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Processo nº 32/2007
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 29 de Janeiro de 2007 o relator proferiu
a seguinte decisão: –
“1. Inconformado com sentença proferida em 21 de Dezembro de 2004
pelo Juiz do 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto
– e por via da qual foi julgado improcedente o recurso contencioso de anulação
do despacho exarado em 16 de Abril de 2002 pelo Director Coordenador dos
Serviços da Caixa Geral de Aposentações, que lhe indeferiu um pedido de
actualização extraordinária da sua pensão – recorreu para o Supremo Tribunal
Administrativo A..
Na alegação adrede produzida, o recorrente não impostou qualquer
questão de inconstitucionalidade reportadamente a dada norma ou dadas normas
constante do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Na verdade, naquela peça processual tão só se lobrigam as seguintes
asserções em que são feitas referências a normas ou princípios constitucionais:
–
‘(…)
15º – Por último e para não alongar mais estas alegações, atente-se
na violação do princípio da igualdade denunciado nas alegações apresentadas no
TAC do Porto, em cumprimento do artº 67º do RSTA.
Aí se indicam alguns dos muitos designados peritos tributários que
foram aposentados como chefes de repartição.
O tratamento diferente dado ao recorrente, além de implicar
violação dos preceitos legais invocados nesta alegação, viola também o princípio
constitucional da igualdade, consagrado no art.º 13º da Lei Fundamental.
Conclusões:
(…)
5ª – A argumentação do Meritíssimo Juiz ‘a quo’, correspondente aos
fundamentos da C.G.A. sobre o presente caso, está eivada de evidentes erros,
quer de facto, quer de direito, com violação entre outros do artigo 54º, alínea
a) do Dec. n.º 45095, de 29/06/63, 111º, n.º 2 do Dec. Reg. 12/79, de 16 de
Abril, 22º, 23º e 70º do Dec. Reg. n.º 42/83, de 20 de Maio e 44º, n.º 1, do
Dec. Lei n.º 498/72, de 09 de Dezembro, bem como do art.º 13º da Constituição da
República Portuguesa e ainda dos princípios que regem a não retroactividade da
Lei.’
Tendo-se o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 29 de
Setembro de 2005, julgado incompetente para conhecer do recurso jurisdicional,
considerando competente para tanto o Tribunal Central Administrativo, para o
qual determinou a remessa dos autos, este último órgão de administração de
justiça, por aresto de 26 de Outubro de 2006, negou provimento ao recurso.
Fez então o recorrente juntar aos autos requerimento com o seguinte
teor: –
‘A., recorrente nos autos em epígrafe em que é recorrida a
Caixa Geral de Aposentações, notificado do douto Acórdão deste Tribunal que
negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida e com ele não se
conformando, vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional com os
seguintes fundamentos:
A – O douto Acórdão em crise não admite recurso ordinário para o
STA;
B – Da admissibilidade do presente recurso:
O presente recurso é admissível porque se funda na alínea b), do
art.º 70º;
O recorrente tem para tal legitimidade – art.º 72º, n.º 1, al. b);
e está em tempo – art.º 75º, n.º 1, todos da Lei do Tribunal Constitucional –
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as sucessivas alterações que lhe foram
introduzidas.
C – Do cumprimento do art.º 75º - A da mesma Lei:
É materialmente inconstitucional, por violação do art.º 59º, n.º 1,
al. a) da CRP, enquanto corolário do princípio da igualdade consagrado no art.º
13º, a norma do art.º 7º, da Lei n.º 3-C/2000, de 29/12, na interpretação
segundo a qual a categoria referência que foi tomada em linha de conta para
efeitos de cálculo da pensão de aposentação do recorrente foi a de perito
tributário de 1ª classe quando é certo que, em 30/11/89, data em que se
aposentou, tinha o cargo e exercia as funções de Chefe de Repartição de Finanças
de 1ª Classe, em Vila Real. Esta interpretação do referido preceito é
inconstitucional por violar o aludido princípio da igualdade, já que para muitos
outros funcionários, exactamente em igualdade de circunstâncias com o
recorrente, a interpretação do preceito citado foi diferente, considerando-se
para todos eles, como categoria de referência, a de chefe de repartição de
finanças.
Foi o caso das aposentações em que se usou interpretação diferente,
as constantes no D.R., II Série, n.º 21, de 25/01/85, onde se lê na respectiva
lista de aposentações os seguintes exemplos:
– B., perito tributário de 2ª classe a exercer funções de Chefe de
Repartição de 2ª Classe na D.G.C.I.;
– C., perito tributário de 1ª classe a exercer funções de Chefe de
Repartição de 1ª Classe na D.G.C.I.;
– D., perito tributário de 2ª classe a desempenhar funções como
adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe na D.G.C.I.;
– E., perito tributário de 2ª classe a desempenhar as funções como
adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe na D.G.C.I..
Todos estes foram aposentados como chefes de repartição.
O mesmo aconteceu com F. – Chefe de Repartição de Finanças de 1ª
Classe na D.G.C.I. que preencheu a vaga deixada pelo recorrente.
Outros mais existem em que a diferença notória de interpretação das
normas aplicáveis conduziu à violação do referido princípio constitucional,
considerando-se categoria de referência para o recorrente, para efeitos de
aposentação, uma diferente da considerada para todos os outros que se
encontravam precisamente nas mesmas circunstâncias, e que, para além dos
indicados constam no D.R. – II Série, n.º 123, de 28/05/92 e D.R. – II Série, nº
147, de 29/06/92.
A violação deste princípio foi sobejamente referida ao longo de
todo o processo, destacando-se, de entre as várias peças processuais, aquela que
foi junta em cumprimento do art.º 54º, n.º 1 da LPTA – D.L. n.º 267/85, de 16 de
Julho.’
O recurso interposto pelo transcrito requerimento foi admitido por
despacho exarado em 16 de Novembro de 2006 pelo Relator do Tribunal Central
Administrativo Norte, vindo os autos a ser remetidos ao Tribunal Constitucional
em 5 de Janeiro de 2007.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº
76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não
deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei,
a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento do objecto da
presente impugnação.
Na verdade, tratando-se, como se trata, de um recurso ancorado na
alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mister é, inter alia, que a
questão de desarmonia constitucional normativa tivesse, antes do proferimento da
decisão intentada impugnar perante o Tribunal Constitucional, sido impostada.
Ora, como resulta do «relato» supra levado a efeito, debalde se
vislumbra na alegação produzida no recurso jurisdicional interposto da sentença
proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto qualquer asserção de onde
se extraia a imputação, a um dado normativo, designadamente ao ínsito no artº 7º
da Lei nº 13-C/2000, de 29 de Dezembro, do vício de enfermidade constitucional.
Efectivamente, antes optou o ora recorrente por assacar à sentença
então lavrada – que teria acolhido a tese do despacho recorrido contenciosamente
– a violação do princípio da igualdade por ter dado ao caso então em apreciação
um tratamento desigual confrontadamente com outros.
Ora como sabido é, e resulta da Constituição e da Lei nº 28/82, o
objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade é
constituído por normas e não por outros actos do poder público tais como, verbi
gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
Por isso não é possível, quando se imputa ao acto jurisdicional o
vício de enfermidade com a Lei Fundamental, abrir-se a via do recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso em
apreço, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de
justiça em sete unidades de conta.”
Da transcrita decisão reclamou o impugnante A.,
fazendo-o por intermédio de requerimento em que se consignou: –
“A., recorrente nos autos em referência em que é recorrida a Caixa
Geral de Aposentações, notificado que foi da decisão sumária que lhe nega o
conhecimento do objecto do recurso e com ela não se podendo conformar, vem
reclamar para a Conferência ao abrigo do disposto no arte 78º-A/3, da Lei do
Tribunal Constitucional.
E assim,
Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal Constitucional
Excelência
Entendeu o Meritíssimo Senhor Juiz Conselheiro Relatar no processo em apreço
determinar não conhecer do mérito do mesmo porquanto aqui referimos os
fundamentos em síntese – as arguidas questões de constitucionalidade não foram
suscitadas no recurso jurisdicional interposto da sentença proferida no TAFP, já
que nesse recurso não se vislumbra qualquer asserção de onde se extraia a
imputação, a um dado normativo, designadamente ao ínsito no artº 7º da Lei nº
13-C/2000, de 29 de Dezembro, do vício de enfermidade constitucional.
Mais entendeu o Excelentíssimo Senhor Relator que o recorrente antes optou por
assacar à sentença então lavrada –que teria acolhido a tese do despacho
recorrido contenciosamente – a violação do princípio da igualdade por ter dado
ao caso então em apreciação um tratamento desigual confrontadamente com outros.
Sem prejuízo da imensa consideração que nos merece o Excelentíssimo Senhor
Conselheiro Relator, assim como todos os Excelentíssimos Senhores Juízes
Conselheiros que compõem este Alto Tribunal, ousamos discordar da douta decisão
de não se tomar conhecimento do objecto do recurso em apreço.
Na verdade, está em causa e sempre esteve em causa a interpretação e consequente
aplicação do artº 7º da Lei nº 30-C/2000, de 29 de Dezembro, bem como o artº 44º
do Estatuto da Aposentação – D.L. nº 498/72, de 09 de Dezembro – que estatui no
seu nº 1 que o subscritor é aposentado pelo Último cargo em que esteja inscrito
na Caixa.
Disse-se então nas alegações do recurso jurisdicional dirigido ao TCA-Norte que
a inscrição do recorrente na Caixa constitui um acto puramente formal e tendo
ele, na realidade, sido chefe de repartição de finanças, com efectivo exercício,
desde 02/11/78 até à data da sua aposentação, em 30/11/84, aquela formalidade
não podia prevalecer sobre o efectivo cargo e funções do recorrente, pelo que a
inscrição na caixa, estando errada, deveria ser corrigida.
No tocante ao recorrente a interpretação dos citados artºs 44º do
Estatuto da Aposentação e 7º da Lei nº 13-C/2000, foi no sentido puramente
literal de validar o que constava como inscrição na CGA e, em consequência
aplicar-lhe o artº 7º da Lei nº 13-C/2000, considerando-o perito tributário de
1ª classe e não chefe de repartição de finanças.
Para muitos outros aposentados, e esses estão indicados e
identificados nos autos (v.g. nas alegações produzidas no TAC do Porto, em
cumprimento do disposto no artº 67º do RSTA e na resposta produzida nos termos
do nº 1 do artº 54º da LPT A – Lei de Processo nos Tribunais Administrativos) a
interpretação do Estatuto da Aposentação e subsequente aplicação da Lei nº
13-C/2000 foi no sentido de se desprezar o cargo em que se encontravam inscritos
na Caixa, antes fazer prevalecer o cargo e funções que na realidade tinham e
exerciam quando foram aposentados.
Situações de tratamento totalmente diversas, que beneficiaram uns e prejudicaram
outros.
Ou seja:
O recorrente estava inscrito na CGA como perito tributário de 1ª classe mas, na
realidade, o seu cargo e funções foram de chefe de repartição de finanças.
Não beneficiou do disposto no artº 7º da Lei nº 13-C/2000, de 29 de Dezembro,
porque foi ignorado de todo o efectivo exercício de chefe de repartição de
finanças desde 02/11/78 até à data da sua aposentação –30/1 1/84.
Outros interessados, igualmente inscritos na CGA como peritos tributários de 1ª
classe e com exercício efectivo do cargo e funções de chefes de repartição de
finanças (tal como o recorrente) e esses foram os atrás indicados nos lugares
processuais referidos, foram aposentados como chefes de repartição, tendo
beneficiado do disposto no artº 7° da Lei nº 13-C/2000, de 29 de Dezembro.
Interpretações diferentes das mesmas leis que determinaram violação do princípio
constitucional da igualdade com manifesto prejuízo para o recorrente.
Por tudo isto se disse, na interposição do recurso, para este Alto Tribunal que
‘é materialmente inconstitucional, por violação do arte 59º, nº 1, al. a) da
C.R.P., enquanto corolário do princípio da igualdade consagrado no artº 13°, a
norma do artº 7º, da Lei nº 13-C/2000, de 29 de Dezembro, na interpretação
segundo a qual a categoria referência que foi tomada em linha de conta para
efeitos de cálculo da pensão de aposentação do recorrente foi a de perito
tributário de 1ª classe quando é certo que, em 30/11/84, data em que se
aposentou, tinha o cargo e exercia as funções de chefe de repartição de finanças
de 1ª classe, em Vila Real. Esta interpretação do referido preceito é
inconstitucional por violar o aludido princípio da igualdade, já que para muitos
outros funcionários, exactamente em igualdade de circunstâncias como o
recorrente, a interpretação do preceito citado foi diferente, considerando-se
para todos eles. como categoria de referência, a de chefe de repartição de
finanças.
E o mesmo se diga relativamente à interpretação do artº 44º do Estatuto da
Aposentação – D.L. nº 498/72, de 09 de Dezembro.
Foi isto que se quis dizer em vários passos dos processos
administrativos, e nem outra coisa se pode presumir quando, em sede de alegações
para o TCA-Norte se refere no ponto 15º ‘...atente-se na violação do princípio
constitucional da igualdade denunciado nas alegações apresentadas no TAC do
Porto, em cumprimento do disposto no artº 67º do RSTA.
Aí se indicam alguns dos muitos designados peritos tributários que
foram aposentados como chefes de repartição.
O tratamento diferente dado ao recorrente..., viola também o princípio
constitucional da igualdade, consagrado no artº 13º da Lei Fundamental.’
Outros peritos são indicados na aludida resposta dada em cumprimento do artº
54º, nº 1 da LPTA e outros ainda constam no DR II série, nº 21, de 25/01/1985,
onde se verifica, na lista de aposentações aí referida, existência de vários
indivíduos inscritos na Caixa como peritos tributários e aposentados como chefes
de repartição de finanças.
Dois pesos e duas medidas usados pela CGA que perfilhou um critério diferente e
uma interpretação diferente dos normativos aplicáveis para o recorrente e para
outros aposentados.
Ora, esta violação tem a ver, como resulta dos indicados
processos, com formas diferentes de interpretar os normativos referendados,
causando manifesta desigualdade que a Lei Constitucional não admite.”
Ouvida sobre a reclamação, a Caixa Geral de
Aposentações não veio efectuar qualquer pronúncia.
Cumpre decidir.
2. É manifestamente destituída de razão a
reclamação sub specie.
Na verdade, como se assinalou na decisão agora
impugnada, aquando da alegação do recurso jurisdicional interposto da sentença
prolatada no 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto,
o ora reclamante não equacionou qualquer questão de desarmonia com a Lei
Fundamental por parte de um dado normativo vertido no ordenamento jurídico
infra-constitucional (ainda que alcançado por via de um processo interpretativo
incidente sobre qualquer preceito daquele ordenamento), designadamente o
constante do artº 7º da Lei nº 13-C/2000, de 29 de Dezembro, que veio a
mencionar no requerimento de interposição de recurso para este órgão de
administração de justiça.
A então esgrimida violação do princípio da
igualdade precipitado no artigo 13º da Constituição foi, como deflui do que se
contém na decisão reclamada, imputada à sentença então recorrida e ao acto
contenciosamente impugnado.
As asserções que agora o recorrente, de certo
jeito, vem explicitar no requerimento consubstanciador da reclamação, nunca
foram produzidas na alegação do recurso jurisdicional, sendo certo que não é
momento adequado para a suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa
a respectiva efectivação naquele requerimento.
Assim, e tendo em conta que os recursos
baseados na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 têm por objecto normas
jurídicas e pressupõem a suscitação da desconformidade constitucional dessas
normas antes de ser exarada a decisão judicial que se deseja impugnar perante o
Tribunal Constitucional, é manifesto que, no caso em apreço, não seria possível
tomar conhecimento do objecto do vertente recurso.
É, pois, de indeferir a reclamação ora
deduzida, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa
de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 12 de Março de 2007
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício