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Proc. nº 284/94
2ª Secção Relator : Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I A CAUSA
1. A intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, sob a forma sumária, acção declarativa, contra B e sua esposa, C, alegando e pedindo a declaração judicial de nulidade de um contrato verbal de arrendamento rural, com início em 11.11.75, celebrado entre ele (como senhorio) e estes (como arrendatários) respeitante a um prédio denominado «Quinta das Lages» em Coimbra / Santa Clara. Fundou tal nulidade no disposto na Lei do Arrendamento Rural, DL nº 385/88, de 25 de Outubro (LAR) especificamente nos artigos 3º, nºs 1 e 4 e 36º, nºs 1 e 3 (não redução a escrito do contrato de arrendamento, não imputável ao senhorio, até 1.7.89).
Contestaram os réus defendendo manter-se a validade do contrato por não lhes ser imputável a sua falta de forma.
Na sentença proferida na sequência do julgamento foi a acção julgada procedente e o contrato declarado nulo por falta de forma.Decisivo para alcançar esta solução foi, na lógica argumentativa de tal decisão, o entendimento de que a forma escrita no contrato de arrendamento rural constitui um requisito ad substantiam.
2. Inconformados, apelaram os réus. Nas alegações que produziram junto do Tribunal da Relação de Coimbra, num trecho a que deram o título 'Da Inconstitucionalidade' fizeram constar o seguinte :
A L.A.R. efectivamente pode conduzir a situações de tal modo gravosas e injustas que impliquem a inconstitucionalidade da aplicação da norma.
a) Desde logo porque permite que uma parte notifique a outra para a redução a escrito do contrato (nº 3 do art. 3º); e a nulidade não pode ser invocada pela parte que, após notificação, tenha recusado a sua redução a escrito (nº 4).
Como se faz a notificação ? Que tipo de notificação ? Que formalidade ela deve revestir ?
O legislador deveria prevenir situações como as sub judice : não permitir que situações de extrema responsabilidade e extrema seriedade (o direito à terra é um direito constitucional, no mesmo plano de igualdade com o da habitação, etc.) fiquem dependentes duma mera 'alegação', vaga muitas vezes, e duma prova testemunhal, tantas vezes forjada, e que uma menor sensibilidade do
'Juiz' a estas questões deixa passar em claro;
b) Depois porque, da leitura do artº 3º da L.A.R., parece depreender-se que a forma escrita é uma formalidade ad substanciam, quando, na lógica da evolução das leis do arrendamento rural, tudo impõe que seja formalidade ad probationem;
c) Finalmente o arrendatário é a parte mais fraca nesta relação de forças : em princípio não vai notificar o senhorio, sabendo como os senhorios são avessos à redução a escrito dos contratos de arrendamento (v.doc. 1 - artigo publicado no Diário de Coimbra de 19.05.93 e doc. 2, emanado pelo Instituto Nacional de Garantia Agrícola (INGA), documentos de que se juntam fotocópias).
E sendo parte mais fraca está sujeito a que um qualquer senhorio mais espertalhão, alegando que a falta da redução a escrito é imputável ao arrendatário e fazendo uma prova sumária do facto... o ponha no olho da rua! Mesmo que o arrendatário (na generalidade dos casos analfabeto) logo que ele ou alguém lhe abra os olhos venha posteriormente notificar o senhorio para reduzir o contrato a escrito ...(como no caso dos autos).
Entender assim a L.A.R., é manifestamente inconstitucional : é privar duma forma intolerável (porque o circunstancialismo em que vivem os rendeiros agrícolas o impõe) uma pessoa do seu meio de subsistência ; mais : é contrário à Lei de Bases da Reforma Agrária que postula a ligação estreita do rendeiro à terra !
Interpretar a lei como fez o Meritíssimo Juiz a quo, que tem elementos nos autos para saber que as terras são para urbanizar (ainda se aceitaria o abrir mão delas para o caso de ser o senhorio a agricultá-las, que manifestamente não é o caso) é manifestamente inconstitucional por violação do disposto no art. 101º da Constituição.
Sintetizando tal matéria de 'inconstitucionalidade' incluiram os réus entre as conclusões com que terminaram essa peça processual, as seguintes
:
'----------------------------------------------------
6. A exigência de forma escrita é uma formalidade ad probationem e não ad substantiam, como erradamente, ao que pensamos, considera o Meritíssimo Juiz a quo;
7. A interpretação do nº 5 do artigo 35º e nº 4 do artigo 3º ambos da LAR, da forma como foi feita conduz à inconstitucionalidade dessas normas por violação do disposto no artigo 101 da Constituição.'
Culminando esta sequência processual proferiu o Tribunal da Relação de Coimbra Acórdão negando provimento ao recurso. Este aresto, valorando a factualidade fixada na 1ª instância, no sentido de que os réus à data da propositura da acção 'não haviam (...) tentado a notificação' do autor/senhorio
'para a redução a escrito do contrato de arrendamento', fazendo-o apenas quando
a acção já jora instaurada, entendeu que ' a partir do momento em que uma das partes, com fundamento na inobservância da forma legal, pede judicialmente que seja declarada a nulidade do arrendamento, a outra parte deixa de ter direito de exigir que se formalize e valide o contrato'. Mais adiante, acrescentou a decisão em causa afigurar-se-lhe 'inútil tomar posição sobre a polémica suscitada pelos apelantes (referindo-se aos réus aqui recorrentes),
qualificando essa exigência como formalidade ad probationem, e contrariando, assim, o entendimento perfilhado pelo Meritíssimo Juiz a quo '.
'Certo é' - acrescentou a Relação de Coimbra, 'que a omissão na redução a escrito do contrato afecta a validade jurídica do negócio, que é nulo'
(sublinhado nosso). No final, em alusão à questão de inconstitucionlidade, consignou a decisão : 'não se vislumbra onde se alicerça semelhante vício, uma vez que a nulidade decretada encontra o seu fundamento legal na não redução a escrito do contrato de arrendamento rural, sendo certo que a obrigatoriedade da formalização desse contrato vai, sobretudo, ao encontro da salvaguarda dos interesses do inquilino, parte tradicionalmente mais fraca neste tipo de negócio jurídico.'
3. Deste Acórdão interpuseram os réus recurso para o Tribunal Constitucional, fazendo-o através de requerimento do seguinte teor :
'..., não se conformando com o douto Acórdão na parte em que julgou constitucional a norma de direito cuja inconstitucionalidade material foi arguida, dele vem, nessa parte, interpôr recurso para o Tribunal Constitucional, a subir imediatamente e nos próprios autos e com efeito suspensivo.'
Foi este recurso admitido na Relação de Coimbra.
Neste Tribunal, porém, formulou-se convite aos recorrentes para prestarem as indicações exigidas pelo artigo 75º-A, nº 1 e 2 da LTC.
Respondendo a tal convite prestarem os recorrentes as seguintes informações :
'--------------------------------------------- a) O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC;
b) As normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende o TC aprecie são o nº5 do artigo 35º e o nº 4 do artigo 3º da LAR (DL nº 385/88 de 25 de Outubro), tendo sido suscitada a inconstitucionalidade nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.'
Alegaram, entretanto, recorrentes e recorrido e colhidos que se mostram os pertinentes vistos, cumpre decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
4. Importa determinar se o cumprimento pelos recorrentes do convite que o Tribunal lhes formulou nos termos do nº 5 do artigo 75º-A do LTC tornou possível o conhecimento do recurso.
Conforme constitui entendimento deste Tribunal, o artigo
75º-A' não impõe ao recorrente um mero dever de colaboração com o Tribunal : antes estabelece um requisito formal de conhecimento do recurso constitucional' sendo que este 'apenas pode ser apreciado em face das indicações fornecidas pelo recorrente' (Acórdão nº 402/93, publicado no DR-II de 18/1/94).
Ora, o recorrente, na sequência do convite, embora tenha indicado a alínea do artigo 70º ao abrigo da qual recorria, as normas cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada e a peça processual onde suscitou tal desconformidade constitucional, omitiu totalmente a indicação da norma ou princípio constitucional que entende violado (artigo 75º-A, nº 2).
Sendo irrelevante que anteriormente o tivesse feito nas alegações para o Tribunal da Relação (como se refere no citado Acórdão nº 402/93) resta a este Tribunal, aplicando o entendimento que vem seguindo a este respeito, abster-se de conhecer do recurso.
III DECISÃO
4.Assim, pelas razões expostas, decide-se não tomar conhecimento do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 5 unidades de conta.
Lisboa, 13 de Janeiro de 1996 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Bravo Serra Fernando Alves Correia Messias Bento Luis Nunes de Almeida