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Processo n.º 941/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A fls. 491, o relator proferiu o seguinte despacho:
“1. O recorrente foi notificado do seguinte despacho:
“Por força do disposto no n.º 1 do artigo 83.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, nos recursos para o Tribunal Constitucional é obrigatória a
constituição de advogado. E isto, desde já se adianta, ainda que o recorrente se
proponha discutir a conformidade constitucional de qualquer norma ou
entendimento normativo aplicado pela decisão recorrida que o impeça de exercer o
patrocínio judiciário ou de advogar em causa própria.
Assim, constando do processo que está suspensa a inscrição do recorrente na
Ordem dos Advogados, ao abrigo do artigo 33.º do Código de Processo Civil,
convido o recorrente a constituir advogado, no prazo de dez dias, sob cominação
de o recurso não ter seguimento.”
Em vez de constituir advogado, o recorrente veio requerer a suspensão da
instância até à decisão final do processo pendente no Tribunal Administrativo do
Círculo do Porto, actualmente Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (1.º
Juízo Liquidatário), em que, segundo alega, impugna a deliberação da Ordem dos
Advogados que suspendeu a sua inscrição como advogado.
2. Enquanto não convencer a Ordem dos Advogados, pelos meios próprios, da
ilegalidade da suspensão da sua inscrição como advogado, o recorrente só pode
praticar os actos processuais que o n.º 2 do artigo 32.º do Código de Processo
Civil permite às próprias partes, isto é, fazer requerimentos em que não se
levantem questões de direito. O pedido de suspensão da instância até que se
decida uma outra não cabe nesta previsão, uma vez que envolve a análise de
questões de direito, designadamente qualifica juridicamente a relação entre as
duas causas, com reflexos no regime da suspensão (artigo 279.º do CPC).
De todo o modo, sempre se dirá que não se justifica a suspensão da instância. O
recorrente poderia ter requerido oportunamente a suspensão da instância perante
o Supremo Tribunal de Justiça. Agora, com o processo já em fase de recurso no
Tribunal Constitucional, cujos poderes de cognição são restritos à questão de
constitucionalidade (artigo 79.º-C da LTC), os prejuízos da suspensão superam as
suas vantagens. O recorrente sempre poderá, se é obstáculo de natureza económica
que lhe dificulta a regularização do patrocínio, pedir apoio judiciário,
enquanto os denunciados ficam sujeitos ao arrastamento do processo por facto
exclusivamente respeitante às contingências dos conflitos do recorrente com a
Ordem dos Advogados.
3. Assim, não estando o reclamante patrocinado por advogado com inscrição em
vigor na respectiva Ordem, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 83.º da LTC
e do artigo 33.º do CPC, julgo sem efeito o recurso.”
2. O recorrente reclamou para a conferência, em requerimento por si subscrito,
nos seguintes termos:
“II. Cumpre pois refutar este argumentário, nos dois planos conjugados.
(A) Quando ao primeiro, dir-se-á fundamentalmente que a denegação ao Recorrente
do direito a requerer a suspensão da instância nos presentes (ou em quaisquer
outros) autos de recurso de constitucionalidade afronta directamente a
jurisprudência do Acórdão N.º 142/94, de 26-I-l994, no Proc nº 206-A/91 da l.ª
Secção desse Tribunal Constitucional, «sobre um caso idêntico»; aliás, este
Despacho que assim decide ofende directamente a jurisprudência, outrossim, do
Despacho de 26-111-1999 no Proc. 163/99 da 2.ª Secção desse mesmo Tribunal, em
que o recorrente é precisamente a mesma pessoa! E,
(B) demais a mais, a denegação ao Recorrente do direito de apresentar
requerimentos envolvendo «a análise de questões de direito» infringe, v.g., a
jurisprudência do Acórdão nº 447/06, de 12-VII-2006, no Proc. nº 483/06 também
desse Tribunal, que decidiu sobre questões de direito colocadas por também o
mesmo Recorrente no seu requerimento de 19-VI-2006. Por consequência,
(C) porque, em boa verdade, não pode esse Tribunal Constitucional, nenhum
tribunal pode, mudar a sua jurisprudência em função de quaisquer circunstâncias
relativas á pessoa in concreto recorrendo ao serviço público de justiça sob sua
administração, só poderá in casu reiterar o antedecidido nos seus próprios
julgados aqui para tal expressamente invocados.
(D) Já quanto ao segundo argumento aduzido, é de todo impertinente, salvo o
devido respeito, a alegação de que a suspensão da instância poderia ter sido
requerida no Supremo Tribunal de Justiça, pela simples e ponderosa razão de que
naqueloutro tribunal supremo não se pôs, definitivamente, a questão de direito
cuja irresolução motiva o pedido de suspensão. Com efeito,
(E) com será bom de ver, no processo-crime donde o presente emerge encontra‑se
formalmente reconhecido ao signatário o seu legítimo direito a intervir não só
como assistente, advogando em causa própria, mas já também, na mesma veste, como
recorrente: subscritor além, justamente, do recurso de constitucionalidade sub
judice. E,
(E) consabidamente, assim foi duplamente decidido no Supremo Tribunal de Justiça
com base no entendimento entretanto consagrado também na histórica Decisão de
28-III-2006 do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, ao concluir que o
signatário é (na versão oficial em francês) lui-même avocat» (sic: n.º 7.2),
detendo portanto (idem; ibidem) «le droít absolu (sic!) de se défendre lui-même
à tous les stades de la procédure pénale, sous peine d’atteinte à l’equité du
procès»,
(G) pelo que o grande prejuízo que em todo o caso avulta é antes, sim, ê
unicamente, o derivado do facto inconcebível que o próprio Comité dos Direitos
Humanos citado ali aponta: esse Tribunal Constitucional, numa sua decisão (entre
tantíssimas) estando outrossim em causa a pessoa do signatário, «não teve em
conta o facto de que a suspensão da sua Inscrição no quadro da Ordem dos
Advogados era ilícita». Ora,
(H) como não pode deixar de ser visto, o pedido de suspensão da Instância
controvertido resulta pura e simplesmente desse facto absolutamente reprovável,
recte: superiormente (ao mais alto nível internacional) reprovado, visa evitar
que esse Alto Tribunal, não reconhecendo – como lhe cumpre, absolutamente,
reconhecer o art.º 134.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo dixít
– a nulidade do acto administrativo nulo, denegue uma vez mais justiça.
III. Termos por que, fazendo no caso, em definitivo, sã e inteira justiça, esse
Alto Tribunal:
1) revogará o Despacho reclamado, declarando o signatário advogado detentor,
portanto, do direito absoluto a defender-se em qualquer – desde logo o presente
–, estádio da causa em pendêncía, com todos os devidos e legais efeitos; ou, em
alternativa (ut retro),
2) decretará a suspensão da instância no presente processo, até à decisão final
do processo administrativo antemencionado, onde se encontra impugnada a
deliberação administrativa controvertida.”
3. Não tendo a recorrente constituído mandatário que possa
exercer o patrocínio judiciário, resta ao Tribunal confirmar o despacho
reclamado, nos seus precisos termos. Com efeito, nada do que o reclamante alega
é susceptível de abalar os fundamentos em que a decisão reclamada assenta quanto
a qualquer das questões que decide. Por um lado, o pedido de suspensão da
instância coloca, efectivamente, questões de direito que obstam a que a parte
pleiteie por si, sem representação por advogado. E, por outro, mantém-se a
suspensão do inscrição do recorrente como advogado por acto da Ordem dos
Advogados, cuja validade não compete a este Tribunal apreciar. Acresce que não é
verdade estar reconhecido ao recorrente, no processo de que emerge o presente
recurso de constitucionalidade, o direito de advogar em causa própria na defesa
dos seus poderes de intervenção como assistente. Pelo contrário, o que no
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Junho de 2006 se considerou foi
estar decidido, com força de caso julgado processual, a obrigação de
constituição de advogado, “não podendo o requerente, porque suspenso, litigar na
causa, ainda que própria”.
4. Decisão
Assim, indefere-se a reclamação, confirmando-se o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 8 de Março de 2007
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício