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Processo n.º 1095/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.Na 4. ª Vara Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, o Ministério
Público acusou A. pela prática, em co-autoria material com outrem, de um crime
de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e
24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às
Tabelas I-A e II-A, anexas ao referido diploma.
No decorrer da audiência de julgamento com data do dia 4 de Abril de 2006, foi
proferido o seguinte despacho, conforme consta da acta de fls. 1220 e segs. dos
autos:
«DESPACHO
Suspendo a presente audiência para uma curta interrupção.
Retomada a audiência, foi pedida a palavra pelo ilustre Mandatário do arguido
A., que no seu uso disse: O Ministério Público indicou como prova da acusação,
para além do mais, nos seguintes autos transcrição correspondentes às
intercepções telefónicas das sessões 228, 412, 425, 427, 453, 465 e 636 do
apenso 1; das sessões 208, 923 e 1341 do apenso 2; e 24, 59, 84, 85 e 105 do
apenso 3.
Ora, resulta dos autos que tais transcrições, para além de outras não indicadas
pelo M.ºP.°, provêm de conversas que foram tidas pelos respectivos
interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde. Com efeito, feita esta
constatação, e para tradução das conversas em questão logo o Sr. Inspector B.
que foi instrutor do processo a fls. 40 e 41 dos autos sugeriu a nomeação do Sr.
C., que no seu dizer é Subinspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde
destacado na sua congénere portuguesa.
Em consequência, por despacho de fls. 84, viria o referido senhor a ser nomeado
e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC por forma a que se procedesse
à audição das sessões em causa com tradução simultânea. De facto, como melhor se
alcança de fls. 85 e 86 dos autos, assim sucedeu logo nesse mesmo dia. A verdade
é que a partir de então ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir e
traduzir conversações telefónicas interceptadas e a assinar os autos de
transcrição juntos ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso a
que aludem os números 2 e 3 do art.º 91.º do CPP.
No entanto, ignora-se, e não está documentado de qualquer forma nos autos ,qual
o vínculo funcional ou jurídico e o respectivo quadro legal que insere o Sr.
Subinspector C. da Polícia Judiciária de Cabo Verde no funcionalismo público
português, se é que assim acontece de facto. Inquirido em audiência sobre o
facto, o Sr. Inspector B. nada soube acrescentar ou esclarecer sobre esta
questão.
Assim sendo, e porque tal questão pode influir definitivamente na validade
daquele meio de prova, uma vez que estão em causa direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos constitucionalmente protegidos, requer que se oficie ao
Director-Geral da Polícia Judiciária no sentido de o mesmo fornecer nos autos
informação sobre se o Sr. C., alegadamente Subinspector da Polícia Judiciária de
Cabo Verde destacado na Polícia Judiciária portuguesa, é também funcionário
público português por força de qualquer vínculo que através daquela polícia ou
outro organismo o ligue ao Estado Português e, não o sendo, informe qual é o
quadro jurídico que o insere na orgânica da Polícia Judiciária portuguesa.
Em consequência, caso se venha a apurar que o referido senhor não é, como
cremos, funcionário público do Estado Português e que ele ao desempenhar as
funções de intérprete para que foi nomeado nos autos interveio fora do exercício
das suas funções, devem, nos termos do n.º 8 do art.º 32º e n.º 4 do art.º 34°,
que são preceitos de aplicação imediata por força do art.º 18º, n.º 1, todos da
Constituição da República Portuguesa, serem declarados nulas as transcrições
juntas aos autos e cujas conversas foram originariamente mantidas em criolo.
Após o que o Mm.º Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Suspendo a presente audiência para a efectivação de diligências.
Por ordem do Mm.º Juiz Presidente, durante esta curta interrupção, foram feitas
diligências junto da Direcção Nacional da Polícia Judiciária, no sentido de
apurar se o Sr. C. faz parte dos quadros da Polícia Judiciária portuguesa ou se
é funcionário público português e a qual título, se está cá sob o abrigo de
algum acordo de cooperação e qual. Através do n.º 218644800 contactei com o
Departamento de Recursos Humanos da P. J., tendo sido atendida pela Sra. F., fui
informada de que esse nome não consta dos ficheiros dos funcionários portugueses
da Polícia Judiciária; de seguida, contactei com o Departamento de Cooperação
Internacional, onde me foi dito que não têm noção que tenha cá estado alguém de
Cabo Verde nos últimos anos.
*
Retomada a audiência, foi dada a palavra à digna Magistrada do Ministério
Público, a qual no seu uso disse: Parece-nos não existir necessidade de
verificar sobre a existência do vínculo que o intérprete C. tem com o Estado
Português, nomeadamente se é funcionário público. Parece-nos que, tal como foi
alegado pelo Mandatário do arguido A., no caso de se verificar a falta de
juramento na sua qualidade de intérprete, o Sr. C., tal falta não afectará a
validade das funções por ele levadas a cabo nos termos do art.º 91.º do CPP.
Pelo que se mantêm válidas as traduções efectuadas pelo mesmo.
Seguidamente, pelo Mm. Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Dos apensos 1, 2 e 3 do presente processo, encontram-se transcritas várias
conversações telefónicas, que foram objecto de intercepção e gravação durante o
inquérito e foram indicadas pelo M.º P.º como prova dos factos alegados na
acusação. Algumas dessas conversas estão assinaladas como tendo sido efectuadas
em crioulo, tendo sido nomeado, por despacho do M.º P.º a fls. 84 dos autos,
tradutor, para o efeito da transposição dessas conversas para a língua
portuguesa a pessoa referida no requerimento do arguido A.. Tanto quanto se
consegue vislumbrar, o referido tradutor não prestou o compromisso de honra a
que se refere o art.º 91.º do CPP e dos contactos telefónicos tidos com a P. J.
não foi possível averiguar que tal pessoa seja membro desse organismo ou a
qualquer título funcionário português.
O cerne da questão suscitada pelo ilustre Mandatário do arguido A. resume-se a
saber se a omissão do referido compromisso de honra é ou não de molde, por si
só, e não se verificando os pressupostos de dispensa do compromisso, a afectar a
validade das traduções realizadas pelo tradutor não ajuramentado e a determinar
a inutilização das conversas traduzidas como meio de prova.
Salvo melhor opinião, tal questão deverá ser respondida negativamente. Na
verdade, a exigência do compromisso de honra não representa uma garantia de
defesa do arguido ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função
responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste. Nesta ordem de ideias, não
estando expressamente cominada em qualquer disposição da lei processual a
nulidade da intervenção do tradutor que não tenha prestado compromisso, quando
devesse tê-lo prestado, a referida omissão deve ser remetida para o domínio das
meras irregularidades processuais. A arguição das irregularidades está regulada
pelo n.º 1 do art.º 123.º do CPP e, de acordo com esta disposição, terá de ter
lugar no próprio acto ou, se o sujeito interessado a ele não tiver assistido,
nos três dias seguintes a contar daquele em que tenha sido notificado em acto
nele praticado. Tendo em conta que o processo, na fase de inquérito, se encontra
em segredo de justiça e os arguidos não têm acesso ao seu conteúdo, a arguição
em causa deveria ter sido efectuada nos três dias subsequentes à notificação da
acusação ao arguido.
Em nosso entendimento, a intervenção do tradutor só seria de molde a pôr em
causa as garantias de defesa do arguido se houvesse razões para crer na
existência de alguma desconformidade entre o texto transcrito nos apensos, em
língua portuguesa, e a conversa original tida em crioulo. A falta do compromisso
de honra não determina por si só a existência de qualquer desconformidade, nem a
defesa do arguido invocou a verificação de alguma.
Pelo exposto, decide-se, não obstante a falta do compromisso de honra, não
declarar nulas as traduções efectuadas pelo tradutor não ajuramentado,
referenciado no requerimento da defesa do arguido.»
Inconformado, A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo
concluído como segue:
«a) Emerge o presente recurso do despacho vertido na acta da sessão de
julgamento do dia 4 de Abril de 2006, que indeferiu o pedido de declaração de
nulidade das transcrições de escutas telefónicas juntas aos autos cujas
conversas foram originariamente mantidas em dialecto crioulo de Cabo Verde;
b) Aquele despacho, douto aliás, peca por errada interpretação e aplicação dos
art.°s 91.º, 92.°, 120.º, n.° 2, al. e), e 126.°, n.° 3, todos do C.P.P. e, bem
assim, dos art.°s 2.°, 32.°, n.°s 1 e 8, e 34.º n.°s 1 e 4, da C.R.P., que, de
resto, são preceitos de aplicação imediata, visto o art.º 18.º do mesmo diploma
fundamental;
c) Com efeito, o Ministério Público indicou como prova dos factos alegados na
acusação, para além do mais, vários autos de transcrição de intercepções
telefónicas juntas aos autos nos Apensos I, II e III que provêm de conversas que
foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde;
d) Para tradução das mesmas foi sugerida a nomeação de intérprete nos autos,
mais concretamente o Senhor C., que a fls. 40/4 1 é apresentado como sendo
Subinpector da Polícia Judiciária de Cabo Verde, destacado na Polícia Judiciária
Portuguesa;
e) Em consequência, por despacho da Mª. J.I.C. de fls. 84 viria o mesmo a ser
nomeado intérprete e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC a fim de
se proceder a audição das sessões em causa com tradução simultânea, o que, como
melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, sucedeu logo nesse mesmo dia;
f) Sendo que a partir daí ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir
e traduzir intercepções telefónicas e a assinar os autos de transcrição juntos
ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso de honra a que aludem
os n.°s 2 e 3 do art.º 91.º do C.P.P. e apesar de no caso se não verificar
qualquer dos pressupostos da dispensa do compromisso previstos no n° 6 do mesmo
artigo;
g) Com efeito, nem o senhor Subinspector C. da Polícia Judiciária de Cabo Verde
é funcionário público do Estado Português e nem os autos reflectem, por qualquer
forma, qual o vinculo funcional ou jurídico e qual o respectivo quadro legal que
o insere na orgânica da Policia Judiciária portuguesa ou em qualquer outro
organismo do funcionalismo público português;
h) Colocado perante a questão, mal a nosso ver, entendeu o Tribunal a quo que a
omissão da tomada do compromisso no caso concreto cai na alçada das meras
irregularidades;
i) Não obstante, no caso o intérprete não foi nomeado nos autos para tradução de
um qualquer documento ou para tradução de um qualquer depoimento ou inquirição
levados a cabo em audiência pública ou privada, na incerteza da existência, ou
não de alguém que conheça a língua ou o dialecto usados e da tradução feita
poder ser facilmente colocada em causa,
j) Com efeito, no caso que nos ocupa estão em causa direitos, liberdade e
garantias constitucionalmente consagradas, como é o dos princípios da reserva da
intimidade da vida privada e da não ingerência das autoridades nas comunicações
e as traduções a que nos reportamos ocorrem no âmbito do excepcional e apertado
regime das escutas telefónicas, que já de si constitui uma restrição daqueles
princípios constitucionais que se deve limitar ao estritamente necessário à
salvaguarda do interesse, também constitucional, da descoberta de um concreto
crime e punição do seu agente;
k) É pois devido a esta especificidade do quadro em que ocorrem as traduções dos
autos que defendemos que à omissão da tomada do compromisso ao intérprete não
dispensado do mesmo corresponde a proibição de valoração da prova que resulte de
tais traduções;
l) Note-se, desde logo, que nos termos do art.º 120.º, n.° 2, al. c), do C.P.P.
constitui nulidade a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a
considere obrigatória, sendo certo que por sua vez o n.º 8 do art.° 32.° da CRP
e o n.° 3 do art.º 126.° do C.P.P. consignam serem nulas as provas obtidas
mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas
telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, daí que não seja
despicienda a tese que defendemos;
m) No entanto o despacho recorrido perfilhou a tese de que o compromisso de
honra do art.º 91.º, nºs. 2 e 3, do C.P.P. não representa uma garantia de defesa
do arguido ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função
responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste;
n) Sendo certo que, não podendo deixar de concordar com a parte final desta
afirmação, não é menos verdade que essa responsabilização acrescida é feita
também, e acima de tudo, no interesse e para garantia de defesa do arguido;
o) E doutra forma não faria sentido já que no caso dos autos, como em tantos
outros, nem sequer foi feita a certificação da conformidade das transcrições
juntas aos mesmos com os suportes magnéticos que serviram de base ao despacho
que as ordenou, como o impõem os art.°s 188.°, n.° 4, in fine e 101.º, n.°s 2 e
3, do C.P.P..;
p) Daí que esta frequente omissão na prática processual venha também confirmar
que o compromisso que é tomado ao intérprete é também uma verdadeira garantia de
defesa no interesse do próprio arguido, para além da responsabilidade acrescida
que em si encerra para o intérprete que o presta;
q) Verdadeiramente a garantia de responsabilização acrescida de quem presta o
compromisso de honra e a garantia da defesa do arguido são, afinal, duas faces
da mesma moeda, e uma não anda arredada da outra.
r) Aliás, o n.º 1 do art.º 32.º da Lei Fundamental estipula justamente que o
processo criminal assegura todas as garantias de defesa e nelas, está incluída a
acrescida responsabilização do intérprete por meio do compromisso de honra que
lhe deve ser tomado quando não dispensado.
s) Razão pela qual devem ser consideradas nulas e não devem ser usadas como
prova as transcrições das traduções de intercepções telefónicas em língua
estrangeira cuja tradução haja sido efectuada por intérprete a quem não haja
sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.°s 2 e 3 do art.º 91.º do
C.P.P. e que dele não esteja dispensada nos termos do n.º 6 do mesmo artigo,
como é o caso das dos autos, que originariamente se encontram em dialecto
crioulo de Cabo Verde.
t) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.°s 2, 3 e 6 do art.º
91.°, do n.º 1 do art.º 92.°, al. c), do n.º 2 do 120.º e do n.° 3 do art.º
126.°, todos do C.P.P. é inconstitucional por violação dos princípios da
segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de
defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações,
consagrados nos artigos 2.°, 32.°, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.°s 1 e 4, da
Constituição, os quais, de resto, são preceitos de aplicação imediata por força
do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do mesmo diploma fundamental.»
2.Por acórdão de 19 de Julho de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou
manifestamente improcedente o recurso (interlocutório) interposto, afirmando
para tal que
«É patente que nos encontramos perante uma mera irregularidade, entretanto
sanada, por não ter sido arguida no tempo estipulado no art. 123º, nº 1, CPP.»
A. interpôs então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentado, nas
conclusões da respectiva alegação, no que ora interessa, o seguinte:
«Emerge o presente recurso da discordância em relação ao acórdão, douto aliás,
com que o Tribunal a quo, decidiu manter a condenação do arguido pela prática de
crime p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na
pena de 8 anos de prisão.
Com efeito,
1 – Na formação da convicção íntima o tribunal de primeira instância socorreu-se
das transcrições das escutas telefónicas cujas conversas foram originariamente
mantidas em dialecto crioulo de Cabo Verde sem que ao respectivo intérprete
tenha sido tomado o legal compromisso, o que as torna nulas e de nenhum efeito,
com a consequente proibição de valoração como prova;
a) Na acta da sessão de julgamento do dia 4 de Abril de 2006, o recorrente
pugnou pela nulidade das transcrições de escutas telefónicas juntas aos autos
cujas conversas foram originariamente mantidas em dialecto crioulo de Cabo
Verde:
b) Então, o tribunal de 1.ª instância indeferiu tal pedido por, no seu entender,
para além do mais, se estar perante uma mera irregularidade e como tal já
sanada. Neste entendimento foi entretanto secundado pela Veneranda Relação de
Lisboa.
c) Assim decidindo quer aquele despacho, quer o acórdão recorrido, doutos aliás,
pecaram por errada interpretação e aplicação dos art.ºs 91.º, 92.º, 120.º, n.º
2, al. c), e 126.º, n.º 3, todos do C.P.P. e, bem assim, dos art.ºs 2.º, 32.º,
n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da C.R.P., que, de resto, são preceitos de
aplicação imediata, visto o art.º 18.º do mesmo diploma fundamental;
d) Com efeito, o Ministério Público indicou como prova dos factos alegados na
acusação, para além do mais, vários autos de transcrição de intercepções
telefónicas juntas aos autos nos Apensos I, II e III que provêm de conversas que
foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde;
e) Para tradução das mesmas foi sugerida a nomeação de intérprete nos autos,
mais concretamente o Senhor C, que a fls. 40/41 é apresentado como sendo
Sub-inspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde, destacado na Polícia
Judiciária Portuguesa;
f) Em consequência, por despacho da M. J.I.C., de fls. 84, viria o mesmo a ser
nomeado intérprete e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC a fim de
se proceder a audição das sessões em causa com tradução simultânea, o que, como
melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, sucedeu logo nesse mesmo dia;
g) Sendo que a partir daí ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir
e traduzir intercepções telefónicas e a assinar os autos de transcrição juntos
ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso de honra a que aludem
os n.ºs 2 e 3 do art.º 91.º do C.P.P. e apesar de no caso se não verificar
qualquer dos pressupostos da dispensa do compromisso previstos no n.º 6 do mesmo
artigo;
h) Com efeito, nem o senhor Sub-inspector C. da Polícia Judiciária de Cabo Verde
é funcionário público do Estado Português e nem os autos reflectem, por qualquer
forma, qual o vínculo funcional ou jurídico e qual o respectivo quadro legal que
o insere na orgânica da Polícia Judiciária portuguesa ou em qualquer outro
organismo do funcionalismo público português;
i) Colocado perante a questão, mal a nosso ver, entendeu também o T.R.L. que a
omissão da tomada do compromisso no caso concreto cai na alçada das meras
irregularidades. E tout court;
j) Não obstante, no caso o intérprete não foi nomeado nos autos para tradução de
um qualquer documento ou para tradução de um qualquer depoimento ou inquirição
levados a cabo em audiência pública ou privada, na incerteza da existência, ou
não, de alguém que conheça a língua ou o dialecto usados e da tradução feita
poder ser facilmente colocada em causa;
k) Com efeito, no caso que nos ocupa estão em causa direitos, liberdades e
garantias constitucionalmente consagradas, como é o dos princípios da reserva da
intimidade da vida privada e da não ingerência das autoridades nas comunicações
e as traduções a que nos reportamos ocorrem no âmbito do excepcional e apertado
regime das escutas telefónicas, que já de si constitui uma restrição daqueles
princípios constitucionais que se deve limitar ao estritamente necessário à
salvaguarda do interesse, também constitucional, da descoberta de um concreto
crime e punição do seu agente;
l) É pois devido a esta especificidade do quadro em que ocorrem as traduções dos
autos que defendemos que à omissão da tomada do compromisso ao intérprete não
dispensado do mesmo corresponde a proibição de valoração da prova que resulte de
tais traduções;
m) Note-se, desde logo, que nos termos do art.º 120.º, n.º 2, al. c), do C.P.P.
constitui nulidade a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a
considere obrigatória, sendo certo que por sua vez o n.º 8 do art.º 32.º da CRP
e o n.º 3 do art.º 126.º do C.P.P. consignam serem nulas as provas obtidas
mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas
telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, daí que não seja de
despicienda a tese que defendemos;
n) No entanto, o despacho recorrido perfilhou a tese de que o compromisso de
honra do art.º 91.º, n.ºs 2 e 3, do C.P.P. não representa uma garantia de defesa
do arguido ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função
responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste;
o) Sendo certo que, não podendo deixar de concordar com a parte final desta
afirmação, não é menos verdade que essa responsabilização acrescida é feita
também, e acima de tudo, no interesse e para garantia de defesa do arguido;
p) E doutra forma não faria sentido já que no caso dos autos, como em tantos
outros, nem sequer foi feita a certificação da conformidade das transcrições
juntas aos mesmos com os suportes magnéticos que serviram de base ao despacho
que as ordenou, como o impõem os art.ºs 188.º, n.º 4, in fine, e 101.º, n.ºs 2 e
3, do C.P.P.;
q) Daí que esta frequente omissão na prática processual venha também confirmar
que o compromisso que é tomado ao intérprete é também uma verdadeira garantia de
defesa no interesse do próprio arguido, para além da responsabilidade acrescida
que em si encerra para o intérprete que o presta;
r) Verdadeiramente a garantia de responsabilização acrescida de quem presta o
compromisso de honra e a garantia da defesa do arguido são, afinal, duas faces
da mesma moeda, e uma não anda arredada da outra.
s) Aliás, o n.º 1 do art.º 32.º da Lei Fundamental estipula justamente que o
processo criminal assegura todas as garantias de defesa e nelas está incluída a
acrescida responsabilização do intérprete por meio do compromisso de honra que
lhe deve ser tomado quando não dispensado.
t) Razão pela qual devem ser consideradas nulas e não devem ser usadas como
prova as transcrições das traduções de intercepções telefónicas em língua
estrangeira cuja tradução haja sido efectuada por intérprete a quem não haja
sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 91.º do
C.P.P. e que dele não esteja dispensado nos termos do n.º 6 do mesmo artigo,
como é o caso das dos autos que originariamente se encontram em dialecto crioulo
de Cabo Verde.
u) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.ºs 2, 3 e 6 do art.º
91.º, do n.º 1 do art.º 92.º, al. c) do n.º 2 do 120.º e do n.º 3 do art.º
126.º, todos do C.P.P. é inconstitucional por violação dos princípios da
segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de
defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações,
consagrados nos artigos 2.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da
Constituição, os quais, de resto, são preceitos de aplicação imediata por força
do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do mesmo diploma fundamental.
(…)»
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 2 de Novembro de 2006, negou
provimento ao recurso, dizendo, entre o mais, que:
«(…)
No acórdão agora sob recurso foi julgado totalmente improcedente o recurso
intercalar interposto pelo arguido A. do despacho de 4.4.06, proferido no
decurso da audiência e que indeferiu o requerimento de arguição de nulidade das
transcrições das conversas telefónicas interceptadas e gravadas nos autos, por
falta de prestação do compromisso de honra a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º
91.º do CPP por parte do elemento da P. J. de Cabo Verde, destacado na sua
congénere portuguesa e que procedeu à sua tradução de crioulo.
A lei, consagrando embora o direito ao recurso como regra sagrada (art.º 399.º)
e constitucionalmente garantida (art.º 32.º, n.º 1, da CRP), faz depender esse
direito de determinados pressupostos, o que significa que nem todas as decisões
judiciais são passíveis de impugnação.
Desde logo, é incontornável que, com a revisão operada pela Lei n.º 59/98, de 25
de Agosto, em matéria de recursos, como, aliás, se alcança da Exposição dos
Motivos, se pretendeu restituir ao Supremo Tribunal de Justiça “a sua função de
tribunal que conhece apenas de direito, com excepções em que se inclui a do
recurso interposto do tribunal de júri”, a verdade é que se retomou a ideia de
“diferenciação orgânica mas apenas fundada no princípio de que os casos de
pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de
Justiça” (V. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª ed.,
pág., 145).
É a situação que se nos depara no caso ajuizado, não compaginável de todo em
todo com qualquer das decisões elencadas no art.º 432.º do CPP como passíveis de
recurso para o STJ, mas enquadrando claramente aquelas outras que não admitem
recurso, previstas no art.º 400.º do mesmo diploma legal, como seguramente a
simples leitura do normativo e o consequente cotejo com as situações aí
previstas não deixam de explicar e de justificar.
A decisão impugnada não põe, manifestamente, termo à causa (art.º 400.º, n.º 1,
al. c)), tanto que se mostra pendente recurso interposto da decisão final e, por
isso mesmo, nunca seria recorrível.
Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, não se toma
conhecimento desta questão.»
3.Veio então o arguido interpor o presente recurso de constitucionalidade, nos
seguintes termos:
«1.º O recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro.
2.º Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos n.ºs 2, 3 e
6 do art.º 91.º, do n.º 1 do art.º 92.º, al. c) do n.º 2 do 120.º e do n.º 3 do
art.º 126.º, todos do C.P.P., todos do Código de Processo Penal, quando
interpretados no sentido de que
a) a ausência de tomada de compromisso de honra por parte de intérprete, sem que
se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6
do art.º 91.º do C.P.P., constitui uma mera irregularidade; e
b) a ausência de tomada do compromisso de honra por parte de intérprete, sem que
se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6
do art.º 91.º do C.P.P., constitui urna mera irregularidade, ainda que tal
ausência ocorra no âmbito de nomeação para audição e transcrição de conversas
telefónicas interceptadas nos autos.
3.º Tais normas assim interpretadas violam os princípios da segurança jurídica,
da confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não
intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações,
constitucionalmente consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º,
n.ºs 1 e 4, da Lei Fundamental;
4.º As questões de inconstitucionalidade supra referidas foram expressamente
suscitadas nos artigos 2.º, 17.º e 25.º do corpo, e nas alíneas b), l) e t) das
conclusões, da motivação de recurso interlocutório interposto para o T.R.L. e
admitido a fls. 1258, sobre o qual recaiu a decisão ora recorrida.
5.º O presente recurso subirá imediatamente, nos próprios autos e com efeito
suspensivo.»
Admitidos os autos no Tribunal Constitucional foi determinada a produção de
alegações, tendo o recorrente concluído assim as suas:
«a) Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos autos pelo
Tribunal da Relação de Lisboa em 19.02.2006, douto aliás, por se reputarem de
inconstitucionais, por violação dos princípios da segurança jurídica, da
confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não intromissão
das autoridades na vida privada e nas comunicações, constitucionalmente
consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da Lei
Fundamental, as normas dos n.ºs 2, 3 e 6 do art.º 91.º, do n.º 1 do art.º 92.º,
da al. c) do n.º 2 do art. 120.º e do n.º 3 do art.º 126.º, todos do Código de
Processo Penal, quando aplicados com as interpretações e o alcance que lhe foram
dados quer pela primeira instância, quer por aquele Venerando Tribunal quando
decidiram que a ausência de tomada do compromisso de honra por parte de
intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo
previstos no n.º 6 do art.º 91.º do C.P.P., constitui uma mera irregularidade,
ainda que tal ausência ocorra no âmbito de nomeação para audição e transcrição
de conversas telefónicas interceptadas nos autos;
b) Com efeito, o Ministério Público indicou como prova dos factos alegados na
acusação, para além do mais, vários autos de transcrição de intercepções
telefónicas juntas aos autos nos Apensos I, II e III que provêm de conversas que
foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde;
c) Para tradução das mesmas foi sugerida a nomeação de intérprete nos autos,
mais concretamente o Senhor C., que a fls. 40/41 é apresentado como sendo
Sub-inspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde, destacado na Polícia
Judiciária Portuguesa;
d) Em consequência, por despacho da M. J.I.C. de fls. 84 viria o mesmo a ser
nomeado intérprete e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC a fim de
se proceder a audição das sessões em causa com tradução simultânea, o que, como
melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, sucedeu logo nesse mesmo dia;
e) Sendo que a partir daí ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir
e traduzir intercepções telefónicas e a assinar os autos de transcrição juntos
ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso de honra a que aludem
os n.ºs 2 e 3 do art.º 91.º do C.P.P. e apesar de no caso se não verificar
qualquer dos pressupostos da dispensa do compromisso previstos no n.º 6 do mesmo
artigo;
f) Com efeito, nem o senhor Sub-inspector C. da Polícia Judiciária de Cabo Verde
é funcionário público do Estado Português e nem os autos reflectem, por qualquer
forma, qual o vínculo funcional ou jurídico e qual o respectivo quadro legal que
o insere na orgânica da Polícia Judiciária portuguesa ou em qualquer outro
organismo do funcionalismo público português;
g) Colocado perante a questão, mal a nosso ver, entendeu o Tribunal de primeira
instância, no que foi secundado pela Veneranda Relação de Lisboa, que a omissão
da tomada do compromisso no caso concreto cai na alçada das meras
irregularidades;
h) Não obstante, no caso o intérprete não foi nomeado nos autos para tradução de
um qualquer documento ou para tradução de um qualquer depoimento ou inquirição
levados a cabo em audiência pública ou privada, na incerteza da existência, ou
não, de alguém que conheça a língua ou o dialecto usados e da tradução feita
poder ser facilmente colocada em causa;
i) Com efeito, no caso que nos ocupa estão em causa direitos, liberdade e
garantias constitucionalmente consagradas, como é o dos princípios da reserva da
intimidade da vida privada e da não ingerência das autoridades nas comunicações
e as traduções a que nos reportamos ocorrem no âmbito do excepcional e apertado
regime das escutas telefónicas, que já de si constitui uma restrição daqueles
princípios constitucionais que se deve limitar ao estritamente necessário à
salvaguarda do interesse, também constitucional, da descoberta de um concreto
crime e punição do seu agente;
j) É pois devido a esta especificidade do quadro em que ocorrem as traduções dos
autos que defendemos que à omissão da tomada do compromisso ao intérprete não
dispensado do mesmo corresponde a proibição de valoração da prova que resulte de
tais traduções;
k) Note-se, desde logo, que nos termos do art.º 120.º, n.º 2, al. c), do C.P.P.
constitui nulidade a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a
considere obrigatória, sendo certo que por sua vez o n.º 8 do art.º 32.º da CRP
e o n.º 3 do art.º 126.º do C.P.P. consignam serem nulas as provas obtidas
mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas
telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, daí que não seja
despicienda a tese que defendemos;
l) No entanto, mal a nosso ver, logo no despacho de primeira instância se
perfilhou a tese de que o compromisso de honra do art.º 91.º, n.ºs 2 e 3, do
C.P.P. não representa uma garantia de defesa do arguido, ou de qualquer sujeito
processual, mas antes tem por função responsabilizar acrescidamente a pessoa que
o preste;
m) Embora não possamos deixar de concordar com a parte final desta afirmação,
não é menos verdade que essa responsabilização acrescida é feita também, e acima
de tudo, no interesse e para garantia de defesa do arguido;
n) E doutra forma não faria sentido já que no caso dos autos, como em tantos
outros, nem sequer foi feita a certificação da conformidade das transcrições
juntas aos mesmos com os suportes magnéticos que serviram de base ao despacho
que as ordenou, como o impõem os art.ºs 188.º, n.º 4, in fine, e 101.º, n.ºs 2 e
3, do C.P.P.;
o) Daí que esta frequente omissão na prática processual venha também confirmar
que o compromisso que é tomado ao intérprete é também uma verdadeira garantia de
defesa no interesse do próprio arguido, para além da responsabilidade acrescida
que em si encerra para o intérprete que o presta;
p) Verdadeiramente a garantia de responsabilização acrescida de quem presta o
compromisso de honra e a garantia da defesa do arguido são, afinal, duas faces
da mesma moeda, e uma não anda arredada da outra.
q) Aliás, o n.º 1 do art.º 32.º da Lei Fundamental estipula justamente que o
processo criminal assegura todas as garantias de defesa e nelas está incluída a
acrescida responsabilização do intérprete por meio do compromisso de honra que
lhe deve ser tomado quando não dispensado.
r) Razão pela qual devem ser consideradas nulas, e não devem ser usadas como
prova, as transcrições de traduções de conversas telefónicas interceptadas em
língua estrangeira quando a tradução tenha sido efectuada por intérprete a quem
não haja sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º
91.º do C.P.P. e que dele não esteja dispensado nos termos do n.º 6 do mesmo
artigo, como é o caso das dos autos que originariamente se encontram em dialecto
crioulo de Cabo Verde;
s) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.ºs 2, 3 e 6 do art.º
91.º, do n.º 1 do art.º 92.º, al. e) do n.º 2 do 120.º, e do n.º 3 do art.º
126.º, todos do C.P.P. é inconstitucional por violação dos princípios da
segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de
defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações,
consagrados nos artigos 2.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da
Constituição da República Portuguesa.
***
Assim, devem tais normas ser julgadas inconstitucionais quando interpretadas e
aplicadas:
a) no sentido de que a ausência de tomada de compromisso de honra por parte de
intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo
previstos no n.º 6 do art.º 91.º do C.P.P., constitui uma mera irregularidade; e
b) no sentido de que a ausência de tomada do compromisso de honra por parte de
intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo
previstos no n.º 6 do art.º 91.º do C.P.P., constitui uma mera irregularidade,
ainda que tal ausência ocorra no âmbito de nomeação para audição e transcrição
de conversas telefónicas interceptadas nos autos.»
O Ministério Público contra-alegou, concluindo:
«1 – Na ausência da invocação de uma questão de inconstitucionalidade normativa
no momento e pela forma processualmente adequada, falta um dos requisitos de
admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea
b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pelo que não deverá conhecer-se do
respectivo objecto.
2 – A não ser assim entendido, e porque a qualificação como irregularidade da
não prestação do compromisso de honra por parte de intérprete nomeado não viola
qualquer norma ou princípio constitucional, não deverá proceder o presente
recurso.»
Notificado o recorrente para, querendo, responder à questão prévia de não
conhecimento do recurso suscitada pelo Ministério Público, nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
A) Questão prévia
4.O Ministério Público suscitou a questão prévia consistente na não suscitação
durante o processo de uma questão de constitucionalidade normativa.
Ora, é verdade que o recorrente, nas alegações de recurso perante o Tribunal da
Relação de Lisboa, não é absolutamente claro na definição da questão de
constitucionalidade que pretende submeter à apreciação do Tribunal
Constitucional. E como o Tribunal Constitucional tem afirmado em jurisprudência
constante (v., por exemplo, o Acórdão n.º 178/95, publicado no Diário da
República, II série, de 21 de Junho de 1995), impõe-se que o recorrente tenha
“(...) indicado (…) o segmento de cada norma, a dimensão normativa de cada
preceito – o sentido ou interpretação, em suma – que [tem] por violador da
Constituição.
De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara
e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República,
2ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma
certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa
interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme
com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o
tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários
daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em
causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.”
Apesar disso, o certo é que o recorrente afirmou o seguinte, nas (transcritas)
da alegação produzida perante o Tribunal da Relação:
“(…)
s) Razão pela qual devem ser consideradas nulas e não devem ser usadas como
prova as transcrições das traduções de intercepções telefónicas em língua
estrangeira cuja tradução haja sido efectuada por intérprete a quem não haja
sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 91.º do
CP.P. e que dele não esteja dispensado nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, como
é o caso das dos autos, que originariamente se encontram em dialecto crioulo de
Cabo Verde.
t) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.ºs 2, 3 e 6 do art.º
91.º, do n.º 1 do art.º 92.º, al. c) do n.º 2 do art. 120.º e do n.º 3 do art.º
126.º, todos do C.P.P. é inconstitucional por violação dos princípios da
segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de
defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações,
consagrados nos artigos 2.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da
Constituição, os quais, de resto, são preceitos de aplicação imediata por força
do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do mesmo diploma fundamental.”
Na perspectiva do recorrente, devem, pois, ser consideradas nulas e não podem
ser usadas como prova, transcrições das traduções de comunicações telefónicas
interceptadas, em língua estrangeira, cuja tradução haja sido efectuada por
intérprete a quem não haja sido tomado o compromisso de honra. Interpretar os
n.ºs 2 e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal no sentido de que a
omissão de prestação do referido compromisso constitui apenas irregularidade,
que se considera sanada se não tiver sido arguida nos termos e dentro do prazo
fixado no artigo 123.º do Código de Processo Penal, é, de acordo com o que o
recorrente sustenta, inconstitucional.
Foi, portanto, definida, de modo suficientemente explícito, uma questão de
constitucionalidade normativa, reportada à qualificação do vício, resultante da
omissão da prestação do compromisso estatuído nos n.ºs 2 e 3 do artigo 91.º do
Código de Processo Penal, por parte de intérprete de comunicações telefónicas em
língua estrangeira, como irregularidade que se encontra sanada se não for
arguida nos termos e dentro do prazo previsto no artigo 123.º do Código de
Processo Penal. Pelo que improcede a questão prévia suscitada e se verificam os
requisitos específicos do presente recurso.
B) Questão de constitucionalidade
5.Nos termos do requerimento de recurso, vem posta em causa a
constitucionalidade “das normas dos n.ºs 2, 3 e 6 do art.º 91.º, do n.º 1 do
art.º 92.º, al. c) do n.º 2 do art. 120.º e do n.º 3 do art.º 126.º, todos do
Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que a ausência de
tomada de compromisso de honra por parte de intérprete, sem que se verifique
qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6 do art.º 91.º
do C.P.P., constitui urna mera irregularidade”, “ainda que tal ausência ocorra
no âmbito de nomeação para audição e transcrição de conversas telefónicas
interceptadas nos autos”.
O recorrente sustenta que tais normas, aplicadas na dimensão dos autos, violam
“os princípios da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das
garantias de defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas
comunicações, constitucionalmente consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.ºs
1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da Lei Fundamental”.
Como salientou o magistrado do Ministério Público em funções neste Tribunal, no
presente processo não está em questão o artigo 120.º, n.º 2, alínea c), do
Código de Processo Penal, porquanto se verificou efectivamente a nomeação de um
intérprete (como o próprio recorrente reconhece a fls. 1566 dos autos na
conclusão f) das suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça),
nem o n.º 6 do artigo 91.º do mesmo Código, por (a fl. 1222 dos autos) ter sido
proferido despacho a considerar que “não foi possível averiguar que tal pessoa
seja membro desse organismo [a Polícia Judiciária] ou a qualquer título
funcionário português”.
Importa ainda precisar que a decisão recorrida não fez tão-pouco aplicação do
disposto no artigo 126.º do Código de Processo Penal (“Métodos proibidos de
prova”), nem, portanto, do seu n.º 6, tendo as instâncias considerado válidas as
traduções realizadas pelo intérprete “não ajuramentado”, como, de igual modo,
reconhece o recorrente (quando aduz a fls. 1565 dos autos que “na formação da
convicção íntima o tribunal de primeira instância socorreu-se das transcrições
das escutas telefónicas cujas conversas foram originariamente mantidas em
dialecto crioulo de Cabo Verde sem que ao respectivo intérprete tenha sido
tomado o legal compromisso”).
Dispõem os n.ºs 2, 3 e 6 do art.º 91.º e o n.º 1 do art.º 92.º do Código de
Processo Penal:
«Artigo 91.º (Juramento e compromisso)
(…)
2 – Os peritos e os intérpretes prestam, em qualquer fase do processo, o
seguinte compromisso:
«Comprometo-me, por minha honra, a desempenhar fielmente as funções que me são
confiadas».
3 – O juramento e o compromisso referidos nos números anteriores são prestados
perante a autoridade judiciária competente, a qual adverte previamente quem os
dever prestar das sanções em que incorre se os recusar ou a eles faltar.
(…)
6 – Não prestam o juramento e o compromisso referidos nos números anteriores:
a) Os menores de 16 anos;
b) Os peritos e os intérpretes que forem funcionários públicos e intervierem no
exercício das suas funções.
(…)
Artigo 92.º (Língua dos actos e nomeação de intérprete)
1 – Nos actos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua
portuguesa, sob pena de nulidade.
(…)»
A interpretação destas normas que está em causa é, porém, apenas aquela segundo
a qual a omissão da prestação de compromisso por parte de intérprete de
comunicações telefónicas interceptadas em língua estrangeira constitui mera
irregularidade, que se considera sanada se não tiver sido arguida nos termos e
dentro do prazo previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal.
Apesar de o recorrente invocar igualmente o n.º 6 do artigo 91.º e o n.º 1 do
artigo 92.º do Código de Processo Penal, esta interpretação pode, porém, ser
reconduzida simplesmente aos n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º (não existindo
dúvida de que o intérprete em causa estava sujeito à prestação do compromisso de
honra e de que no processo foi utilizada a língua portuguesa).
6.O Tribunal Constitucional não apreciou ainda a questão de constitucionalidade
que se acabou de identificar. Mas este Tribunal teve já ocasião de se pronunciar
sobre questões próximas relativas à qualificação de vícios de actos praticados
na presença do arguido. Assim, no Acórdão n.º 350/2006 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) num caso em que estava em causa uma invalidade
processual praticada na presença do arguido, assistido por defensor, tendo-se
dito nesse aresto:
“(…)
A questão de constitucionalidade em apreço há-de, pois, ser apreciada tendo
fundamentalmente em causa o princípio das garantias de defesa, consagrado no
artigo 32.º, n.º 1, da CRP, conjugado com o princípio do contraditório, tendo, a
este propósito, este Tribunal reiteradamente expendido o entendimento que o
citado Acórdão n.º 429/95 formulou do seguinte modo:
“9 – Nos termos do artigo 32.º da Constituição, «o processo criminal assegurará
todas as garantias de defesa» (n.º 1), estabelecendo o n.º 5 do preceito que «o
processo penal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os
actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do
contraditório».
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, 1993, Coimbra, p. 202), «a fórmula do
n.º 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste
artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia,
este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas
as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de
decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do
arguido em processo criminal».
Porém, ao invocar‑se no preceito em questão o próprio princípio da defesa,
está‑se a chamar à colação o «núcleo essencial» de tal princípio, podendo assim
atribuir‑se a tal norma «um eminente conteúdo normativo imediato a que se pode
recorrer directamente, em caso limite, para inconstitucionalizar certos
preceitos da lei ordinária» (cf. Figueiredo Dias, A Revisão Constitucional, o
Processo Penal e os Tribunais, p. 51, e o Acórdão n.º 164, da Comissão
Constitucional, Apêndice ao Diário da República, I Série, de 30 de Dezembro de
1986).
A norma do n.º 1 do artigo 32.º, enquanto «cláusula geral» que permita
identificar outras possíveis concretizações judiciais do princípio da defesa não
referenciadas no preceito, não pode deixar de configurar o processo criminal
como um due process of law que considere ilegítimas quer normas processuais quer
procedimentos decorrentes das mesmas que impliquem um encurtamento inadmissível
das possibilidades de defesa do arguido (neste sentido, Acórdãos n.ºs 337/86 e
61/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º e 11.º vols., pp. 277 e 611,
respectivamente).
Por outro lado, o princípio do contraditório, expressamente referido no n.º 5 do
artigo 32.º da Constituição, deve subordinar não só a audiência de julgamento
como também todos os actos instrutórios que a lei determinar.
O processo penal de um Estado de direito deve realizar primordialmente dois
objectivos essenciais: por um lado, permitir que o Estado realize o direito de
punir e, por outro lado, permitir que, na realização de tal finalidade, sejam
concedidas aos cidadãos as garantias indispensáveis para os proteger contra
eventuais abusos de tal poder de punir. Para concretizar tais fins, as garantias
de defesa impõem a observância de princípios processuais criminais
constitucionalizados, como é o caso do princípio do acusatório (um dos
princípios estruturantes da constituição processual penal), do princípio do
contraditório, do princípio da igualdade de armas, dos princípios da oralidade
e da imediação.
No que respeita ao princípio do contraditório aqui em questão, escrevem Gomes
Canotilho e Vital Moreira (ibidem, p. 206): «Relativamente aos destinatários ele
significa: a) dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação
e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão;
b) direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser
afectados pela decisão, de forma a garantir‑lhes uma influência executiva no
desenvolvimento do processo; c) em particular, o direito de o arguido intervir
no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos
ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o
que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo (cfr.
Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 54/87 e 154/87)».
Os mesmos autores referem que «quanto à sua extensão processual, o princípio
abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição, e em especial a
audiência de discussão e julgamento e os actos instrutórios que a lei
determinar, devendo estes ser seleccionados sobretudo de acordo com o princípio
da máxima garantia de defesa do arguido» (ibidem).
O princípio traduz‑se, assim, na estruturação da audiência e dos outros actos
instrutórios que a lei determinará, como uma discussão entre a acusação e a
defesa, em que se procura também realizar a igualdade de armas entre os sujeitos
do processo, cada um apresentando os seus argumentos e as suas provas,
submetendo uns e outros ao controlo das razões e das provas apresentadas pelos
outros sujeitos, assim participando activamente na formação da decisão que vier
a ser tomada pelo juiz.”
2.4. Este mesmo Acórdão n.º 429/95, a propósito do regime das invalidades
processuais penais, apresentou a seguinte síntese:
“7 – O artigo 118.º do CPP estabelece que «a violação ou a inobservância das
disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta
for expressamente cominada na lei» (n.º 1); quando assim não suceder, o acto
ilegal é irregular (n.º 2). A norma enuncia o princípio da tipicidade ou da
legalidade, pelo qual só algumas das violações das normas processuais é que têm
como consequência a nulidade do respectivo acto, sendo razões de economia
processual as que baseiam tal diferenciação.
Dentro das nulidades, o Código de Processo Penal distingue as nulidades
insanáveis (ou absolutas), a que se refere o artigo 119.º, e as nulidades
dependentes de arguição (ou nulidades relativas), a que se referem os artigos
120.º e 121.º. O artigo 122.º regula os efeitos de declaração de nulidade e o
artigo 123.º estabelece o regime das irregularidades.
As nulidades insanáveis são as que constam do artigo 119.º do CPP e ainda as que
forem, como tal, identificadas em outras disposições do código. Os
comportamentos elencados nas seis alíneas do artigo 119.º respeitam à
constituição do tribunal colectivo ou às regras que regulam a sua composição
(alínea a)), à falta de promoção do processo pelo Ministério Público e à
ausência deste em actos a que devia estar presente (alínea b)), à ausência do
arguido e seu defensor quando devam estar presentes (alínea c)), à falta de
inquérito ou de instrução quando sejam obrigatórios (alínea d)), à violação das
regras de competência do tribunal, com ressalva do n.º 2 do artigo 32.º (alínea
e)), e, por fim (alínea f)), refere a norma, como fundamento de nulidade
insanável, o emprego de forma de processo especial em casos não previstos
legalmente.
De acordo com o n.º 1 do artigo 120.º, «qualquer nulidade diversa das referidas
no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à
disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte».
Ao contrário das nulidades ditas insanáveis, as restantes nulidades ficam
sanadas se os interessados renunciarem expressamente à sua arguição, tiverem
aceite expressamente os efeitos do acto ou se tiverem prevalecido de faculdade a
cujo exercício o acto anulável se dirigia. Também não é possível conhecer
oficiosamente das nulidades ditas relativas, que funcionam apenas ope
exceptionis, mostrando que elas tutelam predominantemente interesses privados,
decorrendo também de tal estrutura funcional que o acto processual é
originalmente válido, assim se mantendo se e enquanto a pessoa interessada o não
invalidar, exercitando o direito de arguição. Com efeito, só podendo ser
conhecidas mediante suscitação de quem tem interesse na observância da
disposição processual violada ou omitida, se o interessado não proceder à sua
arguição dentro do prazo legalmente fixado, a lei considera o acto como válido,
pese embora o vício que o afecta.
De acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 120.º do CPP, são as seguintes as
regras quanto à oportunidade de arguição das nulidades relativas: se a nulidade
respeitar a acto a que o interessado assiste, deve argui‑la antes que a
realização do acto seja dada por finda; se o não fizer, fica precludida a
possibilidade de o fazer mais tarde (alínea a)); se a nulidade consistir em erro
na forma do processo, o prazo de arguição é de cinco dias a contar da
notificação do despacho que designou dia para a audiência (alínea b)); se a
nulidade disser respeito ao acto de inquérito ou de instrução a que o
interessado não tenha estado presente, o prazo de arguição é o proferimento da
decisão instrutória; não tendo havido instrução, o prazo é de cinco dias após a
notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (alínea c)), se a
nulidade disser respeito a acto relativo a uma forma de processo especial
(sumário e sumaríssimo), o prazo da sua arguição é o início da audiência
(alínea d)).
De acordo com o preceituado no artigo 122.º do CPP, «as nulidades tornam
inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e
aquelas puderem afectar» (n.º 1), devendo a declaração de nulidade determinar
quais os actos inválidos e ordenar – se necessário e possível – a sua repetição
com custas por quem, culposamente, deu causa à nulidade (n.º 2), aproveitando
todos os actos que puderem ser salvos (n.º 3).”
2.5. Foi no contexto assim delineado que, como se referiu, o Tribunal já foi
chamado a apreciar distintas situações de invalidades processuais praticadas na
presença do arguido, assistido por defensor.
No caso do Acórdão n.º 429/95, o juízo de não inconstitucionalidade então
emitido foi assim alicerçado:
“8 – Voltando ao caso dos autos, constata-se que da acta de julgamento não
decorre que, tendo os co‑arguidos sido ouvidos separadamente, o presidente do
tribunal os tenha informado, uma vez regressados todos à audiência, do que na
sua ausência se tinha passado. Esta omissão – a ter de facto ocorrido, como os
recorrentes referem – consubstancia uma nulidade que, na falta de referência
expressa da lei, se tem de ter por uma nulidade dependente de arguição e, por
isso mesmo, sanável até ao termo da audiência, à face do Código de Processo
Penal — artigos 119.º, 120.º e 121.º.
Os recorrentes, porém, questionam esta interpretação feita na decisão,
propugnando a sua inconstitucionalidade, por entenderem que ela viola o
princípio das garantias de defesa do arguido e o princípio do contraditório,
constantes do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição, na medida em que tal
nulidade depende de arguição dentro de um prazo.
Vejamos se assim é, de facto.
9 – [transcrito supra, 2.3]
A consideração da omissão de informação por parte do presidente do tribunal do
que se passou na audiência durante a ausência dos arguidos, no caso de prestação
de declarações separadas, como nulidade dependente de arguição e sanável se não
for arguida até ao final da audiência, implicará a violação destes princípios da
defesa do arguido e do contraditório?
10 – O que os recorrentes verdadeiramente questionam é a conformidade
constitucional das normas que estabelecem nulidades relativas, dependentes de
arguição e sanáveis, designadamente quando tais nulidades resultem de violação
do princípio do contraditório e possam afectar as garantias de defesa do
arguido.
As nulidades a que se referem os artigos 118.º a 123.º do CPP reportam‑se apenas
aos vícios formais, isto é, à inobservância das prescrições legais estabelecidas
para a prática dos actos processuais. Uma vez que estes actos se inserem e
constituem a complexa unidade que é o processo, em que cada acto é condicionado
pelo precedente e condiciona o [subsequente], um acto viciado contamina os
subsequentes e pode afectar o termo do próprio processo – a decisão. Porém, não
pode ignorar‑se que, face à comunicação de um vício formal aos actos
subsequentes, os danos resultantes da declaração de nulidade podem ser muito
graves, levando inclusivamente à perda do direito que se pretende obter, desde
logo, por exemplo, por se não poderem já repetir certas provas.
Assim, exigências deste tipo levam a que o legislador não coloque todos os
vícios formais no mesmo plano e venha a graduar os seus efeitos de acordo com a
respectiva gravidade, função que tem o princípio da tipicidade dos vícios.
Ora, a omissão do dever de informação, que parece ter ocorrido nos presentes
autos, envolve claramente um vício processual que a lei qualifica de nulidade e
que, tendo ocorrido no decurso de um acto – a audiência – a que os recorrentes
estiveram presentes (salvo durante a audiência dos co‑arguidos), tinha de ser
arguida pelos interessados até ao termo da respectiva audiência – o que não foi
feito.
É manifesto que não tendo o presidente informado os arguidos do que se tinha
passado na audiência durante a sua ausência logo que todos a ela regressaram,
tal omissão podia afectar o direito de defesa de cada um dos co‑arguidos,
impedindo o exercício do direito destes de contraditarem o que fora dito, visto
tratar‑se de matéria de que lhes não fora dado conhecimento.
Mas o direito de defesa, e o direito ao contraditório que neste se tem de
considerar incluído, está, no caso, garantido pela cominação legal de uma
nulidade, cujo prazo de exercício dura tanto tempo quanto tempo durar a própria
audiência. Assim, cada um dos co‑arguidos, devidamente representado pelo
defensor, pôde, enquanto durou a audiência de discussão e julgamento da causa e
até ao seu termo, arguir tal nulidade, que, a ter‑se de facto praticado, levaria
a que o presidente reparasse a omissão praticada e assim repusesse, em pleno, o
direito de contraditar o que fora dito pelos co‑arguidos na ausência do
arguente.
Com efeito, como bem faz ressaltar o Procurador‑Geral Adjunto neste Tribunal
nas suas alegações, no processo penal existem outros valores relevantes para
além do direito da defesa à obtenção de uma sentença absolutória:
– o dever de diligência do arguido – e, muito em particular, do defensor que
obrigatoriamente o deve assistir ao longo do processo (e da audiência) – que
obviamente deverão de imediato reagir contra as nulidades ou irregularidades
que considerem cometidas e entendam relevantes, na perspectiva de defesa, não
podendo naturalmente escudar‑se na sua própria negligência no acompanhamento
das diligências ou audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento
da lei relativamente a que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência
normal, não puderam deixar de se aperceber;
– dever de boa fé processual, que naturalmente impedirá que possam – arguido e
defensor – ser tentados a aproveitar‑se de alguma omissão ou irregularidade
porventura cometida ao longo dos actos processuais em que tiveram intervenção,
guardando‑a como um «trunfo» para, em fase ulterior do processo, se e quando tal
lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado.
Mas, para além destas considerações, o que importa ponderar é que, em casos como
o dos autos, em que o defensor esteve sempre presente em todos os actos da
audiência, o facto de a lei de processo cominar com a sanção da nulidade a
omissão do dever de informação por parte do presidente do tribunal do teor das
declarações dos co‑arguidos a que cada um deles não assistiu, logo que todos
tenham regressado à audiência, é forma suficiente de dar cumprimento ao direito
do contraditório.
Com efeito, praticada nulidade na audiência, estando presentes todos os
co‑arguidos interessados na sua eventual arguição, fica esta apenas dependente
de um acto do interessado, concedendo a lei um prazo suficientemente dilatado
para o fazer: até ao termo da audiência.
Torna‑se, assim, manifesto que o procedimento em causa, ao impor ao interessado
a arguição da nulidade dentro de um prazo razoável para poder dar‑se plena
exequibilidade ao direito de defesa do arguido não informado do teor das
declarações dos outros co‑arguidos, não implica um encurtamento inadmissível das
possibilidades de defesa do mesmo arguido. Verdadeiramente, nem sequer se
poderá falar de qualquer «encurtamento», pois o direito de contraditório apenas
necessita para se desenvolver de pleno, como se referiu, da dedução pelo
interessado da nulidade praticada.
É que a garantia do direito de defesa está ressalvada pela norma em causa;
apenas exige que seja o arguido a desencadear atempadamente tal direito,
arguindo o acto de nulo, ou logo após o cometimento da omissão da exigência
legal ou até ao termo de respectiva audiência.
Os recorrentes não deixaram, por isso, de ver garantido o seu direito de
conhecerem e de se pronunciarem sobre todos os factos, meios de prova, razões ou
argumentos carreados para a audiência de julgamento, tendo tido a possibilidade
de participarem na formação da decisão, quer pela forma positiva quer pelo seu
comportamento de, podendo arguir a nulidade em causa, não o terem feito dentro
do respectivo prazo.
Entende‑se, nestas circunstâncias, que deve improceder a arguição de
inconstitucionalidade da norma do artigo 343.º, n.º 4, conjugada com a do artigo
120.º, ambos do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que
a nulidade expressamente prevista no referido n.º 4 é sanável se arguida até ao
termo da audiência, pois tal entendimento não viola nem o princípio do
contraditório nem o das garantias de defesa, constantes dos n.ºs 1 e 5 do artigo
32.º da Constituição da República.”
No Acórdão n.º 208/2003, confrontado com a questão de saber “se é materialmente
inconstitucional, designadamente por violação do princípio das garantias de
defesa, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação
normativa dos artigos 123.º e 363.º do Código de Processo Penal, que se traduz
em considerar que a omissão de documentação das declarações orais prestadas em
audiência perante o tribunal colectivo constitui mera irregularidade, que deve
ser arguida até ao final da audiência”, o Tribunal Constitucional, após
recordar a sua jurisprudência sobre o sentido e alcance do artigo 32.º, n.º 1,
da CRP, consignou:
“Do que antecede decorre que a resposta à questão de constitucionalidade que
agora vem colocada depende da questão de saber se a imposição ao arguido de que
suscitasse, durante a audiência perante o tribunal colectivo, o vício
procedimental nela verificado e traduzido na omissão de documentação das
declarações orais nela prestadas, traduz ou não uma «diminuição inadmissível,
um prejuízo insuportável e injustificável» (para usar as palavras do citado
Acórdão n.º 61/88), das suas garantias de defesa.
Julgamos, efectivamente, que não.
Desde logo haverá que referir que a solução se justifica, manifestamente, por
evidentes razões de celeridade e economia processuais. Na realidade, não se
perceberia que, agindo o arguido ou o seu defensor com a devida diligência e boa
fé e tendo detectado o vício procedimental, ou tendo obrigação de o detectar,
nessa fase processual, pudessem deixar que a audiência continuasse a decorrer
como se nada de irregular se passasse, para só mais tarde, já em fase de
recurso, o virem então invocar.
Acresce – como, bem, evidencia o Ex.mo Procurador‑Geral Adjunto na sua alegação
– que a imposição ao arguido, necessariamente assistido no processo por um
defensor, do ónus de invocar no decurso da audiência – que, no caso dos
presentes autos, até se prolongou por vários meses – um vício procedimental que
nela está precisamente a acontecer – e, que, portanto, não deveria passar
despercebido a um acompanhamento diligente dessa fase processual –
manifestamente não implica um cerceamento inadmissível ou insuportável das suas
possibilidades de defesa que se tenha de considerar desproporcionado ou
intolerável, em termos de consubstanciar solução constitucionalmente
censurável, na perspectiva do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Não poderá, por isso, sequer afirmar‑se que aqueles objectivos de celeridade e
economia processuais sejam, neste caso, alcançados à custa de uma intolerável
diminuição das garantias de defesa do arguido.”
Finalmente, no Acórdão n.º 203/2004, o Tribunal Constitucional julgou
inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a norma constante
do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, interpretada no sentido de ela impor a arguição,
no próprio acto, de irregularidade cometida em audiência de julgamento (no
caso, a falta de documentação da prova produzida em julgamento por deficiência
técnica de videoconferência), perante tribunal singular, independentemente de
se apurar da cognoscibilidade do vício pelo arguido, agindo com a diligência
devida. Começando por recordar a anterior jurisprudência do Tribunal, terminando
com a citação do Acórdão n.º 208/2003, ponderou‑se:
“Atendendo, em particular, a este último acórdão [o Acórdão n.º 208/2003],
importa salientar que decisivo para o juízo de não inconstitucionalidade ali
formulado foi o entendimento de que impende sobre o arguido ou seu defensor,
agindo com a devida diligência e boa fé, a obrigação de detectar o vício
procedimental que ocorre no decurso da audiência de julgamento perante tribunal
colectivo e consistente na omissão de documentação das declarações orais nela
prestadas.
É diversa a situação no caso em que a omissão se traduz, como se disse, na não
gravação de depoimento oral prestado em videoconferência durante uma audiência
de julgamento que decorre perante juiz singular e onde não ocorreu renúncia ao
recurso em matéria de facto.
E vale para iluminar essa mesma situação que dos autos resulta ter o defensor do
recorrente solicitado – e com insistência – à Juíza que presidia ao julgamento a
verificação do efectivo registo da gravação em perfeitas condições técnicas, o
que sempre foi recusado.
Ora, se a qualificação como «irregularidade», para efeitos do disposto no artigo
123.º, n.º 1, do CPP, pressupõe, como se diz no acórdão do STJ de fixação de
jurisprudência n.º 5/2002, in Diário da República, I Série‑A, de 17 de Julho de
2002, uma «violação de lei processual» que se reporta «a uma norma que tutela
interesses de menor gravidade», tal não significa que seja sempre assim, podendo
até a «irregularidade» pôr em causa a validade do acto processual, caso em que o
n.º 2 do preceito permite a sua reparação oficiosa.
Não se quer com isto dizer que, no caso, a «irregularidade» afectasse a validade
do julgamento. De todo o modo, ela pode afectar interesses ou direitos
constitucionalmente protegidos dos arguidos.
O caso é, aliás, disso exemplo, pois, segundo o recorrente – que não tinha
renunciado ao recurso em matéria de facto – era importante para a sua defesa,
por via de recurso, o depoimento que não foi registado na gravação da
videoconferência.
Mas, sendo assim, não pode deixar de se reconhecer que prescindir da indagação
sobre a diligência e zelo do interessado no conhecimento da omissão verificada,
tida como irregularidade, para decretar a intempestividade da arguição por não
ter sido feita no acto, é modelar o processo penal com um unfair process, não
equitativo, e, como tal, lesivo dos direitos de defesa do arguido garantidos
pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
Mesmo que a exigência de arguição de irregularidade no próprio acto seja
eventualmente justificada por estarem em jogo «interesses de menor gravidade»,
sempre será desproporcionada a restrição daqueles direitos quando se considera
irrelevante a cognoscibilidade do vício em causa.”
2.6. No presente caso, diferentemente da situação sobre que recaiu o Acórdão n.º
203/2004, é patente e não vem sequer questionada a cognoscibilidade da
irregularidade cometida e, por outro lado, está assente que o arguido, assistido
pelo mandatário constituído, esteve presente no acto em que foi proferido o
decretamento da prisão preventiva, sem que previamente, sobre a promoção do
Ministério Público nesse sentido, tivesse sido ouvida a defesa nem invocada
qualquer razão para considerar impossível ou inconveniente essa audição.
Saliente‑se que defensor do arguido era um advogado por ele constituído, o que
indicia uma relação de confiança pessoal e de reconhecimento de competência
técnica por parte do arguido, e não um defensor oficioso, designadamente
defensor nomeado ad hoc para o acto.
Tratando‑se de um vício de fácil detecção, directa e imediata, e encontrando‑se
o arguido pessoalmente assistido no acto por profissional forense por ele
constituído, não se afigura que constitua um ónus excessivo, intolerável ou
desproporcionado a imposição da arguição, no próprio acto, da irregularidade
efectivamente cometida, em termos de fulminar a interpretação normativa seguida
no acórdão recorrido com um juízo de inconstitucionalidade, por violação das
garantias de defesa e dos princípios do contraditório e da proporcionalidade.”
7.As considerações que se acaba de transcrever, desde logo sobre o regime das
invalidades processuais penais, merecem ser reiteradas no presente caso. Não
sendo expressamente cominada a nulidade da inobservância do disposto nos n.ºs 2
e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal, a violação desta norma
processual tem como consequência a irregularidade da omissão da prestação de
compromisso, sendo, como se afirmou, razões de economia processual as que
baseiam tal diferenciação.
Reconhece-se ainda no aresto transcrito que a qualificação como irregularidade
pode afectar interesses ou direitos constitucionalmente protegidos dos arguidos.
Isto é, à luz das normas e princípios constitucionais, a circunstância de
estarem em causa elementos de prova obtidos mediante intercepção de
telecomunicações, só por si, não impede a qualificação da invalidade verificada
como irregularidade. Há, em particular, que atentar na questão de saber se, de
acordo com o referido ónus de diligência, o vício em causa podia ser logo
detectado, recaindo sobre o arguido, e seu defensor, o ónus de “de imediato
reagir contra as nulidades ou irregularidades que considerem cometidas e
entendam relevantes, na perspectiva de defesa, não podendo naturalmente
escudar‑se na sua própria negligência no acompanhamento das diligências ou
audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento da lei
relativamente a que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência normal,
não puderam deixar de se aperceber”. E há ainda que ter em conta o dever de boa
fé processual, que “naturalmente impedirá que possam – arguido e defensor – ser
tentados a aproveitar‑se de alguma omissão ou irregularidade porventura
cometida ao longo dos actos processuais em que tiveram intervenção, guardando‑a
como um «trunfo» para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça
conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado”.
Sem que existam elementos no processo para se poder afirmar positivamente que
este dever de boa fé não foi cumprido, o certo é, porém, que o vício em questão
podia, e devia, ter sido verificado anteriormente, pelo acompanhamento diligente
do processo, sem que tal constituísse qualquer ónus particularmente oneroso.
Reiterando o que este Tribunal afirmou no transcrito acórdão n.º 350/2006,
também no presente caso, a imposição ao arguido de que suscitasse, nos termos e
dentro do prazo previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal, o vício
procedimental traduzido na omissão de prestação do compromisso estatuído nos
n.ºs 2 e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal, não traduz uma diminuição
desproporcionada das suas garantias de defesa.
Deve notar-se, desde logo, que a prestação do compromisso de honra previsto no
artigo 91.º, n.º 2, do Código de Processo Penal visa possibilitar que o
intérprete exerça funções atribuindo-se fé pública ao resultado da sua
actividade (atente-se em que estão dispensados da prestação do compromisso os
“peritos e os intérpretes que forem funcionários públicos e intervierem no
exercício das suas funções”, nos termos do artigo 91.º, n.º 6, alínea b), do
Código de Processo Penal). O intérprete deve ser advertido na prestação do
compromisso das sanções em que incorre se faltar a ele, incorrendo, por esse
facto, em mais grave responsabilidade criminal, nos termos do artigo 360.º, n.º
3, do Código Penal (crime de “falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou
tradução). Deve notar-se, porém, que mesmo na falta de prestação de compromisso
de honra, o tradutor ou intérprete que, perante tribunal ou funcionário
competente para receber como meio de prova ou tradução, fizer tradução falsa, “é
punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior
a 60 dias”, nos termos do artigo 360.º, n.º 1, do mesmo Código.
No presente caso, porém, não foi posta em causa a conformidade da tradução,
invocando-se a sua falsidade, nem na primeira instância (sendo esse um dos
motivos do despacho proferido na audiência), nem no presente recurso. Antes está
apenas em causa a inexistência (com registo nos autos) da prestação do
compromisso de honra previsto no artigo 91.º, n.º 2, do Código de Processo
Penal. Considerou-se que tal falta, constituíra uma irregularidade, contra a
qual o arguido tinha podido reagir – pelo que não está em causa prescindir sem
mais de um acto legalmente previsto, destinado em primeira linha a possibilitar
o exercício de funções pelo intérprete, alertando-o para a sua responsabilidade
e obtendo o correspondente compromisso. As garantias de defesa do arguido
constitucionalmente consagradas não impõem, porém, que, na falta de tal
compromisso, e na falta de invocação, pelo próprio arguido, da correspondente
irregularidade, o processo tenha de ficar ferido de nulidade.
Na verdade, qualquer ofensa aos direitos e garantias fundamentais devido à
omissão da prestação de compromisso por parte de intérprete de intercepções
telefónicas em língua estrangeira podia ter sido sanada se o arguido, agindo com
a prudência e diligência normal, se tivesse apercebido – como podia ter – desse
vício e se tivesse logo reagido, como lhe incumbia (para o Ministério Público,
indagando sobre a diligência e zelo do interessado no conhecimento da omissão
verificada, tida como irregularidade, caberia mesmo “ao recorrente arguir a
irregularidade, se não antes, pelo menos nos três dias seguintes a ser
notificado da acusação, altura em que teve pleno acesso ao processo”, pois então
tomou, ou podia ter tomado, conhecimento efectivo de todas as decisões
proferidas nos autos). Esses ónus de diligência e boa fé processual não se
afiguram excessivamente pesados, nem constituem obstáculos significativos ao
exercício da defesa pelo arguido. E, correspondentemente, a qualificação do
vício resultante da falta do compromisso de honra do intérprete como mera
irregularidade não põe em causa as garantias de defesa do arguido (mormente
quando este não é impedido de invocar a falsidade da tradução) nem compromete a
equidade do processo criminal (sobre o desrespeito dos direitos do arguido que
compromete globalmente a equidade do processo, v. as referências de
jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Ireneu Cabral
Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada, 3.ª ed., Coimbra,
Coimbra Ed., 2005, art. 6.º, p. 165).
8.Nestes termos, não é de considerar incompatível com as normas constitucionais
invocadas pelo recorrente (os artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs
1 e 4, da Constituição), a qualificação do vício resultante da omissão da
prestação do compromisso estatuído nos n.ºs 2 e 3 do artigo 91.º do Código de
Processo Penal, por parte de intérprete de intercepções telefónicas em língua
estrangeira, como mera irregularidade.
E há, assim, que negar provimento ao presente recurso.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar improcedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público;
b) Não julgar inconstitucional o artigo 91.º, n.ºs 2 e 3, do Código de
Processo Penal, na interpretação segundo a qual a omissão da prestação de
compromisso de honra por parte de intérprete de comunicações telefónicas em
língua estrangeira constitui mera irregularidade, que se considera sanada se não
tiver sido arguida nos termos e dentro do prazo fixado no artigo 123.º do Código
de Processo Penal;
c) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão
recorrido, no que à questão de constitucionalidade respeita;
d) Condenar o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em
20 ( vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Março de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos