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Processo n.º 725/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por despacho de 17 de Outubro de 2005, o Tribunal Judicial da Comarca de
Leiria decidiu não admitir, por extemporâneo, o recurso interposto por A. da
sentença condenatória contra si proferida por esse tribunal. Tal despacho tem o
seguinte teor:
«A fls. 207, veio o arguido A. requerer sejam passadas guias a favor do arguido
destinadas ao pagamento da multa referente ao 1.º dia útil posterior ao termo de
interposição do recurso, por considerar que ao Processo Penal é aplicável a
dilação de dez dias prevista no art.º 698.º, n.º 6, do CPC, por pretender, no
caso concreto, recorrer da matéria de facto.
O Ministério Público pronunciou-se a fls. 243 no sentido da improcedência do
requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
Determina o art.º 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o prazo para
interposição de recurso é de 15 dias, contados a partir da notificação, ou,
tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria, ou ainda, no caso
de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido
proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
O art.º 698.º, n.º 6, do CPC, determina que “se o recurso tiver por objecto a
reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos
números anteriores”.
Em nosso entender, esta norma não é susceptível de aplicação analógica ao
processo penal.
Desde logo, porque o Código de Processo Penal regula expressamente os prazos de
interposição de recurso, não ocorrendo aqui nenhuma lacuna legal: o legislador
entendeu que o prazo é de quinze dias, havendo ou não recurso versando sobre a
reapreciação da matéria de facto, uma vez que não distinguiu as duas situações
(o legislador beneficia da presunção de se ter exprimido em termos adequados –
cfr. art.º 9.º, n.º 3, do Cód. Civil).
Por outro lado, a hipótese contemplada no n.º 6 do art.º 698.º do CPC não tem
qualquer correspondência no regime de recursos do processo penal, aplicando-se
apenas às alegações na apelação, articulado que o processo penal não prevê.
É este também o entendimento da jurisprudência, sendo de referir, neste sentido
e a título de exemplo, os acórdãos da Relação de Coimbra de 27 de Fevereiro de
2002 – CJ, XXVII, tomo I, pág. 58, e da Relação de Lisboa de 11 de Dezembro de
2003, CJ, XXVIII, tomo 5, pág. 153).
Assim, considerando que não há lugar ao acréscimo de 10 dias do art.º 698.º, n.º
6, do CPC, tendo a sentença sido lida e depositada no dia 25/5/2005, transitou
em julgado a 9/6/2005.
Tendo as alegações de recurso entrado a 21/6/2005, não há lugar à aplicação do
disposto no art.º 145.º do CPC, por já terem decorrido os três dias úteis
seguintes, sendo a interposição de recurso claramente extemporânea, dado que a
sentença transitou já em julgado.
Em face do exposto, indefiro o requerido, julgando extemporâneo o recurso
apresentado.»
Dessa decisão reclamou o arguido para o Presidente do Tribunal da Relação de
Coimbra que, por despacho de 26 de Junho de 2006, decidiu indeferir a referida
reclamação. Pode ler-se nessa decisão:
«1 – A., arguido no processo comum n.º 2460/03.9TALRA, pendente no 1.º Juízo
Criminal do Tribunal da Comarca de Leiria, interpôs recurso, visando a revogação
da sentença condenatória ali proferida.
No entanto, o Mm.º Juiz a quo não admitiu o recurso, por extemporâneo.
Inconformado apresentou a presente reclamação, visando obter o recebimento
daquele recurso.
Não foi oferecida resposta e o Mm.º juiz a quo manteve o despacho reclamado.
II – Para a dilucidação da reclamação importa ter presente os seguintes
elementos:
1. A sentença foi proferida e depositada no dia 25 de Maio de 2005.
2. A audiência foi gravada.
3. No dia 27 de Maio de 2005, o defensor do arguido remeteu requerimento a
solicitar cópia da gravação, fornecendo três fitas magnéticas.
4. No dia 3 de Junho de 2005 foram entregues ao arguido, conforme indicação
telefónica do seu defensor, as três cassetes contendo a gravação da audiência.
5. O recurso foi interposto a 21 de Junho de 2005.
III – Perante estes elementos há, agora, que apreciar da bondade da decisão de
não admitir o recurso. Não obstante este visar também a impugnação da decisão
relativa à matéria de facto e as provas terem sido gravadas, o prazo para a sua
interposição é de 15 dias (art.º 411.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal), na medida
em que, ao contrário do que sustenta o arguido, o alargamento previsto no art.º
698.º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil não é aplicável subsidiariamente em processo
penal.
É certo que, pretendendo o arguido impugnar a decisão no que respeita à matéria
de facto, devia ter a possibilidade de ouvir a gravação da prova, para poder
convenientemente avaliar e ponderar de eventuais incorrecções na apreciação da
prova feita pelo Mm.º juiz a quo. E também é certo que, para esse efeito, podia
pedir a respectiva cópia. Só que isso, por si só, não implica a suspensão da
contagem do prazo de interposição de recurso. Tal só ocorreria se o arguido
tivesse pedido aquela cópia, fornecendo o necessário suporte magnético, e o
tribunal a entregasse fora do tempo útil para ser usada no recurso.
Ora, não foi claramente isso que sucedeu no caso em apreço, uma vez que a
gravação foi colocada à disposição do arguido, no dia 3 de Junho de 2005,
ponderando que o prazo de recurso só terminava no dia 15 desse mês,
afigura‑se-me que dispôs de tempo mais que suficiente para a poder analisar
exercer o seu direito. Para ouvir três cassetes chega bem um dia, quanto mais 12
dias!
Deste modo, se o arguido não apresentou o recurso dentro do prazo que a lei lhe
concede, só ao seu defensor o deve. Mais, apelidar de inconstitucional a
interpretação feita no despacho reclamado sobre a contagem do prazo de recurso é
que não parece muito razoável, mas insere-se na orientação, hoje infelizmente
muito em voga, de contestar qualquer tentativa de disciplina processual tendente
a acelerar o processo penal. Não creio, salvo o devido respeito por contrária
opinião, que a situação configure por qualquer forma a violação do art.º 32.º da
Constituição da República Portuguesa.
O prazo para a interposição do recurso é de 15 dias e conta-se da notificação da
decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria (art.º
411.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal). Como a sentença foi depositada na secretaria
no dia 25 de Maio de 2005, o dito prazo, cuja contagem não sofreu qualquer
interrupção ou suspensão, terminou no dia 15 de Junho de 2005 (art.ºs 104.º, n.º
1, do Cód. Proc. Penal e 144.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).
Todavia, o arguido poderia ainda interpor o recurso nos três dias úteis
subsequentes, mediante o pagamento de multa, faculdade que lhe é conferida pelos
art.ºs 107.º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal e 145.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil.
Sucede que também não o fez dentro desse prazo suplementar, nem invocou justo
impedimento. Assim sendo, a interposição de recurso, a 21 de Junho de 2005, terá
de ser considerada extemporânea, como acertadamente se ajuizou no despacho
reclamado, que não merece censura.
Não assiste, pois, razão ao reclamante em se insurgir contra a decisão do Mm.º
juiz a quo, que, ao não admitir o recurso, por extemporâneo, fez a melhor
interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 144.º, n.º 1, do Cód. Proc.
Civil, 411.º, n.º 1, e 414.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.»
2.O arguido interpôs desta decisão o presente recurso de constitucionalidade, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), nos
seguintes termos:
«A., reclamante nos autos à margem identificados, não se conformando com a douta
decisão que lhe foi notificada, vem dela interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, o que faz nos seguintes termos:
- O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15-11, na redacção dada pela Lei
n.º 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro);
- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 411.º,
n.º 1, do Código de Processo Penal (abreviadamente, CPP) com as (duas)
interpretações com que foi aplicada na decisão da reclamação, a saber:
Quando o recurso tenha por objecto a reapreciação de prova gravada, o prazo de
15 dias não se suspende com o pedido legítimo da cópia das cassetes, com o
registo fonográfico da prova; e,
No recurso em que se impugna matéria de facto, nos termos do art.º 412.º, n.ºs 3
e 4, do CPP, não acrescem dez dias ao prazo previsto no normativo em epígrafe,
pois não há lugar à aplicação subsidiária do n.º 6 do art.º 698.º do Código de
Processo Civil.
- Tal norma, com qualquer das interpretações que precedem, viola o artigo 32.º,
n.º 1 da Constituição; e,
- A questão de inconstitucionalidade foi suscitada na reclamação, a que se
reporta o n.º 1 do art.º 405.º do CPP.»
Admitidos os autos no Tribunal Constitucional, foram as partes notificadas para
alegar.
O recorrente concluiu pela seguinte forma as suas alegações:
«1. Antes de interpor recurso da sentença condenatória, dentro do respectivo
prazo legal e logo que lhe foi possível, o arguido requereu a gravação da prova,
tendo, para tanto, fornecido ao tribunal o necessário suporte magnético.
2. É essencial à preparação da alegação de recurso que o arguido e o seu
representante tenham acesso ao registo fonográfico da prova, para que a mesma
possa ser utilizada para efeitos de preparação da sua defesa, assumindo, este
registo, particular importância, na hipótese de haver recurso em matéria de
facto.
3. Enquanto o tribunal não lhe entregou a gravação da prova o arguido estava
impedido de interpor recurso.
4. Só quando o arguido teve acesso ao registo fonográfico da prova é que teve a
possibilidade de medir os prós e os contras da interposição do recurso.
5. A gravação da prova, nos termos do art.º 7.º do DL n.º 39/95, deve ser
entregue pelo tribunal em tempo de não prejudicar o prazo de recurso que o
arguido dispõe.
6. A entrega posterior, dentro do prazo que o arguido dispunha para interpor
recurso, pela secretaria da aludida gravação não pode ser assacada ao ora
recorrente.
7. A possibilidade do arguido ter acesso aos fundamentos das decisões que o
afectam consubstancia um dos requisitos necessários para que a contagem do prazo
de recurso se possa legitimamente iniciar a partir de uma determinada data.
8. O recurso apresentado pelo arguido em 21.06.2005 deve ser considerado
tempestivo, porquanto com o pedido legítimo da cópia das cassetes, com o registo
fonográfico da prova, deduzido no dia 27.05.2005, sendo o dia anterior feriado,
o prazo deveria ter-se por suspenso desde a data do depósito da sentença
(25.05.2005), começando o mesmo a correr a partir de 04.06.2006, o dia seguinte
àquele em que as cassetes foram entregues ao recorrente, e findando no dia
18.06.2005, mas porque os dias 18 e 19.06.2005 foram Sábado e Domingo,
respectivamente, a possibilidade legal de prática do acto transferiu-se para o
primeiro dia útil seguinte, ou seja o dia 20.06.2005 e atento o art.º 145.º do
CPC, o arguido podia interpor recurso até ao dia 23.06.2005.
9. É inconstitucional, por violação do art.º 32.º, n.º 1, da CRP a norma do
art.º 411.º, n.º 1, do CPP, quando interpretada no sentido de que quando o
recurso tenha por objecto a reapreciação de prova gravada, o prazo de 15 dias
não se suspende com o pedido legítimo da cópia das cassetes, com o registo
fonográfico da prova, voltando o prazo a correr logo que o interessado a elas
tenha acesso.»
Por sua vez, o representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional, contra‑alegando, concluiu:
«1.º Pelas razões constantes da fundamentação do acórdão n.º 545/2006, é
inconstitucional, por violação do princípio das garantias de defesa, a
interpretação normativa do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que
considera iniciado o prazo para interpor e motivar o recurso, versando sobre
matéria de facto e tendo a prova sido gravada, com o depósito da sentença na
secretaria, e não da data em que foram disponibilizados ao arguido cópias de
suportes magnéticos, tempestivamente requeridos, por se tratar de elemento
essencial à formação esclarecida da vontade de recorrer e à fundamentação da
eventual impugnação deduzida quanto à matéria de facto.
2.º Termos em que deverá, nesta medida, proceder o presente recurso.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Há que começar pela delimitação do objecto do recurso.
Como este Tribunal tem por várias vezes salientado, e escreveu, por exemplo, no
Acórdão n.º 20/97 (publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março de
1997), “delimitado o objecto do recurso pelo requerimento de interposição, pode
este ser posteriormente circunscrito – mas não ampliado – pelos recorrentes
(...) tal como pode ser restringido nas conclusões das alegações apresentadas no
Tribunal Constitucional”, neste sentido se invocando vária jurisprudência deste
Tribunal e o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil.
Ora, consultando as alegações apresentadas pelo recorrente, não se descortina
nelas (e não apenas nas suas conclusões, mas em todo o seu conteúdo,
designadamente no ponto “II – Fundamentos do recurso”) qualquer referência à
questão de constitucionalidade da norma do artigo 411.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal, na interpretação segundo a qual “no recurso em que se impugna
matéria de facto, nos termos do art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, não acrescem
dez dias ao prazo previsto no normativo em epígrafe, pois não há lugar à
aplicação subsidiária do n.º 6 do art.º 698.º do Código de Processo Civil”, a
que fazia referência no seu requerimento de recurso.
Tem, pois, de concluir-se que o recorrente abandonou nas suas alegações a
pretensão de ver apreciada a constitucionalidade dessa norma. E, portanto, não
pode conhecer-se agora da sua conformidade constitucional, por opção que tem de
ser imputada ao recorrente.
4.Circunscrito, assim, o objecto do recurso à apreciação da constitucionalidade
da norma do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação
segundo a qual, “quando o recurso tenha por objecto a reapreciação de prova
gravada, o prazo de 15 dias não se suspende com o pedido legítimo da cópia das
cassetes, com o registo fonográfico da prova”, cumpre recordar que este Tribunal
Constitucional já se pronunciou sobre a conformidade constitucional dessa norma.
Fê-lo através do Acórdão n.º 545/2006 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), que julgou inconstitucional, por violação do
artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante
do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de
o prazo para a interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de
facto e as provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre
a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da
disponibilização das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas
pelo arguido recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do
direito de recurso (ver ainda o disposto no Acórdão n.º 546/2006, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). Pode ler-se na respectiva fundamentação:
«[…]
2.2. O Tribunal Constitucional já foi, por diversas vezes, chamado a
pronunciar‑se sobre a constitucionalidade de normas relativas ao início do
prazo para apresentação do requerimento de interposição de recurso em processo
penal, que deve, por regra, conter a respectiva motivação (ou ao início do prazo
para apresentação da motivação do recurso, no único caso em que esta pode ser
posterior à interposição: interposição, por simples declaração na acta, de
recurso de decisão proferida em audiência – artigo 411.º, n.º 3, do CPP).
O critério seguido nessa jurisprudência tem sido o de que tal prazo só se pode
iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor), actuando com a
diligência devida, ficou em condições de ter acesso ao teor, completo e
inteligível, da decisão impugnanda, e, nos casos em que pretenda recorrer também
da decisão da matéria de facto e tenha havido registo da prova produzida em
audiência, a partir do momento em que teve (ou podia ter tido, actuando
diligentemente) acesso aos respectivos suportes, consoante o método de registo
utilizado (escrita comum, meios estenográficos ou estenotípicos, gravação
magnetofónica ou audio‑visual).
2.2.1. Quanto ao primeiro aspecto (acesso ao teor da decisão condenatória que se
pretende impugnar), há a registar:
– o Acórdão n.º 75/99, que não julgou inconstitucional a norma do artigo 411.º,
n.º 1, do CPP, interpretado no sentido de que o prazo de interposição de recurso
se conta a partir da data em que a sentença foi proferida na presença do arguido
e do seu defensor, tendo nesse mesmo dia sido depositada na secretaria, e não
apenas da data em que posteriormente foi notificada por via postal, pois desde
aquela primeira data o arguido ficou em posição de conhecer integralmente a
sentença;
– o Acórdão n.º 109/99, que não julgou inconstitucional a norma do artigo 411.º,
n.º 1, lido em conjugação com o artigo 113.º, n.º 5, do CPP, na interpretação
segundo a qual, com o depósito da sentença na secretaria do tribunal, o arguido
que, justificadamente, não esteve presente na audiência em que se procedeu à
leitura pública da mesma, deve considerar-se notificado do seu teor, para o
efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença,
se, nessa audiência, esteve presente o seu mandatário;
– os Acórdãos n.ºs 148/2001 e 202/2001, que julgaram inconstitucional a norma do
artigo 411.º, n.º 1, do CPP, quando interpretado no sentido de determinar a
contagem do prazo de interposição do recurso da data do depósito na secretaria
da sentença manuscrita de modo ilegível, e não da data em que o defensor do
arguido é notificado da cópia da sentença dactilografada, tempestivamente
requerida, juízos de inconstitucionalidade que se fundaram no entendimento de
que “o direito ao recurso implica, naturalmente, que o recorrente tenha a
possibilidade de analisar e avaliar os fundamentos da decisão recorrida, com
vista ao exercício consciente, fundado e eficaz do seu direito”, o que
“pressupõe a plena estabilidade e inteligibilidade da decisão recorrida”;
– o Acórdão n.º 87/2003, que julgou inconstitucional a norma do artigo 411.º,
n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual o prazo para interpor recurso de
acórdão de Tribunal da Relação, proferido em conferência, nos termos do artigo
419.º, n.º 4, do CPP, e não em audiência (com prévia convocação, para além de
outros intervenientes, do defensor, de acordo com o artigo 421.º, n.º 2, do
mesmo Código), se conta a partir do depósito do acórdão na secretaria, e não da
respectiva notificação, tendo o Tribunal Constitucional sublinhado que, uma vez
que “nem o recorrente nem o seu defensor tinham sequer conhecimento da data de
realização da conferência, que não lhes foi comunicada”, não lhes era exigível
uma diligência que se traduziria no “controlo cego do hipotético dia da tomada
de decisão por parte do Tribunal da Relação”;
– o Acórdão n.º 36/2004, que não julgou inconstitucional a norma do artigo
411.º, n.º 1, do CPP, interpretado no sentido de que, quando os arguidos e um
defensor oficioso nomeado estão presentes à leitura da sentença, mas o advogado
constituído falta e é posteriormente notificado dela, o prazo de interposição de
recurso se conta a partir do depósito da sentença na secretaria, efectuada no
próprio dia da sua leitura, pois, em tal hipótese, os arguidos tomaram
conhecimento directo da decisão e tiveram oportunidade de, actuando com a
diligência exigível, esclarecer de imediato quaisquer dúvidas com o advogado
nomeado para o acto, tendo disposto de 15 dias para exame da sentença com o seu
advogado constituído, com quem lhes incumbia entrar em contacto;
– o Acórdão n.º 186/2004, que julgou inconstitucional a norma do artigo 411.º,
n.º 1, do CPP, interpretado no sentido de que o prazo para apresentação da
motivação de recurso interposto por declaração na acta da audiência onde foi
proferida a sentença se conta a partir da data dessa interposição, mesmo que a
sentença só posteriormente haja sido depositada na secretaria, tendo o Tribunal
Constitucional considerado que “há que reconhecer que «a mera leitura da
sentença na presença do arguido e do seu defensor oficioso no mínimo pode não
permitir uma completa apreensão do teor da sentença para efeito de motivação do
recurso», pois «a interposição de um recurso pressupõe uma análise minuciosa da
decisão que se pretende impugnar, análise essa que não é de todo possível
realizar por mero apelo à memória da leitura do texto da sentença», antes exige
o acesso ao texto da sentença, o que apenas se torna possível com o seu depósito
na secretaria”; e
– o Acórdão n.º 312/2005, que, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da
LTC, determinou que a norma do artigo 411.º, n.º 1, do CPP fosse interpretada no
sentido de que o prazo para interposição do recurso da decisão condenatória do
arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal e não a partir do
depósito na secretaria, independentemente dos motivos que determinaram tal
ausência e se os mesmos são ou não justificáveis.
2.2.2. Com mais directa relevância para o caso ora em apreço surgem as decisões
deste Tribunal relativas ao prazo de interposição de recurso penal que vise
(exclusiva ou cumulativamente) a impugnação da decisão da matéria de facto.
Embora nenhuma dessas decisões tenha incidido sobre a concreta dimensão
normativa que constitui objecto do presente recurso, delas se colhe,
reiteradamente, o entendimento de que o acesso à documentação da prova produzida
em audiência de julgamento, designadamente às cassetes contendo a gravação da
prova – mas já não o acesso à posterior transcrição das partes das gravações
seleccionadas para sustentar a impugnação de tal decisão – é essencial para
assegurar um consciente e eficiente direito ao recurso nessa sede.
Num caso em que as declarações orais prestadas em audiência não haviam sido
objecto de gravação magnetofónica, mas sim de documentação em acta, o Acórdão
n.º 363/2000 julgou inconstitucionais as normas dos artigos 107.º, n.º 2, do CPP
e 146.º, n.º 1, do CPC, interpretados no sentido de a impossibilidade de
consulta das actas de julgamento, por as mesmas não estarem ainda disponíveis,
não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final
condenatória em processo penal, juízo de inconstitucionalidade que se fundou no
entendimento de que o acesso a essas actas constitui “um elemento importante
para a preparação da defesa do arguido, concretamente para a elaboração da
alegação do recurso”.
Versando situações em que ocorrera gravação magnetofónica da prova produzida em
audiência, mas em que os recorrentes pretendiam que o prazo de interposição de
recurso se iniciasse apenas a partir da disponibilização da transcrição (em
suporte de papel) das referidas gravações, os Acórdãos n.ºs 433/2002 e 17/2006,
não tendo julgado inconstitucionais as interpretações atacadas pelos
recorrentes, desenvolveram fundamentação que evidencia a essencialidade do
acesso às gravações (que não às posteriores transcrições das mesmas).
O primeiro acórdão citado (Acórdão n.º 433/2002) decidiu não julgar
inconstitucional a interpretação do artigo 107.º, n.º 2, do CPP, segundo a
qual, havendo possibilidade de acesso ao suporte material da prova gravada, a
impossibilidade de acesso às transcrições das declarações prestadas em
audiência (quando tenha sido requerida a respectiva gravação), por as mesmas
ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a
interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal. Esse
acórdão salientou a diferença da situação então em apreço com aquela sobre que
incidiu o Acórdão n.º 363/2000 (em que o único suporte de registo das
declarações prestadas em audiência eram as actas escritas, que ainda não
estavam elaboradas), pois agora, em que existia gravação magnetofónica, embora
ainda não transcrita, «a impugnação do julgamento da matéria de facto pode
perfeitamente basear‑se no próprio suporte material da prova gravada (que é,
afinal, o registo originário da prova), à disposição do arguido desde o início
do prazo para a interposição do competente recurso», pelo que «não tem razão o
recorrente quando alega (...) que, não lhe sendo facultada a transcrição da
prova gravada em tempo útil, lhe é cerceada a possibilidade de interpor
recurso, resultando violada a norma do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição».
Por último, o Acórdão n.º 17/2006 não julgou inconstitucionais as normas
constantes dos artigos 411.º, n.º 1, e 412.º, n.º 4, do CPP, interpretados no
sentido de que o prazo de interposição de recurso penal em que se questione a
decisão da matéria de facto e em que se procedeu a gravação da prova produzida
em audiência se conta da data em que o arguido, agindo com a diligência devida,
podia ter acesso ao suporte material da prova gravada, e não da data em que foi
disponibilizada a transcrição dessa gravação. Nesse acórdão, começou por
referenciar‑se o decidido no aludido Acórdão n.º 433/2002 e bem assim no Acórdão
n.º 542/2004, que não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 411.º,
n.ºs 1 e 3, do CPP, na interpretação segundo a qual, em caso de recurso que
tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de 15 dias fixado
no primeiro preceito não acresce o prazo de 10 dias a que se refere o artigo
698.º, n.º 6, do CPC, por considerar que essa interpretação não violava o
direito de recurso, já que aquele prazo de 15 dias para apresentação da
motivação não se mostrava desrazoável ou inadequado, “mesmo tendo em conta que
o asseguramento efectivo dessas possibilidades de defesa passará pela audição
das cassetes e pela preparação, estudo e elaboração da alegação de recurso, com
as referidas especificações [as exigidas no artigo 412.º, n.ºs 3, alíneas b) e
c), e 4, do CPP]”, nem ofendia o princípio da igualdade, face ao regime
processual civil, por a celeridade processual, expressamente contemplada no n.º
2 do art. 32.º da CRP, ter, no processo penal, “uma fonte e intensidade
constitucional diferente da que concerne à defesa de outros direitos, à qual
se refere o n.º 4 do artigo 20.º da CRP”. De seguida, procedeu‑se à transcrição
de parte da fundamentação do Acórdão n.º 9/2005, do plenário das Secções
Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Outubro de 2005 – que fixou
a seguinte jurisprudência: “Quando o recorrente impugne a decisão em matéria
de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no
prazo de quinze dias, fixado no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo
Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no
artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil” –, onde se evidencia a
diversidade das finalidades específicas da motivação, da gravação da prova e
da sua subsequente transcrição, salientando, quanto a estas duas últimas, que as
especificações referidas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP,
têm de ser feitas, por força do subsequente n.º 4, relativamente aos suportes
técnicos da gravação da prova, e não relativamente à transcrição, que “é um acto
posterior que incumbe ao tribunal efectuar (…) nos termos e na medida
delimitada previamente pelo recorrente, e destina‑se a permitir (rectius, a
facilitar) ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da
prova documentada”, para concluir que, face ao regime legal vigente, “os
elementos necessários à impugnação da matéria de facto – suportes materiais da
prova gravada – podem estar à disposição do recorrente desde o início do prazo
para a interposição do recurso” e que “em caso de demora na disponibilidade das
cópias, o interessado sempre disporá da faculdade de invocar justo impedimento”.
Após estas referências, o Acórdão n.º 17/2006 desenvolveu a seguinte
argumentação:
“Embora, em rigor, no presente recurso não esteja directamente em causa a
divergência interpretativa sobre que incidiu o Acórdão de fixação de
jurisprudência acabado de referir (isto é: a aplicabilidade aos recursos penais
da regra do acréscimo de 10 dias dos prazos para alegações estabelecidos no
artigo 698.º do CPC sempre que o recurso tenha por objecto a reapreciação da
prova gravada, mas antes a questão de saber se é constitucionalmente imposto que
o início do prazo de interposição e de motivação de recurso penal visando
(também) a matéria de facto, quando tenha havido gravação da prova, se conte
apenas a partir da data em que o tribunal disponibiliza ao recorrente a
transcrição dessa gravação), o certo é que as considerações nele tecidas sobre
a finalidade desta transcrição – facilitar ao tribunal superior a apreciação,
nos limites do recurso, da prova documentada, e já não habilitar o recorrente a
elaborar a sua motivação (que, bem compreendida, deve constituir tão‑só a
enunciação dos fundamentos do recurso, com a função de delimitar o respectivo
objecto, podendo o recorrente desenvolver a fundamentação nas alegações, orais
ou escritas, a produzir no tribunal ad quem – artigos 411.º, n.º 4, e 423.º, n.º
3, do CPP), pois para tal lhe basta, para lá da assistência e intervenção em
toda a audiência de julgamento e do conhecimento do teor integral da decisão
condenatória, o acesso às gravações da prova produzida (até porque é em relação
a estes suportes técnicos, e não à sua posterior transcrição, que devem ser
feitas as especificações exigidas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 412.º
do CPP) – reforçam o juízo de razoabilidade do regime estabelecido que, na
sequência do Acórdão n.º 433/2002, se entende não poder ser reputado como
envolvendo uma limitação constitucionalmente intolerável do direito de recurso
em matéria penal.
(…)
Conclui‑se, assim, que, não tendo o recorrente solicitado, podendo tê‑lo feito,
o acesso à gravação da prova logo após a notificação da sentença, e
considerando‑se que com a possibilidade desse acesso o arguido ficava em
condições de exercitar – consciente, fundada e eficazmente – o seu direito de
recurso, nenhuma censura merece o juízo de não inconstitucionalidade constante
do acórdão recorrido.”
2.3. Da precedente descrição da jurisprudência deste Tribunal resulta que,
embora a específica dimensão normativa que constitui objecto do presente recurso
ainda não tenha sido alvo de qualquer juízo expresso de inconstitucionalidade,
já por diversas vezes o Tribunal considerou que, quando se pretenda impugnar a
decisão proferida sobre matéria de facto e as provas produzidas em audiência
tenham sido gravadas, o acesso aos respectivos suportes de gravação é essencial
para um consciente e eficiente exercício do direito de recurso,
constitucionalmente consagrado.
No presente caso, a audiência de julgamento desenrolou‑se por sessões
realizadas em 14 e 23 de Junho e 4 de Julho de 2005. Apesar de inicialmente
marcada para 14 de Julho, a leitura da sentença só veio a ocorrer em 19 de Julho
de 2005, perante o arguido e seu mandatário e com imediato depósito da mesma na
secretaria. Estando já em curso o período de férias judiciais, o prazo de 15
dias para interposição do recurso só começou a correr em 15 de Setembro de 2005,
mas, antes dessa data, no dia 12 desse mês, o arguido requereu cópias das
cassetes, o que foi deferido por despacho do dia 19, de que foi notificado no
dia 23, tendo nesta mesma data apresentado as cassetes para duplicação e
requerido a suspensão do prazo de interposição do recurso desde o dia 15 (data
em que ele se teria iniciado) até à data da efectiva disponibilização das
cassetes duplicadas, por considerar essa disponibilidade essencial para a
elaboração da motivação do recurso. Depreende‑se dos autos, designadamente do
despacho de 12 de Outubro de 2005 e da motivação do recurso dele interposto para
o Tribunal da Relação de Coimbra, que as cassetes não chegaram a ser
disponibilizadas ao recorrente antes de esgotado o prazo de interposição do
recurso, contado desde 15 de Setembro de 2005.
Impõe‑se, assim, a emissão de um juízo de inconstitucionalidade, que, no fundo,
se traduzirá na reprodução de idêntico juízo proferido no Acórdão n.º 363/2000,
com a única diferença de aí a documentação da prova constar de acta e aqui de
suportes magnéticos. Mas, em ambos os casos, o acesso à documentação da prova,
independentemente do respectivo suporte, constitui um elemento importante não
apenas para a preparação e elaboração da motivação do recurso, mas até para a
formação esclarecida da vontade de recorrer.»
É verdade que, no caso dos autos, as cassetes foram colocadas à disposição do
recorrente antes do esgotamento do prazo para interposição de recurso contado
desde 25 de Maio de 2005, data do depósito da sentença na secretaria – mais
precisamente, no dia 3 de Junho de 2005, 6 dias (e não 12, como se afirma na
decisão recorrida tendo em conta que o acto poderia ainda ser praticado num dos
3 dias úteis seguintes ao termo do prazo, nos termos do artigo 145.º, n.ºs 5 a
7, do Código de Processo Civil) antes de esgotado o prazo de quinze dias
interposição do recurso contado a partir daquele dies a quo.
Mas este elemento não é decisivo para alterar o resultado da argumentação
anteriormente transcrita, considerando, designadamente, que logo no dia 27 desse
mês de Maio o arguido solicitou o acesso à gravação da prova, tendo nesta mesma
data apresentado as cassetes para duplicação. Como bem salienta o Ministério
Público nas suas contra‑alegações, “no caso dos autos, não se vislumbra qualquer
negligência, imputável ao arguido, na demora no acesso à gravação, já que
requereu cópia das ‘cassetes’ no dia útil seguinte ao depósito da sentença –
pelo que se verificam, também aqui, os pressupostos que levaram o Tribunal
Constitucional a emitir o referido juízo de inconstitucionalidade”. Ora, já a
redução do prazo normal de interposição do recurso, sem qualquer actuação
negligente do recorrente, para menos de metade, pela tardia disponibilização de
elementos fundamentais, não pode deixar de ser considerada violadora do artigo
32.º, n.º 1, da Constituição da República.
Como se vê, conclui-se, portanto, que a questão de constitucionalidade relevante
nestes autos se perfila, no essencial, de forma análoga à da citada decisão do
Tribunal Constitucional, devendo merecer solução idêntica, mediante remissão
para a sua fundamentação. E há, pois, que conceder provimento ao recurso.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 411.º, n.º 1,
do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o prazo para a
interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as
provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da
data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização
das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido
recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de recurso;
e, consequentemente,
b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão
recorrida, na parte impugnada, em conformidade com o precedente juízo de
inconstitucionalidade.
Lisboa, 14 de Março de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos