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Processo nº 451/05
 Plenário
 Relator: Conselheiro Gil Galvão                     
 
  
 
                 
 
  
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. Requerente e Pedido
 
  
 A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira vem requerer a declaração 
 de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 5 
 do artigo 19º do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo 
 Constitucional, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2005, de 
 
 15 de Abril.
 
  
 
  
 
 2. Conteúdo da Norma
 
  
 A referida norma tem o seguinte teor: 
 
 “Artigo 19.º
 Audição das Regiões Autónomas
 
 [...]
 
 5. Quando tal se justifique, podem os projectos ser submetidos a Conselho de 
 Ministros, para aprovação na generalidade, antes de decorrido o prazo previsto 
 nos números anteriores, ficando a aprovação final dependente do transcurso desse 
 prazo.”
 
  
 
 3. Fundamentação do Pedido
 
  
 A requerente fundamenta o pedido invocando, nomeadamente, o seguinte:
 
 - “[...] Tratando-se de questões da competência dos órgãos de soberania que 
 sejam respeitantes às Regiões Autónomas, ou seja, matérias incluídas na reserva 
 de competência da Assembleia da República ou do Governo, mas que digam respeito 
 a essas regiões, então, para além de disporem de iniciativa legislativa sobre 
 tais matérias, dispõem as regiões ainda do direito de se pronunciar sobre elas, 
 nomeadamente, e quando não seja por sua própria iniciativa, sob consulta dos 
 
 órgãos de soberania em causa, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º da 
 Constituição.
 
 [...] o pedido de audição tem de ser formulado antes da decisão, sob pena de o 
 
 órgão regional competente ficar confrontado com um facto consumado. Mais do que 
 ficar suspensa durante o prazo dado àquele para se fazer ouvir, em rigor a 
 decisão só pode formar-se depois da pronúncia ou do decurso do prazo;
 
 [...] A decisão de legislar é tomada aquando da discussão e votação na 
 generalidade, a qual versa sobre os princípios e o sistema de cada projecto ou 
 proposta de lei.
 
 - Por conseguinte, senão a discussão, pelo menos a votação na generalidade 
 ficará vedada enquanto não se receber o parecer regional ou não estiver exaurido 
 o correspondente prazo.
 
 [...] Aceita-se que se dê audição das regiões autónomas após a reunião dos 
 Secretários de Estado. Não pode aceitar-se, por inconstitucional, que, “quando 
 tal se justifique”, passem os projectos a ser submetidos a Conselho de Ministros 
 para aprovação na generalidade antes de decorrido o prazo para essa audição, 
 embora a aprovação final fique dependente do transcurso do prazo [...].”
 
  
 Finalmente, a requerente conclui pela inconstitucionalidade da norma constante 
 do n.º 5 do artigo 19.º do Regimento aprovado pela Resolução do Conselho de 
 Ministros n.º 82/2005, de 15 de Abril, por violação do disposto nos artigos 
 
 227.º, n.º 1, alínea v), e 229.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
  
 
 4. Resposta do autor da norma
 
  
 
 4.1. Notificado do pedido, veio o Primeiro-Ministro suscitar, a título de 
 questão prévia, o problema da “sindicabilidade constitucional da norma 
 impugnada”, concluindo, quanto a este ponto, que:
 
 - A disposição do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo 
 Constitucional impugnada no presente processo não configura, de acordo com o 
 sentido da jurisprudência constitucional, uma norma jurídica susceptível de 
 reunir os necessários requisitos impugnatórios junto do Tribunal Constitucional;
 
 - Esta norma não se conforma como um acto jurídico previsto na Constituição;
 
 - Não dispõe de eficácia externa, na medida em que projecta os seus efeitos, 
 exclusivamente, no funcionamento do Executivo e não fixa obrigações para 
 terceiros, mormente aos órgãos de governo próprios das regiões autónomas, nem 
 contém qualquer regra que altere o cumprimento do dever constitucional e legal 
 de promoção da audição dentro dos prazos determinados para o efeito.
 
  
 
 4.2. Para a hipótese de o Tribunal Constitucional considerar que o preceito 
 questionado se mostra susceptível de fiscalização, o autor da norma conclui a 
 resposta, quanto à violação da alínea v) do n.º 1 do artigo 227.º da 
 Constituição, do seguinte modo:
 
 “a) O objecto do n.º 5 do artigo 19.º do Regimento do Conselho de Ministros 
 
 [...] não se refere ao “poder de participação e pronúncia dos órgãos de governo 
 regional”, mas sim à concretização procedimental do “dever de consulta” a esses 
 
 órgãos regionais por parte do Governo;
 b) A procedimentalização do “dever de consulta” por parte do Governo, tal como 
 se encontra regulada na norma impugnada constitui uma matéria de 
 
 “auto-organização” do Executivo e, como tal, um domínio da sua reserva exclusiva 
 de competência, reconhecida pelo n.º 2 do art. 198.º da CRP, tendo a prática 
 constitucional admitido que a mesma reserva seja disciplinada, seja por 
 decretos-leis, seja por normas regimentais;
 c) Pelo que, regras relativas à aprovação, na generalidade e em votação final, 
 de diplomas da competência do Governo, tendo em vista assegurar o cumprimento do 
 dever de audição às regiões, integram-se necessariamente na reserva exclusiva de 
 competência do Governo, sendo como tal estranhas a uma reserva estatutária que 
 se circunscreve às matérias da organização e funcionamento das regiões, das 
 quais podem naturalmente constar regras relativas ao exercício do “direito” 
 regional de audição.”
 
  
 
 4.3. Finalmente, no que concerne à hipotética violação do dever de audição 
 previsto no n.º 2 do artigo 229.º da Constituição conclui o Primeiro Ministro:
 
 “a) O n.º 5 do artigo 19.º do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo 
 Constitucional não ofendeu nenhum dos critérios materiais que pautam o exercício 
 do direito de audição regional, dado que não reduziu os prazos fixados para o 
 efeito, nem obstou a que o sentido da audição pudesse influenciar utilmente a 
 decisão aprovatória final, na medida em que previu que essa aprovação não 
 pudesse ter lugar antes da realização da consulta ou do transcurso do prazo para 
 a mesma audição;
 b) Não existe uma homologia entre as fases de aprovação parlamentar e 
 governamental de actos legislativos, passível de justificar um paralelismo entre 
 as mesmas, já que enquanto o primeiro compreende três fases (discussão e votação 
 na generalidade, discussão e votação na [especialidade] e votação final global) 
 o procedimento legislativo governamental envolve, por regra, uma só fase 
 
 (“aprovação final”) e, excepcionalmente, duas (“aprovação na generalidade” e 
 
 “aprovação final”) quando “tal se justifique” em relação a diplomas sujeitos a 
 audição de determinadas entidades.
 c) A Constituição não estipula, por outro lado, qualquer faseologia 
 procedimental para a aprovação de actos normativos em Conselho de Ministros, nem 
 determina, consequentemente, qualquer obrigação ao referido órgão para realizar 
 o seu dever de audição num fase específica do respectivo procedimento 
 legislativo, sem prejuízo de o mesmo órgão dever observar o critério do sentido 
 
 útil da realização da audição;
 d) Por conseguinte, no caso de a pronúncia ocorrer depois da “aprovação na 
 generalidade” de um diploma sujeito a audição regional na sua totalidade, 
 aprovação essa que configura apenas uma “primeira leitura” do diploma, tem-se 
 por cumprido o critério constitucional que determina que essa pronúncia deva 
 poder influir utilmente no conteúdo global do diploma, tendo em conta que é em 
 sede de “aprovação final” em Conselho de Ministros que haverá uma decisão 
 definitiva do Governo quanto aos princípios enformadores do diploma, ao conteúdo 
 específico de cada umas das suas normas e à sua aprovação global;
 
 [e]) Se, em alternativa, se estiver perante audições com carácter parcial, não 
 existe, igualmente, qualquer obstáculo jurídico ao facto de o prazo para a 
 audição se esgotar após a “aprovação na generalidade” em Conselho de Ministros 
 já que a “aprovação final” do acto consome, o que seria a aprovação do acto na 
 especialidade bem como a sua aprovação global, não podendo a referida aprovação 
 final ter lugar antes do transcurso do prazo de audição;
 
 [f]) Carece, finalmente, de fundamento o argumento que condiciona a 
 constitucionalidade da norma regimental impugnada, a necessidade de esta última 
 fixar como limite máximo da realização o trâmite da audição regional, uma fase 
 procedimental de produção normativa que a Constituição não prevê, situada em 
 momento posterior à intervenção de um órgão (a Reunião de Secretários de Estado) 
 cuja existência e competências tão pouco se encontram reguladas na Lei 
 Fundamental.
 
  
 
 4.4. Do exposto, conclui o Primeiro Ministro que, contrariamente ao que é 
 defendido no pedido, o n.º 5 do artigo 19.º do Regimento do Conselho de 
 Ministros do XVII Governo Constitucional não padece de inconstitucionalidade, 
 pelo que o pedido deve ser rejeitado.
 
  
 
 5. Memorando e Debate
 
  
 Elaborado pelo Presidente do Tribunal o memorando previsto no artigo 63º da Lei 
 do Tribunal Constitucional e entregue a todos os juízes, foi o mesmo submetido a 
 debate, sendo fixada a orientação do Tribunal. Cumpre, assim, dar corpo à 
 decisão, de harmonia com o que então se estabeleceu.
 
  
 
  
 II – Questão prévia
 
  
 
  
 
 6. Sindicabilidade da norma questionada
 
  
 A resposta à questão colocada pelo autor da norma implica que se determine se o 
 n.º 5 do artigo 19.º do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo 
 Constitucional, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2005, de 
 
 15 de Abril (Regimento esse alterado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 
 
 186/2005, de 6 de Dezembro), configura uma norma para efeitos de fiscalização da 
 constitucionalidade. Ora, o Tribunal Constitucional vem, em jurisprudência 
 uniforme e constante, considerando como objecto de controlo apenas as normas, 
 mas todas as normas, procurando um conceito de norma funcionalmente adequado ao 
 sistema de fiscalização da constitucionalidade instituído na Constituição. Nesse 
 contexto, tem entendido serem sindicáveis os actos de criação normativa.
 
  
 
  
 No presente caso, o Regimento do Conselho de Ministros, no qual se encontra o 
 preceito questionado, foi aprovado por uma Resolução do Conselho de Ministros. 
 Acresce que a norma concretamente questionada – transcrita no ponto 2. supra -, 
 prevê o momento de audição das regiões autónomas, em determinados casos 
 especiais. Assim, sem necessidade de tomar posição sobre o carácter normativo 
 dos “regimentos” em geral, não se afigurando adequado um tratamento unitário que 
 envolva indistintamente regimentos de assembleias políticas e de órgãos 
 colegiais, nem, tão pouco, sendo imprescindível tratar globalmente de todas as 
 disposições regimentais inseridas num “regimento”, o Tribunal entende que o 
 preceito questionado tem natureza normativa. 
 
  
 
  
 Na verdade, o citado n.º 5 do artigo 19º do Regimento do Conselho de Ministros 
 prevê, no plano infraconstitucional, os termos em que, relativamente a diplomas 
 legais emanados do Governo, este deve cumprir, em determinados casos, a 
 obrigação de consulta dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, 
 constitucionalmente imposta no n.º 2 do artigo 229º da Constituição. A normação 
 emitida pelo Governo sobre esta matéria projecta-se na esfera de poderes dos 
 
 órgãos próprios de governo das regiões autónomas, consubstanciando uma imposição 
 heterónoma à vontade desses órgãos e produzindo, assim, efeitos externos.
 
  
 
  
 E nem se oponha a esta conclusão a afirmação, que se encontra na resposta do 
 autor da norma, de que o Regimento em análise “não contém qualquer regra que 
 altere o cumprimento do dever constitucional e legal de promoção de audição 
 dentro dos prazos determinados para o efeito.” É que uma tal afirmação, 
 referindo-se à conformidade constitucional da norma, que é precisamente a 
 questão de mérito a resolver, é inteiramente irrelevante para aferir do carácter 
 normativo do preceito questionado.
 
  
 
  
 Pelo exposto, há que concluir que o n.º 5 do artigo 19º do Regimento do Conselho 
 de Ministros do XVII Governo Constitucional preenche as características de norma 
 para efeitos da sua apreciação por este Tribunal.
 
  
 
  
 
  
 III - Fundamentos
 
  
 
  
 
 7. Da alegada violação do disposto na alínea v) do n.º 1 do artigo 227º e do n.º 
 
 2 do artigo 229.º da Constituição
 
  
 
  
 
 7.1. A requerente considera que a norma questionada viola o direito de pronúncia 
 das regiões autónomas, garantido na alínea v) do n.º 1 do artigo 227º da 
 Constituição, e, correspondentemente, o dever que os órgãos de soberania têm de 
 consultar as regiões, estatuído no n.º 2 do artigo 229º da Lei Fundamental.
 
  
 No presente pedido, o que, em bom rigor, está em causa, não é, porém, a questão 
 de saber em que medida há ou não o direito a que se refere o n.º 2 do artigo 
 
 229º da Constituição, mas antes saber se esse direito, cuja existência é um 
 dado, é afectado pelo facto de, nos casos do n.º 5 do artigo 19.º do Regimento 
 do Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional – e apenas nesses -, a 
 audição por parte do órgão de soberania legiferante ocorrer em momento posterior 
 
 à votação na generalidade da medida legislativa projectada. Votação essa que, no 
 entender da requerente, ao versar “sobre os princípios e o sistema de cada 
 projecto ou proposta de lei”, impediria as regiões autónomas, através dos seus 
 
 órgãos de governo, de influenciar com a sua pronúncia, a “decisão de legislar”, 
 que se apresentaria, assim, como facto consumado.
 
  
 Concretiza-se, deste modo, a questão de constitucionalidade a decidir, uma vez 
 que a alegada inconstitucionalidade se verificaria naqueles casos em que o 
 direito de audição pode abranger a globalidade do diploma e os respectivos 
 princípios. Vejamos, então.
 
  
 
  
 
 7.2. Entende o Tribunal que - sob pena de se esvaziar o direito de audição, 
 convertendo a obrigatoriedade de audição numa formalidade sem sentido útil – a 
 oportunidade da pronúncia do titular do direito deve situar-se numa fase do 
 procedimento legislativo adequada à ponderação, pelo órgão legiferante, do 
 parecer que aquele venha a emitir, com a possibilidade da sua directa incidência 
 nas opções da legislação projectada.
 
  
 O cabal exercício do direito de audição pressupõe, assim, que, além de um prazo 
 razoável para o efeito, ele se exerça (ou possa exercer) num momento tal que a 
 sua finalidade (participação e influência na decisão legislativa) se possa 
 atingir, tendo sempre em conta o objecto possível da pronúncia.
 
  
 
 É, aliás, o que se colhe da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a 
 matéria, nomeadamente do Acórdão n.ºs 670/99 (publicado no Diário da República , 
 II Série de 30 de Dezembro) e do Acórdão n.º 529/01 (publicado no Diário da 
 República , I Série de 31 de Dezembro e ambos disponíveis na página Internet do 
 Tribunal Constitucional, no endereço 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), onde, para decidir da 
 conformidade constitucional, se ponderou o momento da audição e o objecto 
 possível da pronúncia.
 
  
 O primeiro acórdão considerou o disposto nos artigos 157° n.º 1, 158°, 163° e 
 
 164° do Regimento da Assembleia da República, respeitantes à discussão e 
 aprovação na generalidade, à discussão e votação na especialidade e à votação 
 final global, de uma proposta de lei. E tendo em conta que, no caso, a pronúncia 
 das regiões autónomas só poderia incidir sobre normas específicas do diploma 
 proposto, o Tribunal decidiu que a consulta ocorrida entre a discussão e 
 aprovação na generalidade e a discussão e votação na especialidade fora 
 efectuada de forma constitucionalmente admissível, finalizando nos seguintes 
 termos: “A conclusão só seria outra se o direito de audição incidisse sobre a 
 globalidade da proposta de lei, ou sobre os respectivos princípios já que, nesse 
 caso, o pedido haveria de ter sido formulado com a antecedência suficiente sobre 
 a data do início da discussão na generalidade.”
 
  
 No segundo acórdão, o Tribunal, considerando as diferentes fases do procedimento 
 legislativo da Assembleia da República e o respectivo objecto, tal como 
 estabelecidas e descritas no respectivo Regimento (discussão e votação na 
 generalidade, discussão e votação na especialidade e votação final global), 
 reafirmou uma distinção básica, consoante o âmbito ou a extensão do direito de 
 audição relativamente à proposta ou ao projecto de lei em presença: assim, se 
 tal direito incidir “sobre a globalidade da proposta [ou projecto] de lei ou 
 sobre os respectivos princípios”, o pedido de audição há-de ser formulado “com a 
 antecedência suficiente sobre a data do início da discussão na generalidade”; se 
 não for esse o caso, e respeitar apenas a normas específicas da proposta ou 
 projecto, a audição pode ser desencadeada antes do “início da discussão da 
 proposta [ou projecto] de lei na especialidade”. Para utilizar os termos aí 
 referidos, a pronúncia deve ocorrer antes da “performance essencial da 
 discussão”.
 
  
 Note-se, contudo, que a solução concreta das questões de constitucionalidade em 
 causa nos arestos citados se determinou num quadro normativo-constitucional e 
 regimental – o do funcionamento democrático de uma assembleia de composição 
 política plural – em que as normas de funcionamento cumprem muitas vezes ditames 
 constitucionais e asseguram a formação democrática das decisões e os direitos 
 das minorias, fixando e ordenando as fases do procedimento legislativo 
 parlamentar, o tipo de deliberações e o conteúdo que a cada uma corresponde. E 
 isto desde já se assinala como advertência a uma eventual pretensão de transpor 
 todos os considerandos e razões expostos nos mesmos acórdãos para o caso em 
 apreço, pretensão que parece, aliás, implícita no pedido da requerente.
 
  
 
  
 
 7.3. Considerando que a requerente alega a inconstitucionalidade do n.º 5 do 
 artigo 19° do Regimento nos casos em que o direito de audição das regiões 
 autónomas abrange a globalidade do diploma projectado - o que implica o direito 
 de serem questionados quer a decisão de legislar quer os princípios gerais 
 acolhidos - cumpre, então, examinar se uma audição efectuada nos termos daquele 
 n.º 5 implica que a pronúncia escapa à referida “performance essencial da 
 discussão”. Ou seja, no quadro do Regimento do Conselho de Ministros, a resposta 
 
 à questão de constitucionalidade suscitada pela requerente (para quem a audição 
 do órgão regional depois da votação na generalidade do projecto, ainda que a 
 aprovação final fique suspensa durante o prazo de audição, infringe os artigos 
 
 227°, n.º 1, alínea v) e 229°, n.º 2, da Constituição) passa, essencialmente, 
 por saber se, na fase em que o preceito do Regimento admite a audição, já a 
 pronúncia do órgão regional carece de qualquer efeito útil, nomeadamente por nos 
 encontrarmos perante um “facto consumado”. O que dependerá, decisivamente, de 
 saber se a aprovação na generalidade de um projecto pelo Conselho de Ministros 
 assume carácter definitivo ou irreversível, em termos de a posterior audição não 
 poder já alterar, ou mesmo anular, o mencionado projecto.
 
  
 
  
 Vejamos se assim é.
 
  
 A primeira nota a evidenciar é a de que a norma ínsita no artigo 19. n.° 5 do 
 Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional não traduz 
 qualquer inovação relativamente a regimentos anteriores publicados em Diário da 
 República. Com efeito, ela corresponde ipsis verbis às que se contêm nos artigos 
 
 27°, n.° 5, 22°, n.° 5, e 24°, n.° 5, dos regimentos do Conselho de Ministros 
 aprovados, respectivamente, pelas resoluções n.ºs 3/2000, de 13 de Janeiro, 
 
 91/2002, de 3 de Maio e 126-A/2004, de 3 de Setembro; só a Resolução n.° 
 
 66/2003, de 2 de Maio, revogou o artigo 22°, n.° 5, do Regimento de 2002, mas a 
 Resolução n.° 126-A/2004 voltou a consagrar a mesma norma no artigo 24°, n.° 5.
 
  
 Em segundo lugar, há que sublinhar que, ao contrário do que a requerente 
 implicitamente parece pressupor, a distinta natureza dos órgãos de soberania - 
 Assembleia da República e Governo - e dos princípios que regem o respectivo 
 funcionamento, bem como as particularidades do faseamento procedimental 
 constante dos correspondentes Regimentos, não permitem uma transposição das 
 soluções encontradas no quadro regimental da Assembleia para o quadro regimental 
 do Governo.
 
  
 Na verdade, o Regimento do Conselho de Ministros não contém qualquer disposição 
 que defina o conteúdo das deliberações do Conselho de aprovação na generalidade 
 dos projectos, diferentemente do que sucede com o Regimento da Assembleia da 
 República, onde, no artigo 158°, se prescreve o objecto da discussão e votação 
 na generalidade de cada projecto ou proposta de lei. E, ainda que se pudesse 
 aceitar que a referida aprovação na generalidade, em Conselho de Ministros, 
 poderia incidir sobre os princípios e o sistema de cada projecto, compreendendo 
 logicamente a própria opção política de legislar sobre determinada matéria, não 
 só não se deixa, no entanto, de assinalar que desse mesmo Regimento não resulta 
 a necessidade de uma tal fase em todos os procedimentos, mas também que nada de 
 definitivo ocorre com essa aprovação.
 
  
 Por outro lado, também o Regimento não caracteriza as deliberações de aprovação 
 ou de rejeição tomadas em Conselho de Ministros. Nomeadamente, nada diz sobre se 
 elas têm por objecto os projectos na especialidade ou se correspondem a uma 
 espécie de votação final global, semelhante à que se prevê no artigo 165° do 
 Regimento da Assembleia da República, sendo certo que esta se sucede a uma fase 
 de discussão e votação na especialidade, que não está expressamente prevista no 
 procedimento legislativo governamental.
 
  
 A ausência de uma fase de discussão e votação na especialidade e a própria 
 admissibilidade de deliberação de rejeição do projecto, sem que a esta pareça 
 obstar qualquer eventual deliberação anterior de aprovação na generalidade, 
 induzem a que a deliberação de aprovação constitua a posição final - decisiva - 
 do Governo sobre o projecto, na sua globalidade.
 
  
 Na verdade, ao contrário do que sucede com as deliberações de uma assembleia 
 política plural, como a Assembleia da República, em que o procedimento 
 legislativo está ordenado de tal modo que a superação de cada uma das 
 respectivas fases acarreta a preclusão da reabertura da discussão quanto ao 
 ponto entretanto ultrapassado, no Regimento do Conselho de Ministros não existe 
 nenhuma vinculação (auto-vinculação) à irreversibilidade absoluta das 
 deliberações entretanto tomadas ao longo do referido procedimento. Ou seja, nada 
 no Regimento do Conselho de Ministros impede que, por exemplo, a própria decisão 
 de legislar, implícita numa deliberação de aprovação na generalidade por aquele 
 Conselho (quando ocorra), possa ser posta em causa até ao termo do 
 correspondente processo legislativo, já que essa vontade política de legislar 
 deve acompanhar todo o processo legislativo até ao fim.
 
  
 De resto, a interpretação da norma em causa, quando admite, em casos especiais, 
 a aprovação na generalidade dos projectos pelo Conselho de Ministros, sem a 
 audição dos órgãos das Regiões Autónomas, mas faz sustar a aprovação final até 
 ao transcurso do prazo de audição posteriormente promovida, só tem sentido útil 
 no pressuposto de que, até esta aprovação final, no amplo leque de deliberações 
 possíveis previstas no artigo 6° n.º 4 do Regimento, tudo é ainda ponderável e 
 discutível, incluindo a pronúncia das regiões autónomas sobre matérias 
 respeitantes à decisão de legislar e aos princípios e sistema do projecto em 
 causa, podendo reiniciar-se a discussão à luz dos novos dados trazidos pela 
 participação das regiões. Assim sendo, como, manifestamente, o é, a informação 
 resultante da audição das regiões autónomas quanto à própria “decisão de 
 legislar” ou aos “princípios e o sistema de cada projecto ou proposta de lei” 
 não escapa à performance essencial da discussão.
 
  
 
  
 
 7.4. Em suma: de tudo quanto se deixa dito há necessariamente que concluir que o 
 direito de audição constitucionalmente garantido às regiões autónomas (e, 
 consequentemente, o correspectivo dever de consulta por parte do órgão de 
 soberania legiferante), não é afectado pelo disposto no n.º 5 do artigo 19.º do 
 Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional, aprovado pela 
 Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2005, de 15 de Abril. 
 
  
 
  
 Assim sendo, a norma constante do n.º 5 do artigo 19° do referido Regimento não 
 ofende o disposto nos artigos 227°, n.º 1, alínea v) e 229°, n.º 2, da 
 Constituição.
 
  
 
  
 IV – decisão
 
  
 Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a 
 inconstitucionalidade da norma contida no n.º 5 do artigo 19º do Regimento do 
 Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional, aprovado pela Resolução do 
 Conselho de Ministros n.º 82/2005, de 15 de Abril. 
 
  
 
  
 
                                                     Lisboa, 14 de Fevereiro de 
 
 2006
 Gil Galvão
 Vítor Gomes
 Mário José de Araújo Torres
 
                             Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração
 Maria Helena Brito
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos
 
                              Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (com declaração)
 Benjamim Rodrigues
 
                                                                 Bravo Serra 
 
 (vencido, em parte, nos termos da 
 
                                                                               
 declaração de voto que junto)
 Artur Maurício
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1. Acompanho a decisão, quer na parte em que decidiu conhecer do pedido quanto à 
 norma questionada, quer quanto ao julgamento de não inconstitucionalidade que 
 acabou por prevalecer.
 
 2. Entendo, contudo, dever manifestar discordância quanto à afirmação de que a 
 norma em análise projecta efeitos 'na esfera de poderes dos órgãos próprios de 
 governo das regiões autónomas, consubstanciando uma imposição heterónoma à 
 vontade desses órgãos e produzindo, assim, efeitos externos' que se lê no ponto 
 
 6. do Acórdão. Na verdade, entendo que a norma não interfere, nem visa 
 interferir, com os poderes próprios das Regiões, e dos respectivos órgãos de 
 governo, destinando-se, ao contrário, a regular o funcionamento do órgão 
 Conselho de Ministros, no domínio da sua actividade legislativa, quando deva 
 ocorrer a audição das Regiões Autónomas. O direito de audição conferido às 
 Regiões decorre directamente da Constituição e não pode comportar limitações ou 
 modelações decorrentes da lei ordinária e muito menos de disposições 
 regulamentares.
 
 É precisamente por isso que entendo ser possível fiscalizar a conformidade 
 constitucional das normas que visam dar cumprimento, na prática, à aludida 
 imposição constitucional.
 
 3. Por outro lado, entendo dever manifestar alguma reserva quanto ao apelo, que 
 no Acórdão se faz, à jurisprudência deste Tribunal sobre o concreto modo de dar 
 cumprimento ao mesmo comando constitucional. 
 
 É que os Acórdãos citados, trazidos à colação a propósito do 'momento da audição 
 e o objecto possível da pronúncia' das Regiões, são anteriores à 6ª revisão 
 constitucional (Lei Constitucional n.º 1/2004 de 24 de Julho), pelo que a 
 jurisprudência que consagram não pode ser automaticamente transposta para a 
 actualidade sem uma prévia reflexão quanto à influência que comportam as 
 alterações introduzidas na Constituição (maxime, artigos 227º e 228º) sobre os 
 poderes legislativos e de participação das Regiões Autónomas.
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 Declaração
 
  
 
  
 
  
 Votei o acórdão, mas com dúvidas sobre se o Tribunal Constitucional deveria ou 
 não ter conhecido da norma objecto do pedido de fiscalização da 
 constitucionalidade. Prevaleceu, por um lado, a forma adoptada (Resolução do 
 Conselho de Ministros) e, por outro, a matéria regulada (momento da audição de 
 cada uma das Regiões Autónomas, em aspecto não disciplinado, nem nos respectivos 
 Estatutos, nem na Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto).
 Não tenho, todavia, a certeza sobre se a norma em causa não tem apenas a 
 natureza de mera regra interna de funcionamento de um órgão colegial, sem força 
 vinculativa externa. 
 Em síntese, as razões desta dúvida são as seguintes:
 O Regimento do Conselho de Ministros passou a ser publicado em Diário da 
 República mas, na realidade, é, pelo menos na sua quase totalidade, composto por 
 regras de funcionamento interno cuja observância, ou não é obrigatória, ou não é 
 susceptível de controlo externo. 
 Em particular no que respeita ao funcionamento do próprio Conselho de Ministros, 
 e especialmente quanto aos procedimentos relativos às votações, não é divulgado 
 senão o 'comunicado final' previsto no artigo 7º. A 'súmula' a que se refere o 
 artigo 8º – e que, segundo este preceito, dá conta 'das questões (…) submetidas' 
 a Conselho de Ministros 'e, em especial, das deliberações tomadas' – apenas é 
 acessível aos membros do Governo (n.º 3 do mesmo artigo 8º), não sendo objecto 
 de qualquer divulgação.
 Não creio, assim, que seja autonomamente 'controlável' a observância do disposto 
 no n.º 5 do artigo 19º do Regimento.
 
                                                                              
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
                         Votei vencido quanto à neste aresto denominada “QUESTÃO 
 PRÉVIA” (ponto “6. Sindicabilidade da norma questionada”).
 
  
 
                         Na verdade, entendo que o que se surpreende no item 5 do 
 artº 19º do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional, 
 aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 82/2005, de 15 de Abril, não 
 contém um comando jurídico que se projecta externa ou exteriormente, ainda que 
 de modo indirecto, indo, dessa forma, impor-se heteronomamente à vontade de 
 outrem que não o próprio Conselho de Ministros.
 
  
 
                         A meu ver, o que se consagra naquele item 5 mais não 
 significa que uma regra de conduta ou um modo de funcionamento prático que será 
 adoptada pelo órgão de onde emanou o Regimento, se este assim o entender ou, ao 
 menos, quando entenda justificado proceder do modo ali desenhado (cfr., aliás, a 
 redacção inicial do mesmo), em nada vinculando quaisquer órgãos ou entidades 
 para além do próprio Conselho de Ministros, pelo que não descortino nele 
 qualquer imposição que, mesmo de modo indirecto, se vá repercutir em terceiros.
 
  
 
                         Neste contexto, a disposição sub iudicio, a meu ver, não 
 se reveste das características que têm levado este Tribunal a definir qual deva 
 ser o conceito de norma funcionalmente adequado e que permite a prolação de 
 juízos a efectuar por ele sobre comandos ditos normativos.
 
  
 
                         Tenho para mim, inclusivamente, que a demonstração da 
 ausência de não vinculatividade da prescrição sobre a qual este Tribunal se 
 pronunciou no aresto a que a vertente declaração se encontra apendiculada, 
 resulta (incluindo para o próprio órgão de onde emanou o Regimento em que ela se 
 encontra inserta), ainda que num raciocínio de certo modo circular, dos próprios 
 termos do presente acórdão, que reconhece não haver, mesmo em relação ao item em 
 apreço, uma vinculação ou auto-vinculação à irreversibilidade da «aprovação na 
 generalidade» de um dado projecto de diploma.
 
  
 
                         Pelo que venho de expor, votei no sentido de se não 
 tomar conhecimento do pedido, por nos não postarmos perante um conceito 
 funcional de norma, tal como ele tem sido adoptado por este Tribunal.
 
  
 
                         Ultrapassado, porém, este particular, na aceitação de 
 que, como a maioria o entendeu, se figurava no item 5 do artº 19º em causa uma 
 norma de que o Tribunal pudesse conhecer, votei os demais pontos do presente 
 acórdão.
 Bravo Serra