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Processo nº 722/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificada do teor do Acórdão nº 49/2007, pelo qual este Tribunal decidiu
indeferir reclamação apresentada por A., vem agora a reclamante requerer
“esclarecimentos” e “reforma” desta decisão, nos termos seguintes:
«Conforme consta do requerimento de interposição de recurso complementado com a
resposta dada ao despacho convite da Sra. Relatora, o presente recurso de
constitucionalidade foi interposto do “Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 15 de Março de 2006, complementado pelo Acórdão de 21 de Junho de 2006 – que
indeferiu o pedido de arguição de nulidades”.
Quanto à norma dos artigos 307.° e 308.° do CPP, interpretados no sentido de
admitir que o juízo de não pronúncia não cuide directa e exclusivamente da
avaliação objectiva da suficiência de indícios, considerou esse Tribunal o
seguinte:
Para além de a presente reclamação não questionar o fundamento da parte
correspondente da decisão sumária – a recorrente pretendia, afinal, a apreciação
da decisão de não pronúncia proferida e não de uma qualquer norma –, socorre-se
do texto de uma decisão que, seguramente, não fez qualquer aplicação daqueles
artigos do Código de Processo Penal – o acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra, de 21 de Junho de 2006, que indeferiu a nulidade do acórdão de 15 de
Março do mesmo ano, a decisão que aplicou os artigos 307° e 308° daquele Código.
Anteriormente, esse Tribunal havia dito:
Também quanto a esta norma dos artigos 307° e 308° do Código de Processo Penal,
quando interpretados daquele modo, é de concluir que o Tribunal da Relação de
Coimbra, em 15 de Março de 2006, não a aplicou, como ratio decidendi A decisão
no sentido de negar provimento ao recurso interposto da decisão instrutória de
não pronúncia assentou numa interpretação distinta da alegada, bastando para tal
concluir atentar no teor da passagem da decisão daquele Tribunal, transcrita no
ponto 2. do Relatório que antecede.
E a recorrente controverteu esse entendimento alegando que:
Salvo o devido respeito, não pode considerar-se que a norma do artigo 307.° e
308.° do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de admitir
que o juízo de não pronúncia não cuide directa e exclusivamente da avaliação
objectiva da suficiência de indícios, não foi aplicada como ratio decidendi pelo
Tribunal da Relação.
De facto, basta considerar o que o próprio Tribunal da Relação deixou consignado
quanto a tal norma:
“O Acórdão versa primacialmente sobre o cerne da questão além aportada, qual
seja a da verificação/inverificação de indícios para submeter a julgamento, o
arguido (...).
E dele decorre que, neste critério se não possa violar quer o artigo 20.°
(acesso ao direito) quer o artigo 211.°, n.º 2 (competência dos tribunais),
designadamente pela violação do juiz natural.
A mera e exclusiva “avaliação objectiva da suficiência de indícios” não passa de
uma miragem, quando tal avaliação é “ainda” feita por um ser humano”.
É o próprio Tribunal da Relação que dá por assente uma interpretação normativa
do artigo 307.° e 308.° do Código de Processo Penal no sentido de admitir que o
juízo de não pronúncia não cuide directa e exclusivamente da avaliação objectiva
da suficiência de indícios, tendo decidido com base em tal critério normativo”.
Como bem se compreende(ria), a recorrente citou na reclamação o excerto do
acórdão de 21 de Junho para demonstrar que o pressuposto referido na decisão
sumária “não aplicação da norma” não se verificava em concreto. E essa
proposição foi sustentada pela transcrição do acórdão onde a Relação admite ter
feito aplicação da norma cuja constitucionalidade se havia suscitado. A
recorrente nunca imputou ao acórdão de 21 de Junho a aplicação da norma do
artigo 307.° e 308.° do CPP, conforme parece ter só agora entendido esse
Tribuna.
Pede-se, portanto, que o Tribunal esclareça se, na parte relativa às mencionadas
normas considerou que a recorrente havia recorrido do acórdão de 21 de Junho de
2006.
Por outro lado, diz-se que “a recorrente pretendia, afinal, a apreciação da
decisão de não pronúncia proferida e não de qualquer norma”. Relembre-se: o
recorrente controverteu a constitucionalidade dos artigos 307.° e 308.° do CPP,
interpretados no sentido de admitir que o juízo de não pronúncia não cuide
directa e exclusivamente da avaliação objectiva da suficiência de indícios. Não
de qualquer decisão!
Solicita-se ao tribunal que esclareça os motivos que o conduziram depois de se
ter dito que a norma não foi aplicada como “ratio decidendi” – contrariamente ao
que o próprio tribunal “a quo” admitiu – a considerar que o problema de
constitucionalidade dos “artigos 307° e 308° do CPP, interpretados no sentido de
admitir que o juízo de não pronúncia não cuide directa e exclusivamente da
avaliação objectiva da suficiência de indícios” é uma questão onde se
controverte a aplicação da norma e não o critério normativo que o tribunal
projectou na decisão.
Com o devido respeito, a recorrente não vê – e, por isso, não percebe, quais os
motivos que determinaram a conclusão do tribunal.
O acórdão é obscuro quanto a esse ponto: apenas diz que “a recorrente pretendia
afinal (!!!!) a apreciação da decisão” para, depois, invocar
descontextualizadamente a argumentação demonstrativa de que a decisão recorrida
havia feito aplicação daquela norma como, posteriormente, no excerto transcrito,
veio a ser reconhecido pelo tribunal da relação.
Essa obscuridade radica não só na ausência de argumentação justificativa
autorizada pelo poder de quem decide, mas não pela Constituição (art.° 205°),
como também pelo facto de se ter decidido em sentido parcialmente inverso ao da
decisão sumária, na parte em que se considerou que o tribunal “a quo” não
aplicou a norma como “ratio decidendi” – e para que fique claro, o acórdão de 15
de Março – fundamento que não conta do acórdão aclarando – fazendo radicar a
decisão naquilo que, segundo a Sra. Relatora, a recorrente pretendia.
2. Em segundo lugar, na decisão aclaranda, considerou-se que:
Também quanto ao artigo 668°, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, é
sustentado pela reclamante que o Tribunal da Relação o aplicou como ratio
decidendi interpretado no sentido de admitir que se indefira a arguição de
nulidade de omissão de pronúncia relativa a uma questão de constitucionalidade e
simultaneamente se decida, na mesma reclamação que se indefere, em termos
inovadores, essa mesma questão.
Porém, toda a argumentação utilizada vai no sentido de mostrar a divergência da
ora reclamante quanto à decisão de indeferir a arguida nulidade por omissão de
pronúncia quanto à questão de constitucionalidade suscitada. Chega mesmo a dizer
que “caberá ao Tribunal Constitucional, em todo o caso, aferir se o critério
normativo que o Tribunal diz ter seguido foi, ou não, na realidade, aquele que
foi aplicado!”
Também aqui não se percebe o critério desse Tribunal.
Quanto ao artigo 668.°, n.º 1, al. d), do CPC, com a interpretação referida,
pede-se que o Tribunal esclareça se lhe cabe ou não aferir se o critério
normativo que o Tribunal diz ter seguido foi, ou não, na realidade, aquele que
foi aplicado”, como a recorrente, porventura mal, pressupôs, ou se tal afirmação
é conclusiva de que a recorrente pretende impugnar a decisão e não a norma.
Também aqui, salvo o devido respeito, esse Tribunal faz apenas uma conclusão sem
qualquer apoio jurídico, sem equacionar, no mínimo que seja, qualquer critério
distintivo do que é impugnar uma norma ou impugnar uma decisão e de o testar no
presente caso concreto.
Solicita-se, pois, que o Tribunal esclareça porque diz que a Recorrente
“pretendia” controverter a decisão, quando impugna um critério normativo
totalmente desvinculado das circunstâncias concretas do caso, susceptível de ser
definido em abstracto, tal como a recorrente o fez.
3. Diz ainda o Tribunal:
Por último, no que se refere à norma do artigo 425° do Código de Processo Penal,
conjugada com o disposto no artigo 374°, nº 2, do mesmo diploma, quando
interpretada no sentido de admitir como decidida e fundamentada uma questão de
constitucionalidade normativa sem que o tribunal tenha, de facto e de direito,
efectuado qualquer julgamento de constitucionalidade relativamente à norma
arguida de inconstitucional, confrontando-a, designadamente com os parâmetros
constitucionais tidos como violados, a reclamante nada alega no sentido de
contrariar o fundamento correspondente da decisão sumária proferida – a
recorrente pretendia, afinal, a apreciação da decisão de indeferimento da
arguida nulidade por omissão de pronúncia e não de uma qualquer norma.
Para além de tentar demonstrar que a “norma” formulada tem na letra da lei um
mínimo de correspondência verbal, reitera apenas que o Tribunal da Relação
“efectivamente interpretou a norma” naquele sentido. Para tal concluir
suporta-se no acórdão de 21 de Junho de 2006, mediante o qual foi indeferida a
nulidade então arguida, à luz do estabelecido no artigo 668°, nº 1, alínea d),
do Código de Processo Civil, o que por si é demonstrativo de que só a
interpretação e aplicação desta disposição legal poderia estar em causa.
Quanto a este trecho, pretende-se que o Tribunal esclareça se a dimensão
normativa identificada tem ou não correspondência mínima, ainda que
imperfeitamente expressa no sentido acolhido no artigo 9.°, n.º 2, do CC, com as
normas referidas, como se invocou na reclamação.
Por outro lado, ao afirmar-se que “à luz do estabelecido no artigo 668º, nº 1,
alínea d), do Código de Processo Civil, o que por si é demonstrativo de que só a
interpretação e aplicação desta disposição legal poderia estar em causa” e
simultaneamente não conhecer da questão de constitucionalidade do artigo 668°,
nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de admitir
que se indefira a arguição de nulidade de omissão de pronúncia relativa a uma
questão de constitucionalidade e simultaneamente se decida, na mesma reclamação
que se indefere, em termos inovadores, essa mesma questão é de todo
contraditório.
Quando a recorrente define uma norma está segundo o Tribunal a atacar a decisão,
e quando não ataca a decisão devia ter impugnado a norma com que o tribunal diz
estar em causa a decisão: “Para tal concluir suporta-se no acórdão de 21 de
Junho de 2006, mediante o qual foi indeferida a nulidade então arguida, à luz do
estabelecido no artigo 668°, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, o que
por si é demonstrativo de que só a interpretação e aplicação desta disposição
legal poderia estar em causa”.
Por outro lado, a questão de constitucionalidade do artigo 425º do Código de
Processo Penal, conjugada com o disposto no artigo 374º nº 2, do mesmo diploma,
quando interpretada no sentido de admitir como decidida e fundamentada uma
questão de constitucionalidade normativa sem que o tribunal tenha, de facto e de
direito, efectuado qualquer julgamento de constitucionalidade relativamente à
norma arguida de inconstitucional, confrontando-a, designadamente com os
parâmetros constitucionais tidos como violados não se refere ao Acórdão de 21 de
Junho de 2006.
A recorrente interpôs recurso do Acórdão de 15 de Março, complementado pelo de
21 de Junho, este, claro está, na parte em que impugnou a norma do artigo 668.°
do CPC. Não faz, nem nunca fez decorrer deste último acórdão a aplicação daquela
norma, só podendo tratar-se de um lapso sujeito a correcção o entendimento
diverso.
2. Notificado deste requerimento, o representante do Ministério Público
respondeu-lhe nos termos seguintes:
«1º
O pedido deduzido carece manifestamente de fundamento, já que o reclamante não
identificou qualquer “obscuridade” no acórdão reclamado, nem qualquer “lapso
manifesto”, susceptível de servir de base aos incidentes pós-decisórios
suscitados pelo reclamante.
2°
Pelo que devera ser limiarmente rejeitado».
3. Notificado o recorrido B., respondeu concluindo que:
“porque são destituídos de fundamento jurídico válido e sério, deve ser
indeferido o pedido de aclaração formulado pela recorrente, dado que a mesma
pretende uma decisão inovatória sobre questões novas, que só aparentemente se
alicerçam em quaisquer obscuridades do acórdão proferido, o qual, na esteira da
decisão sumária, se mostra claro e perceptível, sem margem para quaisquer
dúvidas”.
4. Conforme decorre do disposto nos artigos 669º, nº 1, alínea a), e 716º do
Código de Processo Civil, aplicáveis por força do consagrado no artigo 69º da
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
proferida decisão, pode o recorrente pedir o esclarecimento de alguma
obscuridade ou ambiguidade que a mesma contenha: “a decisão judicial é obscura
quando, em algum passo, o seu sentido seja ininteligível; é ambígua quando
alguma passagem se preste a interpretações distintas” (cf. Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 533/04, não publicado).
Do presente requerimento nada resulta no sentido de o Acórdão proferido ter
incorrido num ou noutro dos aludidos vícios, quer no que diz respeito aos
artigos 307º e 308º do Código de Processo Penal, quer no que se refere ao artigo
668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, quer, ainda, no que toca a
norma do artigo 425º do Código de Processo Penal, conjugada com o disposto no
artigo 374º, nº 2, do mesmo diploma. Apesar de, aparentemente, haver um pedido
de “esclarecimento” – chega, mesmo, a usar-se a palavra “obscuro” –, o teor do
requerimento demonstra apenas que a requerente discorda do já definitivamente
decidido por este Tribunal, utilizando indevidamente um incidente pós-decisório.
5. Segundo o disposto no nº 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil,
aplicável à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional (artigo 69º
da LTC), é lícito requerer a reforma da sentença (ou do acórdão, por força do
consagrado nos artigos 716º e 732º do mesmo Código), quando tenha ocorrido
manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação
jurídica dos factos ou quando constem do processo documentos ou quaisquer
elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida
e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.
Do teor do requerimento de “reforma” do Acórdão nº 397/2006 não se extrai
qualquer argumento no sentido de ter ocorrido manifesto lapso na determinação da
norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou de constarem do
processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem
necessariamente decisão diversa da proferida e que, por lapso manifesto, não
foram tomados em consideração.
Ainda que se tivesse querido “requerer a rectificação do Acórdão de 30 de
Janeiro de 2006” (artigo 667º, nº 1, do Código de Processo Civil, por força do
consagrado no artigo 69º da LTC), importaria sempre concluir pelo indeferimento
do requerido, por não haver naquela decisão qualquer lapso manifesto quanto à
identificação do acórdão que, segundo a requerente, aplicou norma daqueles
artigos do Código de Processo Penal.
6. Pelo exposto, porque não há qualquer razão para aclarar ou reformar o Acórdão
nº 49/2007, indefere-se o requerido.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ( quinze) unidades de
conta.
Lisboa, 21 de Março de 2007
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício