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Processo n.º 340/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, os ora
reclamantes, A. e outro, notificados do acórdão que negou a revista, vieram aos
autos apresentar o seguinte requerimento:
“[...] não se conformando, vêm do mesmo interpor recurso para o Tribunal
Constitucional nos termos do disposto no art.° 72° e seguintes da Lei do
Tribunal Constitucional, e art.° 687° do Código de Processo Civil, com
fundamento na aplicação de norma ferida de ilegalidade e inconstitucionalidade,
e bem assim, pela violação do princípio constitucional constante dos art.° 13° e
art.° 65° da Constituição da República Portuguesa.[…]”.
2. O Conselheiro relator do processo no STJ proferiu, então, o seguinte
despacho:
“Com o seu requerimento de fls. 343, pretendem os embargantes interpor recurso
do acórdão de fls. 339 e 340 para o Tribunal Constitucional.
Referem que o fazem nos termos dos artigos 72º e seguintes da Lei do Tribunal
Constitucional, com fundamento na aplicação de norma ferida de ilegalidade e
inconstitucionalidade e, bem assim, pela violação do princípio constitucional
constante dos artigos 13º e 65º da Constituição da república Portuguesa.
Cumpre decidir.
O n.º 1 do artigo 70º da lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, estabelece as
decisões de que pode recorrer-se para o Tribunal Constitucional.
Os embargantes não aludem a alguma das suas alíneas como justificação para a
legitimidade do recurso que querem interpor.
Ora, como facilmente se constata, não ocorre qualquer das situações previstas
nas diversas alíneas do citado artigo 70º, n.º 1.
Acresce que, nos recursos já interpostos, os embargantes não suscitaram qualquer
questão de inconstitucionalidade (cfr. artigo 72º, n.º 2, do indicado diploma).
Sendo assim, é manifesto que o recurso para o Tribunal Constitucional é
inadmissível.
Nestes termos, e por legalmente inadmissível, não admito o recurso para o
Tribunal Constitucional interposto pelos embargantes.[...]”.
3. Desta decisão foi interposta reclamação, através do seguinte requerimento:
“[...], notificados do despacho de fis 344 que não admite o recurso interposto
para o Ilustre Tribunal Constitucional com fundamento em ser o mesmo legalmente
inadmissível em virtude de não indicarem os Recorrentes nenhuma das alíneas do
art.° 70° n.° 1 da Lei do Tribunal Constitucional para justificar a legitimidade
do mesmo, vem do mesmo perante V. Ex.a apresentar, nos termos do disposto no
art.° 688° e art.° 689° do Código de Processo Civil, RECLAMAÇÃO nos termos e com
os fundamentos seguintes:
Nos termos do disposto no art.° 6° da Lei do Tribunal Constitucional (LTC),
constante da Lei 28/82 de 15 de Novembro, compete ao Tribunal Constitucional
apreciar a inconstitucionalidade e ilegalidade nos termos do art.° 277° da
Constituição da República Portuguesa (CRP), que determina que são
inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na CRP ou nos princípios
nela consignados.
Facilmente se depreende e verifica estarmos perante uma decisão
inconstitucional, por, na aplicação das regras jurídicas que, quando analisadas
isoladamente nen[h]um problema de inconstitucionalidade levantam, na sua
aplicação ao caso concreto, conduzem à inconstitucionalidade da decisão.
Fundamenta o Ilustre Supremo Tribunal de Justiça a inadmissibilidade do recurso
por não justificarem os ora Reclamantes a legitimidade do mesmo no art.° 70º da
LTC, determinando que o mesmo é legalmente inadmissível.
Ora, estabelece a LCT, nomeadamente no seu art.° 51° n.° 3, que a falta,
insuficiência ou manifesta obscuridade do requerimento de recurso, determina que
seja o Requerente notificado para suprir as suas deficiências, só existindo não
admissão do mesmo quando formulado por pessoa ou entidade sem legitimidade,
quando for extemporâneo ou quando as deficiências não forem supridas.
O requerimento foi apresentado em tempo, e as partes são as legítimas.
Considerando eventuais deficiências do mesmo, e ainda que não tenham sido as
partes convidadas a supri-las, sempre se corrige, ou completa, nos termos
seguintes.
Existe inconstitucionalidade por omissão sempre que não se apliquem as normas
legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas ou princípios
constitucionais. Ou seja, e no caso concreto, a não aplicação, conforme
sobejamente invocado pelos ora Reclamantes, da norma constante do art.° 334° do
Código Civil (CC)e do instituto de abuso de direito, conduz á não aplicação do
disposto no art.° 13°.e art.° 65° da CRP, determinando com isso a
inconstitucionalidade da decisão por omissão, por não aplicação do regime e dos
princípios referidos.
Os ora Reclamantes, cidadãos de nacionalidade brasileira, reclamaram
incessantemente, legal e fundamentadamente, a aplicação desse instituto por se
encontrarem verificados os seus pressupostos, aplicação essa cuja recusa
conduziu á ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão porque contrária aos
princípios constitucionais consignados no art.° 13° e art.° 65° da CRP.
Ao abrigo do art.° 62° e seguintes, por remissão do art.° 68° da LTC,
encontram-se verificados os requisitos e legitimidade para recurso para o
Tribunal Constitucional para fiscalização da inconstitucionalidade por omissão.
[...]”
4. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou nos seguintes termos:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento sério, apenas
revelando a argumentação expendida pelo reclamante que não tem na devida conta a
matéria da natureza e pressupostos do recurso de fiscalização concreta – supondo
erroneamente que ao Tribunal Constitucional cabe apreciar da “não aplicação” de
normas de direito infraconstitucional, determinada por razões que se prendem
exclusivamente com a interpretação e aplicação dos regimes nelas estatuídos.
É, por outro lado, absurda a invocação, no âmbito da fiscalização concreta, do
regime previsto no art. 51º, n.º 3 da Lei n.º 28/82, bem como a insólita
referência à figura de inconstitucionalidade «por omissão»”.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
5. Nos termos do artigo 72º, nº 2, da LTC, o recurso previsto na alínea b) do nº
1 do artigo 70º do mesmo diploma respeita à constitucionalidade de normas e só
pode ser interposto “pela parte que haja suscitado a questão de
inconstitucionalidade […] de modo processualmente adequado perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida […]”. Quer isto dizer, em síntese, que a
admissibilidade do recurso ali previsto depende de se tratar de uma questão de
constitucionalidade normativa e de o recorrente ter confrontado o tribunal a
quo, antes de ter sido proferida a decisão recorrida, com a questão da
inconstitucionalidade da norma que pretende ver apreciada.
Ora, no caso dos autos, é patente que nem no requerimento de interposição do
recurso, nem na reclamação apresentada, os ora reclamantes colocam qualquer
questão de constitucionalidade normativa, limitando-se a invocar uma alegada
inconstitucionalidade da decisão por omissão (sic) e invocando normas (artigo
51º, n.º 3 da LTC) respeitantes à fiscalização abstracta de constitucionalidade
para o requerimento da qual carecem de total legitimidade. Estando, porém, em
causa uma alegada inconstitucionalidade da decisão não há lugar ao recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade. Assim resulta do disposto no
artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82, e assim tem sido
afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões, pelo que não podia o
mesmo ser admitido.
Acresce que os ora reclamantes também não suscitaram, perante o Tribunal que
proferiu a decisão de que pretendiam recorrer para o Tribunal Constitucional,
qualquer questão de constitucionalidade normativa. Não o tendo feito, há
manifesta falta de um dos pressupostos legais de admissibilidade do recurso.
E, assim sendo, não estando colocada nenhuma questão de constitucionalidade
normativa, nem tendo sido suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida qualquer questão de constitucionalidade normativa, apenas resta
concluir pela improcedência da presente reclamação.
III. Decisão.
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se a
decisão reclamada de não admissão do recurso para este Tribunal.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 21 de Março de 2007
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício