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Processo nº 234/2007
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Pelo despacho de fls. 12, não foi admitido o recurso que o arguido A.
interpôs do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que indeferira a arguição de
nulidade de acórdão do mesmo Tribunal que, confirmando a decisão da primeira
instância, o condenara como co-autor material e em concurso real pela prática de
um crime de burla simples, p. e p. no artigo 217º, nº 1 do Código Penal, na pena
de sete meses de prisão, de um crime de falsificação de cheque, p. e p. pelo
artigo 256º, nº 1, a) e b) e nº 3 do mesmo Código, na pena de dez meses de
prisão e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nºs
1, c) e 3, também do Código Penal, na pena de dez meses de prisão e, feito o
cúmulo, na pena única de dezasseis meses de prisão.
O referido despacho considerou o recurso “inadmissível”, nos termos do artigo
400º, nº1, f) do Código de Processo Penal.
Por despacho de fls. 13, foi indeferida a reclamação que o arguido apresentou ao
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, nomeadamente, que a não
admissão de recurso “é um flagrante caso de denegação de justiça e violação das
garantias de processo criminal, ou seja em clara violação do disposto no art.
32º da C.R.P.”.
Segundo este despacho, “abstractamente, nem a cada um dos crimes
integrantes do cúmulo jurídico era aplicável isoladamente pena superior a cinco
anos, nem a pena aplicável a esse cúmulo podia ser superior a cinco anos de
prisão, atento o que se dispõe no art. 77º, nº 2, do CP.
Ora essa situação cai precisamente na previsão da parte final do nº 1 da alínea
e) do art. 400º do CPP.
O acórdão de 04.10.2006 da Relação, ora recorrido, conheceu da nulidade imputada
a acórdão anterior da mesma Relação. E essa nulidade foi correctamente arguida
perante a Relação, atendo o disposto no art. 668º, nº 3, do CPC, aplicável ex vi
do artigo 4º do CPP, porque da decisão do acórdão da Relação não podia haver
recurso, nos termos do art. 400º, nº 1, alínea e), do CPP (…).
E, respeitando a invocação de nulidades a um acórdão irrecorrível, não passa a
ser recorrível a decisão que as apreciou, porque se trata de um processo por
crimes a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos.
Quanto ao direito ao recurso, cabe dizer que o princípio da tutela jurisdicional
efectiva a que alude o art. 20º, nº 1, da CRP se concretiza através da instância
única, só se impondo o direito ao recurso em processo criminal, nos termos do
nº1 do artº 32º da CRP.
E, mesmo neste caso, segundo o Acórdão do T.C. n.º 209/90 (…), o princípio
constitucional das garantias de defesa apenas impõe ao legislador que consagre a
faculdade de os arguidos recorrerem das sentenças condenatórias, e bem assim o
direito de recorrerem de quaisquer actos judiciais que, no decurso do processo,
tenham como efeito a privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros
dos seus direitos fundamentais.
Ora, não é desse tipo a decisão que se pretende seja apreciada por este S.T.J.,
uma vez que se reporta a um problema de nulidades de acórdão.'
A. recorreu deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
sustentando que 'a decisão de que ora se recorre aplicou erradamente o art. 400º
n.º 1 al. f) do CPP, violando assim o art. 32º n.º 1 da CRP, uma vez que negou o
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de um Acórdão do Tribunal da Relação
do Porto que conhecia da questão, suscitada pelo arguido, sobre nulidades
emergentes de um outro acórdão. O recorrente pretende, pois, ver apreciada a
constitucionalidade da norma constante do art. 400º n.º 1 al. f) do CPP, na
interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça lhe dá, no sentido de não ser
inconstitucional a não admissão do recurso para aquela instância superior de um
acórdão proferido pela Relação, em conferência, quanto às nulidades
exclusivamente invocadas e verificadas no acórdão por si proferido.'
O recorrente sustenta que, por esta via, o Supremo Tribunal de Justiça 'impede
que haja, pelo menos, um grau de recurso sobre cada decisão proferida em
Processo Penal, pelo que há uma violação flagrante das garantias de defesa do
arguido'.
Diz ainda que invocou a inconstitucionalidade na 'reclamação para o Supremo
Tribunal de Justiça'.
O recurso não foi, porém, admitido, pelo despacho de fls. 18, por não ter sido
suscitada 'qualquer questão de inconstitucionalidade' na reclamação para o
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, já que o reclamante apenas afirmara
que 'a atitude adoptada pelo Tribunal da Relação do Porto na não admissão do
recurso para esse Venerando Tribunal é um flagrante caso de denegação de
justiça e violação das garantias de processo criminal, ou seja em clara violação
do disposto no artigo 32º da C.P.R.'
Invocando o acórdão n.º 421/2001 do Tribunal Constitucional, o despacho de não
admissão observou que, por esta forma, se não pode considerar suscitada qualquer
questão de constitucionalidade normativa 'de modo processualmente adequado', já
que o recorrente não 'identifica a norma que considera inconstitucional', não
'indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados' nem
'apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade
arguida'.
2. Inconformado, o recorrente veio reclamar para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
sustentando que pusera 'em causa a interpretação dada pelo Tribunal da Relação
do Porto ao art. 400 n.º 1 al. f) do CPP, que é uma interpretação em franca
contradição com o art. 32º n.º 1 da CRP'.
Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do
indeferimento da reclamação, por ser 'manifestamente improcedente', já que 'não
foi suscitada, durante o processo e em termos processualmente adequados,
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base
ao recurso interposto para este Tribunal'.
3. Com efeito, a reclamação é improcedente.
O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas
interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie
a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que
foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido
suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e
não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da
lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de
exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da
República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996).
É, ainda, necessário que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de
ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs
313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série,
respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de
1996); e que a inconstitucionalidade haja sido “suscitada durante o processo”
(citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), como se disse, o que significa que há-de
ter sido colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”
(nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente só
pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade ”durante o
processo” nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto
processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em
momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com
os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II,
de 28 de Maio de 1994).
Para além disso, e como o Tribunal Constitucional também já observou inúmeras
vezes, o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica
que é condição do conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de
repercussão do julgamento que nele venha a ser efectuado na decisão recorrida
(ver, por exemplo, o acórdão deste Tribunal com o nº nº 463/94, publicado no
Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1994).
4. Ora é exacto que, na reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça – é necessário ter em conta que a decisão de que foi interposto o
recurso de constitucionalidade é o despacho de fls.13 – o reclamante não definiu
qualquer norma que, contida na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de
Processo Penal, considerasse inconstitucional. Acusou o despacho que não admitiu
o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de se basear num motivo ali não
previsto, e concluiu que, ao proceder deste forma, o Tribunal da Relação do
Porto estava a violar as garantias do processo criminal e, portanto, o artigo
32º da Constituição.
Mas sobretudo verifica-se que o despacho de fls. 13 não aplicou a al. f) do n.º
1 do artigo 400º do Código de Processo Penal para não admitir o recurso
interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto para o Supremo Tribunal de
Justiça, mas sim a alínea e) do mesmo n.º 1.
O recurso de constitucionalidade, pretendendo a apreciação 'da norma constante
do art. 400º n.º 1 al. f) do CPP', como se diz no requerimento de interposição
de recurso e se confirma na reclamação de fls. 2, nunca poderia ser julgado pelo
Tribunal Constitucional, porque a norma cuja constitucionalidade se pretende que
o Tribunal aprecie não foi aplicada na decisão recorrida.
5. Nestes termos, indefere-se a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 8 de Março de 2007
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício