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Processo n.º 199/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A fls. 2449 e seguintes dos presentes autos, foi proferida decisão
sumária em que se decidiu negar provimento ao recurso interposto para este
Tribunal por A..
Este recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao
abrigo do artigo 70°, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, tem
como objecto a apreciação da “inconstitucionalidade material do art. 411º, n.º
3, 2ª parte, do C.P.P.” – “na concreta interpretação que daquele preceito foi
feita pelo doutíssimo Acórdão da Veneranda Relação de Coimbra, qual seja a de
consentir que o acusador e titular da acção penal que interpôs recurso na acta
(25.10.04) possa apresentar a respectiva motivação em 15.11.04 e, por isso, no
prazo de 15 dias contado a partir do depósito da respectiva peça decisória” –,
“por violação das garantias de defesa do arguido em processo criminal, do
princípio da tutela jurisdicional efectiva e dos princípios da legalidade e da
segurança jurídica, consagrados, respectivamente, nos art.s 32º, 20º n.ºs 4 e 5,
202º n.º 2 e 205º da C.R.P.”.
A decisão de não inconstitucionalidade e de não provimento do
recurso, constante da decisão sumária reclamada, fundamentou-se em
jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a questão de
constitucionalidade identificada pelo recorrente, tal como a seguir se
transcreve:
“[…]
3. Ora, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional a propósito de normas
relativas ao prazo de interposição e ao prazo de motivação de recursos, a
questão de inconstitucionalidade levantada nos presentes autos tem
manifestamente de improceder.
Na verdade, este Tribunal tem entendido que «a interposição de um recurso
pressupõe uma análise minuciosa da decisão que se pretende impugnar, análise
essa que não é de todo possível realizar por mero apelo à memória da leitura do
texto da sentença» e que «antes da análise do teor da decisão, o sujeito
processual não pode formar convenientemente a sua decisão de recorrer, não lhe
sendo exigível a prática de actos cuja utilidade não é possível avaliar no
momento da sua prática» (Acórdão n.º 148/2001, publicado no Diário da República,
II Série, n.º 107, de 9 de Maio de 2001, p. 7955 ss).
Já no Acórdão n.º 384/98 (publicado no Diário da República, II Série, n.º 277,
de 30 de Novembro de 1998, p. 17024 ss) o Tribunal tinha afirmado:
«[…]
A tutela constitucional do direito ao recurso contencioso, decorrente da
garantia de acesso ao direito e aos tribunais, na medida em que postula o
exercício livre e esclarecido de tal direito (como forma de salvaguardar
materialmente os interesses inerentes), não admite a consagração, no plano
infraconstitucional, de exigências que, não se confundindo com o exercício do
direito dentro de um prazo pré-definido, consubstanciem antes, e tão somente,
condicionantes de tal exercício desprovidas de fundamento racional e sem
qualquer conteúdo útil.
Com efeito, devendo a interposição de qualquer recurso contencioso pressupor a
plena estabilidade e intelegibilidade da decisão de que se pretende recorrer,
não é constitucionalmente admissível o estabelecimento de ónus desinseridos da
teleologia própria da tramitação processual e cuja consagração, nessa medida,
não prossegue quaisquer interesses dignos de tutela.
Ora, a impugnação de uma decisão pressupõe o conhecimento integral dos
respectivos fundamentos. Enquanto o recorrente não tiver acesso ao raciocínio
argumentativo que subjaz à decisão tomada, não pode formar a sua vontade de
recorrer, porque não dispõe dos elementos que lhe permitem avaliar a justeza da
decisão. Nessa medida, e tendo presente a eficácia persuasiva intraprocessual da
fundamentação das decisões, pode afirmar-se que, antes de se dar a conhecer os
fundamentos decisórios, não pode haver, porque do ponto de vista da
racionalidade comunicativa não é concebível, uma legítima intenção de recorrer.
Assim sendo, a exigência da interposição de um recurso num momento em que se
desconhecem os fundamentos da decisão a impugnar (num momento em que, dir-se-ia,
ainda não se pode saber se o recorrente efectivamente quer recorrer) não é
equiparável à necessidade de interposição do recurso dentro de um prazo razoável
(decorrente da celeridade processual e da segurança e certeza jurídicas).
Diferentemente, tal exigência traduz-se antes na imposição de uma formalidade
limitadora do efectivo exercício do direito ao recurso e absolutamente alheia ao
que possa ser a prossecução de um interesse racional e teleologicamente
justificado.
Nessa medida, aquela exigência afecta o núcleo fundamental do direito ao
recurso, pelo que a norma que a consagra não é compatível com a tutela
constitucional do acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20º, n.º 1, da
Constituição).
[…].».
Mais recentemente, no Acórdão n.º 186/2004 (publicado no Diário da República, II
Série, n.º 150, de 28 de Junho de 2004, p. 9633 ss), o Tribunal Constitucional,
invocando e explanando exaustivamente o sentido da sua jurisprudência anterior,
decidiu «julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20º, n.º 1, e 32º,
n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 411º, n.º 3,
do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto,
interpretada no sentido de que o prazo de 15 dias nela fixado para apresentação
da motivação de recurso interposto por declaração na acta da audiência onde foi
proferida a sentença se conta a partir da data dessa interposição, mesmo que a
sentença só posteriormente haja sido depositada na secretaria».
4. A fundamentação constante dos acórdãos mencionados leva a concluir que, no
caso dos presentes autos, não merece qualquer censura do ponto de vista da sua
conformidade constitucional a interpretação perfilhada pelo Tribunal da Relação
de Coimbra no sentido de «consentir que o Ministério Público que interpôs
recurso na acta possa apresentar a respectiva motivação no prazo de 15 dias
contado a partir do depósito da respectiva peça decisória».
[…].”.
2. Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, nos
termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei deste Tribunal (requerimento de fls. 2461
e seguintes), formulando as seguintes conclusões:
“[...]
1- A única interpretação da 2ª parte do n.º 3 do art. 411º do C.P.P. compatível
com o texto da lei e, sobretudo, consentânea com a C.R.P. é, justamente, aquela
que determina que prazo de quinze dias para a apresentação da motivação do
recurso interposto por declaração na acta da audiência se conta a partir da data
dessa interposição, mesmo que a sentença só posteriormente haja sido depositada
na secretaria, sendo que, esta especialidade não coarcta, limita ou, sequer,
dificulta, de modo particularmente oneroso, o direito ao recurso que a C.R.P.
reconhece e, por isso, não viola, o art. 20º n.º 2 ou o art. 32º n.º 1 da
C.R.P..
2 - Com efeito, a letra da lei é inequívoca quanto à existência de dois regimes
com funções, objectivos e características diferentes (o regime de recurso penal
previsto no n.º 1 do art. 411º do C.P.P. e o regime de recurso penal previsto na
2ª parte do n.º 3 do art. 411º do C.P.P), exigindo-se ao recorrente a prevenção
e o acautelamento de todos os riscos processuais através da sensata e
responsável escolha do regime de recurso que melhor se adeque às
particularidades do caso e melhor satisfaça os seus objectivos e pretensões,
processuais e materiais. Ora, porque no caso sub judice, assistia ao Mº Pº o
direito de, serena e conscienciosamente – atenta a ausência de qualquer urgência
processual, optar pelo regime de interposição de recurso que melhor respondesse
às suas pretensões processuais, competia-lhe, também, o respeito pelos traços
identificativos do respectivo regime legal, assim como, a assunção das
correspectivas responsabilidades processuais.
3 - Nesse sentido, vejam-se, aliás, os Acórdãos […].
4 - Acresce que, se aquando da Reforma da legislação processual penal de 1998,
assim com noutras oportunidades legislativas, o legislador não unificou ou
aproximou a redacção dos n.ºs 1 e 3 do art. 411º do C.P.P. foi, certamente,
porque, atendendo aos diferentes interesses em confronto – concretamente às
exigências de fluidez processual para a obtenção da decisão em tempo adequado,
não entendeu que fosse adequada, certeira ou necessária uma tal confluência ou
aproximação.
5 - Ademais, face a um qualquer «justo impedimento» será, sempre, possível
dilatar o respectivo prazo recorrendo ao mecanismo previsto nos n.ºs 2 e 3 do
art. 107º do C.P.P..
6 - Face ao exposto, esta distinção de regimes não afecta, s.r.m.o., o núcleo
fundamental do direito ao recurso, pelo que, a interpretação ora propugnada –
nos termos da qual, o prazo de quinze dias fixado no n.º 3 do art. 411º do
C.P.P. para a apresentação da motivação atinente a recurso interposto por
declaração na acta se conta a partir da data dessa mesma interposição, mesmo que
a sentença só posteriormente haja sido depositada na secretaria, é compatível
com a tutela constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, impondo-se,
por isso, a sua aplicação e cumprimento sob pena de violação dos princípios
constitucionais da celeridade, legalidade, segurança jurídicas.
Sem prescindir:
7 - Nos presentes autos, o arguido, ora reclamante, conformou-se com o mérito e
a bondade da decisão da 1ª instância, sendo que, foi, justamente, o MºPº quem
dela interpôs recurso para a Veneranda Relação de Coimbra.
8 - Acontece que, o MºPº não assume no processo penal uma pura posição de parte
antes devendo a sua actuação pautar-se por critérios de estrita legalidade e
objectividade.
9 - Destarte, devem entender-se como dirigidas ao arguido as garantias de defesa
que o processo criminal deve assegurar, pelo que, serão, sempre e em última
análise, as garantias de defesa do arguido, as únicas «tabelas ou tábuas
interpretativas» justificativas de uma leitura menos rígida, literal ou formal
da norma em discussão.
10 - Toda a jurisprudência que serviu de referência à douta decisão sumária
reclamada, reporta-se a hipóteses – limite e a vicissitudes processuais
imprevistas e involuntárias, a perspectiva do arguido, assim se justificando,
naqueles casos, o apelo aos princípios do «fair play» e do «due process», sendo
que, estes princípios concretizam-se, como doutíssimamente refere a arguida
Natércia no seu recurso para o STJ, na «... não concessão de favores ao Estado
em detrimento das garantias de defesa do arguido...», pelo que,
11 - «... processo equitativo, no caso vertente, em que o arguido, em processo
penal, foi condenado em 1ª instância, é por certo impeditivo de que seja
concedido ao acusador, para efeitos de pedir a agravação da sua condenação, um
prazo para apresentação da respectiva motivação largamente superior... » […].
12 - Refira-se, finalmente que, em processo penal, a motivação constitui, tão só
e somente, a enunciação dos fundamentos do recurso com a função de delimitar o
respectivo objecto (podendo os recorrentes desenvolver a fundamentação nas
alegações por regra a produzir oralmente no tribunal de recurso – art.s 411º n.º
4 e 423º do C.P.P.), sendo, por isso, compatível – mesmo perante acórdãos
extensos e complexos – com um prazo de 15 dias contado da data da decisão
proferida em audiência de julgamento para a apresentação da correspectiva
motivação recursiva.
Face ao exposto, e não obstante a jurisprudência do Acórdão 186/2004 (o único
que, em bom rigor, se refere, expressamente, ao prazo de apresentação da
motivação recursiva quando o respectivo recurso haja sido interposto por
declaração na acta, como, aliás, o próprio Acórdão reconhece quando afirma «...
é a primeira vez que a conformidade constitucional desta específica dimensão
normativa vem colocada ao Tribunal Constitucional...»), definida, insiste-se,
para salvaguarda das garantias de defesa do arguido e não avaliando, por isso, o
especial estatuto do MºPº, o aqui reclamante, s.r.m.o., considera que merece
censura do ponto de vista da sua conformidade constitucional a interpretação
perfilhada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de permitir
que o MºPº – titular da acção penal – que interpôs recurso na acta possa
apresentar a respectiva motivação no prazo de 15 dias contado a partir do
depósito da peça decisória, por violação das garantias de defesa do arguido em
processo criminal (concretamente o direito a ser julgado no mais curto prazo
compatível com as suas garantias de defesa), do princípio da tutela
jurisdicional efectiva e dos princípios da legalidade e da segurança jurídicas,
consagrados, respectivamente, nos art.s 32º, 20º n.ºs 4 e 5, 202º n.º 2 e 205º
da C.R.P.,
[...].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional respondeu assim à reclamação apresentada (fls. 2476):
“1º - A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
2º - Na verdade, a confusa e prolixa argumentação do recorrente – em larga
medida desfocada e totalmente irrelevante para a dirimição da questão de
constitucionalidade suscitada – em nada abala o fundamento «nuclear» da decisão
reclamada: o entendimento, expresso em jurisprudência uniforme e reiterada de
que – e naturalmente em relação a qualquer sujeito processual – não é compatível
com o princípio do «processo equitativo» um regime processual que envolvesse o
ónus de fundamentação da impugnação deduzida sem que o recorrente tenha
oportunidade de ter acesso integral ao teor da decisão recorrida.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. A decisão sumária reclamada, que negou provimento ao recurso
interposto para o Tribunal Constitucional, em consequência do julgamento de não
inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do recurso,
fundamentou-se na jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a
questão identificada pelo recorrente.
Tal decisão sumária foi proferida ao abrigo do disposto no
artigo 78º-A, n.º 1, da LTC, uma vez que se encontravam preenchidos, no caso, os
pressupostos que esta disposição exige para uma decisão individual do relator no
Tribunal Constitucional. Na verdade, nos termos do citado artigo 78º-A, n.º 1,
“se entender que [...] a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma
já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal [...], o relator profere
decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior
jurisprudência do Tribunal”.
Na reclamação agora deduzida, o reclamante manifesta o seu
desacordo relativamente à decisão sumária emitida nos autos e à doutrina
subjacente aos acórdãos proferidos por este Tribunal, reiterando a sua opinião
no sentido da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 411º, n.º 3, 2ª
parte, do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de
Agosto, interpretada no sentido de “consentir que o Ministério Público que
interpôs recurso na acta possa apresentar a respectiva motivação no prazo de 15
dias contado a partir do depósito da respectiva peça decisória”.
Todavia, a argumentação do reclamante em nada abala o
fundamento essencial da decisão sumária reclamada: o entendimento, expresso em
jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional – e que não pode
deixar de valer em relação a qualquer sujeito processual –, no sentido de que
não seria compatível com o princípio do “processo equitativo” um regime
processual que envolvesse o ónus de fundamentação da impugnação deduzida sem que
ao recorrente fosse dada a oportunidade de ter acesso integral ao teor da
decisão de que pretende recorrer.
Quanto às considerações tecidas pelo ora reclamante sobre
aquela que entende ser “a única interpretação da 2ª parte do n.º 3 do art. 411º
do C.P.P. compatível com o texto da lei” e sobre “a interpretação ora
propugnada”, apenas há que sublinhar que, “não tendo o Tribunal Constitucional
competência para decidir sobre a melhor (ou a mais correcta) interpretação dos
preceitos da lei ordinária, mas apenas sobre a conformidade constitucional da
interpretação que foi adoptada pelo tribunal recorrido (cfr. a alínea b) do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional), nunca poderia pronunciar-se,
no âmbito do presente recurso, sobre a correcção ou não da interpretação
perfilhada nos autos quanto ao preceito legal impugnado pelo recorrente.
Não sendo invocado na reclamação qualquer argumento novo,
susceptível de pôr em causa a conclusão de não inconstitucionalidade da norma
contida no artigo 411º, n.º 3, 2ª parte, do Código de Processo Penal, na
redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, interpretada no sentido de
“consentir que o Ministério Público que interpôs recurso na acta possa
apresentar a respectiva motivação no prazo de 15 dias contado a partir do
depósito da respectiva peça decisória”, nada mais resta pois do que confirmar o
decidido.
III
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão
reclamada, que negou provimento ao recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (
vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Março de 2007
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos