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Proc. n.º 663/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A. intentou, no Tribunal de Família e de
Menores e de Comarca do Barreiro, contra a Caixa Geral de Aposentações, “acção
declarativa de simples apreciação positiva”, pedindo que fosse “reconhecida e
declarada a autora na qualidade de titular do direito às prestações por morte
de B., com fundamento na vivência em união de facto com o falecido por período
superior a dois anos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8.º,
n.ºs 1 e 2, do Decreto‑Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, artigos 2.º, 3.º e 4.º
do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, artigo 2020.º do Código
Civil e Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, as quais deverão ser suportadas pela
Caixa Geral de Aposentações”.
Remetidos os autos ao Tribunal da Comarca de
Lisboa, por ser considerado o territorialmente competente (fls. 37), foi, por
sentença da 14.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, de 6 de Dezembro de 2002
(fls. 86 a 89), a acção julgada totalmente provada e procedente, “reconhecendo
à autora o direito a alimentos da herança do falecido B. e, uma vez que esta
herança é desprovida de bens, declarando que a autora está em condições de
solicitar à ré uma pensão de sobrevivência por óbito do falecido, e desde a data
do óbito”.
A ré apelou desta sentença para o Tribunal da
Relação de Lisboa, sustentando, em síntese, que, nos termos do artigo 41.º, n.º
2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º
142/73, de 31 de Março, a pessoa que estiver nas condições do artigo 2020.º do
Código Civil só será considerada herdeira hábil, para efeitos de pensão de
sobrevivência, depois da sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos,
caso em que a pensão só será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em
que seja requerida, com a apresentação dos documentos necessários, incluindo
certidão da referida sentença – e não desde a data do óbito do contribuinte,
como decidiu a sentença apelada.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de
2 de Outubro de 2003 (fls. 129 a 137), julgou “a apelação improcedente, não
aplicando, porque materialmente inconstitucional, o artigo 41.º, n.º 2, do
Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo
Decreto‑Lei n.º 191‑B/79, de 25 de Junho, na parte em que dispõe que «a pensão
de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que o
requeira...» e aplicando, antes, a regra decorrente do artigo 6.º do Decreto
Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro”, e alterou em parte a sentença
recorrida, declarando que “a pensão de sobrevivência a pagar à autora é devida a
partir do início do mês seguinte ao do óbito do beneficiário B., se for
requerida no prazo de seis meses posteriores ao trânsito em julgado da decisão
final deste processo, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentação
do requerimento, se requerida após o decurso daquele prazo”.
A ré interpôs recurso de revista para o Supremo
Tribunal de Justiça, sustentando, em suma, que, nos termos do disposto no
artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a pensão de
sobrevivência só é devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que o
interessado a requeira, não acarretando qualquer inconstitucionalidade a
existência de regimes diferentes no âmbito da protecção social portuguesa.
Por acórdão de 22 de Abril de 2004 (fls. 157 a
173), o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento à revista, com a seguinte
fundamentação:
“5. Lembremos, entretanto, o seguinte:
No seu recurso, a recorrente não põe em causa os pressupostos
do artigo 2020.º do Código Civil, relativamente à necessidade do direito a
alimentos – matéria que foi objecto de discórdia por parte do voto de vencido,
na Relação, e agora não releva, por não estar impugnada na revista [O problema
da constitucionalidade, ou não, do n.º 1 do artigo 40.º e do n.º 2 do artigo
41.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, enquanto fazem depender o
direito à pensão, entre o mais, de o companheiro sobrevivo provar a
impossibilidade de obtenção de alimentos da herança do companheiro falecido ou
dos próprios herdeiros do companheiro vivo, foi resolvido pela
inconstitucionalidade, através do acórdão do Tribunal Constitucional n.º
88/2004, de 10 de Fevereiro de 2004, publicado no Diário da República, II Série,
de 16 de Abril de 2004, págs. 5962 e seguintes].
É por isso que o objecto de conhecimento da revista se limita a
saber a partir de que momento é devida a pensão de sobrevivência à
requerente/recorrida, que vivia em união de facto com o falecido,
funcionário/contribuinte.
A Caixa/recorrente responde: A pensão de sobrevivência é devida
só após a decisão que considere a autora herdeira hábil e lhe fixe o direito a
alimentos, e a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira.
Por sua vez, a decisão recorrida responde, dizendo que a pensão
de sobrevivência a pagar à autora é devida a partir do início do mês seguinte
ao do óbito do contribuinte, B., se for requerida no prazo de seis meses
posteriores ao trânsito em julgado da decisão final deste processo, ou a partir
do início do mês seguinte ao da apresentação do requerimento, se requerida após
o decurso daquele prazo.
6. A Caixa Geral de Aposentações defende a sua posição,
socorrendo‑se do artigo 41.º, n.º 2 (de forma paralela ao que estabelece o
artigo 30.º, n.º 1) do Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março (Estatuto das
Pensões de Sobrevivência), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto‑Lei n°
191-B/79, de 25 de Fevereiro, ao dispor: «Aquele que, no momento da morte do
contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo 2020.º, do Código Civil,
só será considerado herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência,
depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos, e a pensão de
sobrevivência será devida, a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a
requeira, enquanto se mantiver o referido direito».
Já a decisão recorrida, tendo em consideração este preceito,
considera‑o materialmente inconstitucional, e substituído pela regra decorrente
do artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, que prevê que:
«A pensão de sobrevivência é atribuída a partir do início do mês seguinte ao do
falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao
trânsito em julgado da sentença, ou a partir do início do mês seguinte ao da
apresentação do requerimento, após decurso daquele prazo».
7. Haverá alguma razão para diferenciar a mulher do
contribuinte, da companheira?
Parece‑nos que sim, indo ao encontro das conclusões c), d) e e)
da recorrente. Vejamos em que aspecto.
Como se salientou já, o artigo 30.º, n.º 1, estabelece que a
pensão de sobrevivência é devida, desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que se
verificar o óbito do contribuinte ...; e o artigo 41.º, n.º 2, relega essa data
para depois da sentença que reconheça os pressupostos de aplicação do artigo
2020.º do Código Civil, para considerar, ou não, herdeiro hábil do (ou da)
contribuinte, a pessoa que com ele (ou ela) vivia em união de facto ou o
ex‑cônjuge dele (ou dela) divorciado.
Para o efeito de atribuição da pensão de sobrevivência, a lei
diferencia os herdeiros hábeis, por força de lei (artigo 40.º – cônjuge, filhos,
descendentes e ascendentes aí indicados); e o (a) ex‑cônjuge e a pessoa em união
de facto (artigo 41.º).
E diferencia porque o artigo 41.º exige, no n.º 2, para o
ex‑cônjuge e para a pessoa que viva em união de facto, a verificação, por
decisão judicial, da necessidade de reconhecimento judicial do direito de
receber alimentos do contribuinte, não os podendo obter de outrem com dever de
os prestar.
E só o considera herdeiro hábil, se a sentença reconhecer o
direito a alimentos, previsto pelo dito artigo 2020.º do Código Civil.
E só depois poderá requerer a pensão.
Vale assim uma diferença, qual seja, a de que, para o cônjuge,
a atribuição é automática, por lei; para o companheiro ou ex‑cônjuge, a
atribuição depende da verificação judicial da necessidade da prestação
alimentar.
Tudo parece certo, tem alguma lógica, vindo ao encontro das
conclusões da recorrente, como se disse acima.
Mas a diferença de situações de facto e a correspondente
valoração jurídica afigura‑se que devem acabar aqui.
É o que iremos ver.
8. Reconhecido judicialmente o direito a alimentos, perturba o
raciocínio, face ao indicado n.º 2 do artigo 42.º, que o artigo 6.º do Decreto
Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, acima transcrito, partindo do mesmo
pressuposto de necessidade de reconhecimento judicial de herdeiro hábil, venha
dizer que «A pensão de sobrevivência é atribuída, a partir do início do mês
seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses
posteriores ao trânsito em julgado da sentença ...».
9. Não se pode dizer que há um regime padrão, que é o da função
pública (podendo ser inconstitucional antes o regime geral da segurança social
– conclusão f)).
Parece mesmo ousada a afirmação e ausente de qualquer
racionalidade de solidariedade social, no plano constitucional, e como valor e
tarefa de Estado, em que este direito à segurança social é colocado (artigos
9.º, alínea d), e 63.º, n.º 1).
Bom é de ver que, na generalidade, morrendo o
titular/contribuinte, falha a participação deste nas despesas comuns com os
seus herdeiros hábeis (indicados pela ordem do artigo 40.º).
É então mister que a lei se preocupe, louvavelmente, em lhes
assegurar a sobrevivência, logo a partir do mês seguinte ao falecimento, porque
secou a fonte do rendimento que o contribuinte auferia e, com ele, lhes
proporcionava o bem estar ou qualidade de vida, possíveis.
A tal propósito, diz o ponto 2 do relatório preambular do
Decreto‑Lei n.º 142/73 que: «Impunha‑se rever o sistema e instituir um novo
regime que, para responder apropriadamente às necessidades dos servidores do
Estado, se alicerçasse numa concepção profundamente diversa de previdência ...
No âmbito do presente Estatuto, a pensão de sobrevivência surge como um
benefício que o Estado concede aos seus servidores, nos termos e limites da lei,
e que não depende da vontade dos interessados».
Ou seja, impõe‑se um regime de obrigatoriedade de inscrição,
por razões de protecção, previdência e segurança social dos funcionários e
agentes da Administração Pública, no mais lato sentido, que o regime facultativo
anterior não possibilitava.
(São conhecidas, aliás, situações de verdadeira miséria de
familiares muito próximos de funcionários falecidos, que, por não haver, então,
pensão de sobrevivência, passaram, nessa altura, a sobreviver de donativos de
amigos e colegas, depositados em conta aberta para tal finalidade!).
10. Ora, quando se trata de determinar o dia a partir do qual a
pensão de sobrevivência deve ser recebida, nas situações em que o direito a
alimentos depende da verificação judicial dos requisitos previstos pelo artigo
2020.º, n.º 1, do Código Civil, naturalmente que a data deve ser igual para
todos os beneficiários que tenham o direito judicialmente verificado.
Ou se aplica o regime da função pública (a indicada norma do
Estatuto da Aposentação), ou se aplica o artigo 6.º, também indicado, do Regime
Geral da Segurança Social.
É razoável que prevaleça a vontade do legislador manifestada em
último lugar. A vontade legislativa mais recente. (Por várias pistas de
reflexão: revogação tácita, ou expressa; ou substituição da vontade anterior;
ou, caso não se aplique a lei inovadora, poderá haver lugar a discriminações
negativas em relação a situações iguais anteriores – o que é susceptível de
gerar inconstitucionalidade material da previsão de norma anterior, porque fica
desfavorecida a situação que lhe corresponde, em relação à previsão e estatuição
da nova lei).
11. Várias vezes o problema tem sido levantado na
jurisprudência.
E sempre esta, de um modo geral, teve como prevalente a
disciplina do dito artigo 6.º, por considerar materialmente inconstitucional o
preceituado no artigo 41.º, n.º 2, transcrito, na parte em que fixa que «... a
pensão de sobrevivência, aí prevista, será devida em data posterior à sentença
que reconheça o direito alimentos ao companheiro (a) ou ex-cônjuge», enquanto
que o artigo 6.º fixa a mesma data, mas «... a partir do início do mês seguinte
ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores
ao trânsito em julgado da sentença que reconhece o direito a alimentos» [A mais
paradigmática em relação ao caso em apreço, é a que resulta do acórdão deste
Tribunal, proferido na revista n.º 798/01, de 31 de Maio de 2001 (Relator:
Conselheiro Araújo Barros). Com publicação na Colectânea de Jurisprudência,
encontrámos, o Acórdão da Relação de Évora, de 9 de Novembro de 2000
(Desembargadora Laura Leonardo – hoje, Conselheira), Ano XXV, Tomo V, 2000,
págs. 257/260].
É efectivamente aqui que não encontramos razões plausíveis para
explicar a diferença (significativa diferença) de datas de início do vencimento
da pensão de sobrevivência, para o exercício de direitos que são rigorosamente
iguais, relativamente: aos titulares do direito à pensão, aos pressupostos do
seu exercício e ao seu conteúdo patrimonial.
E sem esquecer – o que não é menos importante – que obedecem à
mesma necessidade social do beneficiário carente.
Tudo isto, consequentemente, quer se trate de ex‑cônjuge ou
«companheiro» do trabalhador, agente ou funcionário da Administração Pública,
quer se trate de um outro qualquer trabalhador da função privada, dependente ou
liberal.
O direito à igualdade material de tratamento do que é igual,
não consente, por isso, qualquer discriminação positiva a favor do direito
social à pensão de sobrevivência originado pelo exercício da função pública e
originado pelo exercício da função privada, relativamente à data de início de
vencimento da pensão.
Discriminar pela negativa, sem uma razão objectivamente
fundamentadora da diferença, seria usar de dois pesos e de duas medidas, para
ponderações e tamanhos exactamente iguais.
12. Afirmação que leva a duas últimas reflexões ainda no plano
constitucional.
A primeira reflexão: respeita à igualdade de tratamento de
todos os cidadãos perante a lei, como princípio ínsito (artigo 2.º) e expresso
(artigo 13.º) na Constituição da República.
Temos a consciência de que pouco, ou nada, haverá mais a dizer
que já não tenha sido dito, sobre o princípio da igualdade constitucional.
Lembraremos apenas que a igualdade real entre os portugueses,
quanto aos direitos económicos e sociais de que fala o artigo 9.º, alínea d), e
o sistema unificado da segurança social de que fala artigo 63.º, n.º 2, revelam
a manifestação de princípios tendenciais que vão fazendo o seu caminho, em
vista a uma efectividade relativa, já que a igualdade real – é intuitivo – não
existe, por razões inerentes à pessoa e à vida.
Mas a manifestação de tendência da igualdade possível (mesmo a
das oportunidades) reflecte uma preocupação constitucional que orienta o
legislador e o juiz num caminho, respectivamente, criativo e interpretativo,
que se faz pelo percurso gradualista, evitando a turbulência social grave, no
espaço do objectivamente possível, dos desafios constitucionais da igualdade de
todos os cidadãos perante a lei – ainda aqui, e ainda assim, como expressão de
um princípio maior que é o do merecimento e da dignidade da pessoa humana
(artigo 1.º da Constituição) [O Principio da Dignidade da Pessoa Humana
constitui o pórtico de todas as Constituições dos Estados membros da União
Europeia; da Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 1.º); do Tratado
da União Europeia (artigo 6.º); como também surge logo no artigo 2.º – valores
da União – do Projecto da Constituição para Europa, que aguarda eventual
aprovação, no Conselho Europeu de Junho, a avaliar por notícias divulgadas pela
Comunicação Social (?)].
A essência do princípio da igualdade parte da necessidade de
verificação de comunhão ou núcleo comum existente entre objectos ou sujeitos
diversos; depende do carácter idêntico ou distinto dos seus elementos
essenciais [Sobre este e outros aspectos, com vasta referência doutrinal e
jurisprudencial, veja‑se Da Igualdade, Introdução à Jurisprudência, do Professor
Martim de Albuquerque, págs. 334/335, e as extensas notas (Livraria Almedina,
1993)].
Quanto a nós, exige‑se a mesma conformação do ôntico (essência
do ser) e a mesma modelação normativa do dever ser que se lhe reporta (dever ser
jurídico), justificados pela racionalidade axiológica comum.
Essência e conformação estas que são dirigidas, como atrás se
disse, ao legislador e ao intérprete, ou seja, a quem cria ou a quem aplica a
norma, referenciado sempre pela margem de liberdade de legislar e de julgar,
nos parâmetros definidos pela Constituição e pelos princípios em que se
inspira, para a época histórica a que se destina reger.
Há assim um primado de racionalidade constitucional imanente
que orienta um e outro dos agentes, criativos e aplicadores da lei.
Racionalidade que não suporta um certo grau de intolerabilidade
constitutiva da subversão da Justiça, sobretudo da Justiça distributiva,
quando há igualdade de situações, e diferença de modelações normativas
correspondentes, nos termos que vêm sendo reflectidos atrás.
O Professor Gomes Canotilho, ao que pensamos, traduz esta ideia
ao dizer que a igualdade constitucional remete para a essencialidade das
características com base nas quais merecem ou não igual tratamento jurídico
situações idênticas.
A segunda reflexão, há pouco deixada em aberto, é a seguinte, e
por brevitatis causa:
A solução preconizada pela recorrente, ao defender a aplicação
do regime geral da função pública (conclusões f), g) e h)), violaria o
princípio constitucional da proibição do retrocesso social, contido no trajecto
gradualista acima explicado [Sobre o princípio da proibição do retrocesso
social, ver, para citar a fonte mais recente, Professor Rui Medeiros, Direito
Constitucional – Capitulo IV, Direitos Fundamentais, catálogo português dos
direitos fundamentais (Lições da UCP, 2002/2003). Particularmente sobre a
possível radicação deste princípio na esfera jurídica dos particulares, veja‑se
a monografia do Professor Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª edição, 2001, em especial págs. 391, ponto
3.5, e referências doutrinais ao tema, na nota 52 da mesma página].
De facto, este regime, no aspecto particular em consideração,
comparado com o estabelecido para a função privada, representaria um manifesto
retorno social, independentemente de desigualar situações idênticas, nos termos
que ficaram expostos.
Não consente a Constituição que, no âmbito de direitos
fundamentais ou análogos – artigos 16.º, 17.º e 18.º – em condições normais do
exercício do Poder, se volte para trás ou, no mínimo, se impeça «o Estado
Social» (artigos 2.º, 9.º, alínea d), e 63.º, n.º 3) de andar para a frente.
E era o que sucederia, se vingasse a tese da recorrente!
13. Ora, já vimos, em momento anterior, que o início de
vencimento do direito à pensão de sobrevivência do «companheiro» ou ex‑cônjuge,
reconhecido que foi por sentença transitada, não tem qualquer diferença, de
natureza, de titularidade, de afectação, de necessidade e de conteúdo
patrimonial, quando oriundo de um contribuinte da Segurança Social ou da Caixa
Geral de Aposentações.
Trata‑se de situações típicas de identidade, que não faz
qualquer sentido constitucional desigualar.
Em síntese, e ainda pela negativa, não se encontram fundamentos
de facto e da correspondente valoração que justifiquem um tratamento
diferenciado das duas situações atributivas do direito à pensão de
sobrevivência, que o ordenamento jurídico formalmente discrimina, quanto à data
de começo de vencimento da pensão, privilegiando uma, desfavorecendo a outra,
tratando desigualmente o que é essencialmente igual – o que não pode ser
consentido por um Estado de Direito, nem para tanto estaria legitimado o Juiz
(respectivamente, artigos 2.º e 204.º da Constituição).
Constituição que, assim sendo, independentemente desta análise,
também estabelece um princípio de impedimento do retrocesso social – que o Juiz
(e o Estado de Direito) não podem deixar, ainda, de ter em conta.
14. Que é como quem diz, que não encontramos motivos para mudar
o rumo da jurisprudência sobre esta matéria específica, relativa ao ponto
específico da data de inicio de prazo de vencimento da pensão de sobrevivência,
para as situações do tipo contemplado na presente revista.
Tanto mais que o legislador ordinário, manifestando‑se
claramente pelo progresso social (contra o dito retrocesso), tem vindo a dar os
tais sinais de evolução social, progressiva e gradualista, nesta área, alargando
o espaço de cobertura social da união de facto, particularmente agora, com a Lei
n.º 7/2001, de 11 de Maio, que refere expressamente o regime de segurança
social, a beneficio do «companheiro» sobrevivente (artigo 3.º, alínea e) –
«Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime
geral da segurança social e da lei»).”
Contra este acórdão interpôs a ré recorrente
Caixa Geral de Aposentações recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de
Fevereiro (LTC), visando a apreciação da constitucionalidade da norma do
artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi dada pelo
Decreto‑Lei n.º 191‑B/79, de 25 de Junho, na dimensão cuja aplicação foi
recusada pelo acórdão recorrido, com fundamento em inconstitucionalidade.
Neste Tribunal, a recorrente apresentou
alegações, que terminam com a formulação das seguintes conclusões:
“1.ª – Entende a recorrente que não pode reconhecer‑se à autora
um direito cuja titularidade tem como pressuposto a aquisição da qualidade de
herdeira hábil previamente à verificação desta condição.
2.ª – Estabelecendo o n.º 2 do artigo 41.º do Estatuto das
Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março,
que «2. Aquele que, no momento da morte do contribuinte, estiver nas condições
previstas no artigo 2020.º do Código Civil, só será considerado herdeiro hábil,
para efeitos de pensão de sobrevivência, depois de sentença judicial que lhe
fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do
dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido
direito» (fim de citação), quer isto dizer que aquando da morte do pensionista
B., aquela que posteriormente se veio a apurar ser sua companheira não era ainda
herdeira hábil, pois, para que pudesse vir a ser como tal reconhecida, teve
ainda de recorrer aos tribunais a fim de obter uma sentença judicial que lhe
fixasse o direito a alimentos.
3.ª – Se a autora, ora recorrida, fosse, desde logo,
considerada herdeira hábil, estar‑se‑ia a dar por assente aquilo que o Tribunal
iria posteriormente apreciar.
4.ª – Não é por acaso que o legislador, no mencionado preceito
atrás transcrito, emprega expressamente a expressão «só» será considerado
herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, «depois» de sentença
judicial que lhe fixe o direito a alimentos.
5.ª – Mas o legislador não fica por aqui, pois na parte final
do mencionado preceito em análise diz também expressamente desde quando a
pensão é devida – a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, e
enquanto se mantiver o referido direito.
6.ª Nada permitia que o STJ, no douto acórdão recorrido,
reconhecesse à autora o direito à pensão de sobrevivência desde o dia 1 do mês
seguinte ao óbito do pensionista, se requerido no prazo de seis meses a contar
do trânsito em julgado, ou do dia 1 do mês seguinte àquele em que fosse
requerido, nos demais casos.
7.ª – O douto acórdão recorrido reconheceu à autora o direito
ao recebimento da pensão de sobrevivência desde uma data em que a mesma ainda
não era herdeira hábil e que, portanto, ainda não era detentora de uma sentença
judicial que lhe fixasse o direito a alimentos.
8.ª – Àquele argumento, de ordem lógica, acresce um outro para
considerar que a norma do EPS não é materialmente inconstitucional: por que
razão não seria antes inconstitucional o regime da Segurança Social? O que leva
a considerar aquele como padrão a seguir? O acórdão não o esclarece.
9.ª – Inconstitucional seria se a norma do EPS tratasse
diferentemente subscritores da CGA na mesma situação de forma diferente. No
limite, a tese do acórdão leva a que possa existir apenas um regime de protecção
social no país. Os regimes especiais – com regras próprias (que têm de se
considerar no contexto do regime em que se inserem) – seriam todos
inconstitucionais.
10.ª – A inconstitucionalidade afere‑se pela violação da
Constituição, nunca pela «desconformidade» com outras normas de idêntica
dignidade aplicáveis a diferente universo pessoal. E o facto de o regime da CGA
ser, em determinados aspectos (poucos, como é sabido) menos favorável do que o
Regime Geral de Segurança Social não autoriza a desprezar as regras daquele em
favor de uma aplicação directa deste (sob pena de se deverem fundir – por via
jurisdicional – os dois regimes, aproveitando‑se, portanto, as partes de cada um
consideradas mais interessantes, como sendo neste caso uma taxa de contribuição
para a CGA inferior àquela que é devida na Segurança Social).
11.ª – Não pode pretender colocar‑se no mesmo plano realidades
inteiramente distintas: um regime de natureza estatutária, em que na
generalidade dos casos há apenas uma contribuição do trabalhador (de 10%), e
outro de carácter assistencialista em que a contribuição é repartida entre
empregador e trabalhador e atinge o valor global de 23,75%.
12.ª – O princípio da igualdade apenas impõe um tratamento
igual quando exista identidade de situações; ora, no caso, os regimes são
claramente diferentes, até no valor das prestações concedidas.
13.ª – Quanto ao alegado retrocesso social que a tese da
recorrente introduziria, importa recordar que para que pudesse existir recuo
se tornava necessário que alguma vez tivesse existido progresso. Ora, no âmbito
do regime da função pública, nunca existiu regra que mandasse atender a momento
anterior àquele em que o contribuinte deve considerar‑se herdeiro hábil para
efeitos de atribuição da pensão de sobrevivência a companheiros de contribuintes
falecidos. Não faz, pois, qualquer sentido convocar tal princípio.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
Constitui objecto do presente recurso a questão
da constitucionalidade da norma do artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões
de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 191‑B/79, de 25 de Junho
(doravante designado por EPS), enquanto determina que a pensão de sobrevivência
a que tem direito a pessoa que viveu em união de facto com o funcionário
falecido, considerada herdeira hábil por sentença judicial que lhe fixou o
direito a alimentos, só é devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que
seja requerida.
A orientação traçada no acórdão recorrido tem
sido seguida pela subsequente jurisprudência dos tribunais judiciais: cf., a
título exemplificativo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de
Março de 2007, P. 136/07 (em www.dgsi.pt/jstj); do Tribunal da Relação de
Lisboa, de 5 de Maio de 2005, P. 9951/05, de 15 de Dezembro de 2005, P.
10876/05, e de 20 de Junho de 2006, P. 1784/06 (em www.dgsi.pt/jtrl); do
Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Outubro de 2006, P. 1215/06 (em
www.dgsi.pt/jtrc); e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19 de Outubro de
2005, P. 1796/05 (em www.dgsi.pt/jtrg).
A questão que constitui objecto do presente
recurso foi entretanto objecto de decisão do Tribunal Constitucional, que, no
Acórdão n.º 522/2006, julgou inconstitucional a norma em causa,
desenvolvendo‑se, para o efeito, a seguinte argumentação:
“2.2. Está em causa – e assim entramos na apreciação da questão
de fundo – a norma constante do artigo 41.º, n.º 2, do EPS (o Decreto‑Lei n.º
191‑B/79, de 25 de Junho, que conferiu à norma a redacção aqui em causa, foi
objecto da rectificação decorrente da Declaração publicada no Diário da
República, I Série, n.º 193, de 22 de Agosto de 1979). Esta norma, sob a
epígrafe «[e]x-cônjuge e pessoa em união de facto», dispõe o seguinte:
«Artigo 41.º
1 – (…)
2 – Aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas
condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil só será considerado
herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença
judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será
devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se
mantiver o referido direito.»
Desta norma interessa ao presente recurso, tão‑só, o segmento
(que se sublinhou na transcrição) respeitante ao momento a partir do qual a
pensão, devida àquele que já obteve a sentença judicial referida na primeira
parte do preceito, deve ser satisfeita, ou seja, o trecho que diz que tal pensão
vence a partir do dia 1 do mês subsequente àquele em que foi requerida.
2.2.1. Trata‑se – a inconstitucionalidade deste trecho final do
n.º 2 do artigo 41.º do EPS – de questão com a qual o Tribunal Constitucional já
foi confrontado, mas relativamente à qual nunca chegou a tomar posição. Com
efeito, contrariamente ao que aqui (pela primeira vez) sucede, a prévia
apreciação da conformidade constitucional da primeira parte do artigo 41.º, n.º
2, sempre tem funcionado como obstáculo a que o Tribunal se pronuncie sobre a
questão (logicamente subsequente) do momento a partir do qual a pensão era
devida, já que todas essas situações anteriores resultaram no reenvio dos
respectivos processos para determinação do preenchimento das condições
previstas nessa primeira parte do n.º 2 do artigo 41.º do EPS (v., por todos, o
Acórdão n.º 644/2005, disponível, tal como os adiante indicados, em
www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
Ora, neste caso, a questão do direito à pensão de sobrevivência
por parte do «viúvo de facto» já foi resolvida, estando, por isso, ultrapassada,
não interferindo, contrariamente ao que até agora tem sucedido na jurisprudência
deste Tribunal, com a aplicação do trecho final da norma, que fixa o momento a
partir do qual a pensão é devida. Deixou, assim, de estar em causa – e trata‑se
de um elemento importante na subsequente indagação de constitucionalidade – uma
questão que convoque, para aferição do respeito pelo princípio da igualdade,
qualquer comparação dos regimes decorrentes do casamento e da união de facto [a
evolução do entendimento do Tribunal Constitucional, relativamente a esse
(outro) problema, pode ser apreciada numa leitura sequencial dos Acórdãos n.ºs
88/2004 (Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 2004, pp. 5962/5967),
159/2005 (Diário da República, II Série, de 23 de Dezembro de 2005, pp.
18056/18062) e 614/2005 (Diário da República, II Série, de 29 de Dezembro de
2005, pp. 18116/18118)]. Trata‑se aqui, portanto, de comparar as situações de
quem, como sucede com a recorrida, já viu judicialmente reconhecidos os
pressupostos do direito à pensão de sobrevivência, por morte daquele com quem
viveu em união de facto, restando apenas determinar o momento a partir do qual
tal pensão é devida.
Sublinha‑se com esta caracterização um elemento específico que a
abordagem deste recurso, na perspectiva do princípio da igualdade, implica,
traduzido na convocação de um «par de comparação», distinto daquele que os
citados Acórdãos n.ºs 88/2004, 159/2005 e 614/2005 convocavam. Comparam‑se
aqui, interessa não o esquecer, situações sempre respeitantes à união de facto,
nas quais o controlo da observância do mencionado princípio só relaciona quem,
tendo vivido «[…] em união de facto há mais de dois anos» (artigo 1.º, n.º 1, da
Lei n.º 7/2001), obteve o reconhecimento judicial desse facto, enquanto
pressuposto específico do direito a receber a prestação consubstanciada na
pensão de sobrevivência.
2.2.2. Tendo presentes estes elementos, importa avançar para a
concreta comparação que o princípio da igualdade neste caso pressupõe. Está em
causa, nos termos em que a decisão recorrida coloca a questão e sempre no quadro
geral da união de facto, relacionar a situação daqueles que, tendo adquirido o
direito a auferir uma pensão de sobrevivência por morte do respectivo cônjuge de
facto, se diferenciam, tão‑só, pela circunstância de essa pensão se gerar por
morte de um funcionário ou agente da Administração Pública (situação em causa no
presente recurso), ou por morte de um beneficiário do denominado Regime Geral da
Segurança Social.
No primeiro caso, definido judicialmente o direito à pensão, é
a mesma devida, nos termos da norma em apreciação, desde o dia 1 do mês seguinte
àquele em que tal pensão foi requerida. No segundo caso, gerado no âmbito do
Regime Geral, a mesma pensão – ou seja, a pensão adquirida com base em
pressupostos de facto substancialmente idênticos – é devida, nos termos do
artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, se requerida nos
seis meses posteriores ao trânsito da decisão judicial que reconheça tal
direito, «[…] a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do
beneficiário […]». Sendo distintos os momentos fixados em cada caso para o
começo das prestações (mais cedo relativamente aos beneficiários de pensão
gerada no Regime Geral), coloca‑se a questão da observância do princípio
constitucional da igualdade relativamente a quem, fora do quadro desse Regime
Geral, tenha actuado dentro de lapsos de tempo que conduziriam à primeira
hipótese prevista no artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94. É esta,
enfim, a questão de igualdade que aqui importa dilucidar.
2.2.2.1. Constitui jurisprudência assente e reiterada deste Tribunal a
caracterização do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da CRP, como
proibição do arbítrio (cf. o Acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da
República, I Série‑A, de 17 de Junho de 2003, pp. 3514/3531). Com tal sentido,
nas palavras do Tribunal Constitucional, «[o] princípio [da igualdade] não
impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam
(se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, ‘razoável, racional e
objectivamente fundadas’, sob pena de, assim não sucedendo, ‘estar o legislador
a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente
justificadas por valores constitucionalmente relevantes’ […]. Ponto é que haja
fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a
discriminação infundada […]» (Acórdão n.º 319/2000, publicado no Diário da
República, II Série, de 18 de Outubro de 2000, pp. 16785/16786).
Na sugestiva formulação do Tribunal Constitucional alemão (citado por Robert
Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, p. 370), o carácter arbitrário
de uma diferenciação legal decorre da circunstância de «[...] não ser possível
encontrar […] um motivo razoável, que surja da própria natureza das coisas ou
que, de alguma forma, seja concretamente compreensível […]». Daí que «[n]ão
exista razão suficiente para a permissão de uma diferenciação [legal] se todos
os motivos passíveis de ser tomados em conta tiverem de ser considerados
insuficientes. É justamente o que sucede, quando não se logra atingir uma
fundamentação justificativa da diferenciação […]. A máxima de igualdade implica,
assim, um ónus de argumentação justificativa para tratamentos desiguais»
(Robert Alexy, ob. cit., p. 371).
2.2.2.2. Constitui aqui elemento de igualdade fáctica a circunstância, comum aos
dois termos da comparação, de o direito à pensão de sobrevivência ter sido
adquirido em função do reconhecimento judicial de uma situação de união de facto
com um beneficiário ou subscritor falecido. Este elemento, não expressando uma
situação de igualdade fáctica absoluta, já que compara pensões geradas no
chamado Regime Geral com pensões geradas no âmbito do Regime dos funcionários e
agentes da Administração Pública, permite, no entanto, a qualificação da
situação de ambos como essencialmente igual, isto em função de uma expressiva
preponderância de elementos comuns. De facto, apreciando os dois regimes (o
Geral e o da Administração Pública), constata‑se ocorrer em ambos, de forma
substancialmente idêntica, a projecção da «relação jurídica de segurança
social» (v. a caracterização desta em Ilídio das Neves, Direito da Segurança
Social, Coimbra, 1996, pp. 299/309) na situação de união de facto, expressando
esta (a união de facto), nos dois regimes e na base dos mesmos pressupostos,
«[…] a relação jurídica de vinculação, que assegura a ligação jurídica dos
interessados ao sistema […]» (Ilídio das Neves, obra citada., p. 308).
A este propósito cumpre sublinhar não colher o argumento – que
parece ser o único argumento da recorrente – segundo o qual um alegado (e
hipotético) «valor muito inferior» (conclusão 8.ª das alegações; cf. fls. 180)
das pensões pagas pelo Regime Geral justificaria a diferenciação decorrente da
norma ora em causa. Desde logo, porque o montante das pensões de sobrevivência
pagas nos dois regimes varia em função de elementos cuja multiplicidade e
coerência, dentro de cada um desses regimes, torna descabida uma comparação (dos
dois regimes) assente na variável «valor da pensão» (v., quanto ao cálculo das
pensões aqui em causa nos dois regimes, o artigo 28.º do EPS e os artigos 24.º e
25.º do Decreto‑Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, ex vi do disposto no artigo
1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro). Por outro lado, tal
elemento («valor da pensão») deixa intocada a já referida expressiva
preponderância de elementos comuns, ou seja, não descaracteriza as duas
situações como sendo de igualdade essencial: em ambas se adquire o direito à
pensão com base nos mesmos pressupostos e através de procedimentos
substancialmente idênticos.
Nesta situação, que – repete‑se – é de igualdade naquilo que
expressa a essência relevante para a comparação, quaisquer especificidades do
chamado Regime Geral de Segurança Social, relativamente ao Regime de Segurança
Social dos funcionários e agentes da Administração Pública, porque referidas,
como já se indicou, a elementos não relevantes para esta comparação concreta,
perdem sentido e deixam de justificar, quanto à fixação do momento a partir do
qual a pensão é devida, um tratamento menos vantajoso, como o decorrente do
segmento final do n.º 2 do artigo 41.º do EPS, comparativamente ao artigo 6.º do
Decreto Regulamentar n.º 1/94. Não obstante, relativamente a essas (possíveis)
especificidades de cada um dos Regimes, sublinhar‑se‑á que o «programa
constitucional» assenta, neste domínio, na ideia de unificação do sistema de
segurança social – «[i]ncumbe ao Estado organizar […] um sistema de segurança
social unificado […]» (artigo 63.º, n.º 2, da CRP) – e que, em tal quadro, a
procura de soluções de igualdade não deixa de assumir uma espécie de «valor
reforçado» no plano da convergência entre os regimes de protecção social da
função pública e «[…] os regimes do sistema de segurança social quanto ao âmbito
material, regras de formação de direitos e atribuição das prestações» (artigo
124.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, que estabelece as bases do sistema
de segurança social).
Da ausência de uma justificação relevante para a mencionada
diferenciação – e assim alcançamos uma conclusão – decorre a ofensa ao
princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP) e, consequentemente,
a correcção da recusa de aplicação da norma em causa por parte da decisão
recorrida. Resta, por isso, confirmá-la.”
Reiterando o entendimento então perfilhado,
cumpre confirmar o juízo de inconstitucionalidade emitido pelo acórdão ora
recorrido.
Apenas se acrescentará que, no sentido da
“preferência” pela regra do regime geral da segurança social apontam – e isto
independentemente da adesão que possam merecer as considerações tecidas no
acórdão recorrido a proibição do princípio da “proibição do retrocesso” –
fundamentalmente o reconhecimento de que essa regra integra a mais recente opção
do legislador e ainda a própria natureza “alimentar” da prestação em causa. Este
último aspecto foi especialmente salientado na Recomendação n.º 6/B/2006 do
Provedor de Justiça (www.provedor-jus.pt/recomendacoes.php), onde se consignou:
“13. Não há dúvida que o artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º
1/94, de 18 de Janeiro, estabeleceu um regime muito mais generoso do que o
preceito supra citado do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, tendo colocado
um ponto final na distinção entre cônjuges e unidos de facto, a partir do
momento em que estes se acham reconhecidos como herdeiros hábeis, por sentença
judicial transitada em julgado.
14. Já se viu, também, que as decisões jurisprudenciais mais
recentes, sobre esta matéria em concreto, não encontram razões atendíveis que
permitam justificar a diferença de datas de início do vencimento da pensão
(muitas vezes significativas), entre o regime público e o regime geral de
segurança social, para o exercício de direitos que são rigorosamente iguais.
15. Atenta a natureza das pensões de sobrevivência, cuja
finalidade é, para ambos os regimes (quer seja o da protecção social da função
pública, quer seja o do sistema de segurança social), a de compensar os
familiares/herdeiros hábeis do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho
determinada pela morte deste, também não se me vislumbram outras justificações
que possam estar na origem do estabelecimento de datas diferentes para o início
do vencimento das pensões.
16. Como bem refere Rita Lobo Xavier [In artigo intitulado
«Uniões de facto e pensão de sobrevivência. Anotação aos Acórdãos do Tribunal
Constitucional n.ºs 195/03 e 88/04», publicado na Jurisprudência
Constitucional, n.º 3, Julho‑Setembro de 2004, págs. 16 e ss.], «a atribuição da
pensão de sobrevivência está intimamente relacionada com as implicações
económicas da morte do beneficiário: os herdeiros hábeis terão de provar
determinados factos de onde resulte que a morte do beneficiário implicou uma
diminuição dos meios de subsistência».
17. Ora, nas situações em que esta prova já foi feita
judicialmente e os respectivos companheiro/companheira reconhecidos como
herdeiros hábeis, ou seja, em que se admitiu que os mesmos ficaram afectados nos
seus meios de sobrevivência pela perda de rendimentos do trabalho que o de cujus
auferia, não se vê por que razão a lei não lhes há‑de assegurar a pensão de
sobrevivência a partir do momento em que deixaram de contar com tais
rendimentos, isto é, a partir do início do mês seguinte ao do falecimento.
18. De facto, parece‑me demasiado oneroso, injusto e
desproporcional, fazer recair sobre os mesmos os prejuízos que podem advir da
morosidade na tramitação dos processos judiciais que, nos casos que me foram
relatados, ascenderam a cerca de dois anos, quando a mesma situação de
morosidade irreleva no caso do regime geral de segurança social.”
3. Decisão
Em face do exposto, acorda‑se em:
a) Julgar inconstitucional, por violação do
princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa), a norma constante do trecho final do artigo 41.º, n.º 2, do
Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 142/73, de
31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 191‑B/79, de 25 de
Junho, na parte em que determina que a pensão de sobrevivência a que tenha
direito aquele que, no momento da morte do contribuinte, estiver nas condições
previstas no artigo 2020.º do Código Civil, será devida a partir do dia 1 do mês
seguinte àquele em que tal pensão tenha sido requerida, e não – como ocorre, nos
termos do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, para o regime geral
da segurança social – a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do
beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em
julgado da sentença que reconheça o respectivo direito; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando o
acórdão recorrido, na parte impugnada.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Março de 2007.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Benjamim Silva Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos