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Processo nº 378/93 ACÓRDÃO Nº 115/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
(Consª. Fernanda Palma)
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A interpôs, no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho do Chefe do Serviço de Aposentações, da Direcção dos Serviços de Previdência da Caixa Geral de Depósitos, de 3 de Abril de 1991, proferido no uso de poderes subdelegados, que lhe indeferiu o requerimento em que solicitara a contagem, para efeitos de aposentação, do período de tempo de licença registada enquanto prestara serviço militar obrigatório.
O recurso foi rejeitado, por decisão de 19 de Maio de 1992, com fundamento na irrecorribilidade do acto, atento o disposto no artigo 25º, nº 1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho - Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante LPTA - pois que se trata de acto meramente preparatório e, como tal, insusceptível de recurso contencioso.
Interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio este, por acórdão de 25 de Fevereiro de 1993, da Segunda Subsecção da sua Primeira Secção, negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a rejeição do recurso contencioso, por ilegal interposição.
2.- Inconformado, o recorrente - que nas alegações para o STJ suscitara a questão de inconstitucionalidade do nº 1 do citado artigo
25º por o entender materialmente inconstitucional na medida em que viola o disposto no nº 4 do artigo 268º da Constituição da República (CR) - dirigiu-se ao Tribunal Constitucional, nos termos e para os efeitos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, reiterando a suscitada questão.
Recebido o recurso, alegou o interessado, formulando as seguintes conclusões:
'1ª- O nº 1 do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos está ferido de inconstitucionalidade material, na medida em que não admite a recorribilidade de actos não definitivos e executórios.
2ª- Tais actos são recorríveis quando afectarem os direitos ou interesses legalmente protegidos, por força do disposto no nº 5 do artigo 268º da Constituição.
3ª- O acto administrativo impugnado pelo recorrente é recorrível contenciosamente e a decisão recorrida deve ser reformulada'.
A entidade recorrida, por sua vez, defende que deve manter-se a decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso, dado se tratar de norma de carácter processual que em nada contraria o referido preceito constitucional uma vez que os direitos do recorrente não foram lesados por esse acto.
3.- Corridos os vistos legais, registou-se mudança de relator por não ter logrado vencimento a tese, formulada em memorando, da inconstitucionalidade da norma.
Cumpre apreciar e decidir. II
1.- O objecto do presente recurso de constitucionalidade circunscreve-se à averiguação da adequação constitucional da norma contida no nº 1 do artigo 25º da LPTA, tendo presente o disposto no nº
4 do artigo 268º da CR, na versão oriunda da 2ª Revisão Constitucional.
Ora, diz-nos assim a norma em causa:
'Artigo 25º
(Actos recorríveis)
1.- Só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios.'
O STA, teve em consideração, no seu aresto, a argumentação sustentada pelo recorrente o qual, num primeiro momento, entende que o acto recorrido compromete a decisão a tomar quanto à contagem do tempo de serviço militar, lesando, desse modo, os seus interesses e direitos garantidos pelo nº 7 do artigo 276º da CR, e, subsequentemente, na medida dessa lesão, considera dever ser-lhe facultado o recurso contencioso previsto no nº 4 do artigo 268º da CR, configurando-se inconstitucional a limitação do nº 1 do artigo 25º.
Não obstante, entendeu o mesmo Tribunal não assistir razão ao recorrente.
No desenvolvimento deste ponto de vista, adiantou o STA que só ficaria comprometida a decisão relativa à contagem do tempo de serviço se o interessado já não pudesse opor-se-lhe em recurso a interpor da fixação da pensão e se a Administração, ela mesma, não pudesse reapreciar a contagem do tempo, a quando da tal fixação.
Não se verifica uma situação dessas, ou seja, o acto de contagem prévia não é definitivo, o que salvaguarda a possibilidade de recurso até se formar 'caso resolvido'.
De resto, mais se pondera que a irrecorribilidade de tais actos preparatórios garante mais eficazmente os interesses do particular 'que, sem os obstáculos decorrentes da fixação, na ordem jurídica, do caso decidido ou resolvido, poderá atacar, a final, a decisão em que se cristaliza a opinião da Administração eventualmente lesiva do seu direito'.
No caso vertente, o acto praticado no processo de contagem prévia, a que se refere a alínea a) do nº 1 do artigo 34º do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro) é meramente preparatório da decisão final que vier a ser tomada quanto à atribuição do direito à pensão de aposentação. Sendo assim, considera o STA, não se está perante um acto definitivo e executório e, por isso, nos termos do mencionado artigo 25º, nº 1, da LPTA, o acto impugnado não é susceptível de recurso contencioso.
2.- Entendeu o STA, por conseguinte, que o acto proferido no processo de contagem prévia do tempo de serviço para efeitos de aposentação não tem a virtualidade de, por si, fixar, em termos definitivos, a concreta situação jurídica do interessado.
E, na verdade, nos termos do aludido Estatuto da Aposentação, o processo de aposentação inicia-se com base em requerimento do interessado ou em comunicação dos serviços de que o mesmo dependa (cfr. o artigo
84º, nº 1) e conclui com uma resolução final sobre o direito à pensão de aposentação e sobre o montante desta, regulando definitivamente a situação do interessado (cfr. o artigo 97º, nº 1, do mesmo diploma).
Pode este último requerer, no entanto, em processo de contagem prévia, até ser instaurado o processo de aposentação, a contagem prévia do tempo de serviço para efeitos de aposentação [cfr. o artigo 34º, nº
1, alínea a)] uma vez que o montante da pensão mensal variará em função da remuneração mensal e do número de anos de serviço do subscritor (cfr. os artigos 46º e segs.).
O certo é que as resoluções tomadas nesse processo de contagem prévia são preparatórias da resolução final previstas naquele nº 1 do artigo 34º. E, de resto, podem essas resoluções assumidas na fase prévia ser revistas na resolução final (ou, até, antes dela), nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 101º - 'quando, por facto não imputável ao interessado, tenha havido falta de apresentação, em devido tempo, de elementos relevantes'
- ou, inclusivamente, podem ser 'revogadas ou reformadas com base em ilegalidade ou modificação da lei' - cfr. o nº 2 do artigo 34º do Estatuto.
Deste modo, este Tribunal, em acórdão recente que se debruçou sobre hipótese semelhante à dos autos - o nº 9/95, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1995 - ponderou já que '[...] as resoluções, proferidas no processo de contagem prévia de tempo de serviço para efeitos de aposentação, não constituem, assim, a última palavra da Administração sobre o tempo de serviço, relevante para o efeito de fixação da respectiva pensão: [...] a situação jurídica do interessado só fica definida, com carácter definitivo, quando a Administração da Caixa proferir a resolução final do processo de aposentação (cfr. o nº 1 do citado artigo 97º)'.
Após o que o Tribunal logo retirou a seguinte ilacção:
'Daí, pois, que o acto recorrido em nada prejudique o interessado: de um lado, pode ele sempre obter, mais tarde, a contagem do tempo acrescido; de outro, pode requerer a aposentação, ainda que, de acordo com a contagem prévia que lhe fora feita, tal não fosse ainda legalmente admissível; finalmente, nesta última hipótese, se a aposentação lhe for recusada, poderá ele impugnar contenciosamente o respectivo acto com base em quaisquer fundamentos de ilegalidade, mesmo que reportados ao acto de contagem prévia do tempo de serviço'.
3.- Este entendimento, que, afinal, se conjuga com a interpretação dada à norma sindicada pelo STA, afronta o disposto no nº 4 do artigo 268º da CR, como pretende o recorrente?
Dispõe o normativo constitucional:
'4.- É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos'.
A redacção é oriunda da 2ª Revisão Constitucional
- Lei nº 1/89, de 8 de Julho - e verifica-se, no confronto com o correspondente texto anterior - o nº 3 do artigo 268º - que se deixou de exigir a 'definitividade' e a 'executoriedade' do acto administrativo como pressupostos da sua impugnação contenciosa.
A intenção terá sido a de ampliar o âmbito do recurso contencioso de modo a abranger quaisquer actos administrativos, tornando-os sindicáveis, desde que lesantes de 'direitos ou interesses legalmente protegidos' e, do mesmo passo, abandonou-se a referência à executoriedade e à definitividade desses actos, de conceituação polémica ou, pelo menos, de formalização excessiva.
Como se observou na discussão parlamentar deste preceito constitucional, fez-se recair directamente a recorribilidade do acto na circunstância de ele lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos, reconhecendo-se que as apontadas características de executoriedade e de definitividade, a que a LPTA se refere ainda, acabavam por diminuir as garantias de defesa do administrado, reduzindo as possibilidades do recurso contencioso
(cfr. Deputado Rui Machete, in Diário da Assembleia da República, II Série, nº
55-RC, de 7 de Novembro de 1988, pág. 1740).
A possibilidade de impugnação de um acto administrativo implica que se trate de uma decisão de autoridade tomada no uso de poderes jurídico-administrativos com vista à produção de efeitos jurídicos externos sobre determinado caso concreto, o que, em princípio, exclui da recorribilidade os actos internos e os actos preparatórios. Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 'nestes casos não existem efeitos externos ou existem apenas efeitos prodrómicos de um acto procedimental que só se torna acto decisório através do acto conclusivo do procedimento'; só assim não será, segundo os mesmos autores, se estes forem idóneos para produzir efeitos imediatamente lesivos (e, por conseguinte efeitos externos) porque então, sendo actos preparatórios dotados de efeitos próprios de um acto administrativo, já são susceptíveis de impugnação contenciosa (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3ª ed., 1993, pág. 939).
O Tribunal Constitucional, de resto, também assim o vem entendendo, como exemplifica o seu acórdão nº 9/95, já citado, onde se fala de uma purificação do conceito de acto administrativo contenciosamente impugnável, segundo a qual, 'o que a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos ilegais procura assegurar é que haja sempre a possibilidade de sindicar judicialmente, com fundamento na sua ilegalidade, todo e qualquer acto de autoridade que produz ofensa de situações juridicamente reconhecidas (isto é, que tenha efeitos externos)'. No domínio do contencioso de anulação - como mais se acrescenta, seguindo-se Rogério E. Soares, 'O acto administrativo' in Scientia Iuridica, T. XXXIX, 1990, pág. 32) - há-de, no entanto, excluir-se toda e qualquer acto que não esteja a concretizar lesões, todo o acto que no procedimento serve apenas actos de primeira grandeza.
4.- A resolução proferida no processo de contagem prévia do tempo de serviço para efeitos de aposentação não representa a última palavra da Administração na matéria, uma vez que pode o então decidido ser revisto, revogado ou reformado na resolução final que vier a ser proferida no processo de aposentação, como já se deixou sumariamente exposto (cfr., a este respeito, o já citado acórdão nº 9/95 bem como o nº 603/95, inédito).
Mesmo para quem se recuse a aceitar a existência de uma situação de instrumentalidade nesse acto, inserido num procedimento particularmente específico que, em relação à determinação do conteúdo do acto final do cálculo da pensão de aposentação, não tem necessariamente de pressupor-se, o certo é que não deixa de se tratar de um acto por natureza provisório que, para ser impugnável contenciosamente, implica uma directa produção de feitos jurídicos externos.
Se na verdade, os actos administrativos contenciosamente impugnáveis são mais do que os actos administrativos definitivos e executórios, outrora assim designados, são todos os actos lesivos, mesmo que não definitivos e executórios (cfr., Mário Torres, 'A Garantia Constitucional do Recurso Contencioso' in Revista cit., pág. 48), o certo é que a directa e imediata lesão da esfera jurídica do administrado, decorrente da produção de efeitos jurídicos externos do acto, serve de pedra de toque da impugnabilidade uma vez que não há que 'destacar' mas sim dela excluir, como já se registou, 'todo e qualquer acto que não esteja a concretizar lesões, todo o acto que no procedimento serve apenas actos de primeira grandeza' (Rogério E.Soares, loc. cit.. Cfr., também, Paulo Otero - Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra, 1992, pág. 376).
Ora, a esta luz, e revertendo ao concreto caso, não há uma lesão efectiva e imediata dos direitos ou interesses legalmente protegidos do administrado, sendo a lesão, quando muito - e tal como o recorrente a configura - potencial. Tão pouco tem o acto, em si, aptidão para estabelecer caso resolvido.
A abertura da via do recurso contencioso não é, assim, constitucionalmente imposta, mantendo-se incólume a tutela do direito do administrado.
Sendo assim, a interpretação dada pelo acórdão recorrido ao nº 1 do artigo 25º da LPTA não viola o nº 4 do artigo 268º da Constituição da República.
III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar-se o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de inconstitucionalidade.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 1996
Ass) Alberto Tavares da Costa
Vitor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) Declaração de voto
Sendo, originariamente, a relatora do presente processo, propus uma solução que não logrou vencimento, nos termos da qual concluía pela inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada como o foi na decisão recorrida, por violação do nº 4 do artigo 268º da Constituição, e propugnava que se concedesse provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:
1. A norma sub judicio - o nº 1 do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho) - dispõe que 'só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios'.
Por sua vez, o nº 4 do artigo 268º da Constituição, na sua actual redacção, introduzida pela revisão de 1989, diz que 'é garantido aos interessados recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos'. Esse preceito substituiu o anterior nº 3 do artigo 268º, cuja redacção, introduzida pela revisão de 1982 (e vigente à data da edição do Decreto-Lei nº 267/85), era a seguinte: 'é garantido aos interessados o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios, independentemente da sua forma, bem como para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido'.
A eliminação do inciso 'definitivos e executórios', que constava da versão de 1982, a par da nova formulação global do preceito constitucional em causa, deve ser entendida como significando que os actos administrativos susceptíveis de recurso não têm de ser 'definitivos' e
'executórios', ou seja, que são sindicáveis quaisquer actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos, independentemente da sua definitividade ou executoriedade (neste sentido, cf. Gomes Canotilho-Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., p. 939; António Vitorino, Prefácio à Constituição da República Portuguesa, 1989, pp. XCIV-XCV; José Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional, 1989, p. 20; Mário Torres, in Scientia Juridica, tomo XXXIX, 1990, p. 48; Maria Teresa de Melo Ribeiro, in Direito e Justiça, vol. VII, 1993, pp. 221-223; José Osvaldo Gomes, in Revista de Direito Público, ano VII, nº 13, pp. 70-71; J.E. Gonçalves Lopes, in Revista de Direito Público, ano VII, nº 14, p. 63; e F. B. Ferreira Pinto-Guilherme da Fonseca, Direito Processual Administrativo Contencioso, 2ª ed., pp. 76-79).
Deste modo, é evidente o desfasamento entre o texto constitucional, a partir da versão de 1989, e o nº 1 do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Assim, a interpretar este preceito legal no sentido de considerar irrecorríveis contenciosamente actos administrativos que não sejam 'definitivos e executórios', na acepção clássica desta expressão, designadamente actos não definitivos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, será manifesta a sua inconstitucionalidade material superveniente.
2. No caso dos autos, o recurso contencioso interposto foi rejeitado, quer pelo Tribunal Administrativo de Círculo, quer pelo Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento em o acto recorrido ser acto não definitivo e, como tal, ser insusceptível de recurso contencioso, nos termos do artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Foi, assim, efectivamente aplicada na decisão recorrida a norma arguida de inconstitucional e na interpretação segundo a qual são irrecorríveis contenciosamente actos administrativos não defintivos. E se se entender que o acto recorrido em causa, concretamente uma resolução da Caixa Geral de Aposentações proferida em processo de contagem prévia de tempo de serviço para efeitos de aposentação, é susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos do recorrente, então a norma do nº 1 do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada como o foi na decisão recorrida, viola, seguramente, o disposto no nº 4 do artigo 268º da Constituição.
3. Sobre esta matéria se pronunciou já, precedentemente, a 2ª Secção deste Tribunal, no Acórdão nº 9/95 (inédito), tirado com um voto de vencido (do Conselheiro Guilherme da Fonseca). Aí se concluiu que o artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretado no sentido de considerar irrecorríveis contenciosamente as resoluções da Caixa Geral de Aposentações que decidam, desfavoravelmente às pretensões dos interessados, os pedidos de contagem prévia de tempo de serviço para efeitos de aposentação, não viola o artigo 268º, nº 4, da Constituição. E entendeu-se que tal resolução 'não representa a última palavra da Administração na matéria: ela pode vir a ser revista, revogada ou reformada, 'maxime', na resolução final que vier a ser proferida no processo de aposentação' e daí se deduziu que 'não causou ela lesão efectiva do respectivo direito'.
Discorda-se, porém, dessa decisão e dos seus fundamentos.
É certo que a resolução tomada no processo de contagem prévia é preparatória da resolução final a proferir no processo de aposentação sobre o direito à pensão de aposentação e sobre o montante desta (podendo essa resolução preparatória ser até revista, revogada ou reformada no processo de aposentação), em conformidade com o disposto nos artigos 34º, nº 2, e 97º, nº 1, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro.
Contudo, essa decisão do processo de contagem prévia afecta, de facto, a situação pessoal do respectivo requerente. Com efeito, essa contagem permite aos interessados o conhecimento do momento exacto em que estarão em condições de se aposentar, com inegáveis repercussões em decisões da sua vida pessoal. Dessa definição depende a sua escolha do momento do pedido de aposentação voluntária e daí decorrem opções quanto à orientação da sua vida futura: planificação da vida familiar, mudança de residência para outra localidade, celebração de contratos relacionados com essa nova residência, abertura de conta poupança-reforma, etc. São, portanto, expectativas concretas e reais de vida que estão em causa.
E não é argumento bastante dizer-se que essa decisão do processo de contagem prévia pode vir a ser revista no processo de aposentação ou que a resolução final deste processo pode sempre ser impugnada contenciosamente:
é que nessa ocasião, em regra, já terá passado o momento em que o interessado se poderia ter aposentado segundo a sua própria contagem, sem que seja já possível
'restituir-lhe' o tempo de serviço que prestou em excesso.
Entende-se, portanto, que o acto recorrido é efectivamente lesivo de interesses legalmente protegidos do recorrente, pelo que se deveria admitir recurso contencioso desse acto e, não tendo sido admitido tal recurso, se deveria ter concedido provimento ao presente recurso de constitucio-nalidade.
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves (vencida nos termos da declaração de voto junta) Declaração de voto
Não subscrevi a tese de que é conforme à Constituição a norma do artigo
25º, nº 1 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Esta norma, ao estabelecer que 'só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios' decalca-se precisamente sobre o programa de uma fórmula constitucional rejeitada na revisão de 1989. Porque é unívoca na letra e no sentido não oferece várias propostas interpretativas e não é assim capaz de uma interpretação em conformidade com a Constituição.
Uma interpretação em conformidade com a Constituição não pode ser uma interpretação 'contra legem'. Mas na norma do artigo 25º, nº 1 letra e sentido correspondem-se absolutamente. A norma não é polissémica, não oferece um qualquer espaço de decisão. Radica-se pela letra e pela história numa
(de)limitação do contencioso administrativo operada pelo artigo 268º, nº 3, da Constituição, com a redacção de 1982, com o efeito de irradiação para o sistema do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho. Aproximá-la da Constituição é afastá-la de si mesma, da sua intenção reguladora, é fazer uma interpretação
'contra legem'.
Mas ainda que se admita a regularidade de uma interpretação conforme à Constituição, é pelo menos controverso o que no acórdão se conclui sobre a não verificação no caso de uma lesão da situação jurídica do sujeito.
Não foi o acto eficaz? Não condicionou efectivamente a formação de um plano de vida? Mas se foi eficaz, não é a eficácia que delimita a accionabilidade?
(Maria da Assunção Esteves)
José Manuel Cardoso da Costa