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Processo n.º 134/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A., S.A., com os demais sinais identificativos dos autos,
reclama, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15
de Novembro (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator nos presentes
autos.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“(...)
1 – A., S.A., com os demais sinais identificativos dos autos, recorre para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea f),
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), “em virtude da
interpretação que o acórdão recorrido faz dos artigos 11.º, 19.º e 33.º da Lei
n.º 42/98, de 06-08, do artigo 4.º da Lei Geral Tributária e as normas da Lei
n.º 55-B/2004, de 31-12, do Decreto-Lei n.º 33/91, de 16-01 e do Decreto-Lei n.º
374/89, de 25-10, violar, inequivocamente, normas de natureza constitucional,
nomeadamente e em especial os artigos 13.º, 84.º, 103.º, 165.º e 238.º da
Constituição da República Portuguesa”.
2 – Com interesse para a decisão do presente recurso, cumpre relatar:
2.1 – A recorrente, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal
Administrativo e Fiscal de Braga, de 23 de Janeiro de 2006, interpôs recurso
para o Supremo Tribunal Administrativo, perante o qual alegou, em síntese:
“(...)
I
Face à garantia bancária idónea prestada pela recorrente, deve o Venerando
Relator apreciar e alterar o efeito devolutivo atribuído ao presente recurso,
atribuindo-se-lhe efeito suspensivo — o que se requer.
Isto posto
II
Nos termos do DL n° 374/89, de 25-10, compete ao Estado Português a manutenção e
expansão da rede de transporte e distribuição do gás canalizado no País,
III
tarefa essa que o Estado decidiu transferir na Região Norte, mediante contrato
de concessão, para a ora recorrente, que é assim concessionária de um serviço
público de distribuição de gás natural na zona Norte do País, nomeadamente no
município de Braga.
IV
Durante a vigência da concessão a titularidade dos direitos e poderes continua
na entidade concedente (Estado) embora a faculdade de os exercer passa a ser
exclusivamente do concessionário.
V
Através da “Lei de Bases de exploração, em regime de serviço público, de redes
de distribuição regional de gás natural” (Base XVII do Decreto-Lei n° 33/91, de
16 de Janeiro), o Estado procedeu a uma mutação dominial parcial dos domínios
públicos afectos a outras entidades – designadamente autarquias –, afectando-os
também à instalação do serviço público de distribuição de gás.
VI
Apesar o artigo 84° da C.R.P. prever o domínio público autárquico, não existe
lei que identifique um conjunto de bens qualificados como pertencentes a tal
domínio.
VII
Certos bens (coisas públicas), atenta a função que desempenham, não podem deixar
de se encontrar na titularidade do Estado, constituindo domínio público
estadual, designadamente os bens (subsolo) afectos a serviços públicos não
municipalizados – como é o caso sub judice.
VIII
Não tem assim a Câmara Municipal de Braga legitimidade ou competência para
liquidar à recorrente quaisquer taxas pela ocupação da via pública, uma vez que
aquela, por força da Lei, ficou privada dos poderes de administração das porções
do solo e/ou subsolo da via pública necessárias à instalação da rede de gás e a
recorrente se encontra no exercício de poderes da titularidade do Estado.
Por outro lado e sem prescindir
IX
Os actos impugnados não podem classificar-se como taxas, pois que lhes falta o
carácter sinalagmático: não lhes corresponde, como contrapartida, uma actividade
do Município especialmente dirigida ao respectivo obrigado (a recorrente).
X
O conceito de taxa pressupõe uma utilização que satisfaça, para além de
necessidades colectivas, necessidades individuais de satisfação activa (que
exigem a procura das coisas pelo consumidor) e não toda e qualquer utilização de
tais bens.
XI
As infra-estruturas da rede de gás natural destinam-se à satisfação de
necessidades gerais (colectivas) da população da cidade de Braga.
XII
In casu, o que se verifica é a ocupação e utilização de bens dominiais para
instalação e funcionamento de um serviço público; trata-se de bens públicos que
são utilizados na sua função própria de satisfação de necessidades colectivas
que é a existência de uma rede de distribuição de gás natural.
XIII
A recorrente nada pode exigir, individualmente, como contraprestação específica
das “taxas” de ocupação que lhe foram liquidadas.
XIV
Os actos de liquidação impugnados são verdadeiros impostos, ou pelo menos
tributos especiais (em todo o caso, com um tratamento jurídico equiparado ao
imposto).
XV
Pelo que a sua criação e aplicação ultrapassa o poder tributário dos municípios,
limitado ao estabelecimento de taxas.
XVI
O princípio da legalidade fiscal (reserva de competência) foi manifestamente
violado – artigo 103° n° 2 e 165° da C.R.P..
XVII
Independentemente da bondade formal e material da solução consagrada no artigo
20° do Orçamento do Estado para 2005, aprovado pela Lei n° 55-B/2004 de 30-12
(em nosso entender, inconstitucional), o certo é que através dela a Assembleia
da República concede uma autorização legislativa ao Governo para alargar as
competências dos municípios em matéria de “taxas”.
XVIII
O que significa que os Municípios não podem cobrar “taxas” de ocupação ou
utilização do solo e subsolo do domínio público municipal por empresas e
entidades no domínio da distribuição de gás, ao abrigo da actual redacção do
artigo 19° da Lei n° 42/98, de 06-08 (Lei das Finanças Locais).
Sem prescindir
XIX
Os actos impugnados ao fazerem uma aplicação directa das taxas previstas na
Tabela e Regulamento Camarários estão a aplicar à recorrente enquanto
concessionária de serviço público, exactamente as mesmas taxas que estão
previstas para entidades particulares, que actuam com base em interesses
próprios (individuais).
XX
A recorrente não pode, do mesmo modo que qualquer empresa, repercutir as taxas
pagas na facturação ao consumidor, pois a sua actuação nesta área (nomeadamente
quanto aos preços que esta pode cobrar aos consumidores) está limitada,
designadamente pelo contrato de concessão e pelo facto de ser uma concessionária
de serviço público.
XXI
Ou seja, estão a ser tratadas de forma igual situações que são materialmente
diferentes, e que deveriam ser objecto de tratamento diverso, violando assim o
princípio da igualdade (na sua vertente de igualdade material), vertido no
artigo 13º.°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
Acresce que,
XXII
Ainda que a cobrança de taxas por ocupação do subsolo fosse permitida (no que
não se consente), face ao princípio da proporcionalidade a respectiva liquidação
feria sempre de atender à finalidade do uso requerido – o que não sucedeu no
caso em apreço (não foi considerada a quase inocuidade da aludida ocupação).
XXIII
O respeito pelo princípio da proporcionalidade impõe que não sejam aplicadas as
mesmas taxas aos usos privativos de interesse privado e aos usos de interesse
público.
XXIV
Conclui-se, pois, nesta sede, que os actos de liquidação impugnados se encontram
feridos de nulidade, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e
da proporcionalidade.
Sem prescindir,
XXV
Por contrato de concessão, foi atribuída pelo Estado à recorrente a competência
da gestão do serviço público de distribuição de gás e de todos os meios afectos
a essa concessão.
XXVI
“O serviço público pelo facto de passar a ser feito por uma entidade privada não
perde a sua natureza”.
XXVII
Apesar de se verificar uma transferência do exercício de poderes durante o prazo
da concessão ou enquanto esta subsistir a titularidade dos direitos e poderes
continua na entidade concedente (Estado), mas a faculdade de os exercer passa a
ser exclusivamente do concessionário.
XXVIII
Estando em causa um serviço público que o Estado concessionou e tornando-se
necessária, para o cumprimento desse serviço público, a ocupação da via publica,
a recorrente (concessionaria) deve ser aplicada a isenção prevista no artigo 33°
n° 1 da Lei das Finanças Locais.
XXIX
A não aplicação dessa norma de isenção ao caso dos autos, inquina os actos
impugnados de vício de violação de lei.
XXX
Violou, assim, a sentença recorrida, nomeadamente por erro de interpretação, as
normas dos artigos 13º, 84°, 103°, 106°, 165° e 238° da C.R.P.; os artigos 11°,
19º e 33° da Lei n° 42/98, de 06-08 (Lei das Autarquias Locais); o artigo 4° da
Lei Geral Tributária; e ainda as normas da Lei 55-B/2004, de 31-12, do DL 33/91,
de 16-01 e do DL 374/89, de 25-10; o despacho que admitiu o recurso violou os
artigos 280º, 281°, 282° e 286° do CPPT e o artigo 687° n° 4 do Código de
Processo Civil”.
2.2 – Por acórdão de 8 de Novembro de 2006, o Supremo Tribunal Administrativo
decidiu negar provimento ao recurso, louvando-se na seguinte fundamentação:
“(...)
3.1. A recorrente insurge-se contra a sentença recorrida por razões de quatro
ordens:
1ª – A Câmara Municipal de Braga não tem legitimidade ou competência para
liquidar à recorrente taxas pela ocupação da via pública – conclusões II a VIII;
2ª – O tributo que lhe foi liquidado, apesar de denominado taxa, é um imposto,
por isso não podendo ser criado e aplicado por um município – conclusões IX a
XVIII;
3ª – Enquanto concessionária de serviço público, a recorrente merece tratamento
diferente do dado a entidades particulares, para que sejam respeitados os
princípios da igualdade e da proporcionalidade – conclusões XIX a XXIV;
4ª – A ocupação do subsolo pelo Estado – a recorrente, por ser concessionária,
exerce poderes dele – está ao abrigo da isenção do artigo 33º nº 1 da Lei de
Finanças Locais – conclusões XXV a XXIX.
3.2. A falta de «legitimidade ou competência» da Câmara Municipal de Braga é
ancorada, pela recorrente, no facto de o subsolo ser um bem do domínio público
do Estado e não do Município, por força do disposto na Base XVII do decreto-lei
nº 33/91, de 16 de Janeiro.
Mas, como se aponta na sentença, não resulta da apontada base que tenha havido
qualquer transferência do domínio público municipal para o estatal, mas, apenas,
que a recorrente, enquanto concessionária de serviço público, tem «o direito de
utilizar o domínio público para efeitos de implantação e exploração das
infra-estruturas da concessão nos termos da lei aplicável». De acordo com o
contrato da concessão, cláusulas 23º e 33º, essa utilização será feita «nas
condições mais favoráveis em que a sua cedência ou a do respectivo uso possa ser
feita segundo a lei aplicável», devendo «a cedência e utilização dos bens do
domínio público municipal (…), sempre que possível, ser formalizada por
protocolo». Ainda nos termos desta cláusula 33º, a reafectação de bens de
domínio público municipal ao estatal será a solução última, se o acordo das
autarquias não puder ser obtido e «não exista outra solução compatível com a
economia do projecto».
Daqui emerge, desde logo, na falta de notícia de que, no caso, tenha havido a
«reafectação» a que se refere a aludida cláusula, que o subsolo em causa no
presente processo se mantém no domínio público do Município de Braga, o qual,
nos termos da lei, não podendo evitar o seu uso para a instalação e
funcionamento das estruturas a instalar pela recorrente, não ficou, ao contrário
do que esta pretende, privado «dos poderes de administração das porções do solo
e/ou subsolo da via pública necessárias à instalação da rede de gás».
Designadamente, não é a atribuição da concessão à recorrente que impede o
Município de exercer o seu poder, que lhe é conferido pelo artigo 19º alínea c)
da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto, de cobrar taxas pela «ocupação ou utilização do
solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal».
Por outro lado, assoma, ainda, que o facto de a recorrente actuar como
concessionária de um serviço público e, nessa qualidade, exercer poderes que são
do Estado, lhe não permite a utilização do subsolo sem contrapartidas, mas, tão
só, «nas condições mais favoráveis em que a sua cedência ou a do respectivo uso
possa ser feita segundo a lei aplicável».
Como assim, improcedem as conclusões II a VIII das conclusões das alegações do
recurso, ou seja, não falta ao Município de Braga «legitimidade ou competência
para liquidar à recorrente quaisquer taxas pela ocupação da via pública».
3.3. O segundo fundamento do recurso, condensado nas conclusões IX a XVIII, tem
a ver com a natureza do tributo liquidado, que a recorrente defende ser um
imposto, não obstante a sua designação como taxa, em resultado da falta de
«carácter sinalagmático».
É ponto doutrinaria e jurisprudencialmente assente que não é o nomem escolhido
pelo legislador que faz com que seja necessariamente taxa aquilo que como tal
designa, ou imposto o que assim qualifica.
Como diz a recorrente, «o conceito de taxa pressupõe uma utilização que
satisfaça, para além de necessidades colectivas, necessidades individuais de
satisfação activa (…) e não toda e qualquer utilização de tais bens».
É, porém, isso mesmo que acontece no caso vertente.
A recorrente dispôs-se a desenvolver uma actividade económica lucrativa, e para
isso reuniu e organizou meios que lhe permitiram obter uma concessão de serviço
público. É da prestação desse serviço que se propõe conseguir os seus ganhos.
Mas, para tanto, necessita de transportar e distribuir o bem que comercializa,
no âmbito de tal concessão. Também por isso e para isso precisa de ocupar o
subsolo com instalações atinentes àquele fim. Deste modo, a utilização que a
recorrente faz do subsolo satisfaz, desde logo, as suas necessidades
individuais, enquanto empresa que assim assegura um factor de produção;
mediatamente, satisfaz, ainda, a necessidade colectiva de dispor, nos locais de
consumo, do gás que ela distribui e comercializa.
Deste modo, se é certo que a ocupação e utilização do subsolo ainda integra a
«sua função própria de satisfação de necessidades colectivas», menos certo não é
que, do mesmo passo, é satisfeita a necessidade individual da recorrente,
enquanto entidade organizada com vista à exploração de um ramo de negócio.
Por isto, o tributo exigido a propósito da ocupação e utilização do subsolo tem
contrapartida na disponibilidade dessas ocupação e utilização em benefício da
recorrente, para satisfação das suas necessidades individuais de empresa
dedicada à distribuição e venda de gás.
O que vale por dizer que se trata de uma taxa, e não de um imposto.
E que, consequentemente, o princípio da legalidade fiscal não implica que a
criação do tributo fosse da autoria da Assembleia da República.
3.4. As conclusões XIX a XXIV formuladas pela recorrente põem-nos perante a
questão da violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Esse atentado resultaria de a recorrente, na qualidade de concessionária de
serviço público, estar a ser tratada como outra qualquer entidade a quem falta
tal qualidade, quando a diferença imporia tratamento diferente. A taxa
liquidada, igual à que incide sobre «usos privativos de interesse privado», não
atende nem «à finalidade do uso requerido» nem à «quase inocuidade da aludida
ocupação».
Em primeira linha, o princípio da igualdade só impõe que à recorrente, como
concessionária, seja dado tratamento igual ao das suas congéneres. Para que se
imponha, também, dar-lhe tratamento distinto daquele que, em geral, merecem os
demais contribuintes, seria preciso demonstrar que entre ela e eles há uma
diferença tal que justifica essa disparidade.
O que diz a recorrente a este respeito é que não pode repercutir as taxas pagas
nos preços que factura, por estar «limitada, designadamente pelo contrato de
concessão e pelo facto de ser uma concessionária de serviço público».
Mas, dizendo isto, a recorrente contraria a sentença recorrida, aonde se lê que
«a impugnante no exercício da sua actividade empresarial e comercial pode (…)
fazer repercutir as taxas pagas a título de ocupação do subsolo, na facturação
ao consumidor». Estamos perante um juízo em sede de matéria de facto que nem é
posto expressamente em causa pela recorrente – que não aponta à sentença erro de
julgamento sobre os factos –, nem é sindicável por este Tribunal, aqui agindo
como de revista.
De resto, não é apodíctico que qualquer outra empresa possa, sem mais,
repercutir nos preços que pratica todos os custos que suporta. É do conhecimento
geral que as condições do mercado não raras vezes obstam a que isso ocorra.
E mesmo sendo verdade que a posição da recorrente no mercado não é igual à de
outra empresa que nele actue fora do âmbito de uma concessão de serviço público,
não se vê que essa sua posição seja, neste pormenor, de tal modo diferente das
demais entidades que imponha um tratamento diferenciado, sob pena de ofensa do
princípio da igualdade.
Por demonstrar está, também, que seja «quase inócua» a ocupação do solo pelas
estruturas da recorrente. Afirmação que, em todo o caso, não deixa de
estranhar-se, geralmente sabido como é que as condutas de gás ocupam espaço e
constituem um sistema exigente em termos de segurança e manutenção; sabe-se, de
resto, porque fixado ficou em sede factual (mais concretamente, é a entidade
liquidadora que o afirma, e a recorrente não o contraria), que a tubagem por si
instalada tem uma extensão linear de 130.296 metros e nela existem 504 caixas de
válvulas.
Por último, viu-se já que o que justifica a exigência da taxa não é o uso de
interesse público do subsolo, mas o de interesse privado que, concomitantemente,
a recorrente dele retira. O que faz com que a taxa, ao ser igual para todos os
que ocupam o subsolo, sejam ou não concessionários de serviços públicos, não
ofenda o princípio da igualdade, nem o da proporcionalidade.
3.5. A derradeira questão que põe a recorrente respeita à isenção de que, por
força do artigo 33º nº 1 da Lei das Finanças Locais, o Estado goza relativamente
às taxas devidas aos municípios. Esta isenção bafejaria a recorrente, na medida
em que, ocupando o subsolo ao abrigo da concessão, exerce poderes que são do
Estado.
Ora, a isenção de que goza o Estado é subjectiva, não se vendo modo de ela poder
ser transmitida a outrem, seja pela via administrativa, seja por contrato.
Já isto bastaria para não ser como quer a recorrente.
Acresce que a concessão não transfere para o concessionário senão os poderes
necessários ao desempenho do serviço público por que fica responsável – e é por
isto mesmo que lhe é permitido instalar equipamentos no domínio público. Mas não
mais do que isso. A concessão não altera a natureza jurídica do concessionário
que, no caso, é uma sociedade comercial, e não passou, por obra da concessão, a
ser uma pessoa colectiva de direito público.
Os deveres e direitos do Estado, incluindo as isenções que a lei lhe atribui,
continuam a ser seus, do mesmo modo que também a esfera jurídica do
concessionário se não altera senão na justa medida em que passa a incluir os
direitos e deveres englobados na concessão.
Improcedem, pelo exposto, todos os fundamentos do recurso sintetizados nas
conclusões formuladas pela recorrente”.
2.3 – Notificada da decisão, a recorrente interpôs, nos termos descritos, o
presente recurso de constitucionalidade.
3 – Integrando-se o caso sub judicio no âmbito normativo delimitado pelo
artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e atento o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do
mesmo diploma, segundo o qual a decisão do tribunal a quo que admitiu o recurso
não vincula o Tribunal Constitucional, passa a decidir-se com base nos seguintes
fundamentos.
4 – Como se deixou referido, vem o presente recurso interposto ao abrigo do
disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, onde se admite recurso
para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja ilegalidade –
com fundamento em violação de lei com valor reforçado [alínea c), do artigo
70.º, n.º 1, da LTC], em violação do estatuto de região autónoma ou de lei geral
da República, no caso de normas constantes de diploma regional [alínea d), do
artigo 70.º, n.º 1, da LTC], ou em violação do estatuto de uma região autónoma,
no caso de normas emanadas de um órgão de soberania [alínea e), do artigo 70.º,
n.º 1, da LTC] – haja sido suscitada durante o processo.
5 – Perscrutando os autos, resulta claro que a recorrente não suscitou
qualquer questão de ilegalidade normativa susceptível de ser integrada no âmbito
material das questões jurídicas supra indicadas.
Vejamos.
Como é consabido, o objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade/ilegalidade é constituído por normas jurídicas que violem
preceitos ou princípios constitucionais, não podendo sindicar-se nesse recurso a
decisão judicial em sim própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de
preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no
plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma
chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente
determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto
(correcção do juízo subsuntivo).
Nestes termos, subjacente ao recurso de constitucionalidade há-de estar
sempre uma questão de constitucionalidade ou de ilegalidade estritamente
normativa, não sendo admissíveis os recursos que, ao jeito da
Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub
species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais
tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação
(directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este
Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in
concreto pelo tribunal a quo.
A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica
do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das
normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse,
nos recursos interpostos ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus
de suscitar o problema de ilegalidade normativa num momento anterior ao da
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88,
publicado no Diário da República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º
618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para
jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no
Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9,
inéditos e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de
18 de Junho de 1994)].
Nessa medida, perante um recurso do tipo do presente, a competência do
Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da legalidade de actos normativos –
e não de decisões judiciais – em face dos fundamentos já invocados: violação de
lei com valor reforçado e violação do estatuto de uma região autónoma ou de lei
geral da República.
Nas alegações remetidas ao Supremo Tribunal Administrativo, a recorrente
sustenta que a decisão recorrida “violou (...), nomeadamente por erro de
interpretação, as normas dos artigos 13º, 84°, 103°, 106°, 165° e 238° da
C.R.P.; os artigos 11°, 19º e 33° da Lei n° 42/98, de 06-08 (Lei das Autarquias
Locais); o artigo 4° da Lei Geral Tributária; e ainda as normas da Lei
55-B/2004, de 31-12, do DL 33/91, de 16-01 e do DL 374/89, de 25-10”, imputando
recta via à decisão judicativa o vício de violação de lei e, bem vistas as
coisas, de inconstitucionalidade.
Não suscita, pois, a recorrente, em passo algum das suas alegações e
respectivas conclusões, qualquer questão de ilegalidade normativa susceptível de
fundar o presente recurso, sendo certo que a “ilegalidade” da decisão judicial
qua tale não constitui objecto idóneo do recurso para o Tribunal Constitucional.
Não estão assim preenchidos os requisitos processuais determinantes da
admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea
f), da LTC.
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do presente recurso”.
3 – Por sua vez, na reclamação são aduzidos os seguintes
argumentos:
“(...)
1º
Nos presentes autos, veio a ora reclamante interpor recurso para o Venerando
Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de
08-11-2006.
2º
Este recurso foi admitido por douto despacho do Juiz Conselheiro Relator do
Supremo Tribunal Administrativo, a fls. 338 dos autos, de 15-12-2006.
3º
Por decisão sumária de 06 de Fevereiro de 2007, o Ex.mo Senhor Doutor Juiz
Conselheiro Relator do Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do
recurso interposto pela recorrente, ora reclamante, com fundamento na falta de
preenchimento dos “requisitos processuais determinantes da admissibilidade do
recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea f), da LTC.”
4º
Entende o Exmo. Conselheiro Relator que a recorrente não suscita «...em passo
algum das suas alegações e respectivas conclusões, qualquer questão de
ilegalidade normativa susceptível de fundar o presente recurso, sendo certo que
a “ilegalidade” da decisão judicial qua tale não constitui objecto idóneo do
recurso para o Tribunal Constitucional.»
5º
Ressalvado o devido respeito, que é o maior, no entender da reclamante,
inadequadamente.
Com efeito,
6º
Ao Venerando Tribunal Constitucional compete apreciar a inconstitucionalidade e
a ilegalidade, nos termos dos artigos 277º e seguintes da Constituição da
República Portuguesa e do artigo 6º da Lei do Tribunal Constitucional.
7º
Ora, ressalvado sempre o máximo respeito, entende a reclamante que o Tribunal
Constitucional deve (está obrigado a) conhecer do objecto do presente recurso,
por estarem reunidos os requisitos legais exigidos, nomeadamente quanto à
suscitação da ilegalidade/inconstitucionalidade de forma adequada e no momento e
local próprios.
8º
É certo que o Tribunal Constitucional se deve pronunciar apenas sobre a
conformidade com a Constituição das normas aplicadas pela decisão recorrida ou
do respectivo sentido normativo, não incidindo a sua intervenção sobre a
correcção jurídica do julgamento em concreto.
9º
Trata-se de um controlo de legalidade/constitucionalidade de actos normativos e
não de decisões judiciais, orientado por um sistema do tipo cassação.
10º
Contudo, não podemos ignorar que, como bem decidiu o Tribunal Constitucional no
acórdão 279/00, “...quando é essencial à resolução da questão da
constitucionalidade, o Tribunal não pode deixar de conhecer certos aspectos de
direito infraconstitucional; designadamente, não pode deixar de verificar a
justeza das qualificações feitas pelo tribunal recorrido, quando tal for
indispensável para a resolução da questão de constitucionalidade, ou, talvez
melhor dizendo, quando a questão de constitucionalidade coincidir, em maior ou
menor dimensão, com a questão da qualificação feita à luz do direito ordinário”.
11º
No âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, o objecto do recurso
são normas jurídicas.
12º
O conceito de normas jurídicas adoptado pelo Venerando Tribunal Constitucional é
um conceito funcional e formal de norma, e não um conceito material – cfr. Acs.
63/91, 659/95, 421/98, 674/99.
13º
Nomeadamente, para este efeito, tanto o artigo 19º da Lei n.º 42/98 e o artigo
20º da Lei 55-B/2004, como as normas do Regulamento de Taxas e Licenças do
Município de Braga (em especial o artigo 10º n.º 5) são normas jurídicas – vide
acórdãos 26/85, 150/86, 121/92 e 421/98.
14º
De facto, data venia, quer na petição de impugnação judicial, quer nas alegações
a que se refere o artigo 120º do CPPT, quer ainda nas alegações (motivação e
conclusões) do recurso de revista, a recorrente suscita claramente a referida
violação dos preceitos constitucionais e legais por aquelas normas jurídicas.
15º
Questão de inconstitucionalidade/ilegalidade essa que foi levantada antes de se
ter esgotado o poder jurisdicional do Juiz sobre a matéria, ou seja, a questão
foi suscitada antes de proferida a decisão de que se recorre.
16º
Acresce que, as questões de natureza constitucional estão sujeitas, também,
naturalmente, à Lei do processo.
17º
E o processo deve ser orientado e decidido conforme as regras do direito
adjectivo.
18º
Diga-se ainda que, mesmo que a recorrente não tivesse suscitado a questão da
inconstitucionalidade nas suas conclusões das alegações de recurso (o que
efectivamente fez) sempre se dirá que “...a natureza oficiosa do conhecimento da
inconstitucionalidade prevalece perante a limitação do objecto do recurso pelo
teor das conclusões das alegações, baseado no art.º 690º do CPC...” – Ac. n.º
41/92 do Tribunal Constitucional, de 28-01.
19º
Neste sentido, nos termos do artigo 690º do Código de Processo Civil, caso o
Supremo Tribunal Administrativo considerasse que as conclusões eram deficientes
ou obscuras face à motivação do recurso (clara alegação de
inconstitucionalidade/ilegalidade de normas), deveria o Relator ter convidado a
recorrente a completá-las ou a esclarecê-las, sob pena de não conhecimento do
recurso na parta afectada.
20º
Ora, o Supremo Tribunal Administrativo não só não convidou a recorrente a
completar ou esclarecer as questões de inconstitucionalidade/ilegalidade
suscitadas na motivação, como, posteriormente à decisão sobre essas questões,
admitiu o recurso para esse Venerando Tribunal Constitucional.
21º
Tudo para concluir que a recorrente levantou as questões, fez referência aos
normativos violados e concretizou essa violação, tendo as decisões recorridas
aplicado essas normas não as tendo por violadoras da Constituição
De facto,
22º
A recorrente começa por suscitar a ilegalidade/inconstitucionalidade do
regulamento municipal aplicado logo na 1ª Instância, em vários pontos da sua
petição inicial de impugnação judicial, nomeadamente:
«1º
A Câmara Municipal de Braga procedeu à notificação à ora impugnante dos actos de
liquidação constantes dos avisos supra referidos, a título de taxas de ocupação
de subsolos por tubos e condutas em diversos locais do município – cfr. Tabela
de Taxas e Licenças da CM Braga. – docs. nºs. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11,
12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25 e 26...
2º
Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade da liquidação – cfr.
art. 99º do C.P.P.T..
3º
No caso sub judice, como ao diante melhor se demonstrará, para além de outros
vícios dos actos de liquidação, as quantias liquidadas não se subsumem ao
conceito de taxa, mas antes consubstanciam um verdadeiro imposto, criado pelo
Município de Braga ao arrepio da Constituição da República Portuguesa e em
manifesta violação do princípio da legalidade fiscal (reserva de competência).
4º
Em consequência, estamos face a uma ilegalidade que afecta não só as liquidações
aqui em causa – que acarreta a nulidade dos actos de liquidação -, mas
inclusivamente o próprio Regulamento Municipal aplicado.
(...)
49º
O que o Município de Braga quis aplicar com os actos de liquidação impugnados
foi um imposto, ou seja, uma prestação unilateral, pecuniária e coactiva, sem
carácter de sanção, exigida pelo Estado ou outros entes públicos, tendo em vista
a realização de fins públicos.
50º
Ou, pelo menos, os tributos liquidados terão a natureza de um tributo especial,
havendo, como é entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, de receber o
tratamento jurídico equiparado ao imposto – neste sentido, vide Acórdão do STA,
de 03-05-1990, in BMJ 397, pág. 543; e Acórdão do STA, de 19/02/2003, in Bases
Jurídicas do Ministério da Justiça, em www.mj.gov.pt.
51º
Assim sendo, haverá que ter em consideração o disposto no artigo 103º, n.º 2 da
Constituição da República Portuguesa, que determina que ninguém pode ser
obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da
Constituição, sendo estes criados por lei, que determina a incidência, a taxa,
os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
52º
A elaboração da lei sobre a criação de impostos e sistema fiscal é da
competência exclusiva da Assembleia da República, salvo quando seja concedida
autorização legislativa ao Governo, para esse efeito – cfr. artigo 165º, nº1,
al. i) da Constituição da República Portuguesa.
53º
Pelo que se conclui que a liquidação do tributo em causa viola o disposto na
Constituição da República Portuguesa.
54º
Acresce que a interpretação da norma do Regulamento Municipal de Taxas e
Licenças da Câmara Municipal de Braga que prevê a cobrança de taxas de ocupação
do subsolo, no sentido de ser aplicável ao caso concreto é igualmente
inconstitucional, por violação dos artigos 103º e 165º da C.R.P..
55º
Por outro lado, inexiste disposição legal que consinta na estipulação do
pagamento das taxas liquidadas e que ora se impugnam (que consubstanciam um
verdadeiro imposto), ou seja, não existe qualquer lei habilitante da
estipulação, por via regulamentar, de tal tributo.
56º
É forçosa a conclusão de que a criação da “taxa” pela autarquia o foi em
desrespeito pelas normas constitucionais acima invocadas, padecendo de nulidade
e do vício de inconstitucionalidade formal e orgânica.
57º
Como os Municípios, representados pelas Câmaras Municipais, não podem deixar de
ser considerados como entidades públicas, estão sujeitos ao princípio da
legalidade fiscal (reserva de competência), o qual foi manifestamente violado.
23º
Depois, notificada para o efeito, a ora reclamante apresentou as suas alegações
previstas no artigo 120º do CPPT, nas quais, para além de reiterar o por si
alegado na petição de impugnação, acrescentou ainda:
«(...)
Os municípios, representados pelas Câmaras Municipais, estão claramente sujeitos
ao princípio da legalidade fiscal (reserva de competência), o qual foi
manifestamente violado.
Ao encontro da tese defendida pela alegante na petição inicial, vem
expressamente o disposto no Orçamento do Estado para 2005, aprovado pela Lei n.º
55-B/2004, de 30-12:
“Artigo 20.º
Taxas dos municípios
Durante o ano de 2005, fica o Governo autorizado a legislar, alterando o artigo
19.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, no sentido de ampliar as taxas que os
municípios podem cobrar, alargando-as às seguintes situações:
a) …;
b) Ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público
municipal e aproveitamento dos bens de utilidade pública, designadamente, por
empresas e entidades nos domínios das comunicações e distribuição de gás; (…)”
(o sublinhado é nosso)
Independentemente da bondade da solução material consagrada nesta norma, o certo
é que através dela a Assembleia da República concede uma autorização legislativa
ao Governo para alargar as competências dos municípios em matéria de taxas a
casos como o dos autos.
O que, salvo melhor opinião, apenas poderá significar que os Municípios não
podem cobrar taxas de ocupação ou utilização do solo e subsolo do domínio
público municipal por empresas e entidades no domínio da distribuição de gás, ao
abrigo da actual redacção do artigo 19º da Lei n.º 42/98, de 06-08 (Lei das
Finanças Locais) – contrariamente ao que a entidade requerida sustenta na sua
contestação.
(...)
Por outro lado,
A Tabela e o Regulamento Camarários que regulam a aplicação das taxas em apreço
violam o princípio constitucional da igualdade material, nos termos do art. 13º
n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. (...)
De acordo com o princípio da igualdade, vertido no artigo 13.º, n.º 1 da
Constituição da República Portuguesa, exige-se positivamente um tratamento igual
de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto
diversas.
O respeito do princípio da igualdade deve ser, assim, encarado na perspectiva de
uma igualdade material, em detrimento de um mero juízo de igualdade formal (cfr.
Miranda, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Vol. IV, pgs. 226-227;
Canotilho, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª edição,
pg. 400)
Deste modo, impõe-se que seja dado tratamento desigual a situações substancial e
objectivamente desiguais, violando-se este comando quando a solução surja como
arbitrária ao tratar igualmente o que é desigual ou tratando desigualmente o que
é igual.
Entende ainda a Impugnante que, mesmo que a lei permitisse a cobrança de taxas
por ocupação do subsolo municipal, em face da quase inocuidade da referida
ocupação, teria sempre de atender-se à finalidade do uso requerido, de modo que,
de acordo com o princípio da proporcionalidade, não podem ser aplicadas as
mesmas taxas aos usos privativos de interesse privado e aos usos de interesse
público – o que não foi observado no caso concreto.”
24º
A sentença do Tribunal Administrativo de Braga que recaiu sobre a impugnação
pronuncia-se igualmente, em diversos pontos, sobre as questões de
ilegalidade/inconstitucionalidade suscitadas pela recorrente:
“(...) A impugnante alega que as quantias liquidadas não se subsumem ao conceito
de taxa, mas antes a um verdadeiro imposto, criado pelo município ao arrepio da
Constituição da República Portuguesa em manifesta violação do princípio da
legalidade fiscal.
A liquidação de taxas pela Câmara é ilegal, porque não estamos perante taxas,
pois falta-lhe o carácter sinalagmático pelo que a contribuição corresponde a um
verdadeiro imposto.
A norma do Regulamento Municipal de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de
Braga que prevê a cobrança de taxas de ocupação do subsolo, no sentido de ser
aplicável ao caso concreto é igualmente inconstitucional, por violação do art.
103º e 165º da CRP.
(...)
Do que fica exposto, ressalta que a taxa de ocupação do subsolo, encontra a sua
justificação legal na necessidade de compensar o município pela utilização
individualizada dos bens do domínio público municipal a favor da impugnante.
Face ao referido existe uma relação sinalagmática e como tal poderemos concluir
que se trata de uma verdadeira taxa, e como tal, com incidência sobre uma
determinada operação material e não sobre os bens.
Face à alegada inconstitucionalidade, por violação do art. 103º e 106º da CRP,
do n.º 5 do art. 10 do Regulamento de Taxas e Licenças da CMB, fica prejudicado
o seu conhecimento face ao anteriormente decidido.
Acresce ainda que, a impugnante alega (em sede de alegações) que a Câmara
Municipal estão sujeitas ao princípio da legalidade fiscal (reserva de lei) a
qual foi manifestamente violada.
De encontro à tese defendida pela impugnante refere que o art. 2 da lei n.º
55-B/2004 de 30.12, autoriza o Governo a legislar alterando a Lei n.º 42/98 de
6.8, – Lei das Finanças Locais (LFL) – no sentido de ampliar as taxas que os
municípios podem cobrar alargando-as à ocupação ou utilização do solo e subsolo,
do espaço aéreo do domínio público municipal e aproveitamento dos bens de
utilidade pública designadamente, por empresas e entidades no domínio das
comunicações e distribuição de gás. (...)
A interpretação da impugnante não pode sufragar, pois aos municípios era
permitido cobrar taxas, pela ocupação do solo e subsolo do domínio público
municipal, por força do art. 19º da LFL.
(...)
No que concerne à violação do princípio da igualdade, nos termos do n.º 1 do
art. 13º da CRP, (...)
O n.º 1 do art. 13º da CRP determina que todos os cidadãos têm a mesma dignidade
social e são iguais perante a lei.
O Regulamento da Câmara Municipal e as Tabelas de Taxas não prevêem qualquer
isenção subjectiva, ou seja, não isenta qualquer cidadão ou empresa do pagamento
das taxas de ocupação do subsolo. (...)
Também aqui não pode vingar a interpretação que com estas normas está-se a
introduzir um tratamento igual a situações que são diferentes e consequentemente
violando o princípio da igualdade.” (o sublinhado é nosso).
25º
Nas alegações de recurso desta sentença para o Supremo Tribunal Administrativo,
a recorrente motiva o recurso, no que aqui interessa, nos seguintes fundamentos:
“(...)
Dispõe o artigo 103º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que ninguém
pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da
Constituição, sendo estes criados por lei, que determina a incidência, a taxa,
os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
A criação e aplicação de impostos é da competência exclusiva da Assembleia da
República, salvo quando seja concedida autorização legislativa ao Governo, para
esse efeito – cfr. artigo 165º, nº1, al. i) da Constituição da República
Portuguesa.
A interpretação da norma do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas da
Câmara Municipal de Braga que prevê a cobrança de taxas de ocupação do subsolo,
no sentido de ser aplicável ao caso concreto é igualmente inconstitucional, por
violação dos artigos 103º e 165º da C.R.P..
Por outro lado, não existe qualquer lei habilitante da estipulação de tal
tributo.
É forçosa a conclusão de que a criação/liquidação da “taxa” pela autarquia foi
efectuada em violação pelas normas constitucionais acima invocadas, padecendo de
nulidade e do vício de inconstitucionalidade formal e orgânica.
Ou seja, o princípio da legalidade fiscal (reserva de competência) foi
manifestamente violado, pelo que não decidiu bem o Meritíssimo Tribunal a quo na
douta sentença recorrida.
Os argumentos aduzidos na sentença recorrida não podem proceder:
É verdade que as autarquias locais têm autonomia financeira face ao poder
central, podendo criar taxas nos termos da Lei das Finanças Locais.
Contudo, o que as autarquias não podem é criar ou liquidar “impostos” em
violação do disposto na Constituição da República Portuguesa.
(...)
De igual modo, são erradas as ilações que a sentença recorrida retira do artigo
20º do Orçamento do Estado para 2005, aprovado pela Lei n.º 55-B/2004, de 31-12.
(...)
Independentemente da bondade formal e material da solução consagrada nesta norma
(em nosso entender inconstitucional), o certo é que através dela a Assembleia da
República concede uma autorização legislativa ao Governo para alargar as
competências dos municípios em matéria de “taxas”.
O que, salvo melhor opinião, apenas poderá significar que os Municípios não
podem cobrar “taxas” de ocupação ou utilização do solo e subsolo do domínio
público municipal por empresas e entidades no domínio da distribuição de gás, ao
abrigo da actual redacção do artigo 19º da Lei n.º 42/98, de 06-08 (Lei das
Finanças Locais).
Por último,
Entende ainda a sentença recorrida que não se verifica a violação do princípio
da igualdade previsto no artigo 13º da C.R.P., uma vez que todos os cidadãos têm
a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, o Regulamento da Câmara
Municipal e as Tabelas de Taxas não prevêem qualquer isenção subjectiva e que a
recorrente pode repercutir as taxas pagas na facturação ao consumidor e
deduzi-las como custo fiscal.
Esta visão redutora do princípio da igualdade, visto unicamente na sua vertente
da igualdade formal, não pode ter acolhimento.
Exactamente por não preverem tratamentos diversos para situações diferentes
(e.g. isenções subjectivas ou diferentes taxas a aplicar), a Tabela e o
Regulamento Camarários violam o princípio constitucional da igualdade, na sua
vertente da igualdade material, nos termos do art. 13º n.º 1 da Constituição da
República Portuguesa.
(...)
De acordo com o princípio da igualdade, vertido no artigo 13.º, n.º 1 da
Constituição da República Portuguesa, exige-se positivamente um tratamento igual
de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto
diversas.
O respeito do princípio da igualdade deve ser, assim, encarado na perspectiva de
uma igualdade material, em detrimento de um mero juízo de igualdade formal (cfr.
Miranda, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Vol. IV, pgs. 226-227;
Canotilho, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª edição,
pg. 400)
Deste modo, impõe-se que seja dado tratamento desigual a situações substancial e
objectivamente desiguais, violando-se este comando quando a solução surja como
arbitrária ao tratar igualmente o que é desigual ou tratando desigualmente o que
é igual.
(...)
26º
E, nas conclusões das suas alegações de recurso, a recorrente havia sustentado:
XIV – Os actos de liquidação impugnados são verdadeiros impostos, ou pelo menos
tributos especiais (em todo o caso, com um tratamento jurídico equiparado ao
imposto).
XV – Pelo que a sua criação e aplicação ultrapassa o poder tributário dos
municípios, limitado ao estabelecimento de taxas.
XVI – O princípio da legalidade fiscal (reserva de competência) foi
manifestamente violado – artigo 103º n.º 2 e 165º da C.R.P..
XVII – Independentemente da bondade formal e material da solução consagrada no
artigo 20º do Orçamento do Estado para 2005, aprovado pela Lei n.º 55-B/2004, de
30-12 (em nosso entender, inconstitucional), o certo é que através dela a
Assembleia da República concede uma autorização legislativa ao Governo para
alargar as competências dos municípios em matéria de “taxas”.
XVIII – O que significa que os Municípios não podem cobrar “taxas” de ocupação
ou utilização do solo e subsolo do domínio público municipal por empresas e
entidades no domínio da distribuição de gás, ao abrigo da actual redacção do
artigo 19º da Lei n.º 42/98, de 06-08 (Lei das Finanças Locais).
Sem prescindir,
XIX – Os actos impugnados ao fazerem uma aplicação directa das taxas previstas
na Tabela e Regulamento Camarários estão a aplicar à recorrente, enquanto
concessionária de serviço público, exactamente as mesmas taxas que estão
previstas para entidades particulares, que actuam com base em interesses
próprios (individuais).
XX – A recorrente não pode, do mesmo modo que qualquer empresa, repercutir as
taxas pagas na facturação ao consumidor, pois a sua actuação nesta área
(nomeadamente quanto aos preços que esta pode cobrar aos consumidores) está
limitada, designadamente pelo contrato de concessão e pelo facto de ser uma
concessionária de serviço público.
XXI – Ou seja, estão a ser tratadas de forma igual situações que são
materialmente diferentes, e que deveriam ser objecto de tratamento diverso,
violando assim o princípio da igualdade (na sua vertente de igualdade material),
vertido no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Acresce que,
XXII – Ainda que a cobrança de taxas por ocupação do subsolo fosse permitida (no
que não se consente), face ao princípio da proporcionalidade, a respectiva
liquidação teria sempre de atender à finalidade do uso requerido – o que não
sucedeu no caso em apreço (não foi considerada a quase inocuidade da aludida
ocupação).
XXIII – O respeito pelo princípio da proporcionalidade impõe que não sejam
aplicadas as mesmas taxas aos usos privativos de interesse privado e aos usos de
interesse público.
XXIV – Conclui-se, pois, nesta sede, que os actos de liquidação impugnados se
encontram feridos de nulidade, por violação dos princípios constitucionais da
igualdade e da proporcionalidade.
(...)
XXX – Violou, assim, a sentença recorrida, nomeadamente por erro de
interpretação, as normas dos artigos 13º, 84º, 103º, 106º, 165º e 238º da
C.R.P.; os artigos 11º, 19º e 33º da Lei n.º 42/98, de 06-08 (Lei das Autarquias
Locais); o artigo 4º da Lei Geral Tributária; e ainda as normas da Lei
55-B/2004, de 31-12, do DL 33/91, de 16-01 e do DL 374/89, de 25-10; o despacho
que admitiu o recurso violou os artigos 280º, 281º, 282º e 286º do CPPT e o
artigo 687º n.º 4 do Código de Processo Civil.”
27º
No que aqui interessa, o acórdão recorrido do Supremo Tribunal Administrativo de
08-11-2006, deu respostas negativas, explícitas ou implícitas, às questões de
ilegalidade/inconstitucionalidade suscitadas pela recorrente desde a 1ª
Instância:
- “Designadamente, não é a atribuição da concessão à
recorrente que impede o Município de exercer o seu poder, que lhe é conferido
pelo artigo 19º alínea c) da Lei 42/98, de 6 de Agosto, de cobrar taxas pela
«ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público
municipal».”
- “Por isso, o tributo exigido a propósito da ocupação e
utilização do subsolo tem contrapartida na disponibilidade dessas ocupação e
utilização em benefício da recorrente, para satisfação das suas necessidades
individuais de empresa dedicada à distribuição e venda de gás.
O que vale por dizer que se trata de uma taxa, e não de um imposto.
E que, consequentemente, o princípio da legalidade fiscal não implica que a
criação do tributo fosse da autoria da Assembleia da República.”
- “As conclusões XIX a XXIV formuladas pela recorrente
põem-nos perante a questão da violação dos princípios da igualdade e da
proporcionalidade.
Por último, viu-se já que o que justifica a exigência da taxa não é o uso de
interesse público do subsolo, mas o de interesse privado que, concomitantemente,
a recorrente dele retira. O que faz com que a taxa, ao ser igual para todos os
que ocupam o subsolo, sejam ou não concessionários de serviços públicos, não
ofenda o princípio da igualdade, nem o da proporcionalidade.”
Assim,
28º
Todos os Tribunais Judiciais, ao debruçarem-se sobre um caso concreto podem e
devem não aplicar qualquer norma que considerem inconstitucional – artigo 204º
da Constituição da República Portuguesa (o que não sucedeu no caso concreto).
29º
Mas, no que se refere à matéria de constitucionalidade/ilegalidade de normas,
face aos juízos dos Tribunais Judiciais, é possível recorrer para o Tribunal
Constitucional – artigo 280º da Constituição da República Portuguesa.
30º
Salvo melhor opinião, a recorrente suscitou suficientemente a questão da
ilegalidade/inconstitucionalidade quanto às normas em causa, na interpretação
que lhes foi dada pelos doutos arestos em questão – vide nomeadamente os
acórdãos 31/88, 176/88, 126/95, 243/95, 674/99, 122/00, 124/00, 153/00 do
Tribunal Constitucional.
31º
Trata-se da apreciar a ilegalidade/inconstitucionalidade das normas do
Regulamento de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Braga e respectiva Tabela
anexa (em particular do artigo 10º n.º 5), bem como a interpretação e
significado que é dado ao artigo 19º da Lei n.º 42/98 e ao artigo 20º da Lei n.º
55-B/2004.
32º
Ora, todas estas normas foram efectivamente aplicadas quer pelo Tribunal
Administrativo e Fiscal do Porto, que pelo Supremo Tribunal Administrativo,
constituindo a “ratio decidendi” das decisões judiciais,
33º
sendo que, de acordo com a jurisprudência desse Venerando Tribunal, essa
aplicação tanto pode ser expressa como implícita – cfr. acórdãos 88/86, 47/90 e
235/93.
34º
E o não conhecimento por parte de um tribunal de uma norma, quando podia e devia
fazê-lo, equivale a aplicação implícita da mesma. – vide acórdão 318/90 do
Tribunal Constitucional.
35º
Ora as questões relacionadas com a apreciação da constitucionalidade, são
questões de Ordem Pública que, data venia, devem ser fiscalizadas com a maior
amplitude legalmente permitida, sob pena de a fiscalização concreta da
constitucionalidade ser “letra morta”, o que colocaria os cidadãos numa situação
totalmente fragilizada.
36º
Pelo exposto assiste à recorrente direito de reclamar do despacho de não
conhecimento do recurso, que entende que deve ser revogado – o que se requer.”
Cumpre, pois, julgar.
B – Fundamentação
4 – Importa começar por referir que as doutas considerações
tecidas pelo reclamante em nada abalam os fundamentos que justificaram a
prolação da decisão reclamada.
Na verdade, a reclamante não suscitou durante o processo
qualquer questão de ilegalidade susceptível de ser reconduzida à alínea f) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC, no qual apenas se admite recurso para o Tribunal
Constitucional de decisões que apliquem norma cuja ilegalidade – com fundamento
em violação de lei com valor reforçado [alínea c), do artigo 70.º, n.º 1, da
LTC], em violação do estatuto de região autónoma ou de lei geral da República,
no caso de normas constantes de diploma regional [alínea d), do artigo 70.º, n.º
1, da LTC], ou em violação do estatuto de uma região autónoma, no caso de normas
emanadas de um órgão de soberania [alínea e), do artigo 70.º, n.º 1, da LTC] –
haja sido suscitada durante o processo.
Por outras palavras, a reclamante não suscitou qualquer questão
de ilegalidade com fundamento em violação de lei com valor reforçado; não
suscitou qualquer questão de ilegalidade de normas constantes de diploma
regional ou emanadas de um órgão de soberania, com fundamento em violação do
estatuto de uma região autónoma.
Sendo esses os fundamentos do recurso previsto no artigo 70.º,
n.º 1, alínea f), da LTC, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento
de outras questões aí não referidas, designadamente, as relativas a problemas de
inconstitucionalidade normativa, susceptíveis de recurso para este Tribunal a
interpor de acordo com as hipóteses estipuladas naquele artigo 70.º, n.º 1,
designadamente, no caso de aplicação de normas cuja constitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo, o previsto na alínea b).
Por outro lado, este Tribunal Constitucional tem repetidamente
considerado que não é possível a convolação do tipo de recurso interposto (cfr.,
a título de exemplo, os acórdãos nºs 232/97, 124/01, 475/01, 179/02, 468/03,
46/04 e 347/04, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), nem a
requerimento do interessado, nem oficiosamente, sendo pois às partes que
incumbe, por mor do princípio da sua auto-responsabilização processual, definir
os termos e o objecto do recurso a interpor para este Tribunal.
Como se disse recentemente no Acórdão n.º 496/06 (igualmente
disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “o acesso aos tribunais não
dispensa, num Estado de direito, a existência de um conjunto de normas
adjectivas cujo cumprimento se encontra orientado para se alcançar a justa
realização concreta do direito”, sendo que “ao afirmar que apenas têm
legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional a ‘parte que haja
suscitado a questão da [ilegalidade] (...) de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer”, o artigo 72.º, n.º 2, da LTC não impõe aos
recorrentes um ónus susceptível de ser qualificado como desproporcionado,
desrazoável ou arbitrário”.
C – Decisão
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, com 20 UCs. de taxa de justiça.
Lisboa, 14 de Março de 2007
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos