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Processo n.º 545/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. No recurso que o arguido A., ora reclamante, interpôs nos autos, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), decidiu sumariamente o relator, fazendo uso da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não julgar inconstitucionais as disposições conjugadas dos artigos 66.º e 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, interpretadas no sentido de que «não cabe gravação da audiência de julgamento das contraordenações», por remissão para a jurisprudência dos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 73/2007 e 632/09.
Decidiu, ainda, não conhecer do recurso, no que respeita à questão, entre outras, da inconstitucionalidade do «artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de março (…) se interpretado no sentido de que a utilização desse RCD [Resíduos de Construção e Demolição] pelo produtor em obra sua ou em obra de condomínio, de que é proprietário condómino maioritário, este situado em terreno adjacente à propriedade daquele, constitui infração muito grave, em vez de constituir operação de valorização de resíduo não perigoso afetado à correção do solo do logradouro desse condomínio», por não estar verdadeiramente em causa a inconstitucionalidade de uma norma mas da própria decisão que, no caso concreto, julgou preenchida a respetiva previsão típica.
O recorrente, não se conformando com a decisão sumária, na parte em que assim se decidiu, dela reclamou para a conferência, pugnando, por um lado, pela inconstitucionalidade dos artigos 66.º e 75.º, n.º 1, do RGCO, na interpretação sindicada, pois que tal questão não é reconduzível àquela que o Tribunal Constitucional julgou nos acórdãos para os quais a decisão sumária remete, e invocando, por outro, que o recurso assume caráter normativo no que respeita à questão de inconstitucionalidade do artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de março, cuja aplicação necessariamente pressupõe, sob pena de ilegalidade (por violação de normas de direito comunitário) e inconstitucionalidade (por violação dos artigos 29.º, nºs. 1 e 4, e 18.º, n.º 3, da CRP), a perigosidade dos resíduos de construção e demolição nela referidos, sendo, pois, inconstitucional interpretação que, para o efeito do preenchimento da contraordenação nela tipificada, não atenda ao caráter de perigosidade dos resíduos em causa.
O Ministério Público é do parecer que a reclamação deve ser indeferida, quer quanto à questão de inconstitucionalidade decidida por remissão para anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional (não são aduzidas novas razões que justifiquem a sua reapreciação), quer quanto ao conhecimento da inconstitucionalidade do artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de março (o reclamante limita-se a invocar razões de inconstitucionalidade que não são suscetíveis de contrariar a natureza efetivamente não normativa do objeto do recurso, o que, a par da ilegitimidade decorrente da inobservância do ónus de previa suscitação, impede o seu conhecimento).
2. Cumpre apreciar e decidir.
O reclamante apenas impugna a decisão sumária na parte em que negou provimento ao recurso, por remissão para anterior jurisprudência constitucional, e não conheceu da questão de inconstitucionalidade do artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de março, por não normativa, pelo que, relativamente às duas restantes questões de inconstitucionalidade (enunciadas nas alíneas b) e d) do relatório da decisão individual do relator), a decisão sumária transitou em julgado.
Invoca o reclamante, em fundamento do reclamado juízo de inconstitucionalidade dos artigos 66.º e 75.º, n.º 1, do RGCO, na interpretação que afasta a gravação da audiência de julgamento das contraordenações, que esta questão não é idêntica ou similar àquela que foi apreciada nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 73/2007 e 632/09 «porquanto nesses processos não foi decidida a questão levantada pelo recorrente (…) [d]a consideração na instância superior da prova documental traduzida nos autos», sendo que «a única possibilidade constitucionalmente admissível, à luz do direito de defesa, é a gravação da audiência de julgamento, sob pena de o tribunal poder dar como ‘não provados’ factos cujo depoimento está escrito, em fase anterior».
Sucede que, estando nuclearmente em causa nos presentes autos e, bem assim, na citada jurisprudência, norma que, no âmbito contraordenacional, impede a redução a escrito da prova produzida em audiência de julgamento (artigo 66.º do RGCO), por ser insindicável a decisão sobre matéria de facto proferida pelo Tribunal da Primeira Instância (artigo 75.º, n.º1, do RGCO), o que, na tese comum dos respetivos recorrentes, ofenderia o direito a um duplo grau de recurso em matéria de facto, que o Tribunal Constitucional já considerou não ser objeto de garantia constitucional, é indiferente a invocação de argumentos acrescidos que, como é o caso, entronquem ainda no pressuposto da consagração de um tal direito, sendo indiferente a específica natureza do meio de prova (documental ou outra) cuja reapreciação se reclama da instância superior.
Por isso que, tendo sido já ponderadas e rebatidas, em jurisprudência anterior, as razões que o recorrente invoca para fundamentar a inconstitucionalidade das citadas disposições legais, em variável interpretativa que essencialmente se não distingue da norma antes apreciada pelo Tribunal Constitucional, é de reafirmar, como fez o relator, o juízo de não inconstitucionalidade então proferido.
Também não assiste razão ao reclamante quando pretende seja apreciado o mérito da questão de inconstitucionalidade do artigo 18.º do n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de março, “(…) se interpretado no sentido de que a utilização desse RCD [Resíduos de Construção e Demolição] pelo produtor em obra sua ou em obra de condomínio, de que é proprietário condómino maioritário, este situado em terreno adjacente à propriedade daquele, constitui infração muito grave, em vez de constituir operação de valorização de resíduo não perigoso afetado à correção do solo do logradouro desse condomínio”.
É que por muitas razões que lhe assistam quanto à invocada violação das normas de direito da união europeia (aliás, irrelevante para, só por si, fundamentar o reclamado juízo de inconstitucionalidade, como sublinhado pelo Ministério Público) e de direito constitucional, não é possível delas tomar conhecimento quando o objeto de uma tal censura não assume natureza normativa.
É manifestamente o caso.
Com efeito, saber se os factos julgados provados configuram a prática da contraordenação prevista e punida no citado preceito legal é questão estritamente jurisdicional cuja decisão não é sindicável pelo Tribunal Constitucional, que, como é sabido, apenas tem competência para aferir da inconstitucionalidade de normas jurídicas (artigos 280.º da CRP e 70.º da LTC).
Ora, o que a reclamante sujeitou à apreciação do Tribunal Constitucional foi precisamente a forma como o Tribunal recorrido julgou de direito, ao subsumir os factos à previsão típica do citado preceito legal, sendo irrelevante que o recorrente apresente como dada interpretação da lei o que é a sua aplicação ao caso concreto ou que, em requerimento ulterior, reconfigure o objeto do recurso de modo a expurgá-lo das referências particulares que inviabilizam o seu conhecimento de mérito, como o reclamante parece ter pretendido fazer ao reclamar agora a apreciação da inconstitucionalidade do citado artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, interpretado no sentido de que é indiferente, para o seu preenchimento, o caráter de perigosidade dos resíduos nele previstos.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de janeiro de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.