Imprimir acórdão
Processo n.º 554/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Nos presentes autos, emergentes de um processo de falência em que era
requerida A. L.d.ª e requerente o Ministério Público foi, em 6 de Abril de 2006,
proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora, que recusou a aplicação das
normas dos artigos 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de
Dezembro, e 486.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, na medida em que
determinam que, havendo decisão negativa do serviço de segurança social, quanto
a pedido de apoio judiciário, o pagamento da taxa de justiça inicial do processo
judicial a que se referia esse pedido deve efectuar-se no prazo de 10 dias a
contar da notificação dessa decisão, com fundamento na sua
inconstitucionalidade. Consequentemente, o referido acórdão concedeu provimento
ao recurso interposto pela requerida e revogou o despacho de 2 de Novembro de
2004 do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Almeirim que determinara o pagamento
da taxa de justiça inicial antes da decisão do recurso da decisão denegatória de
apoio judiciário, e condenara a agravante em multa. Pode ler-se nesse aresto:
«(...)
A questão central do presente recurso consiste em saber se a agravante procedeu
ao pagamento da taxa de justiça inicial fora de prazo e se, consequentemente,
está obrigada ao pagamento da multa cominada pelo atraso.
Os factos a atender para o conhecimento e decisão do objecto do recurso são os
que se deixaram anteriormente extractados.
Vejamos, então:
A Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, vigente ao tempo da formulação do pedido
de apoio judiciário, atribuiu aos serviços de segurança social a competência
para proferir decisão administrativa sobre a matéria, impugnável, no caso de
indeferimento, para os tribunais judiciais (art.º 29.°).
Assim, no que respeita ao réu ou requerido na acção, se não houver ainda decisão
administrativa no momento em que deva ser efectuado o pagamento das custas e
encargos do processo, fica suspenso o respectivo prazo, até que a decisão seja
comunicada ao requerente – art.º 31.º, n.º 5, al. b).
No entanto, se já houver decisão negativa do serviço de segurança social, o
pagamento é devido desde a data da sua comunicação ao requerente do apoio
judiciário, de acordo com o disposto no Código das Custas Judiciais, sem
prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência do
recurso interposto daquela decisão – art.º 31.°, n.º 5, al. b).
Também o n.º 2 do artigo 486.°-A do CPC determina que o réu proceda ao pagamento
da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da notificação da
decisão que indefira o pedido de apoio judiciário.
Na falta de pagamento, é condenado em multa, de acordo com os n.ºs 3, 4 e 5 do
art.º 486.°-A, sendo depois mandada desentranhar a contestação, se persistir na
omissão do pagamento (n.º 6).
No caso em apreciação, a agravante não liquidou a taxa de justiça inicial no
prazo do n.º 2 do art.º 486.°-A do CPC, nem a multa, procedendo apenas ao
pagamento da taxa de justiça inicial após a decisão do Tribunal que lhe concedeu
o beneficio judiciário na modalidade de dispensa parcial (50%) do pagamento da
taxa de justiça e demais encargos.
Por isso, a questão do desentranhamento da oposição, no processo de falência,
não chegou a colocar-se.
No entanto, a conjugação do regime do art.º 31.°, n.º 5, al. b), da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro, com o regime impositivo do n.º 2 do art.º 486.º-A
do CPC, na redacção do Dec.-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, ao tornar
exigível o pagamento da taxa de justiça inicial antes de julgado o recurso
judicial do despacho administrativo que indeferiu o pedido de apoio judiciário
relativo à dispensa total de taxa de justiça e demais encargos, viola de modo
intolerável o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que enuncia o
princípio do acesso ao direito e aos tribunais, impedindo a denegação de justiça
por insuficiência de meios económicos.
O que obsta a que seja aceitável que a decisão dos serviços da segurança social,
não definitiva, obrigue o requerente do apoio judiciário, carenciado
economicamente para fazer face às despesas do processo, a despender o montante
da taxa de justiça inicial nos 10 dias subsequentes à comunicação do
indeferimento da decisão administrativa, impossibilitando ou dificultando em
grau intolerável o efectivo acesso ao tribunal.
Por outro lado, o direito ao reembolso das quantias pagas no caso de procedência
do recurso interposto da decisão administrativa que denegou o apoio judiciário
(art.º 31.º, n.º 5, al. b), parte final), não constitui solução adequada ou,
sequer, satisfatória, pois não pode exigir-se a quem invoca insuficiência
económica que pague em momento anterior à da apreciação definitiva do recurso da
decisão administrativa.
Assim, acorda-se em desaplicar, por inconstitucionalidade material, as normas
dos artigos 31.°, n.º 5, al. b), da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e
486.°-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, no segmento em que se determina
que, havendo decisão negativa do serviço de segurança social, o pagamento da
taxa de justiça inicial deve efectuar-se no prazo de 10 dias a contar da
notificação dessa decisão.
E, em consequência, conceder provimento ao agravo, embora por razões distintas
das alegadas, revogando-se o despacho que determinou o pagamento da taxa de
justiça inicial antes da decisão do recurso judicial e condenou a agravante em
multa.
Não são devidas custas (art.º 2.°, n.º 1, al. g), do CCJ).»
Dessa decisão interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal
Constitucional, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, para obter a
reapreciação da conformidade constitucional daquela norma.
2.Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações que o
representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional encerrou
desta forma:
«1 – O direito de acesso à justiça e aos tribunais constitui direito fundamental
que não pode ser afectado, na sua plenitude e efectividade, por uma situação de
carência económica do interessado, cabendo sempre ao tribunal – e não a uma
entidade administrativa – a ‘última palavra’ sobre a verificação dos
pressupostos do apoio judiciário pretendido pelo requerente que se não conforme
com a decisão negativa dos serviços de Segurança Social.
2 – É inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da
República Portuguesa, a interpretação normativa, extraída dos artigos 31.º, n.º
5, alínea b), da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.º-A, n.º 2, do
Código de Processo Civil, segundo a qual é devido o pagamento da taxa de justiça
inicial nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa da Segurança
Social sobre o pretendido apoio judiciário, mesmo na pendência de impugnação
judicial de tal decisão, e sendo a ‘mora’ da parte sancionada, nos termos do
artigo 486.º-A, do Código de Processo Civil, nomeadamente, através da imposição
ao interessado de uma multa processual, independentemente da procedência (total
ou parcial) dessa impugnação judicial.»
A recorrida não contra-alegou.
Cumpre apreciar e dedicir.
II. Fundamentos
3.Com efeito, é a seguinte a redacção do artigo 31.°, n.º 5, alínea b), da Lei
n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro:
“Artigo 31.º
(…)
5 — Verificando-se que no momento em que deva ser efectuado o pagamento das
custas e encargos do processo judicial a que se refere o pedido de apoio
judiciário não é ainda conhecida a decisão final quanto a este, proceder-se-á do
seguinte modo:
(…)
b) Tendo havido já decisão negativa do serviço de segurança social, o pagamento
é devido desde a data da sua comunicação ao requerente, de acordo com o disposto
no Código das Custas Judiciais, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias
pagas no caso de procedência do recurso interposto daquela decisão.”
Por sua vez, o artigo 486.°-A, n.º 2, do Código de Processo Civil dispõe como se
segue:
“Artigo 486.º-A
(Documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça)
(…)
2. No caso previsto na parte final do número anterior, o réu deve juntar ao
processo o documento comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça inicial
no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de
apoio judiciário.
(…).”
A decisão recorrida recusou expressamente, por inconstitucionalidade, a
aplicação dos transcritos preceitos quando comportem um sentido interpretativo
de acordo com o qual é devido o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias
subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de segurança social
sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de recurso interposto de
tal decisão.
Por outro lado, como sublinha o Ministério Público nas suas alegações, na
presente aferição da compatibilidade constitucional está igualmente em causa a
dimensão normativa tocante ao regime sancionatório estatuído nos n.ºs 3, 4 e 5
do artigo 486.º-A do CPC, tendo havido recusa implícita de aplicação da
imposição do pagamento da multa aí prevista e associada ao atraso no pagamento
da taxa de justiça inicial, em consequência da recusa de aplicação normativa do
regime previsto nos artigos 31.°, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 30-E/2000, de 20
de Dezembro, e 486.°-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, com o sentido
interpretativo atrás enunciado.
É o seguinte o teor dos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 486.º-A do CPC:
“(…)
3. Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça
no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria
notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com
acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10
UC.
4. Após a verificação, por qualquer meio, do decurso do prazo referido no n.º 2,
sem que o documento aí mencionado tenha sido junto ao processo, a secretaria
notifica o réu para os efeitos previstos no número anterior.
5. Findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no n.º 3, se não
tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça
inicial e da multa por parte do réu, o juiz profere despacho nos termos da
alínea b) do n.º 1 do artigo 508.º, convidando o réu a proceder, no prazo de 10
dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de
valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 10 UC.
(…).”
Sendo assim, a dimensão normativa que integra o objecto do presente recurso pode
ser precisada como sendo a correspondente à interpretação dos artigos 31.°, n.º
5, alínea b), da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.°-A, n.ºs 2, 3, 4 e
5 do Código de Processo Civil, segundo a qual é devido o pagamento da taxa de
justiça inicial nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do
serviço de segurança social sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na
pendência de recurso interposto de tal decisão, sendo o atraso no pagamento
cominado com multa.
4.Segundo a interpretação adoptada pelo Tribunal a quo, a fixação de um efeito
não suspensivo para o recurso jurisdicional da decisão administrativa que
indeferiu o pedido de apoio judiciário viola o disposto no artigo 20.º, n.º 1,
da Constituição, que enuncia o princípio do acesso ao direito e aos tribunais,
implicando uma denegação de justiça por insuficiência de meios económicos,
decorrente da exigibilidade do pagamento da taxa de justiça inicial desde a data
da comunicação daquela decisão ao requerente.
Vejamos se tal conclusão é de acompanhar.
Sobre o direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição disse-se
recentemente no Acórdão n.º 602/2006 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt):
«[…]
Está constitucionalmente consagrado o princípio de que a todos é assegurado o
acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da Lei Fundamental).
Variada tem sido a jurisprudência deste Tribunal emitida a respeito de um tal
princípio.
Assim, e sempre enfrentando problemas em torno de normas (ou interpretações
normativas) de onde resulte uma impossibilidade ou uma acentuada dificuldade de
acesso à justiça motivada pela obrigação de pagamento de determinadas quantias
condicionadoras do exercício do acesso ao direito e aos tribunais, têm sido
múltiplos os juízos formulados a este respeito por este órgão de administração
de justiça.
O fio condutor dessa jurisprudência, que não tem deixado de sublinhar que a
garantia que decorre do n.º 1 do art.º 20.º do Diploma Básico não pode ser
perspectivada como «uma mera ou simples afirmação proclamatória», poderá ser
condensado nas palavras utilizadas no Acórdão n.º 30/88 (in Diário da República,
I Série, de 10 de Fevereiro de 1988), citando o Parecer n.º 8/87 da Comissão
Constitucional, e segundo as quais a Constituição deveria ter-se “por violada
sempre que, por insuficiência de tais meios, o cidadão pudesse ver frustrado o
seu direito à justiça, tendo em conta o sistema jurídico‑económico em vigor para
o acesso aos tribunais na ordem jurídica portuguesa”, pois que aquele diploma
fundamental “indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso
aos tribunais”, propõe-se “afastar neste domínio a desigualdade real nascida da
insuficiência de meios económicos, determinando expressamente que tal
insuficiência não pode constituir motivo para denegação da justiça”.
[…].»
Anteriormente, escreveu-se no Acórdão n.º 491/2003 (igualmente disponível em
www.tribunalconstitucional.pt):
«[…]
Como já tem sido reafirmado por várias vezes por este Tribunal, a nossa Lei
Fundamental não consagra o direito a uma justiça gratuita. Ao legislador
ordinário é lícito exigir o pagamento de custas judiciais, podendo optar por um
sistema de custas mais barato ou mais caro ou conceder o benefício do apoio
judiciário em termos mais ou menos generosos. Ponto é que, no delineamento do
sistema de custas judiciais, se não torne impossível ou particularmente oneroso
o direito de acesso aos tribunais, sob pena de violação deste direito
fundamental consagrado no art.º 20.º da CRP.
Tal baliza funciona como limite à restrição constitucionalmente permitida de tal
direito ou garantia fundamental, de acordo com o disposto no art.º 18.º, n.os 2
e 3 da CRP (cf., entre outros, os acórdãos n.os 352/91, 467/91 e 646/98,
publicados no D. R. II Série, respectivamente, de 17 de Dezembro de 1991, 2 de
Abril de 1992 e 3 de Março de 1999).
[…]».
Sobre o tema afirmou-se também já no Acórdão n.º 467/91 (publicado no Diário da
República, II Série, de 2 de Abril de 1992) que a garantia constitucional do
acesso ao direito e aos tribunais possui uma dupla dimensão: uma dimensão de
defesa (defesa dos direitos através dos tribunais); e uma dimensão
“prestacional” (dever de o Estado assegurar meios tendentes a evitar a denegação
da justiça por insuficiência de meios económicos). Acrescentou-se de seguida que
essa irredutível dimensão de defesa da tutela jurisdicional dos direitos postula
soluções legislativas que assegurem um acesso igual e efectivo aos tribunais,
impedindo o legislador de adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o
cidadão médio de aceder à justiça e obrigando-o a assegurar às pessoas
economicamente carenciadas formas de apoio que viabilizem a salvaguarda dos seus
direitos.
Encarando o problema da conformidade constitucional da previsão do efeito do
desentranhamento da alegação apresentada e da impossibilidade de apreciação
jurisdicional da impugnação da decisão administrativa sobre a concessão de apoio
judiciário, uma vez verificada a falta do pagamento da taxa de justiça inicial,
o Acórdão n.º 420/2006 (também disponível em www.tribunalconstitucional.pt) veio
a julgar inconstitucionais as normas dos artigos 6.º, n.º 1, alínea o), 14.º,
n.º 1, alínea a), 23.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, alínea c), 28.º e 29.º do Código das
Custas Judiciais, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de
Dezembro, quando interpretadas no sentido de que a impugnação judicial da
decisão administrativa sobre a concessão de apoio judiciário não está dispensada
do pagamento prévio da taxa de justiça inicial, calculada com referência ao
valor da causa principal, e determinando a omissão do pagamento o
desentranhamento da alegação apresentada e a preclusão da apreciação
jurisdicional da impugnação deduzida. Para chegar a tal conclusão, ponderou-se o
seguinte:
“Na verdade, se a resolução da questão da insuficiência de meios económicos para
suportar os custos de um processo estiver, ela própria, condicionada ao
pagamento de uma taxa de justiça prévia, imperioso se torna concluir que os
requerentes de apoio judiciário que não possuam tais meios – e não pode
obviamente excluir-se a hipótese de existirem requerentes nessa situação, a quem
a Administração indevidamente negou o apoio judiciário – nunca têm acesso aos
tribunais, quer para discutir o acerto da decisão administrativa que lhes
indeferiu o pedido de apoio judiciário, quer para, em última análise,
sustentarem em juízo as suas pretensões.”
Todavia, como salienta o Ministério Público nas suas alegações,
«No caso ora em apreciação – e face ao teor do acórdão recorrido – não estará em
causa a produção de um efeito preclusivo (acentua-se expressamente que está fora
de questão o “desentranhamento da oposição” deduzida em processo de falência) –
apenas podendo conduzir a situação de “mora” no pagamento da taxa de justiça
inicial à imposição da multa já oportunamente liquidada nos autos, como
decorrência de não ter sido paga atempadamente a taxa de justiça inicial
correspondente à dedução de oposição à falência.
Ou seja: estará em causa, não propriamente uma preclusão processual –
consistente em denegar relevância ao acto processual de oposição praticado, com
base no não pagamento da taxa de justiça inicial que seria devida, mesmo na
pendência da impugnação judicial inserida no procedimento de apoio judiciário –
mas antes o sancionamento ou cominação de ordem tributária, associada a tal
situação de “mora”.
Note-se que, neste circunstancialismo, não se discute apenas a mera
exigibilidade antecipada do débito de custas, mas a legitimidade da imposição a
quem alega estar em situação de carência económica, questionando fundadamente a
decisão administrativa que a não reconheceu, de uma verdadeira sanção pecuniária
pelo não pagamento tempestivo da taxa de justiça inicial correspondente à
actividade processual desenvolvida pelo interessado.»
Esta diferença não altera, porém, para o Ministério Público, o juízo a fazer
sobre a conformidade constitucional da norma, que entende ser igualmente de
inconstitucionalidade:
«E é precisamente este quadro ou natureza sancionatória da multa processual que
nos parece incompatível com a plenitude do direito de acesso aos tribunais,
exercido necessariamente sem os constrangimentos decorrentes de uma possível
situação de carência económica da parte (aliás, em parte verificada
supervenientemente pelo tribunal): o carácter desproporcionado deste
sancionamento decorre, desde logo, da circunstância de o mecanismo do “direito
ao reembolso” das quantias pagas, previsto no citado artigo 29.º, n.º 5, alínea
b), não se configura como solução plenamente idónea e adequada, não abrangendo
possivelmente o valor cominado a título de multa processual e que o interessado
normalmente teria de satisfazer, sob pena de acabar por incorrer nas preclusões
processuais previstas para o incumprimento da sanção “tributária” inicialmente
imposta: assente que a obrigação de pagar a taxa de justiça inicial vincula
legitimamente a parte, devendo ser satisfeita nos 10 dias subsequentes à
notificação do indeferimento administrativo, é manifesto que a “causa” de tal
multa sempre seria de imputar a um comportamento voluntário da parte, nada
tendo, portanto, a ver com a restituição de quantias adiantadas a título de
custas por quem, afinal, por decisão judicial, se veio a verificar estar isento
ou dispensado do seu pagamento.»
5.Com efeito, não pode deixar de se concordar com os termos da decisão
recorrida, no sentido da inconstitucionalidade, por violação do direito de
acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da
Constituição, da interpretação normativa dos artigos 31.°, n.º 5, alínea b), da
Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.°-A, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do Código de
Processo Civil, segundo a qual é devido o pagamento da taxa de justiça inicial
nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de
segurança social sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de
recurso interposto de tal decisão, sendo o atraso de pagamento sancionado com
multa.
A garantia consagrada no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição impõe que o acesso
aos tribunais não seja vedado em função da condição económica das pessoas
(singulares e colectivas). É, porém, isto o que sucede quando a lei constrange a
parte em situação de insuficiência económica, e que interpôs recurso da decisão
negativa do serviço de segurança social, a pagar uma multa unicamente porque não
tem meios económicos para pagar logo a taxa de justiça inicial correspondente à
sua actividade processual.
Para a conclusão de que a dimensão normativa assinalada viola o direito de
acesso aos tribunais consagrado naquele normativo da Lei Fundamental não pode
deixar, também de se ter presente o quantitativo concreto da taxa de justiça
devida – e em parte já paga, depois da decisão do Tribunal que concedeu o
benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa parcial (50%) do
pagamento da taxa de justiça e demais encargos) –, calculada com base no (novo e
elevado) valor atribuído à acção (de € 256.211, 01), bem como da multa exigida,
de € 890,00 (fl. 161 dos autos) e de € 2.136,00 (fl. 162 dos autos), montantes
que podem ter como efeito impedir o recurso ao tribunal por parte de interessado
desprovido de condições económicas que lhe permitam efectuar o respectivo
pagamento.
Admite-se que o direito a aceder ao tribunal para dele obter a solução jurídica
de uma situação de conflitualidade não impõe uma única solução do regime do
apoio judiciário, equacionável em termos rígidos. Mas a expectativa inicial do
provável “custo” da iniciativa, pela multa em que se pode ser condenado mesmo
tendo direito a apoio judiciário, é elemento de dissuasão da parte em situação
de insuficiência económica, podendo configurar-se como encargo impeditivo do
acesso ao tribunal a exigência de pagamento da taxa de justiça inicial logo nos
10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de segurança
social sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de recurso
interposto de tal decisão, e sendo o atraso no pagamento cominado com multa.
Interessa, ademais, considerar que o “direito ao reembolso” das quantias pagas
no caso de procedência do recurso interposto da decisão negativa do serviço de
segurança social, previsto no artigo 31.°, n.º 5, alínea b), da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro, não abrangerá, possivelmente, o valor cominado a
título de multa, como bem salienta o Ministério Público nas suas alegações. Isto
mesmo se afirmou no Acórdão n.º 197/2006 (também disponível no sítio da Internet
www.tribunalconstitucional.pt):
«[…]
O facto de o interessado beneficiar de apoio judiciário não o dispensa do
pagamento das multas processuais que sejam condição de validade dos actos
praticados com inobservância dos prazos peremptórios, a que se refere o artigo
145.º do CPC. Efectivamente, como se afirma no acórdão n.º 17/91, publicado no
Boletim do Ministério da Justiça, n.º 404 (cfr. também, além do acórdão citado
no despacho reclamado, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março
de 1994, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,
ano II, tomo I, pág. 167), essa multa não cabe no conceito legal de custas
(artigo 1.º e artigo 74.º do Código das Custas Judiciais), nem está abrangida no
elenco de benefícios do apoio judiciário (artigo 15.º da Lei n.º 30-E/2000, de
20 de Dezembro).
Contra este entendimento não milita o elemento teleológico de interpretação da
lei, nem o princípio da interpretação conforme à Constituição, designadamente o
direito de acesso aos tribunais e o direito a um processo equitativo (artigo
20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição). Uma vez obtida a concessão do apoio
judiciário, traduzido na dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o
processo, a parte com insuficiência económica não pode considerar-se impedida,
por causa dessa insuficiência, de defender judicialmente os seus direitos e
interesses legalmente protegidos. E fica colocada no mesmo plano de igualdade
que o interessado que possa suportar esses pagamentos. Ambas têm de se submeter
às regras processuais, nomeadamente quanto a prazos, só podendo praticar o acto
fora de prazo em caso de justo impedimento ou com multa. É certo que, no plano
fáctico, a multa pesa diferentemente em função da situação económica de quem a
suporta. Mas a multa é consequência da inobservância do prazo, pelo que, suposta
a razoabilidade deste, a parte se queixará de si própria. Resquício de objecções
que possam subsistir – e só poderão emanar de considerações relativas ao direito
a um processo equitativo, na vertente do princípio da igualdade – são corrigidas
pelo n.º 7 do artigo 145.º do CPC.
[…]».
Estando constitucionalmente consagrado o princípio de que a todos é assegurado o
acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos, é patente que se a parte for considerada – como acabou por acontecer
no caso de onde emergiu o vertente recurso – como estando numa situação
económica tal que lhe não permita custear (pelo menos a totalidade das) despesas
processuais, a dimensão normativa em causa vai, em verdade, actuar como um
obstáculo ao acesso ao tribunal, vendo-se o interessado privado de praticar o
acto processual por insuficiência de meios económicos.
6.Pelo que se expôs, é de concluir que a dimensão normativa cuja aplicação foi
recusada pela decisão recorrida, extraída dos artigos 31.°, n.º 5, alínea b), da
Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.°-A, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do Código de
Processo Civil, segundo a qual é devido o pagamento da taxa de justiça inicial
nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de
segurança social sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de
recurso interposto de tal decisão, e sendo o atraso no pagamento sancionado com
multa, não garante o acesso aos tribunais por parte daquele que carece de meios
económicos suficientes para suportar os encargos inerentes ao desenvolvimento do
processo judicial, designadamente taxa de justiça e multa.
Conclui-se, assim, que é inconstitucional a dimensão normativa cuja aplicação
foi recusada na decisão recorrida, por ofensa da garantia de não denegação de
justiça por insuficiência de meios económicos, prevista no artigo 20º, n.º 1, da
Constituição.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da
Constituição, a norma que resulta dos artigos 31.°, n.º 5, alínea b), da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.°-A, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do Código de Processo
Civil, na interpretação segundo a qual é devido o pagamento da taxa de justiça
inicial nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de
segurança social sobre o respectivo pedido de apoio judiciário, mesmo na
pendência de recurso interposto de tal decisão, e sendo o atraso no pagamento
sancionado com multa processual.
b) Por conseguinte, confirmar o juízo de inconstitucionalidade constante
da decisão recorrida, negando provimento ao recurso.
Lisboa, 8 de Março de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos