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Proc. nº 5/95 ACÓRDÃO Nº 1/96
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves (Monteiro Diniz)
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A e B interpuseram, perante o Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário de Estado do Tesouro, nº 60/92, de 15 de Abril, publicado no Diário da República, I Série-B, nº 105, de 7 de Maio de 1992, que fixou o valor unitário de 4.190$00 por acção para as indemnizações a conferir aos ex-titulares das acções 'C..., S.A.R.L.'.
Aquele Tribunal, por acórdão de 27 de Outubro de 1994, concedeu provimento ao recurso e declarou nulo o acto impugnado, recusando para tanto, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 205º da Constituição, a aplicação da norma do artigo 8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 332/91, de 6 de Setembro, que permite ao Ministro das Finanças fixar por despacho o valor da indemnização a atribuir aos titulares de acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas.
Deste acórdão foi interposto, nos termos dos artigos 280º, nºs. 1, alínea a) e 3 da Constituição e 70º, nº 1, alínea a) e 72º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, recurso de constitucionalidade pelo Secretário de Estado Adjunto e do Tesouro, que, nas alegações entretanto apresentadas, concluiu assim:
'a) A norma do nº 2 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 332/91, de 6 de Dezembro, mostra-se perfeitamente conforme à Constituição da República Portuguesa, uma vez que as comissões mistas são órgãos consultivos do governo, dele coadjuvantes no exercício da sua função administrativa;
b) Deve, em consequência, conceder-se provimento ao recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida, na parte impugnada'.
Em contra-alegações, os recorridos sustentaram a ilegitimidade constitucional da norma desaplicada, desenvolvendo no plano da fundamentação um discurso argumentativo que, em conclusão, assim se sintetizou:
'1ª - A função jurisdicional traduz-se numa actividade de composição de conflitos de interesses, em obediência a critérios jurídicos, buscando-se a paz jurídica mediante um processo heterocompositivo, com as concomitantes garantias de imparcialidade, independência e neutralidade.
2ª - A essa luz, a fixação definitiva do valor das indemnizações, devidas aos ex-titulares de bens nacionalizados, por parte das comissões arbitrais instituídas pela Lei 80/77 e pelo DL 51/86, corresponde ao exercício de uma função jurisdicional da categoria dos tribunais arbitrais. Não se trata, portanto, de administrar mas sim de julgar.
3ª - Logo, a intervenção unilateral da Administração consubstanciada na fixação de novo valor de indemnização (art. 8º/2 do DL 332/91), traduzindo-se necessariamente na revogação da decisão arbitral, incide sobre um acto que assume valor de sentença judicial e força de caso julgado e, assim, a norma legal na qual repousa essa intervenção ofende vários parâmetros constitucionais: o princípio da separação de poderes (art. 114º/1 da CRP) concretizado na reserva de jurisdição em benefício dos tribunais (art. 205º/2 da CRP), o princípio da independência dos tribunais (art. 26/1ª parte da CRP), o princípio da sujeição dos tribunais apenas à lei (art. 206º/2ª parte da CRP) e o princípio da obrigatoriedade e da prevalência das decisões dos tribunais sobre as de qualquer outra entidade (art. 208º/2 da CRP).
4ª - Consequentemente, deve confirmar-se o Acórdão do STA de
27.10.94 que declarou a nulidade do despacho normativo nº 60/92 de SET, de
15.04.92, com base em usurpação de poderes (por invasão de um espaço constitucionalmente reservado à função judicial) e, acrescentamos nós, violação de lei constitucional (decorrente do desrespeito do art. 208º/2 da CRP que prescreve a obrigatoriedade das sentenças judiciais)'.
Os autos ficaram depois a aguardar que sobre a matéria do presente recurso fosse proferida decisão pelo plenário do Tribunal Constitucional.
II - Com efeito, em processo de fiscalização abstracta sucessiva requerida pelo Provedor de Justiça, foi tirado o acórdão nº 452/95, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1995, no qual, embora com votos de vencido, se decidiu não declarar a inconstitucionalidade das normas do artigo 8º do Decreto-Lei nº 332/91, de 6 de Setembro, relativas à fixação do valor definitivo da indemnização.
É a jurisprudência desse acórdão que aqui se reitera.
III - Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso.
Lisboa, 11 de Janeiro de 1996
Ass) Maria da Assunção Esteves
Vitor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Dinis
(vencido, nos termos da declaração de voto que fiz juntar ao acórdão nº 452/95, Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1995)
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta ao acórdão nº 452/95, Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1995)
Armindo Ribeiro Mendes (vencido nor termos da declaração de voto junta ao acórdão nº 452/95, in Diário da República, II Série, nº 269, de 21 de Novembro de 1995)
José Manuel Cardoso da Costa
(votei o acórdão nos precisos termos da declaração que juntei ao Acórdão nº
452/95, cuja fundamentação parcialmente subscrevi na mesma declaração)