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Processo n.º 783/12
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público e outros, o primeiro reclamou, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC, do despacho daquele Tribunal que, em 29 de outubro de 2012, não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Resulta da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em 2 de outubro de 2012, certificada nos autos, que o aqui reclamante foi condenado em 1.ª instância na pena de 4 anos de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança agravada, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.os 1 e 4, alínea b) do Código Penal.
Inconformado, interpôs recurso para a Relação de Lisboa, que o rejeitou por ser intempestivo.
Desse Acórdão interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e não tendo este sido admitido (por despacho do Desembargador Relator), reclamou para a conferência.
Indeferida esta, foi no entanto admitido o requerimento como reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
No STJ foi proferida decisão a indeferir a reclamação.
Apresentado pedido de aclaração daquela decisão, e indeferido o mesmo, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional e, como não foi admitido, em parte, reclamou dessa decisão para este mesmo Tribunal.
3. É o seguinte o teor do despacho reclamado:
«Admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, mas apenas na parte em que se refere à decisão da Reclamação proferida no âmbito dos poderes do artigo 405 CPP (pontos 7 e 14 e seg. do requerimento de interposição); o recurso sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
As restantes invocações do requerimento respeitam à decisão do Tribunal da Relação, não cabendo pronuncia sobre a admissão ou não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional».
4. O Reclamante sustenta a Reclamação nos seguintes fundamentos:
«(…) No seu requerimento de Recurso o arguido/recorrente enquadrou a sua inconformidade com o decidido em dois planos;
Num primeiro momento questionou a decisão do S.TJ de não admitir o recurso que lhe foi dirigido de uma decisão do Tribunal da Relação que, na modesta opinião do arguido – e também do Sr. Procurador junto ao Tribunal da Relação – era em primeira instância -.
Num segundo momento – mas deste dependente e com ela relacionado – o arguido/recorrente questiona também o STJ pela flagrante desconformidade da decisão da Relação com um Acórdão do Tribunal Constitucional e, o que é mais relevante, com um Acórdão dele próprio de sentido absolutamente oposto ao decidido pela Relação (…)
Os pontos 8 a 13 do dito requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional parecem questionar a decisão da Relação mas, no fundo, visam enquadrar jurisprudencialmente o erro de julgamento deste Tribunal com base em jurisprudência já proferida e que lhe é aplicável claramente.
Claro que o STJ, não admitindo o recurso, porque desconsidera a “novidade” da decisão da Relação de Lisboa em violação ostensiva de um seu Acórdão – o do proc. 2845/08-5ª secção (…) investiu-se ele próprio, numa inconstitucionalidade de que se pretendeu recorrer – o que foi feito e já foi doutamente admitido-;
Mas há outra decisão substancialmente inconstitucional e que foi, efetivamente, proferida pelo Tribunal da Relação e que, com o enquadramento atual, fica intocada e em primeira instância. (…).
Sob pena de ficar por discutir uma grave questão posta ao Tribunal e em prol dos princípios da economia e celeridade processual, é modesto entendimento do recorrente que, com o devido respeito, deveria também nessa parte o Recurso ter sido admitido quer porque pertinente que porque substantivamente relevante (até porque a decisão é contrária a jurisprudência pacífica do próprio Tribunal Constitucional).
De qualquer modo, e caso Vossas Excelências assim não o entendam, sempre a dita decisão da Veneranda Relação ficará suscetível desse grau de Recurso julgado que seja o que admitido foi».
5. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, lembrando que foi o Tribunal da Relação que aplicou as normas cuja inconstitucionalidade é suscitada, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça ou não se considerava competente para apreciar a admissão do recurso (artigo 76.º, n.º 1, da LTC), como fez, ou se apreciasse, seria para não admitir o recurso, uma vez que a decisão recorrida, proferida pelo Senhor Vice-Presidente daquele Supremo Tribunal, não aplicara as normas questionadas, faltando, dessa forma, um pressuposto de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. No recurso interposto para o Tribunal Constitucional, o aqui Reclamante formula o seguinte pedido:
«(…) deverá ser admitido o presente recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento nas alíneas b) e g) do n.º 1 do art. 70.º do dito Tribunal por forma a que seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação defendida pelo Tribunal recorrido dos arts. 411.º, n.ºs 1 e 4; 412.º, n.ºs 3 e 4 e 417.º, n.º 3 por violarem os princípios que resultam dos n.ºs 1 e 2 do artº 32.º da CRP – e afrontarem decisão já proferida por este Tribunal – e do art. 400º do CPP por violar os artºs 202.º, n.ºs 1 e 2, 205º e 26º, n.º 1 da CRP, sem prejuízo de se considerar que a decisão em causa o é em primeira instância pelo que não admitir o recurso é negar o princípio do duplo grau de jurisdição».
7. Importa começar por recordar que o despacho reclamado se desdobra em dois segmentos diferenciados:
- um primeiro a admitir o recurso para o Tribunal Constitucional na parte referente à decisão da reclamação proferida no âmbito dos poderes do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP) (respeitante aos pontos 7 e 14 do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional), e
- um segundo a esclarecer que, respeitando as restantes invocações do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional à decisão do Tribunal da Relação, nessa parte não cabe pronúncia do STJ sobre a admissão ou não admissão daquele recurso.
A presente reclamação tem por objeto apenas a segunda parte do aludido despacho, sendo que as questões de inconstitucionalidade ali suscitadas se reportam à decisão proferida no Tribunal da Relação que rejeitou o recurso (interposto do acórdão condenatório proferido em 1.ª instância) por intempestividade sem prolação de despacho a convidar o recorrente a suprir deficiências das conclusões do recurso.
8. A decisão proferida no STJ limitou-se, assim, ao conhecimento da reclamação do despacho de não admissão de recurso para este Tribunal, não tendo interpretado ou aplicado as normas cuja inconstitucionalidade é suscitada naquela parte do recurso e se traduzem, por um lado, na interpretação dos artigos 412.º, n.os 3 e 4 e 411.º, n.º 4 do CPP que fundou a rejeição do recurso por intempestividade, pelo Tribunal da Relação, e em segundo lugar na interpretação do art.º 417.º, n.º 3 do CPP não conducente ao convite, mais uma vez pelo Tribunal da Relação, para suprimento das deficiências das conclusões da motivação.
Não tendo o Supremo Tribunal de Justiça apreciado aquelas duas questões, foi entendimento do despacho reclamado não caber àquele Tribunal, pronunciar-se sobre a sua admissibilidade. Com efeito, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso.
9. Dispõe, por sua vez, o n.º 4 do referido artigo 76.º da LTC, que do despacho que indefira o requerimento de interposição de recurso ou retenha a sua subida cabe reclamação para o Tribunal Constitucional.
A decisão reclamada não admitiu o recurso de constitucionalidade por, devendo o mesmo ter sido interposto no tribunal que proferiu a decisão recorrida – Tribunal da Relação de Lisboa – a este último competia apreciar a sua admissão.
Termos em que se impõe indeferir a presente reclamação.
III - Decisão
10. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de dezembro de 2012.- Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.