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Processo n.º 485/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Pela decisão sumária n.º 450/2012, decidiu o relator não conhecer do recurso interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), pela recorrente A., ora reclamante, com fundamento no facto de a decisão recorrida não ter aplicado as normas sindicadas, sendo, por tal razão, inútil aferir das inconstitucionalidades que lhes são imputadas, aliás, inovatoriamente, pela recorrente, que, por inobservância do ónus legal de prévia suscitação, também não teria legitimidade para, mesmo em caso de utilidade, interpor o presente recurso.
A recorrente, inconformada, dela reclama para a conferência, invocando, em síntese, que, contrariamente ao sumariamente sustentado, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou o artigo 721.º-A do Código de Processo Civil (CPC), ao abrigo do qual interpôs recurso de revista excecional, pela forma que enunciou no requerimento de interposição do recurso, dele extraindo as interpretações sindicadas, o que determinou a rejeição do referido recurso, justificando-se, pois, por útil, verificar, em apreciação de mérito, se ocorreu violação da Constituição, como é seu entendimento, sendo certo que, por outro lado, lhe assiste legitimidade para interpor o presente recurso de constitucionalidade, pois que não lhe era exigível prever, para o efeito de antecipar as correspondentes questões de inconstitucionalidade, que o Tribunal recorrido interpretasse o citado normativo legal nos termos em que o fez.
A recorrida, em resposta, pugna pela manutenção do julgado, pelos fundamentos que o determinaram, não merecendo acolhimento, a seu ver, as razões em contrário invocadas pela reclamante.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Adotando a sequência de análise usada na decisão ora em reclamação, sustenta a reclamante, em síntese, no que respeita à primeira das questões de inconstitucionalidade enunciadas no requerimento de interposição do recurso, que o Supremo Tribunal de Justiça, ao considerar que os interesses e valores, objeto do recurso de revista por si interposto, não tinham relevância social necessária para determinar a sua admissão, claramente interpretou restritivamente a alínea b) do n.º 1 do artigo 721.º-A «no sentido de não ser admissível o recurso de revista aí previsto quando o seu objeto são interesses imateriais (ação de investigação de paternidade) e, mormente, direitos constitucionais, nomeadamente o direito à identidade individual do investigado falecido, da família e da paternidade».
Não lhe assiste, contudo, razão.
Com efeito, e como claramente decorre do que justificou a rejeição, nessa parte, do recurso de revista excecional interposto pela ora reclamante, o Tribunal não assumiu, em rigor, qualquer tomada de posição, como tal autonomizável, sobre a particular relevância social dos interesses invocados, pois que isso pressupunha justamente a observância, pela recorrente, do ónus de indicação das razões que justificariam uma tal avaliação judicial, o que, em apreciação liminar, se julgou inobservado, por não relevar, para o efeito, a simples reprodução da fórmula legal inserta no invocado normativo legal.
Não é, pois, possível extrair da decisão de rejeição do recurso qualquer conclusão e, muito menos com a latitude com que vem enunciada, sobre o caráter socialmente relevante, ou não, para o efeito do disposto no artigo 721.º-A, n.º1, alínea b), do CPC, dos «interesses imateriais (ação de investigação de paternidade) e, mormente, direitos constitucionais, nomeadamente o direito à identidade individual do investigado falecido, da família e da paternidade», decaindo, pois, nesse ponto, a argumentação da reclamante, por claramente infirmada pela natureza das razões que, nesse particular, suportam a decisão recorrida.
É certo que o Tribunal recorrido, destacando do Acórdão do Tribunal da Relação, a verdadeira questão que nele se aprecia (presunção de paternidade quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado também como filho também pelo público – artigo 1817.º, n.º 1,alínea a), do Código Civil – e o prazo de caducidade da ação de investigação de paternidade com esse fundamento), considerou, quanto a tal questão, para além da inobservância, pela recorrente, do ónus de demonstração argumentativa imposto pelo artigo 721.º-A, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC, que ela «não tem a novidade ou complexidade sem a qual se não pode falar da relevância jurídica como categoria inscrita na al. a) do n.º 1 do art. 721.º-A», nem se vislumbrarem «que interesses ou (…) valores, relevantes do ponto de vista social, podem ser postos em causa» com a decisão que sobre ela foi proferida pela Relação.
Sucede que, se alguma tomada de posição interpretativa se puder extrair de tal afirmação, no que respeita ao âmbito de previsão da norma do artigo 721.º-A do CPC – o que, em rigor, é questionável, atento o caráter subsuntivo do juízo assim formulado – ela nunca terá o sentido e alcance que a reclamante lhe pretende imprimir, ao integrar no objeto do recurso, como interpretações sufragadas, a de que não é admissível o recurso de revista aí previsto «quando o seu objeto versa sobre a sucessão de leis e o prazo de caducidade de exercício de interesses imateriais e direitos fundamentais [n.º 1, alínea a)]» ou «quando o seu objeto são interesses imateriais (ação de investigação de paternidade) e, mormente, direitos constitucionais, nomeadamente o direito à identidade individual do investigado falecido, da família e da paternidade [n.º 1, alínea b)]», sendo manifesta a ausência de correspondência entre o que efetivamente se considerou na decisão recorrida, restrito à enunciada questão, e o que a recorrente dela ilegitimamente extraiu, ampliando as razões de rejeição a todos os recursos que tenham por objeto direitos fundamentais ou interesses imateriais, ainda que com as especificações acima enunciadas.
Assim sendo, não tendo a decisão recorrida partido de quaisquer dessas premissas interpretativas, não se justifica, com efeito, verificar da sua alegada desconformidade constitucional, sendo inconsequente um eventual juízo de inconstitucionalidade que, a tal propósito, se viesse a formular.
Insiste, ainda, a reclamante pela utilidade do recurso, no que respeita à questão da inconstitucionalidade das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 721.º-A do CPC, interpretadas «no sentido de, cumprido o ónus mas considerando o Tribunal que de forma insuficiente, conduzir à rejeição liminar e não a um convite ao aperfeiçoamento», por ter sido precisamente com esse sentido que a sindicada norma foi aplicada, o que a própria decisão sumária acaba por reconhecer.
Porém, analisado o teor da decisão recorrida, verifica-se que, tal como sumariamente sustentado, em momento algum se considerou ter a recorrente observado o ónus legal previsto nos citados normativos legais, ainda que de forma insuficiente; o que se sustentou é que a recorrente não observou de todo o aludido ónus, pois que omitiu a invocação de razões, nos moldes que a jurisprudência tem julgado exigível, que consubstanciassem, por referência às concretas questões e interesses em apreciação, os pressupostos de que, nos termos da lei, depende a excecional revista do Supremo Tribunal de Justiça.
Por isso que, não tendo o Tribunal recorrido interpretado o citado normativo legal como consentindo a imediata rejeição do recurso de revista excecional em caso de cumprimento do ónus nele previsto, mas em termos insuficientes, hipótese que não se enunciou nem se julgou verificado no caso concreto, é de confirmar o impugnado juízo singular de inutilidade que, também nesta parte, determinou o não conhecimento do recurso.
Finalmente, é também de confirmar a decisão ora em reclamação, na parte em que não conhece da questão de inconstitucionalidade das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 721.º-A do CPC, quando interpretadas «no sentido de considerar que, para cumprimento do ónus ali previsto, seja de considerar apenas e só a parte da peça processual a tal destinada e não atender à totalidade das alegações produzidas».
Considerou o relator que o Tribunal recorrido não só não adotou um tal entendimento da lei, como, a ter assumido posição interpretativa sobre tal matéria, fê-lo em sentido manifestamente contrário, pois que, para aferição da verificação dos pressupostos processuais impostos pelo n.º 1 do artigo 721.º-A do CPC, valorou também «todo o restante conteúdo da alegação», como expressamente refere, tendo concluído que nem aí a recorrente substanciou relevantemente as razões de que dependia a admissão do recurso.
Defende a reclamante que o Tribunal recorrido usou tal expressão ao afirmar que «todo o restante conteúdo da alegação de recurso encontra-se descentrado da verdadeira questão apreciada no acórdão recorrido», não tendo a respetiva ponderação servido para «apreciar da existência, aí, de um complemento/desenvolvimento das justificações inicialmente apresentadas», o que efetivamente fez, como decorre dos trechos que transcreve na reclamação, pelo que, desconsiderando-as, o Supremo Tribunal de Justiça efetivamente acolheu da lei a interpretação que se reputa inconstitucional.
Mas também aqui sem razão.
É que, independentemente do contexto em que foi feita a referência literal «a todo o restante conteúdo da alegação», o que ela demonstra é que, nessa fase de apreciação liminar da verificação dos pressupostos processuais do recurso de revista excecional, o Supremo Tribunal de Justiça não se ateve à análise do requerimento de interposição do recurso mas ponderou também as respetivas alegações, concluindo que, quanto à única questão relevante, por efetivamente apreciada pelo Tribunal da Relação, a recorrente não enunciou qualquer demonstração argumentativa que justificasse, à luz dos pressupostos processuais impostos no n.º1 do artigo 721.º-A do CPC, a admissão do recurso de revista excecional, não sendo as razões que a recorrente agora invoca em sentido contrário suscetíveis de ser apreciadas pelo Tribunal Constitucional, que, como é sabido, carece de poderes cognitivos para reapreciar o bem fundado da decisão recorrida.
Não se justifica, pois, também quanto a esta última questão, o seu conhecimento de mérito, sendo certo que, como sumariamente se sustentou, o Tribunal recorrido não interpretou o sindicado normativo legal nos moldes enunciados pela recorrente, resultando, aliás, do respetivo teor, integradamente valorado, posição interpretativa implicitamente inversa, como acima demonstrado.
Ora, não podendo o recurso prosseguir para apreciação de mérito, por versar normas que, na precisa dimensão normativa em que vêm sindicadas, não foram efetivamente aplicadas pela decisão recorrida, fica prejudicada a apreciação da questão da legitimidade da recorrente para interpor o presente recurso, sendo certo que, como é sabido, os respetivos pressupostos processuais são de verificação cumulativa (artigo 660.º, n.º 2, do CPC, aplicável).
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de dezembro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral