Imprimir acórdão
Processo n.º 498/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., Lda., ora reclamante, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de janeiro de 2012, que, julgando improcedente a sua apelação, confirmou a decisão de indeferir liminarmente a petição de embargos de terceiro que, em execução para entrega de coisa movida pela Caixa de Crédito Agrícola Mútua do Algarve, Crl contra B. e outros, apresentou em juízo.
Pela decisão sumária n.º 433/2012, decidiu o relator não conhecer do recurso, por ilegitimidade da recorrente, que não observou o ónus de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade do artigo 354.º do Código de Processo Civil, objeto do recurso, nos termos impostos pelo artigo 72.º, n.º 2, da LTC, considerando-se inútil, em face da não verificação do correspondente pressuposto processual, convidar a recorrente a aperfeiçoar o respetivo requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 75.º-A, nºs. 1, 5 e 6, da LTC, concretizando qual a interpretação que, fundada no referenciado dispositivo legal, reputa inconstitucional e, como tal, pretende ver declarada.
A recorrente, inconformada, reclamou para a conferência da decisão sumária do relator, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando, em síntese, que, tendo suscitado durante o processo a questão de inconstitucionalidade, objeto do presente recurso, que o Tribunal recorrido efetivamente apreciou, devem os autos prosseguir para apreciação do mérito do recurso, sendo indiferente que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada na reclamação deduzida, nos termos do artigo 669.º, n.º 2, alínea a), do CPC, contra a decisão de que ora se recorre, e não antes da sua prolação, atento o seu efetivo conhecimento pelo Tribunal recorrido, não competindo ao Tribunal Constitucional, por extravasar os seus poderes cognitivos, verificar se essa instância podê-lo-ia ter feito, como fez, em sede de apreciação do deduzido incidente pós-decisório.
Os recorridos, notificados para o efeito, não responderam à reclamação.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Os autos demonstram, e a reclamante não o contesta, que esta apenas suscitou a questão de inconstitucionalidade, que agora pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, no incidente pós-decisório deduzido contra a decisão do Tribunal da Relação de 12 de janeiro, de que ora recorre, e não antes da sua prolação.
Sustenta a reclamante que, tendo suscitado durante o processo a inconstitucionalidade de norma aplicada pela decisão recorrida, que o Tribunal recorrido efetivamente apreciou, no referido incidente pós-decisório, julgando-a não verificada, estão preenchidos todos os pressupostos processuais do recurso, não podendo o Tribunal Constitucional sindicar a decisão, aliás transitada em julgado (caso julgado formal), que considerou ser de apreciar tal questão de inconstitucionalidade no âmbito do incidente pós-decisório, por exorbitar os seus poderes cognitivos.
Não tem, contudo, razão.
Concretizando o ónus de suscitação genericamente imposto pelo artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, determina o n.º 2 do artigo 72.º desta mesma lei, no segmento pertinente, que o recurso previsto no citado normativo legal só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, disso dependendo, pois, a legitimidade do recorrente.
Sendo assim, o que releva para efeitos de legitimação para recorrer é que a parte tenha oportunamente suscitado perante o tribunal recorrido, e pela forma processualmente adequada, a questão de inconstitucionalidade que constitui objeto do recurso, em termos tais que imponham ao tribunal que proferiu a decisão o correspondente dever de pronúncia, sendo indiferente que o tribunal recorrido oficiosamente aprecie questão de inconstitucionalidade não suscitada ou a decida quando a tal não estava processualmente obrigado (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 156/08).
No caso vertente, estando em causa preceito legal que regula a fase introdutória dos embargos de terceiro, prevendo, além do mais, as razões que determinam o imediato indeferimento da respetiva petição (artigo 354.º do CPC), é evidente que a questão da inconstitucionalidade da interpretação dele extraída pela primeira instância, para justificar a decisão de indeferimento liminar da petição de embargos, podia e devia ter sido invocada no recurso de apelação dela interposto, sendo certo que, proferida a respetiva decisão, por aplicação da citada norma legal, fica esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria da causa (artigo 666.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 716.º, n.º 1, do mesmo código).
Pelo que foi intempestiva a suscitação dessa mesma questão após o julgamento do recurso de apelação por si interposto, em sede de incidente pós-decisório.
Assim, não tendo a reclamante suscitado no momento processualmente oportuno - o das alegações do recurso para o Tribunal da Relação -, qualquer questão de inconstitucionalidade atinente ao artigo 354.º do CPC, não pode o recurso prosseguir para apreciação de mérito, sendo de confirmar a decisão sumária que, com tal fundamento, não conheceu do objeto do recurso.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de dezembro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.