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Procº nº 534/94. ACÓRDÃO Nº 5/96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
(Consº SOUSA E BRITO)
I
1. Tendo a A sido, por deliberação de 23 de Fevereiro de
1994, tomada pela Comissão Nacional de Objecção de Consciência, liminarmente indeferido o pedido de concessão do estatuto de objector de consciência pelo mesmo formulado, indeferimento esse suportado na circunstância de ele não ter apresentado 'declaração de expressa disponibilidade para cumprir o serviço cívico', veio o mesmo impugnar tal deliberação perante o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Por sentença proferida pelo Juiz daquele Tribunal em 9 de Novembro de 1994, foi anulada a citada deliberação.
Para tanto, foi, naquela peça processual, recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação da norma constante da alínea d) do nº 3 do artº 18º da Lei nº 7/92, de 12 de Maio, já que se entendeu que esse normativo violava o disposto no nº 2 do artigo 18º, no nº 6 do artº 41º e no nº 4 do artigo 276º, todos da Constituição.
Do assim decidido recorreu para o Tribunal Constitucional o representante do Ministério Público, recurso que veio a ser admitido.
Neste Tribunal produziu o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto aqui em funções a sua alegação na qual, propugnando por se dever conceder provimento ao recurso, concluiu:-
'A norma da alínea d) do nº 3 do artigo 18º da Lei nº 7/92 (Lei sobre Objecção de Consciência), não enferma de inconstitucionalidade, designadamente por violação dos artigos 18º, nº 2, 41º, nº 6, e 276º, nº 4, da Constituição'.
O recorrido B não veio a apresentar alegação.
Apresentado pelo primitivo relator projecto de acórdão, não obteve ele vencimento, motivo pelo qual nos autos ocorreu mudança de relator.
Cumpre, assim, decidir.
II
1. A nossa Constituição, após proclamar, no nº 1 do seu artigo 41º, a inviolabilidade da liberdade de consciência, de religião e de culto, estende ou exprime a proibição de descriminação e de concessão de privilégios em razão de convicções ou prática religiosas, dispondo, no nº 2 daquele artigo, que '[n]inguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa' (sublinhado nosso).
No entanto, e como excepção à proibição de concessão de privilégios - isenção de obrigações ou deveres cívicos - , estatui no nº 6, ainda do mesmo artigo 41º, que '[é] garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei'.
Não obstante o Diploma Básico remeter para a lei ordinária o âmbito, concretização, formas e procedimentos como há--de operar aquele direito constitucionalmente garantido - o que vale por dizer que esse direito se há-de perspectivar como um «direito sob reserva de lei» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 245) - não deixa de, mais à frente, no seu artigo 276º, nº 4, e na sequência da consagração dos direito e dever (este, em regra e somente em regra
- cfr., sobre o ponto, Soveral Martins, in Estatuto do Objector de Consciência,
11 -, traduzido no cumprimento do serviço militar) fundamentais de defesa da Pátria, estabelecer, expressamente para os objectores de consciência, a obrigação de prestação de um outro dever, que funciona, verdadeiramente, como sucedâneo daquele primeiro dever, qual seja o do cumprimento do 'serviço cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado'.
Estando, como se disse, «sob reserva de lei» o direito à objecção de consciência», é ele hoje regulado pela Lei nº 7/92, de 12 de Maio, diploma que em se integra a questionada norma e que, naturalmente, vem efectuar determinadas cautelas na concessão desse direito.
E referiu-se «naturalmente», já que - aceitando-se a argumentação, carreada neste particular no Acórdão deste Tribunal nº 65/91
(publicado na 2ª Série do Diário da República de 4 de Julho de 1991) - sendo certo que quem exercita o direito à objecção de consciência o faz 'no âmbito de uma liberdade fundamental' - o que é certo é que esse exercício, porque, de certa forma, traduz 'um certo comportamento desviante do regime- -regra' que levou o legislador constituinte à consagração do serviço militar constricto, em geral, aos cidadãos, tem de levar em conta uma ponderação acautelada 'quanto à harmonização entre os interesses da comunidade ... e o espaço de liberdade (de consciência) reconhecido ao objector por razões inicialmente estranhas ao direito, mas, afinal, por este tomadas em consideração'. E isso para que o valor que presidiu à instituição constitucional do dever de defesa da Pátria na sua vertente-regra de prestação do serviço militar se não veja amplamente
«dissolvido» ou em grave conflito perante e com uma hipertrofia da protecção daqueloutro valor que levou o legislador a reconhecer o direito de objecção de consciência (cfr. Tomás Quadra-Salceda Fernandez del Castillo, em Clausula de Conciencia: um Godot Constitucional, Revista Española de Derecho Constitucional,
23, 64 e 64, citados no Acórdão 65/91; cfr., ainda, sobre a questão de, na dualidade entre o dever de defesa da Pátria e o direito de objecção de consciência, se considerar aquele como devendo ocupar a primeira linha, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, 117).
Justamente por isso, como se viu já, erigiu a Constituição o dever de serviço cívico como sucedâneo ou substituto do serviço militar armado relativamente aos objectores de consciência que, de entre o mais, visa, para utilizar as palavras de G. Canotilho e V.Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, cit. edição, 966) 'evitar a «banalização» do direito à objecção de consciência'.
Estes, pois, os principais parâmetros que haverão de iluminar a questão de que tratamos.
2. A norma em crise, incluída no Capítulo IV da Lei nº
7/92, Capítulo esse precisamente dedicado às normas que regem o processo de aquisição do estatuto do objector de consciência (processo esse de natureza administrativa), impõe que a declaração que, apresentada na Comissão Nacional de Objecção de Consciência, nos postos consulares ou nos serviços competentes das Regiões Autónomas (cfr. artº 20º, nº 1), inicia aquele processo, deva conter
'[a] declaração expressa da disponibilidade para cumprir o serviço cívico alternativo', comandando-se no nº 2 do artº 21º que '[s]empre que a declaração de objecção de consciência se encontrar incompleta ou irregularmente instruída, a Comissão Nacional notifica o declarante para que, no prazo máximo de 20 dias, supra as respectivas deficiências, sob pena de ser liminarmente indeferida'.
A questão que se coloca é, assim, a de saber se o procedimento gizado na Lei nº 7/92, no ponto que ora releva, ou seja, o de exigir, por entre o mais, que a declaração de objecção de consciência seja acompanhada por uma outra declaração manifestando a disponibilidade do objector em prestar o serviço cívico, sob pena de, não o fazendo (após notificação para tanto), ser indeferida aquela sua pretensão, é algo que constitui um
«procedimento injusto», porventura «aniquilador» do direito «por falta de medidas expeditas», constituindo, desta arte, uma «restrição» ou uma «limitação» ou diminuição do «âmbito, extensão e alcance» do seu conteúdo, como se concluiu na decisão recorrida.
A resposta a esta questão, adiante-se desde já, sofre resposta negativa por parte deste Tribunal.
Efectivamente, tomando em consideração os parâmetros que acima se deixaram gizados, cumpre, numa primeira linha, sublinhar, como faz o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, que a apresentação da declaração de objecção de consciência, como manifestação unilateral de vontade por banda do declarante, vai desencadear uma alteração de um regime-regra estabelecido para o comum dos cidadãos, regime esse fundado num dever constitucional- mente imposto.
Em face disso, é perfeitamente curial que, atenta a possibilidade, já anteriormente assinalada, de criação de conflito entre o aludido dever e o direito de objecção de consciência, se rodeie o legislador ordinário de cautelas no sentido de assegurar a seriedade da declaração, designadamente no tocante a efectivar em concreto a «consciencialização» do declarante de que, ao pretender que, por uma mera manifestação de vontade por si produzida, haja a seu favor uma alteração do ordenamento jurídico regra, isso acarretará a imposição de uma obrigação sucedânea.
Esta uma forma - e, quiçá, poderia até não ser a única - que, perfeitamente e de modo não exagerado, serve para o referido asseguramento.
Mas, para além disso (e vincando-se aqui que o indeferimento liminar só surge se o declarante não apresentar o documento a que alude a alínea d) do nº 3 do artº 18º da Lei nº 7//92, após ser, pela Comissão Nacional de Objecção de Consciência, notificado para o fazer), o que se torna claro é que a imposição decorrente daquela norma, por si e em conjugação com a do nº 2 do artº 21º, não é, por um lado, algo de oneroso - e, muito menos, excessivamente oneroso e, logo, concretizador de um procedimento «injusto» - que ponha em causa a praticabilidade do exercício do direito ou que, em si, restrinja ou limite os seus âmbito, extensão e conteúdo.
Na realidade, no desenvolvimento deste segundo ponto, e contrariamente ao que parece defluir do discurso utilizado na decisão ora impugnada, há que atentar em que não parece, minimamente, que seja ou tenha sido escopo do legislador, na exigência da declaração de disponibilidade para o cumprimento do serviço cívico, uma adesão do declarante à opção constitucional da imposição daquele serviço como sucedâneo da obrigação de prestação do serviço militar armado, bem como à imposição desta obrigação decorrente do dever de defesa da Pátria.
Antes, e pelo contrário, como se viu já, a dita exigência funda-se num modo de asseguramento da seriedade da declaração unilateral de objecção de consciência, com a inerente «consciencialização» do declarante.
Termos em que se não vislumbra, por parte da norma constante da alínea d) do nº 3 do artº 18º da Lei nº 7/92, por si ou em conjugação com a parte final do nº 2 do artº 21º do mesmo diploma, ofensa das normas ou princípios constitucionais, nomeadamente os artigos 18º, nº 2, 41º, nº
6 e 276º, nº 4, da Lei Fundamental.
Neste sentido, aliás, se pronunciou este Tribunal, em sessão plenária no seu Acórdão nº 681/95, aresto por ainda inédito.
IV
Em consequência, concedendo-se provimento ao recurso, determina-se a reforma da decisão impugnada, a fim de a mesma ser reformada em consonância com o aqui decidido sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 16 de Janeiro de 1996 Bravo Serra Messias Bento Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Como primitivo relactor fiquei vencido, por entender que a exigência de declaração expressa da disponibilidade do declarante da objecção de consciência ao serviço militar para cumprir o serviço cívico alternativo, feita pela alínea d) do nº 3 do artigo 18º da Lei nº 7/92 (Lei sobre Objecção de Consciência - LOC) viola os artigos 41º, nº 6 e 276º da Constituição, por negação a objectores de consciência ao serviço militar do correspondente estatuto ; e viola o nº 2 do artigo 18º da Constituição, por ser uma restrição desnecessária de direito fundamental. A opinião contrária, que fez vencimento, resulta de uma interpretação inadequada das disposições constitucionais sobre o direito à objecção de consciência, pelo que se impõe uma ampla dilucidação do seu alcance. Só depois se passará à demonstração positiva das teses acima mencionadas, em que se articula a minha opinião. Ponderarei finalmente uma questão omitida no acórdão, que é a de saber se o não reconhecimento de objecção de consciência ao serviço cívico viola o direito geral à objecção de consciência do nº 6 do artigo 41º, questão que se responderá negativamente.
Antes de cumprir o programa anunciado, importa averiguar qual a função da alínea d) do nº 3 do artigo 18º da LOC e, portanto, dos efeitos, imediatos e mediatos, da não aquisição do estatuto do objector de consciência, acompanhada da recusa à prestação do serviço militar, por comparação com a falta de prestação do serviço cívico.
Com esta justificação e pela ordem referida limitar-me-ei de seguida a transcrever a fundamentação do acórdão em que fiquei vencido. Acrescentarei uma nova alínea DD), em que responderei a um argumento distintivo do acórdão, acerca da necessidade da declaração de disponibilidade para o serviço cívico para a 'consciencialização' da obrigação deste último.
A) O artigo 18º, nº 3, alínea d) da LOC : sua função no regime legal da objecção de consciência.
A consequência do não cumprimento do requesito da declaração expressa das disponibilidades para cumprir o
serviço cívico alternativo, constante da alínea d) do nº 3 do artigo 18º da LOC, no processamento do reconhecimento do estatuto de objector, traduz-se no
'indeferimento liminar' da declaração, com a consequente não obtenção do estatuto. É o que decorre do artigo 21º da LOC e foi o que no caso sucedeu.
É o seguinte o teor desta disposição:
'Artigo 21º
(Apreciação e suprimento de deficiências)
1. Recebida a declaração, a Comissão Nacional aprecia, no prazo de 15 dias, a sua regularidade formal.
2. Sempre que a declaração de objecção de consciência se encontrar incompleta ou irregularmente instruída, a Comissão Nacional notifica o declarante para que, no prazo máximo de 20 dias, supra as respectivas deficiências, sob pena de ser liminarmente indeferida.
3. Se o declarante não suprir as deficiências da declaração no prazo previsto no nº 2, a Comissão Nacional comunicará oficiosamente, no prazo de cinco dias, a ineficácia da mesma ao distrito de recrutamento e mobilização competente.'
Temos, por consequência, que o objector que não
entrega a declaração de disponibilidade para cumprir o serviço cívico alternativo, continua sujeito às obrigações militares normais, com a eventualidade de convocação para prestação de serviço militar. Mantendo, como certamente manterá, sendo séria a sua objecção, a recusa de prestar tal serviço, seguir-se-á, se convocado para a incorporação (cf. artigos 55º e 56º, do Regulamento do Serviço Militar - RLSM - aprovado pelo Decreto-Lei nº 463/88, de 15 de Dezembro) uma falta à incorporação, com a consequente notação como refractário (cf. artigo 24º, nº 3, da Lei do Serviço Militar - LSM - Lei nº
30/87, de 7 de Julho) e prática do crime previsto e punido pelo artigo 40º, nº
1, al. a) ou nº 2, da LSM (redacção da Lei nº 89/88, de 5 de Agosto). Como refractário será sucessivamente convocado para a incorporação em todos os contingentes anuais subsequentes à falta (cf. artigo 58º, nºs. 6, 7 e 8, do RLSM), até que atinja a idade da cessação das obrigações militares
(presentemente, 35 anos de idade - v. artigo 5º, nº 3, da LSM, na redacção da Lei nº 22/91, de 19 de Junho). Daqui resulta que o objector de consciência à declaração de disponibilidade para o serviço cívico alternativo será sujeito a sucessivos procedimentos criminais entre os 20 e os 35 anos de idade.
Diversamente, um objector que, recusando o serviço cívico, seja mais 'flexível' nas suas convicções - que adopte uma posição mais
'táctica', indiciadora talvez de uma postura
de objecção menos séria - e subscreva (provavelmente com reserva mental) a declaração de disponibilidade exigida, obtém o estatuto de objector, é subtraído às obrigações militares e, mais tarde, se, convocado para prestar o serviço cívico, o recusar, é punido nos termos constantes do artigo 33º, da LOC, com a particularidade não irrelevante de o cumprimento de qualquer pena imposta por essa recusa contar, como resulta do nº 7, desse artigo 33º, 'como tempo de prestação de serviço cívico'.
B) O direito à objecção de consciência na Constituição. Aspectos Gerais.
A questão de constitucionalidade a resolver pelo Tribunal é a de saber se a exigência da declaração da disponibilidade para o serviço cívico alternativo estabelecida pela alínea d) do nº 3 do artigo 18 º da LOC, dado o seu conteúdo e a sua função no regime legal em que se insere, viola o direito à objecção de consciência ao serviço militar (artigo 276º da Constituição), o direito geral à objecção de consciência (nº 6 do artigo 41º da Constituição) e a proibição de restrições aos direitos, liberdades e garantias constante do artigo 18º, nº 2 da Constituição.
Para analisar a questão de constitucionalidade assim
colocada, importa proceder à caracterização da objecção de consciência, nomeadamente e no que concerne à objecção ao serviço militar, na sua articulação com a prestação social substitutiva em que se traduz o serviço cívico alternativo.
O direito fundamental à objecção de consciência é uma nota marcante da Constituição portuguesa. A versão originária de 1976 consagrava-o em relação ao serviço militar obrigatório no nº 5 do artigo 41º, que dispunha: 'é reconhecido o direito à objecção de consciência, ficando os objectores obrigados à prestação do serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar obrigatório'. Entre as fontes históricas da Constituição só a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha consagrava expressamente tal direito no seu artigo 4º, que inspirou manifestamente o artigo 41º (o artigo 9º da Constituição austríaca por lei constitucional da 10.6.975, é quase contemporâneo da discussão na Assembleia Constituinte, e não terá sido conhecido). Antecedentes relevantes na história constitucional só se encontram nos Estados Unidos da América, no século XVIII, primeiro na Constituição da Pensilvânia, de 16 de Agosto de 1776, que estabelece no seu artigo 8º, além do direito à objecção de consciência 'a trazer armas', o direito à objecção de consciência em termos gerais, e depois, em termos semelhantes, no artigo 9º da Constituição de Vermont, de 8 de Julho de 1977, e, só quanto ao serviço militar, também na Constituição de
Delaware, de 11 de Setembro de 1776, secção 10 e na Constituição de New Hampshire de 2 de Junho de 1784, artigo 13º (cfr. Richard L. Perry, Jolin C. Cooper, eds. Sources of Our Liberties, New York, 1972, págs 330, 365, 339, 383). Embora a proposta de James Madison em 1789 da inclusão em amendment à Constituição Federal do direito à objecção de consciência ao serviço militar
(apud Perry Cooper, cit., p. 422) não tenha sido adoptada, isso ficou a dever-se, parece, a dúvidas, não sobre o princípio, mas sobre a competência da Federação em matéria de conscrição (assim: Ken Greenawalt, 'Conscientious Objection', Encyclopedia of the American Constitution, New York, 1986, I, pág.
353). No entanto, tem o Supreme Court vindo a determinar um direito à objecção de consciência ao serviço militar e, mais geralmente, a outras obrigações legais. Tarefa semelhante tem sido desenvolvida por outros tribunais constitucionais, como o italiano (cf. Sergio Lariccia, 'Conscientious Objection in Italian Law', em European Consortium for Church-State Research, Conscientious Objection in the EC-Countries, Milano, 1992, págs. 113 e segs; Andrea Pugiotto,
'Obiezione di coscienza nel diritto constituzionale', Digesto delle disciplinne pubblicistiche,Turino, X, págs. 240 e segs.; Rudolfo Venditi, L'obiezione di coscienza al servicio militare, 2ª ed., Milano, 1996, p.168 ss, 200 ss). Mas a consagração constitucional da objecção - típica dos direitos alemão e português
- como um direito fundamental, que é caso
especial da liberdade de consciência (nº 1 do artigo 41º), ilumina decisivamente os contornos das duas figuras.
Assim, do confronto do nº 5 com o nº 1 ('A liberdade de consciência, [de] religião e [de] culto é inviolável': os acrescentos estilísticos [de] na revisão da 1982 não têm significado material) resultava que a consciência que dita a objecção não é necessariamente religiosa. A consciência exprime-se em convicções que podem ser religiosas, mas também filosóficas ou ideológicas. A separação da liberdade de consciência da liberdade de religião retoma a dupla garantia da liberdade de consciência e de crença da Constituição de 1911 (artigo 3º, nº 4: 'A liberdade de consciência e de crença é inviolável) e marca, na Alemanha como em Portugal, o pleno reconhecimento da liberdade de consciência como direito fundamental. Não é apenas o direito de não ser perseguido por motivos de religião da Carta Constitucional (artigo 145º § 4) e da Constituição de 1838 (artigo 11º), nem meramente 'a liberdade e a inviolabilidade de crenças e práticas religiosas', que a Constituição de 1933 concretizava na imunidade de perseguição, de discriminação e de obrigação de resposta sobre a religião professada (artigo 8º, nº 3). A liberdade de consciência não era reconhecida pela Constituição de 1933, a qual também não protegia convicções e práticas não-religiosas, nomeadamente filosóficas ou ideológicas, mesmo que desempenhem para o indivíduo papel análogo ao da
religião. Mas a Constituição de 1976 não se limitou a retomar a fórmula de
1911, distinguindo a liberdade de consciência da liberdade de crença, que é, aliás, por ela implicada, segundo uma fórmula semelhante à proposta na constituição votada para a nação alemã na Paulskirche em 1849 (§ 144: 'volle Glaubens-und Gewissensfreiheit' - completa liberdade de crença e de consciência) e retomada na constituição suiça de 1874 (artigo 49º) e na alemã de Weimar (1919: artigo 135º). Desde logo, a constituição de 1911 não ligava, como a actual, a liberdade de consciência à de religião (que é mais ampla) e de culto. Além disso, não era liberdade 'completa', embora limitada pelas 'leis gerais do Estado', como na constituição de Weimar, mas era tão somente liberdade interior ou de fôro interno, isto é, aquela liberdade que apenas importa proteger contra a violação por 'aqueles abomináveis meios de inquérito policial e de intenção judiciária que privam o suspeito ou o inculpado do controlo das suas faculdades intelectuais e da sua consciência' (nas palavras dos trabalhos preparatórios à Convenção Europeia dos Direitos do Homem: Recueil des Travaux Preparatoires, I, La Haye, 1975, pág. 223).
A 'liberdade de consciência e de crença' implicava certamente a de mudar de crença ou de convicção de consciência, mas não implicava a de 'manifestar a religião ou a convicção sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo
ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos', já que esta última liberdade, assim expressa na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 18º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 9º), era apenas reconhecida na Constituição de 1911 quanto aos cultos e com limitações legais (nº 5 e 8 do artigo 3º). O grande passo em frente que a Lei Fundamental alemã, e depois a Constituição portuguesa, dão aqui, para além dos próprios antecedentes constitucionais e das declarações internacionais dos direitos do homem, é reconhecerem o direito à manifestação exterior da liberdade de consciência fora da esfera da prática religiosa ou semelhante, na prática geral da vida. Ora este passo em frente revela-se precisamente no reconhecimento da objecção de consciência, que se torna a verdadeira pedra de toque da interpretação constitucional da liberdade de consciência. Com efeito, trata-se do direito de recusar uma obrigação legal, em nome da consciência individual, resolvendo o conflito pela prevalência do princípio da inviolabilidade de consciência sobre o princípio da generalidade da lei. É certo que o conflito, que existe prima facie, é formalmente afastado, porque a objecção é geralmente reconhecida na Constituição e é regulada no seu exercício por leis gerais. Assim, a objecção de consciência ao serviço militar era previsto no nº 5 do artigo 41º na versão originária da Constituição e passou a sê-lo especialmente no nº 4 do artigo 276º desde 1982, tendo o seu exercício sido regulado por várias leis: Lei nº 6/
85, de 4 de Maio, Lei nº 101/88, de 25 de Agosto, Lei nº 7/92, de 12 de Maio. Mas se o princípio da generalidade da lei é, assim, formalmente salvaguardado, isso não impede que a excepção legal se abra por razões que não se integram nas que estiveram na base da ponderação de razões constitucionais e legais que baseiam a obrigação de serviço militar, mas directamente as contrariam em globo. Por outras palavras: não é por não se verificarem, quanto aos objectores de consciência, as razões da imposição da objecção de serviço militar que esta se afasta, mas a objecção é afastada porque se permite aos objectores que as suas razões prevaleçam sobre as do direito, não porque este as adopte, mesmo excepcionalmente, mas porque este as tolera por respeito pela liberdade de consciência. A objecção de consciência representa a transformação do princípio da tolerância, anterior ao Estado constitucional, num direito do homem. Nesta medida, o reconhecimento da objecção pela Lei Fundamental alemã e, depois, pela Constituição portuguesa, não é uma novidade absoluta, mas a expressão constitucional do progressivo entendimento que o Estado de direito democrático tem de si próprio, como relevam as jurisprudências constitucionais americana e italiana, por exemplo, mesmo sem consagração constitucional explícita da objecção. A primazia do reconhecimento explica-se pelas circunstâncias históricas dos dois países. Não foi só a experiência recente da negação liberdade de consciência pelas ditaduras que facilitou um
entendimento forte da liberdade. Foi a compreensão de que a consciência individual é o principal suporte ético do Estado de direito democrático, que baseia a força das suas normas na convicção íntima das pessoas que defendem os seus valores e lhe dão razão, mais do que no receio das suas sanções. A consciência individual é também a última e decisiva barreira contra as ditaduras.
No caso português esta revalorização do papel da consciência está especialmente ligada a um novo entendimento das relações entre a Igreja Católica e o Estado e, por consequência, de liberdade de religião. Assume-se a total secularização do Estado e a separação deste das igrejas e, paralelamente, funda-se a própria liberdade de religião na liberdade de consciência. Este aspecto foi claramente sublinhado na Assembleia Constituinte pela declaração de voto do Partido Popular Democrático, ao qual se deve no essencial a redacção do artigo: 'nele se sintetiza claramente e sem lugar para subterfúgios, um regime jurídico fundamental para a liberdade de consciência, religião e culto, em correspondência com o respeito devido pelo Estado a esta dimensão essencial da pessoa humana. O nº 1 deste preceito declara a inviolabilidade de consciência, de religião e culto em cada uma das pessoas,, individualmente consideradas, incluindo obviamente o direito à garante a todos a inviolabilidade de consciência. A chamada
especial feita quanto ao problema do serviço militar explica-se por razões históricas conhecidas e pela circunstância de ser um caso exemplar de garantia de inviolabilidade da consciência' (deputado Leite de Castro, Diário da Assembleia Constituinte, 3 de Setembro de 1975, pág. 1150/1). Logo a seguir, em declaração de voto pessoal, o deputado Pedro Roseta (PPD) marcou a diferença:
'a partir da aprovação deste artigo marca-se um ponto de viragem fundamental: a Constituição vai consagrar uma nova era de real independência recíproca entre o estado e as igrejas, nomeadamente a Igreja Católica (...) o reconhecimento da objecção de consciência é uma inovação importantíssima e é mais um marco na construção de uma sociedade assente na pessoa humana (...)' (ibidem, pág.
1151/2). Pano de fundo destas tomadas de posição é, sem dúvida, a profunda revisão da doutrina oficial católica, que em 1832 condenara na Mirari vos a liberdade de consciência (absurda (...) ac erronea sententia seu potius deliramentum), em 1864 condenara no Syllabus (nº 15) a liberdade de religião como um dos 'erros do tempo', (cfr. Heinrich Denziger, Peter Hünermann, Enchyridion symbolorum, 37ª ed., Freiburg im Breisgau 1991, 2730, 2915), e que em 1965 no Concílio Vaticano II na declaração sobre a liberdade religiosa
(Dignitatis humanae) declara 'que, em matéria religiosa, ninguém contra a própria consciência seja forçado a agir ou impedido de agir, em privado ou em público, só ou associado com outros nos devidos limites. Declara, além disso, que o direito
à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana (...)' (ibidem, 4290; sobre a evolução da doutrina católica: cardeal Franz König, ««Religionsbekenntnis und Gewissensfreiheit»», em Franz Matscher, ed., Folterverbot sowie Religions- und Gewissensfreiheit in Rechtsvergleich, Kehl am Rhein, 1990, págs. 15 e ss).
Em vista das circunstâncias históricas e das razões invocadas aquando da introdução da objecção de consciência na Constituição, torna-se claro que a consagração do direito à objecção de consciência como um direito fundamental geral, não restrito à objecção do serviço militar, no actual nº 6 do artigo 41º ('É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei'), consagração efectuada na revisão de 1982 que distingue comparativamente o direito constitucional português, não é mais do que o lógico desenvolvimento das opções anteriores. O ponto foi expressamente esclarecido na Assembleia da República a propósito das palavras 'nos termos da lei'. Este aditamento poderia entender-se como uma cláusula expressa limitativa, contra a posição, tomada na Constituição, de não admitir tais cláusulas (cfr. neste sentido a intervenção do deputado Barbosa de Melo, Diário cit., 3 de Agosto de
1975, pág. 1149). O deputado Jorge Miranda opôs-se ao acrescento dizendo que
'por ele o legislador amanhã, embora por ventura erroneamente, pode vir a diminuir o sentido constitucional do
direito. Ou então, o legislador considera-se autorizado a não estabelecer legislativamente as medidas destinadas a tornar exequíveis normas como esta... em relação à objecção de consciência. Isso representará, relativamente ao texto hoje consagrado, uma diminuição'. Em resposta, o deputado Cavaleiro Brandão
(CDS) disse que 'a referência não significa convite ao legislador para limitar estes direitos, mas sim o contrário. É um convite ao legislador para que as
(sic) explicite e as desenvolva, dando-lhes existência real', e o deputado Vital Moreira (PCP) explicou 'tal como a Constituição garantia - mas regulava logo em relação ao serviço militar, e continua a regular nesta sede - os termos do exercício da objecção de consciência em relação ao serviço militar, pensou-se ser de remeter para a lei aquilo que a Constituição faz relativamente ao serviço militar, mas já não - porque não o pode fazer - quanto ao trabalho de sábado, etc..., a Constituição faz uma distinção muito clara quando diz 'salvo as restrições previstas na lei', ' nos termos a definir por lei' ou nesta forma mais restrita 'nos termos da lei', admitindo a regularização das formas de exercício, mas não o estabelecimento de excepção ou restrição à própria existência desse direito'. Jorge Miranda considerou que esta inter-pretação
'será algo de coadjuvante para quando, amanhã, vier a ser interpretado o preceito constitucional' e retirou a sua reserva (cfr. Diário da Assembleia da República, de 21 de Abril de 1982, pág. 1508 (36-8).
C) A violação dos artigos 41, nº 6 da Constituição, por negação do estatuto de objector de consciência ao serviço militar.
O nº 4 do artigo 276º da Constituição pressupõe o nº6 do artigo 41º, a que estava ligado na versão originária de 1976. A separação apenas se deve ao alargamento do escopo daquele nº6, que deixou de estar limitado à obrigação de serviço militar, limitação implícita na natureza da obrigação substitutiva imposta na versão originária aos objectores: a obrigação de prestar serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar obrigatório. Onde estava 'serviço não armado' passou a estar 'serviço cívico',' duração idêntica' foi substituída por 'duração e penosidade equivalentes' e a expressão 'serviço militar obrigatório' mudou para 'serviço militar armado'. Mas a obrigação substitutiva da prestação de serviço cívico imposta pelo nº4 do artigo 276º continua a pressupor o direito à objecção de consciência garantido pelo nº6 do artigo 41º, pelo que o não reconhecimento do direito à objecção de consciência a quem seja objector de consciência não só viola o nº 6 do artigo
41º como exclui a obrigação substitutiva de prestação do serviço cívico, violando também o nº 4 do artigo 276º. A questão que se põe é a de saber se a alínea d) do nº 3 do artigo 18º da LOC viola o direito à objecção de consciência e, assim, viola quer o nº 6 do artigo 41º, que o garante, quer o nº 4 do artigo
276º, que o pressupõe, ao definir o essencial do estatuto do objector : a obrigação de prestar serviço cívico. Ora a situação típica do requerente do estatuto de objector de consciência que se recusa a fazer a declaração de disponibilidade para o serviço cívico é a do chamado 'objector total', que tem objecção de consciência tanto ao serviço mi- litar como ao serviço cívico. Será que esta espécie de objector não tem direito à objecção de consciência ao serviço militar e não tem portanto, direito ao correspondente estatuto ?
Só pode responder-se afirmativamente à questão por
último formulada, se a Constituição distinguir entre objecção de consciência atendível e não atendível, consoante a delimitação pelo objector do âmbito da sua objecção, tendo em vista o fundamento deste.Com efeito, é claro que o objector total, nomeadamente, não deixa de objectar ao serviço militar. Só que a extensão da matéria da objecção inclui, além do serviço militar, o serviço cívico, em função do fundamento comum de ambas. Na hipótese das testemunhas de Jeová, que é a dos autos,além da interpretação incondicional da proibição bíblica de matar, objecta-se a qualquer forma de serviço prestado ao Estado e, por consequência,tanto ao serviço militar como ao serviço cívico, por imperativo religioso. Segundo a doutrina desta confissão religiosa, a testemunha de Jeová 'dedica tempo, energia e vida exclusivamente ao serviço de Deus omnipotente 'pelo que,
'se pusesse de lado este dever... para executar qualquer outro trabalho atribuido pelo Estado, violaria o seu pacto aos olhos de Jeová' e estaria sujeita a 'sofrer a punição inflingida aos desertores de Jeová', de cujo exército faz parte (cf.os textos transcritos em Rudolfo Venditi, op.cit.,p.180 ss.).
Ora, se o reconhecimento do direito à objecção de consciência na Constituição implica a distinção entre os casos em que o direito
é reconhecido e aqueles em que não é, esse reconhecimento não se faz em função dos fundamentos invocados para a objecção, mas sim em função do carácter fundamental da mesma. Com efeito, o direito à objecção de consciência decorre da basilar dignidade da pessoa humana(artigo 1º da Constituição) apenas quando o não reconhecimento do imperativo de consciência implica a violação da integridade moral da pessoa, que a Constituição considera inviolável (artigo
25º, nº1). Não se trata, portanto, do conflito entre a vontade da minoria e a vontade da maioria, que é interno ao princípio democrático, e que se resolve, sem prejuizo do pluralismo de expressão e de organização política democráticas, pelo dever geral de obediência à lei, a que estão subordinadas as minorias. Trata-se do conflito entre os dois princípios basilares da Constituição, o da vontade popular e o da dignidade da pessoa humana, que se verifica quando a lei democrática entra em conflito com a norma estruturante da integridade moral da pessoa, que se considera
ditada pela consciência individual.
Ora o carácter estruturante da integridade moral não depende da conformidade com o conteúdo da Constituição e das leis, mas da formação da personalidade individual. A Constituição reconhece o direito de objecção de consciência ao 'fundamentalista', religioso ou outro, não por causa da compatibilidade constitucional das normas que ele invoca, mas por considerar estas estruturantes da sua integridade moral. Este fundamento do direito à objecção de consciência não impede que esteja sujeito às restrições aos direitos fundamentais permitidas pela Constituição (artigo 18º).
O entendimento constitucional assim exposto é confirmado pela história constitucional anteriormente descrita, em que a inviolabilidade da consciência é pensada como inviolabilidade da integridade moral do indivíduo, integridade que se considera tradicionalmente posta em causa para aquelas pessoas que consideram como suprema norma do agir de origem religiosa,a proibição incondicional, isto é, sem excepções, de matar e, por isso, recusam o porte de armas e o serviço militar. A história constitucional é ela própria a continuação de uma mais antiga história das ideias, em que avultam o reconhecimento por S.Paulo da consciência individual como a fonte da lei suprema do agir, coincidente com a própria lei revelada por Deus, para
aqueles que não receberam esta revelação (cf.Rom. 2, 14-15 : 'Eles são a lei para si mesmos. A voz da sua consciência ensina-lhes o que devem fazer'); a invocação da consciência, como fundamento da desobediência eclesiástica e civil em matéria religiosa, feita por Lutero na dieta de Worms de 1521 e pelos príncipes protestantes na dieta de Espira de 1529, que está na origem histórica do protestantismo (cfr. Marc Lienhard em Jean-Marie Mayeur et al.,Histoire du Christianisme, VII, Desclée, 1994, p.702,732); e a anteriormente citada declaração sobre a liberdade religiosa do Concílio Vaticano II. Quanto à objecção de consciência ao serviço militar, não pode deixar de mencionar-se que a interpretação incondicional da proibição de matar como base da objecção é frequente no cristianismo pré-constantiniano, explica historicamente em parte a isenção do serviço militar do clero (cfr.Rudolfo Venditi, op.cit, p.39 ss.) e está na base das objecções de consciência, por vezes «totais», de certas confissões protestantes, como os menonitas, os 'quakers', as quais já foram reconhecidas pelo absolutismo esclarecido (cfr.Ernst-Wolfgang Böckenförde,'Das Grundrecht der Gewissensfreiheit', (1970), Staat, Verfassung, Demokratie,
1991, Frankfurt am Main, p.206 s.) e novamente nos Estados Unidos , no Canadá e na Grã-Bretanha durante a conscrição geral da primeira guerra mundial (cfr.
Walter Guest Kellog, The Conscentious Objector, New York, 1919, reimp. 1970).
Este entendimento é ainda o que corresponde à jurisprudência constitucional e à doutrina alemãs, que são aqui particularmente relevantes, em face da já apontada influência histórica da Lei Fundamental. Assim o Tribunal Constitucional alemão definiu 'decisão de consciência' como 'qualquer séria decisão ética, isto é, orientada pelas categorias de bem e de mal, de que o indivíduo tem uma experência interna como vinculante para si próprio e incondicionalmente obrigatória, de tal modo que não poderia agir contra ela sem séria coacção de consciência' (BVerfGE 12, 45,55; cf. BVerfGE 62, 1,22). Da mesma concepção tem a melhor doutrina justamente tirado duas consequências : primeiro, não se protege contra a lei a liberdade de agir de acordo com a consciência mas garante-se a imunidade perante a lei de ser coagido a uma decisão insuportável para a consciência. Como diz Böckenförde
'como instância imperativa como 'apelante', a consciência só entra em acção quando a personalidade como tal, na sua identidade, está criticamente ameaçada ('não posso ser um daqueles que faz isto')' (lug.cit., p.243; no mesmo sentido Niklas Luhmann, 'Die Gewissensfreiheit und das Gewissen' (1965), Ausdifferenzierungen des Rechts, Frankfurt am Main, 1981, p. 326 ss); segundo,
'as questões de consciência não podem ser de qualquer modo limitadas, nem pelo objecto nem pelo conteudo da consciência, nem por fundamentos e motivos'
(Böckenförde, lug. cit.,p.242); 'o titular do direito fundamental determina ele próprio - nos limites da ordem
jurídica do Estado constitucional, que delimitam todo o exercício da liberdade
- o conteudo, a dignidade e o valor da sua própria liberdade ' (Herbert Behtge,
'Gewissensfreiheit' em Isensee, Kirchhof, Handbuch des Staatsrechts,VI, Heidelberg, 1989,§ 137, 7). É certo que o Tribunal Constitucional alemão tem admitido que a própria Lei Fundamental impõe limites de conteúdo ou fundamentação da objecção de consciência ao serviço militar, ao exigir (cf Behtge, op.cit.,§ 137, 56) que a objecção se funde na proibição da consciência de fazer qualquer tipo de guerra, ainda que eventualmente condicionada temporalmente pela forma das guerras contemporâneas (qualquer tipo de guerra nos nossos dias), mas estes limites poderão ainda compaginar-se com a doutrina geral, na medida em que uma objecção a uma guerra determinada, por razões politico-morais circunstanciais, não tem o mesmo carácter fundamental, sendo seguro que nos casos de guerra de agressão ou criminosa seriam invocáveis os direitos de desobediência civil ou de resistência.
Sendo estes os fundamentos do direito à objecção de consciência ao serviço militar, não pode deixar de entender-se que o objector ao serviço militar não deixa de o ser por ser também objector ao serviço cívico, ou
por ser idêntico o fundamento invocado pelo objector para objectar quer à obrigação de serviço militar, quer à obrigação substitutiva de serviço cívico. Mesmo que se entenda que a Constituição não dispensa o
objector do cumprimento da obrigação substitutiva, ou até que impede qualquer espécie de relevância desta segunda objecção de consciência, não deixaria de existir uma objecção de consciência ao serviço militar, com fundamento num imperativo absoluto de consciência, de origem religiosa. A circunstância de este imperativo religioso estar em contradição com a Constituição não impede que a sua violação implique uma séria coacção da consciência que viola a integridade moral do objector e que por este último fundamento a Constituição admita a objecção de consciência ao serviço militar. O não reconhecimento neste caso do estatuto de objector ao serviço militar implicaria uma injustificada diferença de tratamento com importantes consequências penais (cf.super,nº 5), relativamente a outros objectores por diverso fundamento subjectivo, mas por idêntico fundamento constitucional.
Devem, pois, considerar-se violados os artigos 41º, nº 6 e 276º, nº 4 da Constituição, por negação do estatuto de objector de consciência ao serviço militar.
D) A violação do artigo 18º, nº 2 da Constituição, por restrição desnecessária de direito fundamental.
Já atrás se demonstrou que, segundo a intenção histó
rica da legislação constituinte, o nº 6 do artigo 41º não consagra uma verdadeira reserva de lei, não só no sentido, comum aos restantes direitos fundamentais, de a sua aplicabilidade imediata não depender da existência de lei regulamentadora (nº 1 do artigo 18º), mas no sentido de que a Constituição não permite o estabelecimento de excepções ou restrições à própria existência desse direito, que não resultem da própria definição constitucional do seu conteúdo, mas admite apenas a regularização do seu exercício, isto é, permite apenas leis de garantia de exercício, nomeadamente leis processuais relativas ao modo de exercício, sem prejuizo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18º.
A necessidade de leis processuais relativas ao modo de exercício resulta, desde logo, de o direito à objecção de consciência ao serviço militar, não obstante a sua superior
hierarquia constitucional, estabelecer uma excepção à regra do serviço militar obrigatório do artigo 276º (esta, sim, sujeita a reserva de lei). Torna-se, assim, necessário, regulamentar o exercício da excepção, pelo que se trata, neste sentido, de 'um direito procedimentalmente dependente' (cfr. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p.246; Gomes Canotilho, «Tópicos de um Curso de Mestrado sobre Direitos Fundamentais. Procedimento, Processo e Organização», Boletim da Faculdade de Direito, 66, Coimbra, 1990, p.163 e 167).
Por outro lado, são ainda normas legais que garantem o exercício do direito aquelas que visam apurar a seriedade e o conteúdo da objecção de consciência.
Não se trata nas duas espécies de normas de garantia de exercício, que se acabam de referir, de restrições ao direito fundamental, embora estejam ligadas a condicionamentos do exercício que são verdadeiras restrições. Estes não podem, por identidade de razão, deixar de estar sujeitos ao regime dos nºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição.
Assim sendo, deve negar-se a necessidade da declaração expressa da disponibilidade do declarante para cumprir o serviço cívico alternativo, exigida, para a obtenção do estatu
to de objector de consciência, pela alínea d) do nº3 do artigo 18º da Lei nº
7/92. Com efeito, não é processualmente necessária para a atribuição do estatuto, uma vez verificado, nos limites dos próprios artigos 41º, nº6 e 27º, nº6 da Constituição, o conteúdo da objecção. E a seriedade da declaração é suficientemente garantida pela equivalente duração e penosidade do serviço cívico, a cuja prestação o objector fica obrigado independentemente da declaração. Além de que tal seriedade admite outros meios de prova, como é, no caso das testemunhas de Jeová, a própria pertença à confissão religiosa, a qual, como reconheceu a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, dado o conjunto de regras de comportamento, cobrindo vários aspectos da vida social, a que estão sujeitos os membros, e o forte controle social da comunidade que garante o cumprimento delas, é forte indicação quanto à autenticidade e seriedade das motivações de objecção de consciência (Decisão de 11 de Outubro de 1984, Queixa nº 10410/83, DR, 40, p. 203).
A objecção de declarar a disponibilidade para o serviço cívico não é implicada pelo requerimento do estatuto de objector de consciência. A sujeição a este estatuto pode traduzir-se na voluntária sujeição à punição nele prevista para a não prestação do serviço cívico, sujeição que é, no caso das testemunhas de Jeová, a prova mais evidente da seriedade da objecção. A declaração implica para elas um onus insuportável,
por implicar, em si mesma, uma violação de consciência. A declaração não é só desnecessária para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como implica a sua violação.
Deve, pois, concluir-se pela desnecessidade do onus da declaração de disponibilidade para o serviço cívico, pelo que a alínea d) do nº
3 do artigo 18º da Lei nº 7/92 viola o nº 2 do artigo 18º da Constituição.
DD) Afirma o presente acórdão que a exigência da declaração de disponibilidade para o cumprimento do serviço cívico 'funda-se num modo de asseguramento da seriedade da declaração unilateral da objecção de consciência, com a inerente «consciencialização» do declarante'.
Já atrás se contestou a necessidade da referida declaração da disponibilidade para o efeito de assegurar a seriedade da declaração de objecção de consciência.
Para o efeito da «consciencialização» do objector acerca da sua vinculação à obrigação substitutiva do serviço cívico, é apenas necessária a publicidade desta lei nos termos constitucionais, como acontece com todas as outras obrigações legais relativamente às leis que as estatuem.
E) A questão de violação do artigo 41º, nº 6, quanto à objecção de consciência ao serviço cívico.
Pode perguntar-se se a generalização do direito à objecção de consciência, operada na revisão de 1982 pelo nº 6 do artigo 41º, não implica um direito de objecção da consciência à obrigação do serviço cívico, imposta aos objectores de consciência ao serviço militar pelo nº 4 do artigo
276º da Constituição. Se o objector de consciência ao serviço militar também puder ter o direito de objecção de consciência ao serviço cívico, a obrigação imposta pelo nº 3, alínea d) do artigo 18º da LOC de declarar a disponibilidade para o cumprimento deste, violaria relativamente a tais objectores, o nº 6 do artigo 41º da Constituição.
A questão é de ponderar, dada a superior dignidade constitucional, em princípio, do nº 6 do artigo 41º, relativamente ao artigo
276º que o restringe. Deve, porém, entender-se que o nº 4 do artigo 276º integra o regime do direito à objecção de consciência, quanto ao serviço militar, sendo uma disposição que integra o conteúdo de um direito fundamental. A redacção originária do nº 6 do artigo 41º era reveladora a este respeito pois integrava na mesma disposição o direito à objecção e à obrigação substitutiva. A transferência desta parte do preceito - abstraindo das alterações do conteúdo -
para o artigo 276º em 1982 obedeceu a razões sistemáticas, mas não a uma intenção de degradação valorativa da norma.
Não há dispensa da obrigação substitutiva do serviço militar sem ofensa do nº 4 do artigo 276º e do princípio da igualdade (neste sentido se pronunciou em obiter dictum o Acórdão nº 65/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18, p.407, ss.). O objector total não é reconhecido pela Constituição, no sentido de que continua sujeito à obrigação substitutiva da prestação do serviço cívico. Mas isto não impede, obviamente, que seja reconhecido, já não como objector total, mas como objector ao serviço militar.
Isto não quer tão pouco dizer que a prestação do serviço cívico não possa ter formas alternativas, algumas das quais sejam aceitáveis para objectores totais como as testemunhas de Jeová, desde que ressalvado o princípio da equivalência de duração e penosidade com o serviço militar obrigatório. Sendo menor a penosidade quotidiana do serviço, a 'equivalência de duração e penosidade' será então alcançável por maior duração efectiva, não esquecendo que a ocupação num quartel é de vinte e quatro horas e a ocupação laboral normal é de oito horas. Não seria inconstitucional uma lei que considerasse como serviço cívico o serviço de vários anos como bombeiro, ou o trabalho, através de contratos de trabalho
normais, em estabelecimentos de saúde. Foi a solução encontrada na Alemanha, tendo em vista as testemunhas de Jeová, pelo §15 da Lei do Serviço Cívico
(Ersatzdienstgesetz), introduzido pela lei de alteração de 14.8.1969, que dispõe
: «Relação de trabalho livre. 1. Pode ser dispensada a convocatória para o serviço cívico, quando o reconhecido objector de consciência ao serviço militar armado está impedido, por razões de consciência, de prestar serviço substitutivo, está contudo, empregado, ou passa a empregar-se voluntariamente numa relação de trabalho com tempo normal de trabalho num estabelecimento de saúde. 2. Se ele comprovar até completar vinte e três anos de idade que esteve empregado numa tal relação de trabalho durante pelo menos dois anos e meio, não será convocado para prestar serviço cívico».
Já seria inconstitucional a pura dispensa das testemunhas de Jeová do serviço cívico, recomendada pelo Conselho da Europa e consignada na Suiça e na Holanda por exemplo (cf. Ben Vermeulen, «Portée et limites de l'objection de conscience», Conseil de l'Europe, ed.,Liberté de conscience, Strasburg, 1993, p.94 ss.).
. Sousa e Brito
Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto do Ex.mº Consº Sousa e Brito) Luis Nunes de Almeida (vencido, conforme declaração de voto junta)
Votei vencido, pelas razões constantes da declaração de voto que, conjuntamente com o Exmº Consº Ribeiro Mendes, juntei ao Acórdão nº 681/95
(ainda inédito), tirado em plenário.
Nessa declaração de voto, assinalava-se:
A Constituição, no seu art. 41º, nº 6, estatui que é 'garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei'.
Trata-se do direito fundamental de não cumprir obrigações ou de não desenvolver actividades ou praticar acções que estão em conflito com a consciência de cada um. De um ponto de vista histórico e como se refere no voto de vencido do Exmo. Conselheiro Sousa e Brito, a objecção de consciência surgiu face ao serviço militar obrigatório, formulada por jovens pertencentes a confissões religiosas pacifistas, tendo acabado por ser reconhecida por certos Estados, depois de contínuas repressões dos pacifistas em diferentes países e momentos históricos.
A Constituição portuguesa tornou evidente, sobretudo após a revisão constitucional de 1982, que 'não reserva a objecção de consciência apenas para as obrigações militares (cfr. art. 276º-4), nem somente para os motivos de
índole religiosa, podendo portanto invocar-se em relação a outros domínios e fundamentar-se em outras razões de consciência (morais, filosóficas, etc.). O direito à objecção de consciência está sob reserva de lei («... nos termos da lei»), competindo a esta delimitar o seu âmbito e concretizar o modo do seu exercício.'(Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3º ed., Coimbra, 1993, pág. 245)
É por isso que estes comentadores consideram que o exercício deste direito fundamental é um direito procedimentalmente dependente, por exigir um procedimento de reconhecimento do estatuto do objector de consciência, de forma a controlar a seriedade de motivos do requerente. E tal procedimento organizado por lei há-de poder qualificar-se de justo, sob pena de inconstitucionalidade.
O que a Constituição seguramente não autoriza é que, sob a capa de um desiderato de natureza organizatória (organização do serviço cívico), o legislador ordinário faça depender a aquisição do estatuto de uma declaração de vontade do candidato de que está disposto a cumprir o serviço cívico alternativo.
De facto, os objectores de consciência, como tais reconhecidos, terão de prestar, por imposição constitucional, 'serviço cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado'.
Contudo, e diferentemente do que se sustenta no acórdão, não há um sinalagma constitucional, em termos de se poder dizer que só se pode ser reconhecido como objector de consciência quando se esteja disposto a prestar o serviço cívico substitutivo (contrapartida da aquisição do estatuto que, a não ser assegurada, impede tal aquisição).
O que há é uma consequência constitucional: quem é reconhecido como objector de consciência, está sujeito à prestação do serviço cívico. Se o não prestar, quando para tal for convocado, ou se o deixar de prestar durante o cumprimento do mesmo, incorrerá nas correspondentes sanções, maxime penais, talqualmente sucede com o mancebo que é notado refractário ou com o soldado que deserta das fileiras durante a prestação do serviço militar obrigatório. A sujeição a sanções do mesmo tipo, designadamente penais, em ambos os casos
(serviço militar obrigatório e serviço cívico) resultará, até, da imposição constitucional de uma equiparação entre ambos os institutos, quer quanto à duração, quer quanto à penosidade.
Por estas razões, entendemos que o legislador ordinário veio afrontar a Constituição, ao fazer condicionar a aquisição do estatuto de objector de consciência a um plus - ou, em rigor, a um aliud - não previsto na Constituição.
Entre duas pessoas igualmente convictas, por razões de natureza religiosa, moral ou filosófica, de que não devem pegar em armas contra outros homens, o legislador distingue-os, reconhecendo o estatuto de objector de consciência apenas àquele que se diz disposto a cumprir o serviço cívico, e não o reconhecendo àquele que se opõe à própria declaração de disponibilidade para prestar serviço cívico. Quer dizer, enquanto a Constituição sujeita os objectores à prestação do serviço cívico, o legislador ordinário faz ainda depender a aquisição do mesmo estatuto de uma declaração de vontade do próprio candidato, permitindo declarações sob reserva mental dos candidatos eticamente menos rigorosos e afastando do estatuto aqueles que têm maior coerência moral, nomeadamente os objectores totais, a quem não deve ser exigido o tal aliud, que se sabe de antemão que não será correspondido por um imperativo de consciência.
Trata-se de uma verdadeira restrição desproporcionada, visto que os objectores reconhecidos como tais ficariamm todos eles - independentemente do facto de subscreverem a declaração ou da genuinidade da mesma declaração - sujeitos à prestação de serviço cívico, incorrendo nas sanções previstas na lei se o não cumprissem.
E acrescentava-se ainda:
Se a exigência do legislador quanto à declaração tem como finalidade pretender obstar a que o estatuto de objector de consciência seja reconhecido a quem é objector total, em termos de evitar a violação das 'exigências de justiça feitas pelo princípio da igualdade de sacrifícios públicos' (?), então essa declaração não é irrelevante ou neutra, nem pode corresponder a uma qualquer
'declaração implícita' ou presumida de todos os candidatos ao estatuto.
A realidade é que a Constituição, ao determinar que «os objectores de consciência prestarão serviço cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado», pretendeu claramente afirmar que não reconhecia proteçcão à objecção total: isto é, o objector de consciência ao serviço militar não se pode valer de uma concomitante objecção ao serviço cívico, para efeitos de se furtar à prestação deste. Mas o que a Constituição não pode ter pretendido, por tal não ter qualquer correspondência no seu texto e ser ética e teleologicamente absurdo, é que o objector total, para além de se lhe não reconhecer a objecção ao serviço cívico, seja colocado na situação de também se lhe não reconhecer a objecção ao serviço militar armado.
Ou seja: para a tese que obteve vencimento, quem declare objectar apenas ao serviço militar, obtém o estatuto. Mas quem objecte simultaneamente ao serviço militar e ao serviço cívico, porque objecta demais, não só não obtém o estatuto de objector ao serviço cívico (este, sim, claramente repudiado pela Constituição), como vê negado o próprio estatuto de objector ao serviço militar, numa como que aplicação do aforismo popular «quem tudo quer, tudo perde».
Ora, o que a Constituição estabelece, não só no nº 4 do artigo 276º, como no nº 3 do mesmo artigo, é que o serviço cívico constitui uma obrigação decorrente - substitutiva - da não prestação do serviço militar: obrigação a cumprir ex post e não ex ante.
Daí, não serem irrelevantes, in casu, as diferenças, no plano das consequências penais, no tratamento do objector que vê reconhecido o estatuto, relativamente ao objector que, por se recusar a subscrever a declaração exigida, não o obtenha; diferenças que não deixam de ser impressionantes, como se acentua no voto de vencido do Exmo Colega Sousa Brito. É que essas diferenças
traduzem a real importância prática da declaração, independentemente de uma efectiva disponibilidade para a prestação do serviço cívico: a situação jurídica de quem se recusa a prestá-lo na devida altura é manifestamente distinta de quem se recusa a declarar que o prestará, assumindo, por isso, a declaração em causa uma inegável relevância jurídica. Não se pode, pois, negar a existência de uma verdadeira restrição, aliás - como vimos -, desproporcionada.
Mantenho integralmente a posição reflectida na transcrita declaração de voto, à qual nada tenho a acrescentar. José Manuel Cardoso da Costa