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Processo n.º 645/12
1.ª Secção
Relator: Conselheira maria de Fátima Mata-mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 5 de julho de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 489/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão, no que agora releva, tem a seguinte fundamentação:
“(…) No caso sob apreciação o Recorrente pretende ver declarada a «…. inconstitucionalidade material por violação do disposto nos artigos 13º e 31º n.º1, 205º, da Constituição da República Portuguesa [dos] Artigos 40º, n.º2, 50º, 70º e 71º, do Cód Penal», entendendo que o Tribunal da Relação de Coimbra e o Supremo Tribunal de Justiça não aplicaram os referidos princípios «ao revogar a decisão do Tribunal de primeira instância que analisou estes preceitos legais, na determinação da medida da pena, aplicando com justiça a norma de acordo com o caso concreto em apreço face aos factos provados em audiência de discussão e julgamento».
Concretamente entende o Recorrente que «a pena aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça foi muito acima da medida da culpa deste arguido face ao coarguido (…). Violou os preceitos legais ao decretar pena de prisão efetiva, face aos factos dados como provados [e] violou o artigo 13º da CRP, ao não acolherem o preceituado no princípio da igualdade».
2.1. Da ausência de objeto normativo.
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente normativa, não contemplando a apreciação da conformidade constitucional da decisão judicialmente proferida. O recurso de constitucionalidade delineado pela Constituição não prevê o «recurso de amparo» ou «queixa constitucional».
Em conformidade, os recursos de constitucionalidade interpostos de decisões de outros tribunais apenas podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade, e nessa medida suscetíveis de aplicação a outras situações, independentemente, pois, das particularidades do caso concreto. A respetiva admissibilidade depende, assim, da identificação da interpretação ou critério normativos - uma regra abstratamente enunciável vocacionada para uma aplicação para lá do caso concreto – cuja desconformidade constitucional se suscita.
A formulação do objeto adotada no presente recurso não resiste, porém, à particularização do caso concreto. Ao fazer referência à decisão concreta do Tribunal recorrido na determinação da medida e forma de execução da pena, o Recorrente faz inelutável apelo a um momento da decisão que concretizou a mera aplicação das normas às circunstâncias do caso concreto, pretendendo, assim, que se sindique o próprio ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto.
Em vão se procura no requerimento de interposição do recurso o grau de generalidade e abstração inerentes a uma interpretação normativa independente do circunstancialismo estrito dos factos do caso concreto. A verdade é que a pretensão formulada não identifica nenhuma interpretação normativa, limitando-se a remeter para o resultado da interpretação efetuada pelo tribunal. Desta forma o recurso, não apresenta no seu objeto as características de «normatividade» indispensáveis à realização de um controlo de constitucionalidade
O Recorrente limita-se, com efeito, a proclamar a inconstitucionalidade da decisão recorrida enquanto tal, refletindo manifesta discordância relativamente à aplicação do direito àquele caso concreto que qualifica de contrária à Constituição.
2.2. Da omissão de fundamentação adequada.
Para além disso, para que ocorra uma suscitação da inconstitucionalidade processualmente adequada, é necessária uma fundamentação, em termos minimamente concludentes, com a indicação das razões porque se considera ser inconstitucional a “norma”.
Não basta a mera invocação de normas constitucionais que, no entender do recorrente, reclamam solução diferente da adotada pelo Tribunal recorrido, para fundar um recurso de inconstitucionalidade. Ao invocar a aplicabilidade direta de determinadas normas ou princípios constitucionais, através da referência ao « artigo 13.º da CRP», o Recorrente não convoca a discussão da constitucionalidade de normas, antes imputa à decisão recorrida a inconstitucionalidade invocada. Ora ao Tribunal Constitucional apenas cabe a apreciação de conformidade constitucional de normas ou critérios normativos, não de decisões proferidas por outros tribunais.
3. Conclui-se, assim, que, o Recorrente se limitou a questionar a conformidade constitucional do resultado decisório alcançado sem, todavia, lograr autonomizá-lo do processo interpretativo seguido na decisão impugnada, e sem o ter fundamentado adequadamente.
Termos em que, na falta do preenchimento dos requisitos processuais em causa, não é possível conhecer do recurso”.
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC.
Como fundamento da reclamação reproduz o teor das conclusões das alegações que apresentou com a interposição do recurso e invoca que não foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC.
4. Notificado da reclamação o Ministério Público veio dizer o seguinte:
“1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 485/2012, não se conheceu do objeto do recurso, porque o recorrente não enunciara, no requerimento de interposição do recurso, uma questão de inconstitucionalidade normativa, única passível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade, nem suscitara adequadamente uma questão de inconstitucionalidade daquela natureza.
2º
Faltavam, pois, dois requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3º
Parece-nos evidente a inverificação daqueles dois pressupostos.
4º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente afirma que com o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional apresentou simultaneamente as alegações.
5º
Ora, é no requerimento de interposição do recurso, e só, que se deve definir o seu objeto.
6º
Por outro lado, as alegações são sempre produzidas no Tribunal Constitucional (artigo 79.º da LTC), tendo sido, pois, a sua apresentação, quando da interposição do recurso, prematura.
7º
De qualquer forma, sempre se dirá que pela leitura das conclusões das alegações que o recorrente transcreve na reclamação, apenas confirma a ausência de normatividade das questões por ele colocadas.
8º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
5. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por falta de objeto normativo bem como de suscitação prévia adequada de questão daquela natureza.
A presente reclamação em nada contraria os fundamentos da decisão sumária.
O recorrente limita-se a reproduzir o invocado nas alegações que apresentou com o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e que a decisão ora reclamada expressamente desconsiderou com fundamento na apresentação prematura em conformidade com o disposto no artigo 79.º, n.º 1 da LTC.
6. É no requerimento de interposição do recurso que tem de ser identificado o objeto do mesmo. Ora, no requerimento de recurso apresentado não consta a identificação de nenhuma interpretação normativa suscetível de convocar a fiscalização de constitucionalidade por este Tribunal. E sendo aquele um pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b) da LTC, a sua omissão não pode ser suprida por aperfeiçoamento posterior. A oportunidade de aperfeiçoamento prevista no artigo 75.º-A, n.º 5 da LTC só tem sentido útil em caso de deficiência do próprio requerimento de recurso, designadamente por omissão de meros requisitos formais aludidos nos n.os 1 a 4 do mesmo preceito. Não serve para suprir os pressupostos de admissibilidade do recurso determinantes do conhecimento de mérito, como tem sido entendimento deste Tribunal (cfr., entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 33/09 e 116/09 disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt).
É de indeferir, pois, a presente reclamação.
III - Decisão
7. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 dezembro de 2012.- Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.