o 
 recorrente estava impossibilitado de especificar as provas que impunham decisão 
 diversa da recorrida e as provas que deveriam ser renovadas, bem como estava 
 impossibilitado de proceder a tais especificações por referência aos suportes 
 técnicos, e respectiva transcrição, conforme estabelece o artigo 412.º, n.ºs 3, 
 alíneas b) e c), e 4, do Código de Processo Penal, dado que nada ficou gravado 
 no registo em suporte fonomagnético da sessão de audiência de julgamento 
 realizada em 8 de Julho de 2005 e à qual se reporta a acta de fls. 1561 a 1566.
 
 5 – Sendo certo que foi a ausência dessa documentação da prova que impediu o 
 recorrente de proceder às especificações acima mencionadas e atendendo a que 
 nessa sessão de audiência de julgamento foram produzidos os depoimentos das 
 testemunhas B. e C. e que, conforme resulta da fundamentação do douto Acórdão 
 proferido pelo Tribunal Judicial de Sela, contribuíram de forma relevante e 
 fundamental para a convicção daquele Tribunal de modo a considerar provados os 
 factos enumerados de 36 a 52 da matéria de facto provada e constante do Acórdão 
 proferido por aquele Tribunal.
 
 6 – Cumpre evidenciar que tal realidade foi alegada pelo recorrente no seu 
 requerimento de interposição de recurso, bem como na sua motivação, conforme 
 resulta de fls. …, tendo determinado a sua impossibilidade de recorrer da 
 matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância.
 
 7 – A aplicação do artigo 412.º, n.º s 3, alíneas b) e c), e 4, do Código de 
 Processo Penal pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, com a 
 interpretação e o alcance que lhe foram conferidos pelo douto Acórdão 
 recorrido, violou as garantias de defesa do recorrente na vertente do seu 
 direito ao recurso, em sede de matéria de facto, consagrado no artigo 32.º, n.º 
 
 1, da Constituição da República Portuguesa.
 
 8 – A interpretação e aplicação dadas à norma do artigo 412.º, n.ºs 3, alíneas 
 b) e c), e 4, do Código de Processo Penal pelo douto Acórdão proferido pelo 
 Venerando Tribunal da Relação de Coimbra verificou-se com a notificação ao ora 
 recorrente de tal Acórdão, pelo que o mesmo só nesse momento conheceu de tal 
 interpretação e aplicação, que reputa como inconstitucional. Por conseguinte, só 
 perante o Acórdão proferido pelo Tribunal Superior se viu o recorrente na 
 possibilidade de arguir a inconstitucionalidade em causa, fazendo-o no recurso 
 interposto do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de 
 Coimbra e no primeiro momento em que se lhe impõe fazer.
 
 9 – Mais salienta o ora recorrente que efectivamente «nada ficou gravado no 
 registo em suporte fonomagnético da sessão de audiência de julgamento realizada 
 em 8 de Julho de 2005» e que tal facto está confirmado nos presentes autos.
 
 10 – Contudo, no momento do requerimento de interposição de recurso do douto 
 Acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância, o ora recorrente não tinha tal 
 informação.
 
 11 – Pelo que no seu requerimento de interposição de recurso afirmou que «não 
 tinha tido acesso, por causa que não lhe é imputável, até à presente data, ao 
 registo da prova produzida na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 
 de Julho de 2005».
 
 12 – Releve-se que o ora recorrente solicitou ao Tribunal Judicial de Seia a 
 concessão de novo prazo para recurso, tendo em vista o exercício do direito de 
 recorrer de facto e de direito, tal como prevê o artigo 32.º da Constituição da 
 República Portuguesa, o que não se verificou, conforme resulta do presente 
 processo.
 
 13 – Certo é que os elementos factuais e materiais que o ora recorrente dispunha 
 no momento do requerimento de interposição do recurso do douto Acórdão proferido 
 pelo Tribunal de 1.ª Instância determinaram a sua actuação processual.
 
 14 – Tendo o ora recorrente, por mera cautela de patrocínio judiciário, 
 interposto recurso unicamente da matéria de direito.
 
 15 – Ora, a boa fé e a confiança na melhor ordenação do processo são princípios 
 estruturantes do processo, não podendo um interessado ser onerado com 
 consequências desfavoráveis pela omissão de actos cuja prática, em 
 interpretação razoável de actos jurisdicionais e das respectivas sequências 
 processuais, lhe não seria exigível.
 
 16 – Cumpre afirmar, mais uma vez, que não houve gravação da prova na sessão 
 realizada em 8 de Julho de 2005 no Tribunal Judicial de Seia e que tal realidade 
 impediu o ora recorrente de recorrer em sede de matéria de facto, conforme 
 estabelece o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 
 violando, dessa forma, as garantias de defesa do recorrente na vertente do seu 
 direito ao recurso.
 
 17 – Por conseguinte, não deve o Tribunal Constitucional privilegiar a aplicação 
 de justiça formal em detrimento da justiça material.
 
 18 – Nestes termos, deve considerar‑se tal suscitação de inconstitucionalidade 
 efectuada de modo processual e atempadamente adequado para os efeitos da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 
 
 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 
 
 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro.
 
 19 – Mais mantém, o ora recorrente, tudo o que alegou no seu requerimento de 
 interposição de recurso.
 
 20 – Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, 
 ser admitido o presente recurso.”
 
  
 
                1.3. O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional apresentou a seguinte resposta:
 
  
 
    “1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
    2 – Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da 
 decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos de 
 admissibilidade do recurso interposto.”
 
  
 
                Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                2. A Decisão Sumária ora reclamada entendeu que não estavam 
 verificadas as condições de conhecimento do mérito do recurso relativamente às 
 três questões de inconstitucionalidade elencadas no requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. O recorrente, na 
 presente reclamação, apenas argumenta contra tal Decisão Sumária no que respeita 
 ao não conhecimento da primeira questão de inconstitucionalidade (reportada ao 
 artigo 412.º, n.ºs 3, alíneas b) e c), e 4, do CPP), pelo que se pode considerar 
 como aceite pelo recorrente, ora reclamante, a decisão de não conhecimento das 
 segunda e terceira questões de inconstitucionalidade suscitadas, reportadas, 
 respectivamente, ao artigo 374.º, n.º 2, e ao artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do 
 mesmo Código.
 
                Quanto à primeira questão de inconstitucionalidade, a decisão de 
 não conhecimento assentou na constatação de que, por um lado, o recorrente não 
 suscitara tal questão perante o tribunal recorrido antes de proferida a decisão 
 impugnada, e de que, por outro lado, a interpretação dada às normas do artigo 
 
 412.º, n.ºs 3, alíneas b) e c), e 4, do CPP pelo acórdão recorrido nada tinha 
 de anómalo ou de inesperado.
 
                O reclamante, em rigor, não contesta essas constatações, antes 
 aduz que, no caso concreto, ocorreu uma anomalia, consistente na falha técnica 
 de gravação de uma sessão da audiência de julgamento. Simplesmente, como se 
 referiu na Decisão Sumária reclamada, esse facto, se poderia inviabilizar o 
 cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 412.º do CPP, não impedia o 
 recorrente de satisfazer os ónus referidos nas três alíneas do precedente n.º 3: 
 especificar os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, as 
 provas que impunham decisão diversa da recorrida e as provas que deviam ser 
 renovadas. E, além disso – e decisivamente –, se o recorrente entendia que a 
 falta de acesso à gravação da dita sessão inviabilizava ou tornava 
 excessivamente limitado o exercício do direito de recurso, era relativamente à 
 não concessão de novo prazo para interposição e motivação do recurso ou, 
 eventualmente com maior pertinência, relativamente à tese, defendida pelo 
 representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra, da 
 irrelevância dessa irregularidade, face ao disposto no artigo 123.º do CPP (em 
 discordância com a tese do representante da mesma magistratura junto do Tribunal 
 da Comarca de Seia, que, na resposta à motivação dos recursos dos arguidos, 
 admitiu que a ausência de documentação da prova oralmente produzida na segunda 
 sessão de julgamento constituía irregularidade processual que acarretava a 
 invalidade desse acto e dos actos subsequentes afectados), em parecer que foi 
 notificado ao recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 417.º, n.º 2, 
 do CPP, mas a que ele não respondeu, que o recorrente deveria ter suscitado, 
 perante o tribunal recorrido, a questão da inconstitucionalidade dessa 
 interpretação do artigo 123.º do CPP, o que ele não fez.
 
                Neste contexto, não é adequado afirmar‑se que a interpretação 
 normativa acolhida no acórdão ora recorrido tenha sido inesperada, em termos de 
 dispensar o recorrente do ónus da suscitação da sua inconstitucionalidade.
 
                Por falta do apontado requisito, também quanto à aludida primeira 
 questão de inconstitucionalidade o presente recurso surge como inadmissível.
 
  
 
                3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 20 
 
 (vinte) unidades de conta.
 
                Lisboa, 21 de Fevereiro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos