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Processo n.º 664/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrida a Associação de Municípios do Distrito de Setúbal, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 26 de junho de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 502/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. O conceito de norma jurídica surge aqui como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98, entre muitos outros, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal decorre que o que o recorrente pretende, afinal, é a apreciação da decisão judicial que conclui no sentido de ser aplicável ao caso o artigo 685.º, n.º 1, do CPC, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, e não, como é seu entendimento, este mesmo artigo na redação dada por este diploma. Ora, a este Tribunal não cabe apreciar a boa ou má determinação do direito aplicável pelo tribunal recorrido, porque tal contrariaria a competência que lhe está constitucionalmente cometida de «administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» (artigo 221.º da Constituição). Justifica-se, por isso, a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
Aliás, durante o processo, o recorrente não questionou de forma adequada a constitucionalidade de uma qualquer norma reportada às disposições legais que agora refere no requerimento de interposição de recurso, o que sempre seria necessário para abrir a via do recurso de constitucionalidade (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC). Quando reclamou do despacho que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente não deixou de afirmar expressamente a inconstitucionalidade de tal decisão, por a mesma ter tido como aplicável o prazo previsto no artigo 685.º, n.º 1, do CPC, na redação anterior à de 2007 (pontos 2. e 3. da reclamação). A reclamação é, de resto, toda ela significativa da divergência do recorrente quanto ao direito aplicável».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«1. A Exma. Conselheira Relatora decidiu, sumariamente, não conhecer do objeto do recurso por, no seu entender,
– o reclamante pretender a “apreciação da decisão judicial que conclui no sentido de ser aplicável ao caso o artigo 685º, nº 1, do CPC, na (redação anterior ao Decreto-Lei nº 300/2007, e não, como é seu entendimento, este mesmo artigo na redação dada por este diploma” e
– por durante o processo, não ter questionado de “forma adequada a constitucionalidade de unia qualquer norma reportada às disposições legais que agora refere no requerimento de interposição de recurso...” .
2. Salvo o devido respeito, a decisão reclamada assenta em errados pressupostos, como resulta, claramente, da fundamentação do recurso para o Tribunal Constitucional, que se passa a transcrever, parcialmente:
3. “Efetivamente, o requerente suscitou, a inconstitucionalidade da interpretação do nº 5 do art. 81º do CPT, que fundamenta o despacho reclamado, por violar os arts. 13º, nº 1 e 4 e 202º, nº 2, bem como os princípios da equidade e da justiça” (v. nº 25 da sua reclamação).
4. Na verdade, a remissão do nº 5 do art. 81º do CPT para o regime de interposição do recurso de revista do CPC deve ser feita para o regime, atualmente, vigente do Código de Processo Civil (CPC), independentemente da “aplicação no tempo” aos processos cíveis.
(…)
8. Na verdade, a aplicação mecânica do prazo de 10 dias, previsto no invocado CPC, seguido do despacho de admissão e de ulteriores alegações, seria contrária aos princípios da celeridade, da economia processual, da simplicidade, da equidade e da igualdade real das partes que caracterizam o processo laboral.
9. Outrossim, seria, de todo desrazoável aplicar-se, em abril de 2012, um regime revogado em 1de janeiro de 2008, ao arrepio da interpretação racional e atualista da sobredita norma remissiva, em detrimento do processo civil vigente, reconhecidamente, mais célere e simples, ademais, num processo laboral iniciado em 31 de maio de 2005.
(…)
11. Por isso, não faz sentido continuar a aplicar o revogado regime do CPC aos processos laborais anteriores a 1 de janeiro de 2008, uma vez que, por ser mais complexo e moroso, não se harmoniza com os sobreditos princípios do direito e processo laboral, maxime, o da proteção do trabalhador.
12. Consequentemente, a interpretação defendida pelo STJ viola o princípio da igualdade, consagrado no art. 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que, desse modo, diferencia negativamente os cidadãos trabalhadores nos processos laborais.
(…)
15. O mesmo entendimento civilista do STJ viola, ainda, o art. 20º, nºs 1 e 4 da CRP, que a todos assegura o acesso aos Tribunais, “mediante processo equitativo”, ao restringir, de direito ao recurso de revista para o STJ nos processos laborais em termos iníquos e mais limitados do que o previsto no CPC vigente.
16. Igualmente, infringe o art. 202, nº 2, da CRP ao coartar, injustificadamente, o recurso nas sobreditas condições, impedindo a defesa dos direitos do recorrente, à revelia dos princípios da equidade e da justiça.
(…)
3. É inegável que o recorrente quis questionar a norma e não a decisão do STJ, não ignorando que o Acórdão do Tribunal Constitucional produziria, obviamente, efeitos sobre a decisão recorrida.
4. Efetivamente, o reclamante, de forma reiterada, suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma e da sua interpretação. Vejamos:
– nº 2 - “... tal entendimento se afigura ferido de inconstitucionalidade material”;
– nº 3 - “... o requerente suscitou a inconstitucionalidade da interpretação do nº 5 do art. 81º do CPT...”;
– nº 12 - “... a interpretação defendida pelo STJ viola o princípio da igualdade, consagrado no art. 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que, desse modo, diferencia negativamente os cidadãos trabalhadores nos processos laborais”;
– nº 15 – “O mesmo entendimento civilista do STJ viola, ainda, o art. 20º, nºs 1 e 4 da CRP, que a todos assegura o acesso aos Tribunais, “mediante processo equitativo”, ao restringir, o direito ao recurso de revista para o STJ nos processos laborais em termos iníquos e mais limitados do que o previsto no CPC vigente”;
– nº 16 – “Igualmente, infringe o art. 202, nº 2, da CRP ao coartar, injustificadamente, o recurso nas sobreditas condições, impedindo a defesa dos direitos do recorrente, à revelia dos princípios da equidade e da justiça”.
5. Outrossim, não sofre dúvida que o recorrente suscitou a inconstitucionalidade das normas no recurso interposto para o STJ, como decorre da seguinte asserção:
“O entendimento formalista dos aludidos arts. 80º, nº 1 e 81º do CPT que fundamenta o despacho reclamado, além de ilegal e iníquo, é inconstitucional, por violar os arts. 13º, nº 1, 20º, nºs 1 e 4 e 202º, nº 2, bem como os princípios da equidade e da justiça”.
6. De resto, o próprio Tribunal Constitucional tem-se pronunciado sobre a inconstitucionalidade de normas do Código de Processo do Trabalho, em casos idênticos, de que é exemplo o Acórdão no 51/88, da 2ª Secção (Proc. nº 213/86), relatado pelo Conselheiro Magalhães Godinho.
7. Assim sendo, a decisão reclamada é, patentemente, ilegal e inconstitucional, por violar, além do mais, os arts. 70º, nº 1, al. b) da LTC e 20º, nº 1 da CRP».
4. A recorrida respondeu, concluindo que deve ser confirmada a decisão objeto de reclamação para a conferência.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por se ter entendido que o recorrente pretendia a apreciação de uma decisão judicial e não de uma norma. E que, de todo o modo, o recorrente não havia questionado, previamente e de forma adequada, a constitucionalidade de qualquer norma reportada às disposições legais referidas no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (artigos 70.º, n.º 1, e 72.º, n.º 2, da LTC).
O reclamante sustenta que o recurso interposto para este Tribunal tem como objeto uma norma, suportando-se em passagens do requerimento de interposição do recurso. Delas decorre, porém, como já se disse na decisão reclamada, que o que é questionado é a aplicação, ao caso, do “revogado regime do CPC” e não, como entende o reclamante, “do regime de interposição do recurso de revista do CPC (…) atualmente, vigente”. Por outras palavras, o que se requer é a apreciação da decisão judicial que conclui no sentido de ser aplicável ao caso o artigo 685.º, n.º 1, do CPC, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007.
Tanto basta para não se conhecer do objeto do recurso interposto. Acrescente-se, todavia, que o reclamante não contraria que não foi suscitada, previamente e de forma adequada, uma questão de inconstitucionalidade normativa. Nas passagens transcritas nunca especifica a “interpretação”, o “entendimento” ou o “entendimento formalista” que tinha por inconstitucional.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 5 de dezembro de 2012.- Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.