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Processo n.º 49/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
1.1. A. interpôs recurso (excepcional) de
revista, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), a coberto do artigo 150.º
do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei
n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, contra o acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul, de 1 de Junho de 2006, que negou provimento ao recurso
interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 27 de
Março de 2006, que indeferira pedido de intimação para protecção de direitos,
liberdades e garantias, formulado pelo recorrente, ao abrigo do artigo 109.º e
seguintes do CPTA, contra o Ministro da Justiça, no sentido de que a entidade
requerida fosse intimada “a adoptar a seguinte conduta: a) proceder à abertura
de concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial
antes do termo do prazo do período transitório, a que se refere o artigo 106.º
do Estatuto do Notariado (artigo 124.º do Estatuto do Notariado); b) abster‑se
de fixar qualquer restrição, no âmbito das condições de acesso e candidatura
àquele concurso, que possa impedir que ao mesmo se apresentem os notários que,
nos termos do artigo 107.º do citado Estatuto, tenham optado pela transição para
o regime do notariado, apresentando‑se ao 1.º concurso, mas que não tenham
logrado obt[er] licença de instalação de cartório; c) assegurar ao requerente,
no âmbito do concurso, em cumprimento do disposto no artigo 124.º do Estatuto do
Notariado, o direito de preferência, em relação ao cartório de que é titular,
reconhecido aos notários que optaram pelo novo regime do notariado, com o
sentido e alcance dados pela lei de autorização legislativa da Assembleia da
República (Lei n.º 49/2003, de 22 de Agosto – artigo 2.º, alínea p)), e o
Estatuto do Notariado aprovou (Decreto‑Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro –
artigo 123.º, n.º 4)”.
1.2. Para melhor compreensão do sentido e
alcance das pretensões formuladas pelo requerente importa recordar que com a
aprovação, pelo Decreto‑Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro, do novo Estatuto do
Notariado (EN), se procedeu à “privatização do notariado”, através da mudança do
estatuto dessa profissão, que passou do regime da função pública para o regime
de profissão liberal. Como se lê na exposição de motivos daquele diploma,
“tratando‑se de uma reforma de grande complexidade e inovação, geradora de
naturais perturbações no meio notarial, impõe‑se que a mesma se concretize de
modo progressivo, por forma que a transição do sistema em vigor para novo modelo
notarial se faça sem atropelos a direitos e expectativas legítimas dos notários
e funcionários a ela afectos”, pelo que se estabeleceu “um período transitório
de dois anos, durante o qual coexistirão notários públicos e privados, na dupla
condição de oficial público e profissional liberal, no termo do qual só este
último sistema vigorará”, tendo, “durante este período transitório, os notários
(…) que optar pelo modelo privado ou, em alternativa, manter o vínculo à função
pública, sendo, neste caso, integrados em conservatórias dos registos”.
Em execução deste propósito, o artigo 106.º do
EN previu que “a transição do actual para o novo regime do notariado deve
operar‑se num período de dois anos contados da data de entrada em vigor do
presente Estatuto” (n.º 1) e que “durante o período de transição deve
proceder‑se ao processo de transformação dos actuais cartórios, à abertura de
concursos para atribuição de licenças, à resolução das situações funcionais dos
notários e dos oficiais que deixem de exercer funções no notariado e demais
operações jurídicas e materiais necessárias à transição” (n.º 2). O artigo
107.º, n.º 1, reconheceu aos actuais notários a possibilidade de fazerem uma
das seguintes opções: (i) transição para o novo regime do notariado; ou (ii)
integração em serviço da Direcão‑Geral dos Registos e do Notariado; a primeira
opção era feita mediante requerimento de admissão ao “primeiro concurso”
previsto no artigo 123.º (n.º 2 do artigo 107.º), presumindo‑se da ausência de
entrega desse requerimento que o notário fizera a segunda opção (n.º 3 do
artigo 107.º).
O artigo 109.º do EN estabeleceu que, na data
da sua entrada em vigor, seriam criados, por município, quadros de pessoal
paralelos com o número de lugares correspondentes ao número dos funcionários
dos cartórios notariais abrangidos pelo diploma e a extinguir quando vagarem
(n.º 1), sendo os notários e os oficiais que prestam serviço nos cartório
notariais integrados no quadro de pessoal paralelo do município onde prestam
serviço, com manutenção do direito à sua categoria funcional (n.º 2), dispondo o
subsequente n.º 3 que “os notários e os oficiais mantêm‑se a prestar serviço no
mesmo cartório até à tomada de posse do notário que iniciar funções nos termos
previstos no presente diploma”. A afectação dos notários (que optassem por não
transitar para o novo regime do notariado) aos serviços externos dos registos
far‑se‑ia por despacho do Director‑Geral dos Registos e do Notariado em lugar de
categoria funcional equivalente (n.º 4 do artigo 109.º) e com manutenção do
vencimento de categoria e de exercício que auferissem nessa data (n.º 1 do
artigo 110.º).
Ao primeiro concurso para atribuição de licença
de instalação de cartório notarial podiam apresentar‑se os notários, os
conservadores dos registos, os adjuntos de conservador e de notário e os
auditores dos registos e do notariado (n.º 1 do artigo 123.º), dispondo o n.º 4
deste preceito que “o notário que concorra ao lugar de que é titular à data de
abertura do concurso goza de preferência absoluta na atribuição da respectiva
licença”. Por último, previa o artigo 124.º do EN que “concluído o concurso
referido no artigo anterior, o Ministério da Justiça, durante o período
transitório, deve abrir novos concursos para atribuição de licenças de
instalação de cartórios notariais, de acordo com o número de lugares vagos e
respectiva localização geográfica previstos no mapa notarial anexo ao presente
Estatuto”.
As pretensões deduzidas pelo requerente – que
concorrera ao primeiro concurso, mas que nele não obtivera colocação, sendo
certo que não se candidatara ao lugar de que era titular e relativamente ao qual
gozava de preferência absoluta – consistiam, assim, em suma, na intimação da
entidade requerida para que abrisse um concurso subsequente, durante o período
transitório, que ele fosse admitido a apresentar–se a esse concurso e que lhe
fosse reconhecida a mesma preferência absoluta expressamente prevista, no artigo
123.º, n.º 4, do EN, para o primeiro concurso.
Para o efeito, lançou mão do processo de
intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que, nos termos do
artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, “pode ser requerida quando a célere emissão de uma
decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva
ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil,
de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas
circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar,
segundo o disposto no artigo 131.º” (este último preceito prevê que: “quando a
providência cautelar se destine a tutelar direitos, liberdades e garantias que
de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil ou quando entenda haver
especial urgência, pode o interessado pedir o decretamento provisório da
providência”).
1.3. O indeferimento da pretensão do requerente
fundou‑se essencialmente no entendimento, assumido pelas instâncias (TAF de
Lisboa e TCA Sul), de que, por um lado, o direito de admissão ao concurso em
causa poderia ser alcançado mediante uma decisão de mérito a proferir numa acção
administrativa não urgente, cuja utilidade poderia ser assegurada pelo
decretamento provisório de uma providência cautelar e daí que se não
justificasse a intimação requerida, e, por outro lado, de que para a
Administração não decorria “nem da Constituição, nem da lei ordinária, o dever
de agir objectivado na abertura de um segundo concurso com os pressupostos de
natureza excepcional inerentes ao primeiro concurso efectuado no período de
transição para os notários que já o eram à data da entrada em vigor do novo
regime do notariado como profissão liberal”.
No termo das alegações do recurso de revista
interposto para o STA, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1. Está em causa um direito, liberdade e garantia individual –
o direito ao exercício da profissão – artigo 47.º da CRP;
2. A natureza da legítima pretensão do recorrente – abertura de
concurso que lhe permita aceder a uma licença de Cartório Notarial Privado –
impõe uma decisão de mérito;
3. A urgência justificava‑se e justifica‑se, porquanto os
«concursos subsequentes» para os notários que transitavam do anterior regime
estavam legal e expressamente previstos para o «período transitório» de dois
anos (artigo 106.º do EN), cujo termo então se aproximava e que neste momento já
foi ultrapassado;
4. Justificava‑se e justifica‑se igualmente a urgência,
porquanto se receava que a entidade recorrida, passado o «período transitório»,
e para não cumprir o legalmente estabelecido para aquele período, viesse a abrir
concurso, fixando regras que excluíssem a admissão do recorrente;
5. Tal receio e urgência comprovou‑se com a abertura de
concurso de que foram excluídos os notários provenientes do anterior regime, que
não lograram colocação no 1.º concurso e para os quais estavam previstos os
«concursos subsequentes»;
6. O acórdão recorrido, ao inclinar‑se e ao decidir com base no
entendimento de que não se justificava o presente processo urgente para tutela
de direitos, liberdades e garantias com decisão de mérito, mas antes ser caso de
providência cautelar comum, como já o havia entendido a 1.ª instância, faz
interpretação inconstitucional dos artigos 106.º e 124.º do Estatuto do
Notariado, por violação do artigo 47.º da CRP, que consagra a liberdade de
escolha, acesso e exercício de profissão.
7. Além de que encerra errada, restritiva e inconstitucional
interpretação do artigo 109.º do CPTA, em violação do direito de acesso aos
tribunais e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos
20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
8. Ao assim considerar, embora errada e ilegalmente, deveria
ter oficiosamente convolado os autos, para que o recorrente não ficasse privado
da tutela que a lei lhe garante.
9. Justifica‑se, pois, ou uma decisão de mérito, ordenando a
abertura de concurso ao recorrente e demais notários do anterior regime na sua
situação, ou a sua admissão em condições preferenciais ao concurso já aberto, ou
ainda, em alternativa, a convolação em providência cautelar comum, decretando‑se
a mesma, embora provisoriamente;
10. O douto acórdão recorrido violou, entre outras disposições
legais, os artigos 109.º e seguintes do CPTA, e ainda os artigos 106.º, 123.º e
124.º do Decreto‑Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro (Estatuto do Notariado), bem
como os artigos 20.º, 47.º e 268.º da CRP.”
1.4. O STA, no acórdão ora recorrido, começou
por recordar que as instâncias haviam dado por apurados os seguintes factos:
a) Em 29 de Março de 2004, A. era Notário do
Cartório Notarial de Santana, Madeira;
b) Por Aviso n.º 4994/2004, de 30 de Março,
publicado no Diário da República II Série, n.º 93, de 20 de Abril de 2004, foi
aberto concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial;
c) A. apresentou requerimento de admissão ao
concurso que antecede, tendo concorrido a alguns cartórios mas não para o
Cartório Notarial de Santana, em que era Notário titular;
d) Por Aviso n.º 9225/2004, de 29 de Setembro,
publicado no Diário da República, II Série, n.º 235, de 6 de Outubro de 2004,
foi aberto concurso de provas públicas para atribuição do título de notário, nos
termos do disposto no n.º 5 da Portaria n.º 398/2004, de 21 de Abril;
e) Por Aviso n.º 491/2005, de 12 de Janeiro,
publicado no Diário da República, II Série, n.º 14, de 20 de Janeiro de 2005,
foi tornado público o despacho do Ministro da Justiça de 11 de Janeiro de 2005,
que homologou a lista final do concurso para atribuição de licença de instalação
de cartório notarial referido em b);
f) A A. não foi atribuída licença de instalação
de cartório notarial no referido concurso;
g) A. exerce funções de Notário no Cartório
Notarial de Santana, Madeira.
Em seguida, desenvolveu o acórdão ora recorrido
a seguinte argumentação, que conduziu ao improvimento do recurso:
“3. Como se relatou, o acórdão recorrido negou provimento ao
recurso da sentença do TAFL, confirmando a decisão ali tomada, de indeferimento
de pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias,
formulado sob invocação do artigo 109.º do CPTA, e no sentido de que, no prazo
correspondente ao período transitório referido no artigo 106.º do EN, o
Ministro da Justiça procedesse à abertura de um segundo concurso para
atribuição de licença de instalação de cartório notarial, nas condições
preferenciais legalmente estabelecidas para os notários concorrentes ao
primeiro concurso realizado e sem restrição de candidatura para o recorrente e
demais notários que, tendo‑se candidatado àquele primeiro concurso, não
obtiveram licença de instalação de cartório, por não terem usado, então, da
preferência legal de que beneficiavam.
Para assim decidir, entendeu o acórdão recorrido, à semelhança
do que já concluíra a sentença nele confirmada, que a abertura de tal segundo
concurso, nas condições indicadas, não era necessário para assegurar ao
recorrente o exercício, em tempo útil, do direito de escolha de profissão ou de
exercício da respectiva profissão de notário. Pois que o recorrente poderá
candidatar‑se ao novo concurso, no qual a Administração não está obrigada a
assegurar ao recorrente as condições preferenciais de que legalmente poderia
beneficiar e das quais decidiu, então, não usar.
O recorrente impugna esse entendimento, alegando,
essencialmente, que está em causa um direito, liberdade e garantia – o direito
de exercício de profissão – consagrado no artigo 47.º da CRP. E que, para
assegurar tal direito, em tempo útil, se torna necessária decisão de mérito que
intime a entidade requerida a proceder à abertura do referido concurso, nas
pretendidas condições preferenciais, face ao esgotamento, entretanto
verificado, do referenciado período transitório e ao propósito, manifestado por
aquela entidade, de proceder à abertura de concurso, com condições que excluem
o recorrente. Conclui, assim, que deveria ter sido proferida decisão de mérito a
intimar a entidade requerida nos termos peticionados, ou, em alternativa,
convolado o procedimento de intimação em providência cautelar e decretada a
pretendida abertura de concurso, a título provisório.
Vejamos se procede tal alegação.
A criação de procedimentos jurídicos céleres e prioritários
tendentes a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações de
direitos, liberdades e garantias constituiu, como refere Gomes Canotilho
(Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., p. 506), uma das mais
importantes inovações da 4.ª revisão da Constituição (Lei Constitucional n.º
1/97), traduzida na imposição constitucional ao legislador ordinário, no sentido
da conformação, designadamente, do processo administrativo de molde a
assegurar, por via preferente e sumária, a protecção de direitos, liberdades e
garantias.
Com efeito, dispõe o artigo 20.º da Constituição que «5. Para
defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos
cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade,
de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações
desses direitos». O que não significa a criação de um qualquer meio cautelar,
pois que se pretende a concretização de um direito a processos céleres e
prioritários, de forma a obter uma eficaz e atempada protecção contra violações
ou ameaças a direitos, liberdades e garantias (vd. acórdão de 18 de Novembro de
2004, P. n.º 978/04).
Trata‑se, pois, da consagração de «um direito constitucional de
amparo de direitos a efectivar através das vias judiciais normais» (G.
Canotilho, ob. e loc. cit.).
A concretização desse direito encontra consagração, justamente,
no invocado artigo 109.º do CPTA, onde se prevê que «1 – A intimação para
protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere
emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma
conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício,
em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou
suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma
providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º».
Face a este preceito legal, a utilização do processo de
intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos
seguintes requisitos: em primeiro lugar, é necessário que esteja em causa o
exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia e que a adopção da
conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício; e, para além disso,
exige‑se, ainda, que a célere emissão da decisão de intimação seja
indispensável, «por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento
provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º».
No caso sujeito, e tal como se conclui no acórdão recorrido,
não se verifica, desde logo, o primeiro dos indicados requisitos de utilização
do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Recordemos, antes de mais, o essencial dos factos materiais
fixados no tribunal recorrido: O recorrente, notário do Cartório Notarial de
Santana, Madeira, apresentou candidatura ao primeiro concurso para atribuição de
licença de instalação de cartório notarial, nos termos previstos no EN,
aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro. Sendo que, nesse
concurso, o recorrente gozava de preferência absoluta na atribuição de licença
para o lugar de notário de que era titular, o recorrente não concorreu a esse
lugar e não obteve licença de instalação de cartório notarial em qualquer dos
lugares a que concorreu, por neles ter sido preterido por outros concorrentes
melhor classificados. O recorrente mantém‑se no exercício de funções de notário
no referido Cartório Notarial de Santana (…), em conformidade, aliás, com a
previsão do artigo 103.º [ter‑se‑á querido referir o artigo 109.º, n.º 3] do
referido EN.
Nestas circunstâncias, defende o recorrente que, por não estar
concluída a transição para o novo regime do notariado, que deveria completar‑se
no período de dois anos contados da data da entrada em vigor do EN (artigo
106.º), o novo concurso para atribuição de licenças de instalação de cartório
notarial deverá destinar‑se, por força do artigo 124.º do EN, ao preenchimento
das vagas que subsistiram depois do primeiro concurso e à colocação prioritária
dos notários que, como o recorrente, foram candidatos àquele primeiro concurso
e nele não obtiveram licença de instalação de cartório notarial. Sendo que, como
atrás já se viu, o recorrente entende que estes não estão abrangidos pela
inibição legal de candidatura a novo concurso.
Daí que, como se relatou, tenha requerido a intimação da
entidade requerida a proceder à abertura de concurso para atribuição de licença
de instalação de cartório notarial, sem restrição de candidatura do ora
recorrente e nas condições preferenciais estabelecidas no artigo 123.º, n.º 4,
do EN.
Ora, independentemente da razão que, eventualmente, possa
assistir ao recorrente, no que respeita à alegada vinculação da Administração a
abrir novo concurso no período transitório apontado e com as finalidades e
condições preferenciais por ele invocadas, perante a matéria de facto fixada e
que, agora, cumpre acatar (artigo 150.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA), torna‑se claro
que, diversamente do que alega o mesmo recorrente, não está em causa, de
imediato, o direito de exercício da respectiva profissão de notário. Que o
recorrente continua a exercer, em conformidade aliás, com a previsão do artigo
109.º do EN: «3. Os notários mantêm-se a prestar serviço no mesmo cartório até à
tomada de posse do notário que iniciar funções nos termos previstos no presente
diploma».
Assim sendo, e como se adiantou, não se verifica, no caso, o
primeiro dos requisitos da requerida intimação, por não se mostrar indispensável
a abertura do pretendido novo concurso para assegurar o exercício do direito do
recorrente à sua profissão de notário.
Pois que, nas circunstâncias referidas e por força do disposto
no citado artigo 109.º, n.º 3, do EN, o recorrente tem condições para se manter
naquele exercício profissional até que, na sequência de novo concurso, seja
seleccionado, eventualmente, outro notário para o lugar em que o recorrente
exerce tais funções.
O que vale dizer que não ocorre situação de urgência em que se
configure como iminente e irreversível a lesão daquele direito do recorrente ao
exercício de profissão, que, de acordo com a lei, deve estar subjacente à de
intimação definitiva da Administração, a decidir nos termos previstos no
referenciado artigo 109.º do CPTA.
E é também a inexistência, no caso em apreço, de uma tal
situação de urgência que, desde logo, afasta a possibilidade de convolação do
formulado pedido de intimação num pedido de decretamento provisório de
providência cautelar, nos termos do artigo 131.º do CPTA. Pois que, como decorre
da letra deste último preceito legal, o decretamento desta providência cautelar
pressupõe igualmente a ocorrência de uma situação de urgência, e a um nível até
mais elevado («especial urgência»), traduzida numa situação de risco de lesão
iminente e irreversível de um direito, liberdade e garantia. Neste sentido, e
entre outros, veja‑se J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa
(Lições), 8.ª ed., p. 277; e M. Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos
Tribunais Administrativos, 4.ª ed., p. 327. Aliás, não é a urgência – requisito
exigível em ambos os casos –, mas a verificada não indispensabilidade de célere
emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que delimita o campo de
aplicação do decretamento provisório de providências cautelares, previsto no
referido artigo 131.º do CPTA, em sede de tutela de direitos, liberdades e
garantias, e o da intimação para protecção de direitos liberdades e garantias,
previsto no artigo 109.º do mesmo CPTA (vd. M. Aroso de Almeida/C. A. Fernandes
Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Liv.
Almedina, 2005, p. 662.).
Por fim, e quanto à alegada concretização, pela entidade
recorrida, do invocado propósito de abrir o novo concurso com exclusão do
recorrente, cabe notar que também não levaria ao deferimento do pedido de
intimação formulado. Pois que, nesse caso, bastaria ao recorrente solicitar o
decretamento provisório de uma providência cautelar (eventualmente de suspensão
de eficácia do acto administrativo de abertura do concurso) para atingir o fim
visado pelo recorrente de assegurar a manutenção do exercício do direito à
respectiva profissão de notário. A tutela cautelar comum seria, assim, adequada
e suficiente, não se verificando, por isso, o pressuposto de utilização do meio
processual principal, mas subsidiário, relativamente aos demais meios
processuais de contencioso administrativo (vd. M. Aroso de Almeida/C. A.
Fernandes Cadilha, Comentário …, cit., p. 538), que é o da intimação para
protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA
(vd., neste sentido, o citado acórdão de 18 de Novembro de 2004, P. 987/04, e
Fernanda Maçãs, «Meios Urgentes e Tutela Cautelar», CEJ, A Nova Justiça
Administrativa, Coimbra Editora, 2006, p. 94 e seguintes).
A alegação do recorrente é, em suma, totalmente improcedente,
sendo de manter, pelas razões expostas, a decisão recorrida.”
1.5. É contra este acórdão que vem interposto,
pelo recorrente, o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), referindo no respectivo requerimento de interposição de recurso:
“2 – O ora recorrente suscitou a inconstitucionalidade
decorrente da interpretação dada aos artigos 106.º e 124.º do Decreto‑Lei n.º
26/2004, de 4 de Fevereiro, por violação do artigo 47.º da CRP, segundo a qual
não existia a necessidade de decisão de mérito urgente que justificasse o uso do
meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias
(artigo 109.º do CPTA), interpretação esta que o acórdão recorrido manteve.
3 – Assim como suscitou a inconstitucionalidade decorrente da
interpretação dada ao artigo 109.º do CPTA, por violação dos artigos 20.º e
268.º, n.º 4, da CRP, ao decidir‑se que, no caso dos autos, não existia a
necessidade de decisão de mérito urgente, como meio único para assegurar o
exercício, em tempo útil, do direito, liberdade e garantia de acesso e
exercício da profissão de notário, plasmado no artigo 47.º da CRP, que
justificasse o uso do meio processual de intimação para protecção de direitos,
liberdades e garantias.
4 – Tais inconstitucionalidades foram suscitadas em diversas
peças processuais, como sejam as alegações de apelação e alegações de revista
e, consequentemente, em tempo.
5 – Encontram‑se, no entanto, melhor concretizadas nas
alegações de revista, como se pode ver das conclusões 6., 7. e 10., que aqui se
dão por reproduzidas, e que se mantêm, na mesma exacta medida em que o acórdão
recorrido confirmou as decisões anteriores, mantendo a interpretação
inconstitucionalizante das disposições legais citadas”.
O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator
do STA, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional
(artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
Neste Tribunal, o relator, no despacho que
determinou a apresentação de alegações, consignou que deveriam as partes
“pronunciar‑se, querendo, sobre o eventual não conhecimento do objecto do
recurso, por não ter sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade
normativa, sendo antes a violação da Constituição directamente imputada à
decisão judicial recorrida, em si mesma considerada (isto é, ao juízo
subsuntivo que entendeu que o caso concreto não se enquadrava na previsão
normativa)”.
O recorrente apresentou alegações, no termo das
quais formulou as seguintes conclusões:
“1. Não está suscitada, nem podia estar, a
inconstitucionalidade do Acórdão recorrido, mas a inconstitucionalidade de
normas, por força da interpretação adoptada pela decisão recorrida, o que é
coisa diversa.
2. Sendo assim, nada obsta ao conhecimento do pedido de
fiscalização concreta da constitucionalidade, como tem sido, aliás, entendimento
do próprio Tribunal Constitucional (v. citado Acórdão n.º 239/96).
3. Assim, a interpretação dada ao sentido e alcance do artigo
109.º do CPTA inconstitucionaliza aquela disposição, por violação dos artigos
20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
4. Efectivamente, os factos demonstraram a razão que assistia
ao recorrente, pois o concurso não obedeceu às regras a que se deviam submeter
os concursos subsequentes, pelo que o recorrente e demais notários na sua
situação não foram admitidos àquele concurso.
5. Igualmente, não lhe foi assegurada a preferência que a lei
lhe confere em relação ao cartório de que é titular, enquanto notário público.
6. Efectivamente, bastaria ter algum candidato concorrido para
o Cartório Notarial de Santana e lhe haver sido atribuída a respectiva licença
para o recorrente, segundo o ilegal entendimento do Ministério da Justiça, com
que o acórdão recorrido pactuou, passar à situação de mero funcionário público,
perder a qualidade de notário e ver‑se definitivamente interdito de exercer tal
profissão, tudo por mera decisão administrativa.
7. Ou seja, tudo isto demonstra que a entidade recorrida
deveria ter aberto concurso subsequente no período transitório, destinado a
possibilitar a atribuição de licença de cartório notarial ao recorrente e
restantes notários na sua situação, que, tendo optado pelo notariado privado
pela forma e no momento prescritos na lei, não lograram obter licença no
primeiro concurso.
8. A abertura de novo concurso a que se possa candidatar é a
única forma de assegurar ao recorrente a defesa do direito, liberdade e garantia
de acesso e exercício da profissão de notário; caso contrário, será o mesmo
obrigado, contra a sua vontade expressa nos termos da lei, a integrar um
serviço da DGRN, como funcionário, ficando impedido de exercer o notariado,
agora reservado a profissionais liberais detentores de licença de cartório
privado.
9. A lei é clara no sentido de que tal concurso deveria ter
ocorrido no período transitório, que no momento da apresentação do requerimento
inicial se aproximava vertiginosamente e agora há meses terminou, sob pena de se
consumarem as consequências acima referidas e que se quis legitimamente evitar
com os presentes autos.
10. Daqui resulta a invocada urgência em obter uma condenação
de mérito, sob pena de se consumar lesão irreversível do direito à profissão do
recorrente.
11. Nestes termos, a interpretação dada aos artigos 109.º do
CPTA e 106.º e 124.º do Estatuto do Notariado inconstitucionalizou aquelas
normas por manifesta violação dos artigos 20.º, 47.º e 268.º, n.º 4, da CRP,
inconstitucionalidade que este Tribunal deve conhecer.”
O recorrido (Ministério da Justiça) apresentou
contra‑alegações, que culminam com a formulação das seguintes conclusões:
“1. O recorrente, nas suas alegações, limita‑se a referir, em síntese, que, não
sendo admitido ao concurso subsequente e assegurada a preferência, nas condições
do primeiro concurso – objecto do pedido inicial – bastaria ter algum candidato
concorrido para o Cartório Notarial de Santana, de que é titular, para passar à
situação de mero funcionário, contra a sua vontade expressa, colocando em
causa, mais uma vez, como no antecedente, o acerto do julgado sobre a não
verificação da urgência na obtenção de uma decisão de mérito, requisito de
aplicação da norma do artigo 109.º do CPTA;
2. Deste modo, o recorrente, contrariamente ao que afirma, não suscitou qualquer
questão de inconstitucionalidade da interpretação da norma do artigo 109.º do
CPTA concretamente aplicada no douto acórdão recorrido, ou sequer das normas
dos artigos 106.º e 124.º do EN, limitando‑se a reportar o alegado vício de
inconstitucionalidade à própria decisão, ou seja, como se refere na expressão do
Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator, «(...) ao juízo subsuntivo que
entendeu que o caso concreto não se enquadrava na previsão normativa»;
3. Assim, o que o recorrente suscitou foi a inconstitucionalidade de uma decisão
judicial, matéria que está fora do âmbito do recurso de constitucionalidade e
subtraída à jurisdição do Tribunal Constitucional.
Verifica‑se, portanto, a falta manifesta de um pressuposto essencial para o
conhecimento do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da LTC e do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP.
4. Subsidiariamente, sempre se dirá que o douto acórdão recorrido conclui «que
não ocorre situação de urgência em que se configure como iminente e irreversível
a lesão daquele direito do recorrente ao exercício de profissão, que, de acordo
com a lei, deve estar subjacente à de intimação definitiva da Administração, a
decidir nos termos previstos no referenciado artigo 109.º do CPTA»;
5. Ora, não estando em causa o acerto daquele julgado, o juízo de
(in)constitucionalidade há-de exclusivamente incidir sobre a interpretação dada
à norma do artigo 109.º do CPTA, que, na conclusão anterior, fluí da referida
decisão;
6. Donde, a interpretação da referida norma, no sentido da função
concretizadora do artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, considerando que «a
utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e
garantias depende dos seguintes requisitos: em primeiro lugar, é necessário que
esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia
e que a adopção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício; e,
para além disso, exige‑se, ainda, que a célere emissão da decisão de intimação
seja indispensável, ‘por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o
decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no
artigo 131.º’», revela‑se, manifestamente, em conformidade com os referidos
preceitos constitucionais, pelo que, quanto a esta parte, nenhum reparo pode
merecer.
7. Não se verifica, pois, a alegada interpretação «inconstitucionalizante» das
normas referidas, designadamente, do artigo 109.º do CPTA – e dos artigos 106.º
e 124.º do EN, a cuja aplicação nem sequer se procedeu no Acórdão recorrido –,
face ao disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 5, e 268.º, n.ºs 4 e 5, e 47.º da
CRP, respectivamente.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Embora a formulação utilizada pelo
recorrente, quer no requerimento de interposição de recurso de
constitucionalidade, quer nas subsequentes alegações, sugira a existência de
duas questões de constitucionalidade (uma reportada ao artigo 109.º do CPTA e a
outra aos artigos 106.º e 124.º do EN), uma análise mais atenta dessas peças
processuais e da própria decisão recorrida evidencia que a questão é apenas uma:
a da possibilidade de utilização do processo especial de intimação para
protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA,
tendo em conta a situação do recorrente e as pretensões por ele deduzidas.
Nesta perspectiva, a norma relevante é a do
artigo 109.º do CPTA e da análise do acórdão recorrido resulta que aí se
considerou que, dependendo a utilização desse meio processual de dois requisitos
– (i) estar em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e
garantia, revelando‑se a adopção da conduta pretendida apta a assegurar esse
exercício; e (ii) não ser possível assegurar eficazmente a tutela desse direito
através do decretamento provisório de uma providência cautelar –, nenhum deles
se verificava no presente caso. A propósito da não verificação do primeiro
requisito é que se constata a divergência de interpretações que o recorrente e o
tribunal recorrido fazem das pertinentes normas do EN (descritas supra, n.º
1.2.), em especial as dos artigos 106.º e 124.º: segundo aquele, findo o prazo
de dois anos fixado para o período transitório já não era possível a abertura de
mais “concursos subsequentes” e da não abertura de concurso dentro desse
período, com o reconhecimento do direito do recorrente a ele se candidatar e de
exercitar a preferência absoluta relativamente ao cartório em que exercia
funções, decorria inexoravelmente a consequência da imediata cessação de funções
de notário do recorrente e a sua transição para os quadros das conservatórias de
registo; diversamente, o acórdão recorrido entendeu que o recorrente se manteria
em funções no seu cartório notarial, nos termos do artigo 109.º, n.º 3, do EN,
até que, na sequência de novo concurso, fosse seleccionado eventualmente outro
notário para o mesmo lugar. Daqui resulta, pois, que o acórdão recorrido não fez
aplicação das normas dos artigos 106.º e 124.º do EN no sentido que o recorrente
acusa de inconstitucional; pelo contrário, expressamente consignou que a
conclusão a que chegou quanto à não indispensabilidade da abertura do pretendido
novo concurso para assegurar o exercício do direito do recorrente à sua
profissão de notário era independente “da razão que, eventualmente, possa
assistir ao recorrente, no que respeita à alegada vinculação da Administração a
abrir novo concurso no período transitório apontado e com as finalidades e
condições preferenciais por ele invocadas”. Quanto à não verificação do segundo
requisito, constatou o acórdão recorrido que, para adequada protecção dos
direitos do recorrente – que, recorde‑se, de acordo com a decisão recorrida, não
seriam postos em causa pelo mero esgotamento do período transitório de dois
anos, mas apenas por eventual nomeação de outro notário para o mesmo cartório, o
que pressupunha a abertura de novo concurso –, “bastaria ao recorrente
solicitar o decretamento provisório de uma providência cautelar (eventualmente
de suspensão de eficácia do acto administrativo de abertura do concurso) para
atingir o fim visado pelo recorrente de assegurar a manutenção do exercício do
direito à respectiva profissão de notário”, concluindo que “a tutela cautelar
comum seria, assim, adequada e suficiente, não se verificando, por isso, o
pressuposto de utilização do meio processual principal, mas subsidiário,
relativamente aos demais meios processuais de contencioso administrativo (…),
que é o da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias,
previsto no artigo 109.º do CPTA”.
Conclui‑se, assim, que a norma directamente
aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida – e a ela se tem de
cingir o objecto do presente recurso – foi tão‑só a do artigo 109.º do CPTA,
interpretada no sentido de que não é lícito o uso da intimação para protecção de
direitos, liberdades e garantias quando não existe uma situação de urgência só
debelável por esse meio processual principal e quando o eventual risco para o
direito do interessado pode ser adequadamente sustido através de meio
processual comum, acoplado a medida cautelar, e já não as dos artigos 106.º e
124.º do EN, que apenas foram evocados, tal como o artigo 109.º, n.º 3, do mesmo
Estatuto, para determinar o momento em que poderia ser posta em crise a
manutenção do recorrente como notário. Para o recorrente, de acordo com uma
interpretação dos artigos 106.º e 124.º do EN que o tribunal recorrido não
sufragou, a cessação dessas funções ocorreria inexoravelmente no termo do
período transitório a menos que antes disso ele lograsse a obtenção, num dos
“concursos subsequentes”, de licença de instalação de cartório notarial; para o
tribunal recorrido, essa cessação só ocorrerá, nos termos do artigo 109.º, n.º
3, do EN, quando for nomeado, na sequência de concurso, novo notário para o
cartório de que o recorrente era titular. Não compete ao Tribunal Constitucional
pronunciar‑se sobre qual deve ser considerada a interpretação mais correcta do
sistema legal em causa, mas antes aceitar como um dado da questão de
constitucionalidade a interpretação do direito ordinário efectuada pelas
instâncias, sendo, no entanto, certo, por resultar inequivocamente dos autos,
que, mesmo depois de esgotado o período de dois anos subsequente à entrada em
vigor do Estatuto do Notariado, o recorrente continuou a exercer funções de
notário no Cartório Notarial de Santana, Madeira, por não ter ocorrido qualquer
nomeação de novo notário para esse lugar na sequência dos concursos entretanto
abertos.
2.2. Assim delimitado o objecto do recurso, e
admitindo que, nos termos formulados, a questão suscitada possa assumir
natureza normativa, há que recordar que este Tribunal, também pela 2.ª Secção,
já se pronunciou acerca da constitucionalidade da norma do artigo 109.º do CPTA.
Fê‑lo no Acórdão n.º 5/2006, onde, na sequência
de desenvolvidas referências doutrinais, se concluiu:
«Podemos, assim, afirmar, de acordo com a generalidade da
doutrina, que o critério de determinação da subsidiariedade da intimação para
protecção de direitos, liberdades e garantias face aos meios cautelares – isto
é: saber quando, perante uma ameaça séria de lesão do exercício de um direito,
liberdade ou garantia, se deve lançar mão de uma solução urgente de mérito
(através da intimação) ou de uma tutela provisória (através da antecipação de
uma providência cautelar) – radica essencialmente na adequação, para a situação
concreta, de uma sentença provisória ou de uma sentença de mérito definitiva:
“haverá lugar à aplicação da intimação sempre que o decretamento provisório
consumir o objecto do processo principal, tornando‑se definitivo” (Maria
Fernanda Maçãs, local citado, p. 52), pois “o que conta é a capacidade ou
incapacidade da medida cautelar para regular definitivamente uma situação e não
a urgência” (Isabel Fonseca, obra citada, p. 78). Ou, segundo Carla Amado Gomes
(“Pretexto ...”, citado, p. 565), “não se trata (...) de uma questão de maior
rapidez na concessão da providência (...), mas antes da aplicação do princípio
da interferência mínima em sede cautelar (em sentido amplo)”, isto é: “estando
em causa cognições sumárias motivadas pela urgência, o juízo provisório,
revisível no próprio processo cautelar em curso, prefere ao juízo definitivo
proferido na intimação, só eventualmente revisível em via de recurso”.»
Tal como no caso em apreço no processo em que
foi proferido o citado Acórdão n.º 5/2006, também no presente caso, assente que
o lugar exercido pelo recorrente só poderia ser posto em risco por eventual
nomeação de outro notário, o que pressupunha a abertura de um concurso, não se
pode considerar intoleravelmente cerceador das garantias constitucionais o
entendimento do tribunal recorrido de que, para prevenir esse risco, seria
bastante a impugnação do acto que determinasse a abertura do concurso em
condições que o recorrente reputasse ilegais, associada a pedido de medida
cautelar, designadamente a de suspensão de eficácia.
Conclui‑se, assim, sem necessidade de mais
desenvolvidas considerações, que a interpretação normativa acolhida no acórdão
recorrido não viola as normas e princípios constitucionais invocados pelo
recorrente.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional, face aos
artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a norma
do artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos,
aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, interpretado no sentido de
não permitir o uso do processo de intimação para protecção de direitos,
liberdades e garantias quando a colocação em risco do direito em causa supõe uma
actuação da Administração contra a qual é possível reagir, em tempo útil,
mediante o recurso a um meio processual comum, associado a providência
cautelar; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a
decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de
justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Março de 2007.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Benjamim Silva Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos