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Processo n.º 623/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 623/12, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 14 de junho de 2012.
2. Pela decisão sumária n.º 509/12 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, com os seguintes fundamentos:
“(...)
6. Como se disse, o recorrente foi convidado a esclarecer o requerimento de interposição de recurso, com vista a delimitar a concreta interpretação normativa questionada. Correspondeu a esse convite com indicação de que pretendia ver apreciada e declarada: a inconstitucionalidade do n.º 2 do art.º 57.º CPP na interpretação que defende a suspensão “sine die” de um processo de revogação de suspensão de pena pela existência de um qualquer processo crime e até que nele seja proferida decisão transitada.
Porém, essa formulação, e dimensão normativa, da questão colocada à apreciação deste Tribunal Constitucional, não foi suscitada previamente perante o Tribunal a quo, em termos de a poder conhecer.
Vejamos.
6.1. Desde logo, não se encontra na motivação do recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, nem nos fundamentos da decisão recorrida, qualquer ponderação de sentido normativo correspondente à «existência de um qualquer processo crime», como pressuposto bastante para a suspensão do incidente de revogação da pena de suspensão da execução de pena de prisão.
Ao invés, o recorrente assume na motivação que o despacho recorrido ponderou processo em investigação contra o arguido por factos praticados durante o período de suspensão (cfr. §12 do corpo da motivação e 3ª conclusão), sem extrair do despacho recorrido, proferido em primeira instância, interpretação normativa que consentisse a suspensão do incidente em virtude da «existência de um qualquer processo crime», contra si movido.
Também a decisão recorrida, proferida pelo Tribunal da Relação, não acolhe o sentido normativo que o recorrente agora procura criticar, de que a mera existência de «um qualquer processo crime» determina, por aplicação do artigo 57.º, n.º 2 do Código Penal, a suspensão da decisão sobre a extinção ou revogação da pena de prisão suspensa, uma vez decorrido o período da suspensão fixado.
Assim decorre, com nitidez, do seguinte segmento:
«In casu, como se vê encontra-se pendente processo que pode determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada uma vez que estão em causa factos praticados pelo arguido no decurso da mesma, tal como se verifica pelas datas acima referidas».
6.2. Por outro lado, encontra-se na motivação de recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa argumentação finalisticamente orientada à revogação da decisão que suspendeu o incidente de revogação da pena de prisão suspensa e, bem assim, para a imediata prolação de decisão que declarasse extinção da pena de prisão suspensa na sua execução, por efeito de atraso inadmissivelmente longo do Tribunal no processo criminal pendente, ainda em fase de inquérito.
Para tanto, com expressão nas conclusões 5ª e 6ª, o recorrente coloca o quadro hipotético de prolongamento do inquérito pendente contra o arguido até ao trânsito em julgado por «tempo muito próximo dos 10 anos» e, no quadro dessa longa projeção do tempo, que considera expectável numa perspetiva «académica», considera que se cria «incerteza e prolongamento temporal» violadores do art.º 1.º do Código Penal e dos artigos, 202.º, n.º 2, 206º, 30.º, n.º 1 e 32º, n.ºs 1 e 2 da CRP.
Porém, nessa discussão sobre a propriedade da consideração do atraso no processo que determina a aplicação do disposto no artigo 57.º, n.º 2 do Código Penal, não se perfila, nem mesmo em termos implícitos, a colocação perante o Tribunal da Relação da questão de inconstitucionalidade de interpretação normativa do n.º 2 do artigo 57.º do Código Penal que conduza à suspensão do incidente de revogação da suspensão sem dia certo.
Na verdade, ao esgrimir perante o Tribunal da Relação com o conceito de atraso, o recorrente afasta do perímetro da crítica interpretativa que formula todas as situações em que a evolução do processo pendente cumpra escrupulosamente todo os prazos legais.
6.3. É certo que, na conclusão 9ª, o recorrente aponta o «caráter indefinido e ilimitado» da suspensão do incidente, o que poderia comportar alguma aproximação com a questão da ausência de prazo certo colocada à apreciação deste Tribunal Constitucional. Só que esse segmento encontra-se associado à consideração de «tendência de perpetuação», o que logo afasta, decisivamente, essa identificação. Trata-se, novamente, de discutir a duração admissível da suspensão do incidente, e não a vinculação constitucional de fixação de dies certus para a sua cessação.
6.4. Também a conclusão seguinte - 10ª - mostra-se imprestável para concluir pela colocação perante o Tribunal a quo da mesma questão normativa formulada no recurso de constitucionalidade, em termos deste estar obrigado a dela conhecer. O recorrente funda a violação do princípio da presunção de inocência em interpretação «dos n.ºs 1 e 2 do art.º 57.º do Cód. Penal», sem outra especificação para além do que consta das conclusões anteriores. Todavia, o seu cotejo com o corpo da motivação, mormente com o ponto 25., torna claro que o problema colocado envolve a suspensão do incidente «por todo o tempo que dure um processo crime» e não a suspensão do incidente sem dia certo.
7. Verifica-se, por todo o exposto, que não assiste legitimidade ao recorrente para colocar a questão dirigida a este Tribunal Constitucional em virtude de não ter respeitado o ónus da sua suscitação prévia perante o Tribunal a quo, imposto pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC, o que determina o não conhecimento do recurso e a prolação de decisão sumária (artigo 78.ºA, n.º1 da LTC).”
3. Inconformado, o recorrente reclamou da decisão sumária para a conferência, com os seguintes fundamentos:
“ (...)
4. Em primeiro lugar, mais do que discutir o formalismo processual incito à decisão de que se reclama importa precisar que o recorrente persiste e insiste no interesse em ver apreciado o recurso que interpôs porque entende, verdadeiramente, que a decisão da Comarca e depois confirmada na Relação de Lisboa, enferma de vícios de Lei que, em última análise, a tornam inconstitucional pois os Meritíssimos Juízes recorridos (Comarca e Relação) assentaram as suas decisões em interpretações de Lei que são contrárias a princípios (vários) da Constituição e, nessa medida, possíveis de implicar um recurso até este Areópago conformador de constitucionalidade.
5. Ao não admitir esta sindicância pela decisão ora reclamada o recorrente sente-se privado de um direito – o de recurso - por um motivo lateral (formal que não de substância) o que lhe aumenta a sensação de injustiça que, de todo, não deve ser o resultado do recurso tempestivo e de acordo com as regras, aos Tribunais.
6. Acresce que no caso em análise há doutrina válida e respeitável que pugna no sentido do que o recorrente pretende ver declarado, e que se transcreve na íntegra chamando-se especial atenção para a parte final que é precisamente a dos autos:
“Caso se encontre pendente processo criminal por factos ocorridos no decurso da suspensão, o tribunal que aplicou a pena de suspensão deve ordenara suspensão do incidente de revogação da suspensão até que seja proferida decisão final no dito processo. Há, contudo, dois casos em que é suficiente a decisão do tribunal de primeira instância no processo criminal pendente: quando no processo criminal pendente tenha sido proferida decisão absolutória ou decisão condenatória em pena de multa ou pena substitutivo, o tribunal que determinou o suspensão está já em condições para declarar extinta a pena, mesmo que aquelas decisões não tenham ainda transitado. Um terceiro caso se lhe pode juntar: o caso de atraso inadmissivelmente longo do tribunal no processo criminal pendente.”
In nota 3 do artº 57º do “Comentário do Código Penal” de Paulo Pinto de Albuquerque (2ª ed., Univ. Católica Editora) que também remete para a obra do prof. Figueiredo Dias (1993; 358).
7. O recorrente não aceita que, “in casu”, não tenha suscitado previamente a questão em termos de constitucionalidade por forma que, também nesse tribunal, tal pudesse ser apreciado (no caso só no Tribunal da Relação).
8. A discordância do recorrente na posição expendida na douta decisão sumária tem como substrato jurisprudência deste próprio Alto Tribunal citando-se, por todos o seguinte:
“O pressuposto de admissibilidade do recurso previsto na al b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15-11, no atinente ao exato significado da expressão «durante o processo», deve ser tomado, não num sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feito em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão; ou seja a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma questão de constitucionalidade respeita, entendimento este que decorre do facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão de inconstitucionalidade que é objeto do mesmo recurso. II - Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença e porque eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura ou ambígua, há de ainda entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou o reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade. III – Todavia, a orientação geral assim definida não será de aplicar em determinadas situações de todo excecionais, em que os interessados não disponham de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes do proferimento da decisão, caso em que lhes deverá ser salvaguardado o direito ao recurso de constitucionalidade. IV – Na verdade, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender que naqueles casos anómalos em que o recorrente é confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista e inesperada (isto é, fora de um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e o sentido da decisão), não dispondo já de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo, ainda assim existirá o direito ao recurso de constitucionalidade.”
Ac. nº 263/92 do TC, de 13/7/1992; BMJ, 419º - 757.
9. Ora, salvo o devido respeito, e apesar da decisão sumária no seu ponto 6.3 conceder que, na conclusão 9 do recurso para o Tribunal da Relação, um afloramento de perfeição formal se vislumbra, logo o afasta por um preciosismo linguístico que é confrontar a discussão da duração admissível do dito incidente de suspensão com a fixação de prazo para essa cessação.
10. Mas, consultadas as ditas conclusões do Recurso verifica-se que, para além da citada conclusão 9, também as conclusões 4, 6 e 10 se referem e reportam à inconstitucionalidade da questão, aliás;
11. Em rigor, até se julga que estas outras conclusões são mais claras e explícitas em sede de suscitação direta e a provocar pronuncia pelo Tribunal “a quo” que a nona...
12. O que se quer dizer é que das conclusões do Recurso para o Tribunal da Relação - primeiro momento onde a questão da constitucionalidade podia ser invocado – o recorrente o fez, claramente, em quatro das conclusões (que fixam o objeto do recurso):
13. Se uma dessas conclusões é “imperfeita” ou “processualmente inadequada” para julgar preenchido o requisito do nº 2 do artº 72º da L.T.C., quer parecer, na humilde opinião do recorrente, que do conjunto de todas se percebe bem que o que se quer ver declarado e com interesse geral pois, como já se referiu, o assunto da duração dessa suspensão é tema de discussão doutrinal.
14. O recorrente, ao ver claudicar o Recurso por questões formais não pode deixar de lembrar um Acórdão do S.T.J. (Proc. 742/98 – 3ª SASTJ, nº 27, 80):
“(...) a observância das regras (...) tem de ser encarada com equilíbrio e sensatez de modo a que, sendo percebido, num mínimo o desiderato do recurso, se não frustre com aspetos formais o objetivo principal de aplicar justiça”.
15. Decerto proferida depois da leitura inspirada do nº 1 do artº 202º da C.R.P. o que, salvo melhor opinião e o devido respeito, não é o caso da douta Decisão Sumária ora reclamada que coloca a exigência do nº 2 do artº 72º da L.T.C. num patamar próximo da inexequibilidade mesmo para um causídico académica e de vivência temporal na justiça algo acima da mediania.
Conclusão:
Nos termos expostos e nos mais que os Excelentíssimos Senhores Conselheiros venham a suprir, admitido que seja esta Reclamação, depois de reapreciada toda a documentação que esteve na base da douta Decisão Sumária e a própria decisão, sempre com o substrato da Lei do Tribunal Constitucional e da própria Constituição venha a ser admitido o recurso o que representaria uma decisão legalmente correta e um momento alto da que se pede e espera JUSTIÇA.”
4. Notificado, o Ministério Público tomou posição no sentido da improcedência da reclamação, nos seguintes termos:
“(...)
1º
Após convite, o recorrente enunciou a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada, da seguinte forma:
“A inconstitucionalidade do n.º 2 do art.º 57.º CRP na interpretação que defende a suspensão “sine die” de um processo de revogação de suspensão de pena pela existência de um qualquer processo crime e até que nele seja proferida decisão transitada.”
2º
Ora, como resulta à evidência, desde logo pela transcrição que na douta Decisão Sumária se faz do acórdão recorrido – proferido pela Relação – não é “a existência de um qualquer processo crime” que pode determinar a revogação da suspensão, também não tendo sido essa a interpretação que o recorrente suscitara durante o processo.
3º
Também durante o processo o recorrente nunca suscitou uma questão de inconstitucionalidade que integrasse, na sua dimensão interpretativa, a “suspensão “sine die” de um processo de revogação”
4º
Como se sublinha na douta decisão reclamada, o recorrente fala de períodos longos, de incerteza e prolongamento temporal de 10 anos, não mencionando uma suspensão “sine die”.
5º
Ora, não se trata de “preciosismos linguísticos” mas de realidades que, embora possam ter um fundo comum, não são coincidentes.
6.º
Por outro lado, embora o acórdão recorrido não se pronuncie expressamente sobre a questão de constitucionalidade que havia sido suscitada, quanto ao período de tempo que reflexamente afetaria a suspensão, diz-se:
“Na verdade, não estão em causa, por ora nem tão cedo, os efeitos do decurso do tempo sobre a condenação e o trânsito da mesma”.
7.º
Ou seja, a questão da eventual existência de um período longo e incerto, próximo dos dez anos, não se colocava, sequer, na situação dos autos.
8.º
Para que possa conhecer-se do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tem de ocorrer uma coincidência entre a dimensão normativa suscitada durante o processo, a aplicada na decisão recorrida e a enunciada no requerimento de interposição do recurso, onde se fixa o seu objeto.
9.º
Ora, como se viu, essa coincidência não existiu no presente recurso.
10.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
II. Fundamentação
5. Como resulta da transcrição supra, a decisão sumária reclamada assentou, como fundamento, na ausência de identidade entre a arguição de inconstitucionalidade esgrimida perante o Tribunal da Relação de Lisboa e aquela colocada à apreciação deste Tribunal, na formulação consequente ao convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido. Considerou-se, então, que não se encontrava preenchido o pressuposto de prévia suscitação imposto pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70º e pelo n.º 2 do artigo 72.º, ambos da LTC, determinante do não conhecimento do recurso.
6. O recorrente discorda desse entendimento e sustenta que suscitou a questão de constitucionalidade perante o Tribunal da Relação de Lisboa nas conclusões 4ª, 6ª, 9ª e 10ª das alegações de recurso apresentadas, esgrimindo com o sentido conjugado dessa arguição e, adicionalmente, com o “interesse geral” da questão, assente na discussão doutrinal do “assunto da duração da suspensão”.
7. Importa, em primeiro lugar, e perante o que o recorrente invetiva de “formalismo processual” e de “questão formal”, salientar que a exigência de prévia suscitação perante o Tribunal recorrido da questão normativa formulada decorre da natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, destinada à reapreciação de questão que o Tribunal a quo pudesse, e devesse, apreciar e decidir, e não dirimir questões novas. Novas, é bom de ver, para o presente processo, sendo irrelevante para esse efeito que o problema ou o assunto mereça atenção e reflexão especial por parte da doutrina. Como se disse no Acórdão n.º 560/94 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), “a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é, pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão”.
8. Em segundo lugar, incidindo sobre o recorrente o poder, e também o ónus, de delimitação do objeto do recurso perante a Relação, através da formulação de proposições sintéticas que encerrem as razões do pedido (artigo 412.º, n.º do Código de Processo Penal), espera-se que o interessado indique aí as questões a dirimir de forma expressa e clara, com vista a habilitar o Tribunal ad quem a percecionar o seu sentido. E, quando entenda ter sido aplicada pela decisão recorrida norma desprovida de legitimidade constitucional, que formule o pedido de solução dessa controvérsia autónoma, precisa e expressamente enunciada, em termos de colocar o Tribunal de recurso perante o dever de a decidir. O que não aconteceu na lide sub judice, nos termos explicitados pela decisão sumária reclamada.
9. No ponto 13 da reclamação em apreço, o recorrente parece admitir que nenhuma das conclusões do recurso para a Relação de Lisboa, tomadas de per si, contém a suscitação de desconformidade constitucional do sentido normativo que colocou ulteriormente à apreciação deste Tribunal. Mas, pretende, esse sentido poderá ser atingido pela conjugação do que disse nas conclusões 4.º, 6ª, 9ª e 10ª.
9.1. Porém, não é assim, qualquer que seja o esforço hermenêutico exercido, de acordo com paradigma procedimental aberto, concordante com o princípio pro actione. As conclusões 4ª, 5.ª, 6.ª, 9ª e 10.º da motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, vistas isoladamente, ou na sua conjugação compreensiva, não contêm a colocação da questão de ilegitimidade constitucional da suspensão do incidente por tempo indeterminado (sine die), o que incorpora, como contraponto positivo, a afirmação de vinculação constitucional de fixação de dies certus para a cessação da suspensão do incidente de revogação da pena de suspensão da prisão; antes abordam argumentativamente os efeitos de hipotético atraso na tramitação do processo pendente contra o arguido e também a duração admissível da suspensão do incidente. Ao contrário do que pretende o recorrente, não se trata de “preciosismo linguístico” mas de significação distinta, verdadeira disparidade semântica no específico quadro problemático ancorado no n.º 2 do artigo 57.º do Código Penal.
9.2. Note-se ainda que na conclusão 4ª - a única em que é utilizada a locução latina sine die – vem afirmada tanto a inconstitucionalidade como a ilegalidade da decisão, o que remete para interpretação desconforme no plano infraconstitucional, conclusão que se articula com a argumentação das conclusões seguintes. Nestas, e em particular nas conclusões 5ª, 6ª e 7ª, elabora-se sobre quadro potencial, e sobre a noção de “atraso inadmissivelmente longo do Tribunal no processo pendente”, como fundamento de “denegação natural” do n.º 2 do artigo 57.º do Código Penal (conclusão 7ª). Não se vê como poderia o intérprete, confrontado com argumentação que pugna pela desaplicação do referido n.º 2 do artigo 57.º do Código Penal, ou seja, pela não suspensão do incidente e pela imediata declaração de extinção da pena de suspensão da prisão, extrair a colocação de questão de constitucionalidade de interpretação normativa aplicativa desse mesmo preceito, incidente sobre a necessária fixação de termo certo para a suspensão do incidente.
9.3. Cabe ainda considerar que o reclamante não estende a sua discordância à ausência de prévia suscitação, bem como de efetiva aplicação pelo Tribunal da Relação de Lisboa, relativamente a um dos elementos em que se articula a questão colocada à apreciação deste Tribunal: suspensão do incidente de revogação da pena de suspensão da prisão pela existência de “um qualquer processo crime”.
10. Face ao exposto, inabalados os respetivos fundamentos, cumpre confirmar a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
11. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária n.º 509/12.
12. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Notifique.
Lisboa, 9 de janeiro de 2013. – Fernando Vaz ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro