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Processo n.º 712/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A. e B., reclamantes nos presentes autos em que são reclamadas a C., S.A., e D., S.A., interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que julgou improcedente a impugnação da decisão proferida em 1.ª instância, quanto à sua pretensão relativa ao direito de propriedade sobre participações sociais da sociedade E., S.A. O recurso foi interposto com base no artigo 721.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil. Em conferência, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, em 18 de junho de 2012, não admitir o recurso (fls. 32 e seguintes).
Notificados dessa decisão, os então recorrentes interpuseram recurso de constitucionalidade com fundamento no disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante referida como “LTC”), em requerimento que se passa a transcrever:
«1. Nos termos do disposto nos art. 280º, n.º, 1, alínea da CRP e 70º, n.º 1, alínea b da LTC, “Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais: (...) b) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.”.
2. Nos autos de processo à margem identificados, os Recorrentes não suscitaram qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade nas intervenções e atos processuais...
3. …pelo simples facto de, aquando dessas intervenções e atos, nunca se terem deparado com qualquer violação da Constituição ou da Lei, em termos que legitimassem a invocação referida nos artigos supra citados.
4. Não obstante, e porque não concordou com as decisões proferidas pelo Tribunal de 1ª Instância e pelo Tribunal da Relação, os Recorrentes interpuseram recurso de revista, nos termos da lei, para este Colendo Tribunal.
5. Conforme resulta das conclusões deduzidas pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso de revista, que por ora se dão como reproduzidas para todos os efeitos, o caso em apreço nos autos configura a hipótese das normas contida nas alíneas a) e b) do n.º1 do art. 721º-A do CPC, uma vez que, nos presentes autos, não só está em causa a apreciação de uma questão de importância fundamental, atenta a sua relevância jurídica e social...
6. …como também, tendo em consideração as posições assumidas no que à interpretação da Lei aplicável diz respeito, nomeadamente, em relação a saber se a expressão sociedade instrumental constitui uma conclusão ou questão de direito ou, ao invés e como consideram os Recorrentes, uma questão de facto...
7. …bem como, se tal expressão – seja ela considerada como um conceito de direito, como conclusão ou como facto – é relevante para a boa decisão da causa e para a procedência da ação...
8. ... e ainda, considerando que os factos constantes dos quesitos 10 a 3º, 6º, 10 a 12º da Base Instrutória podem, ou não, ser comprovados por prova documental...
9. …bem como, que os acordos celebrados entre os AA e a 1ª Ré são, ou não, suficientes para fundamentar a ação de reivindicação de propriedade sobre as ações em discussão nos presentes autos...
10. ... a admissão do recurso de revista afigura-se essencial para uma melhor aplicação do direito.
11. A não admissão do recurso de revista impede, assim, que os Recorrentes possam exercer o seu direito de tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º da CRP.
12. A decisão constante do Acórdão proferido pelo STJ não permite, pois, uma avaliação das pretensões dos Recorrentes, negando-lhes assim o acesso aos tribunais para defesa dos direitos invocados.
13. É que, a decisão constante do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação viola o disposto no art. 511º, nº 1 do CPC, afigurando-se essencial que esta questão fosse apreciada pelo STJ, para uma melhor aplicação do direito.
14. Acresce ainda que, tal como se afirmou nas alegações de recurso de revista, aquela decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa afeta a confiança que os cidadãos depositam na celebração de contratos e na conformação das respetivas relações contratuais;
15. O que o Tribunal da Relação transmitiu, através do Acórdão referido, é que os contratos em discussão nos autos não têm qualquer relevância, sendo insuficientes para documentar ou espelhar o conjunto de direitos e obrigações a que as partes se submeteram.
16. Deste modo, era essencial que o STJ, apreciando a presente questão, afirmasse se, efetivamente, os contratos celebrados entre as partes constituem, ou não, prova suficiente para comprovar a matéria constante dos quesitos acima identificados...
17. ...pois, ao não considerar tais elementos de prova, mantendo a decisão de absolvição das RR do pedido, o Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto no art. 376º do CC.
18. Esta questão é de fundamental importância, sob pena do comum cidadão perder a confiança nos instrumentos jurídicos ao seu dispor para regular as relações de direito privado, afetando assim a sua liberdade contratual.
Ora,
19. O recurso de revista deveria ser admitido, â luz do disposto nos art. 721º e 721º-A do CPC.
20. A interpretação que o STJ confere, no Acórdão ora em apreço, àqueles artigos não é legalmente e constitucionalmente admissível...
21. ...o que fere de ilegalidade e inconstitucionalidade a decisão recorrenda, na medida em que viola o disposto no art. 20º da CRP, bem como, o princípio constitucional do Estado de Direito Democrático.
22. Sucede ainda que esta interpretação, ilegal e inconstitucional, foi apenas defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça, depois de estarem esgotados todos os meios processuais ao alcance dos Recorrentes.
23. Assim, em nenhuma altura do processo a que se reportam os presentes autos, tiveram os Recorrentes a possibilidade de se pronunciarem sobre esta interpretação, nem a mesma era previsível, na medida em que o fundamento invocado surgiu depois de apresentada a alegação de recurso de revista.»
O recurso não foi admitido, pelo facto de não ter sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma durante o processo (fls. 40).
2. É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da LTC, com os seguintes fundamentos:
«Atento o despacho ora proferido, o Recurso interposto pelos Recorrentes para o Tribunal Constitucional não foi admitido, por se entender que não foi suscitada qualquer inconstitucionalidade de qualquer norma no decurso do processo.
Sucede, porém,
2. Que conforme se alegou em sede de requerimento de interposição de recurso, os Recorrentes não suscitaram qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade nas intervenções e atos processuais deduzidos até então...
3. …pelo simples facto de, aquando dessas intervenções e atos, nunca se terem deparado com qualquer violação da Constituição ou da Lei, em termos que legitimassem a invocação referida nos artigos supra citados.
4. Não obstante, e porque não concordaram com as decisões proferidas pelo Tribunal de 1ª Instância e pelo Tribunal da Relação, os Recorrentes interpuseram recurso de revista, nos termos da lei, para este Colendo Tribunal.
5. Conforme resulta das conclusões deduzidos pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso de revista, que por ora se dão como reproduzidas para todos os efeitos, o caso em apreço nos autos configura a hipótese das normas contida nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 721º-A do CPC, uma vez que, nos presentes autos, não só está em causa a apreciação de uma questão de importância fundamental atenta a sua relevância jurídica e social...
6. …como também, tendo em consideração as posições assumidas no que à interpretação da Lei aplicável diz respeito, nomeadamente, em relação a saber se a expressão “sociedade instrumental” constitui uma conclusão ou questão de direito ou, ao invés e como consideram os Recorrentes, uma questão de facto...
7. …bem como, se tal expressão – seja ela considerada como um conceito de direito, como conclusão ou como facto – é relevante para a boa decisão da causa e para a procedência da ação...
8. …e ainda, considerando que os factos constantes dos quesitos l º a 3º. 6º, l0 a 12º da Base Instrutória podem, ou não, ser comprovados por prova documental...
9. …bem como, que os acordos celebrados entre os AA e a Ré são, ou não, suficientes para fundamentar a ação de reinvindicação de propriedade sobre as ações em discussão nos presentes autos...
10. ...a admissão do recurso de revista afigura-se essencial para uma melhor aplicação do direito.
11. A não admissão do recurso de revista impede, assim, que os Recorrentes possam exercer o seu direito de tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º da CRP.
12. A decisão constante do Acórdão proferido pelo STJ não permite, pois, uma avaliação das pretensões dos Recorrentes, negando-lhes assim o acesso aos tribunais para defesa dos direitos invocados.
13. É que, a decisão constante do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação viola o disposto no art. 511º, nº l do CPC, afigurando-se essencial que esta questão fosse apreciada pelo STJ, para uma melhor aplicação do direito.
14. Acresce ainda que, tal como se afirmou nas alegações de recurso de revista, aquela decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa afeta a confiança que os cidadãos depositam na celebração de contratos e na conformação das respetivas relações contratuais:
15. O que o Tribunal da Relação transmitiu, através do Acórdão referido, é que os contratos em discussão nos autos não têm qualquer relevância, sendo insuficientes para documentar ou espelhar o conjunto de direitos e obrigações a que as partes se submeteram.
16. Deste modo, era essencial que o STJ, apreciando a presente questão, afirmasse se, efetivamente, os contratos celebrados entre as partes constituem, ou não, prova suficiente para comprovar a matéria constante dos quesitos acima identificados...
17. ...pois, ao não considerar tais elementos de prova, mantendo a decisão de absolvição das RR do pedido, o Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto no art. 376º do CC.
18. Esta questão é de fundamental importância, sob pena do comum cidadão perder a confiança nos instrumentos jurídicos ao seu dispor para regular as relações de direito privado, afetando assim a sua liberdade contratual.
Ora,
19. O recurso de revista deveria ser admitido, à luz do disposto nos art. 72l º e 72lº-A do CPC.
20. A interpretação que o STJ confere, no Acórdão ora em apreço, àqueles artigos não é legalmente e constitucionalmente admissível…
21. ...o que fere de ilegalidade e inconstitucionalidade a decisão recorrenda, na medida em que viola o disposto no art. 20º da CRP, bem como, o princípio constitucional do Estado de Direito Democrático.
22. Sucede ainda que esta interpretação, ilegal e inconstitucional, foi apenas defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça, depois de estarem esgotados todos os meios processuais ao alcance dos Recorrentes.
23. Assim, em nenhuma altura do processo a que se reportam os presentes autos, tiveram os Recorrentes a possibilidade de se pronunciarem sobre esta interpretação, nem a mesma era previsível, na medida em que o fundamento invocado surgiu depois de apresentada a alegação de recurso de revista,
Deste modo,
24. Por isso, o recurso interposto deveria ter sido ser admitido, sob pena de se frustrarem as garantias conferidas pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.»
O Representante do Ministério Público neste Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, por um lado, em virtude de não ter sido suscitada a inconstitucionalidade durante o processo de forma adequada, não tendo os reclamantes demonstrado que se encontravam dispensados de tal ónus e, por outro lado, pelo facto de no requerimento de interposição de recurso não se identificar qualquer questão de constitucionalidade normativa (fls. 44 e seguintes).
Notificados deste parecer, os reclamantes vieram dizer o seguinte:
«1. Nos autos de processo a que se reporta a presente reclamação, os Recorrentes não suscitaram qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade nas intervenções e atos processuais...
2. ...pelo simples facto de, aquando dessas intervenções e atos, nunca se terem deparado com qualquer violação da Constituição ou da Lei, em termos que legitimassem a invocação referida nos artigos supra citados.
3. Não obstante, e porque não concordaram com as decisões proferidas pelo Tribunal de 1ª Instância e pelo Tribunal da Relação, os Recorrentes interpuseram recurso de revista, nos termos da lei, para o STJ.
4. Conforme resulta das conclusões deduzidas pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso de revista, que por ora se dão como reproduzidas para todos os efeitos, o caso em apreço nos autos configura a hipótese das normas contida nas alíneas a) e b) do n.º l do art. 721°-A do CPC, uma vez que, nos presentes autos, não só está em causa a apreciação de uma questão de importância fundamental, atenta a sua relevância jurídica e social...
5. ...como também, tendo em consideração as posições assumidas no que à interpretação da Lei aplicável diz respeito, nomeadamente, em relação a saber se a expressão sociedade instrumental constitui uma conclusão ou questão de direito ou, ao invés e como consideram os Recorrentes, uma questão de facto...
6. ... bem como, se tal expressão — seja ela considerada como um conceito de direito, como conclusão ou como facto — é relevante para a boa decisão da causa e para a procedência da ação...
7. ...e ainda, considerando que os factos constantes dos quesitos 1º a 3º, 6º, 10 a 12º da Base Instrutória podem, ou não, ser comprovados por prova documental...
8. ...bem como, que os acordos celebrados entre os AA e a 1ª Ré são, ou não, suficientes para fundamentar a ação de reivindicação de propriedade sobre as ações em discussão nos presentes autos...
9. ...a admissão do recurso de revista afigurava-se essencial para uma melhor aplicação do direito.
10. A não admissão do recurso de revista impediu, assim, que os Recorrentes pudessem exercer o seu direito de tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º da CRP.
11. A decisão constante do Acórdão proferido pelo STJ não permitiu, pois, uma avaliação das pretensões dos Recorrentes, negando-lhes assim o acesso aos tribunais para defesa dos direitos invocados.
12. Esta é a inconstitucionalidade invocada, agora, pelos Recorrentes.
13. É que, a decisão constante do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação viola o disposto no art. 511º, nº l do CPC, afigurando-se essencial que esta questão fosse apreciada pelo STJ, para uma melhor aplicação do direito.
14. Acresce ainda que, tal como se afirmou nas alegações de recurso de revista, aquela decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa afeta a confiança que os cidadãos depositam na celebração de contratos e na conformação das respetivas relações contratuais;
15. O que o Tribunal da Relação transmitiu, através do Acórdão referido, é que os contratos em discussão nos autos não têm qualquer relevância, sendo insuficientes para documentar ou espelhar o conjunto de direitos e obrigações a que as partes se submeteram.
16. Deste modo, era essencial que o STJ, apreciando a presente questão, afirmasse se, efetivamente, os contratos celebrados entre as partes constituem, ou não, prova suficiente para comprovar a matéria constante dos quesitos acima identificados...
17. ...pois, ao não considerar tais elementos de prova, mantendo a decisão de absolvição das RR do pedido, o Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto no art. 376º do CC.
18. Esta questão é de fundamental importância, sob pena do comum cidadão perder a confiança nos instrumentos jurídicos ao seu dispor para regular as relações de direito privado, afetando assim a sua liberdade contratual.
Ora.
19. Como é evidente, só após ter sido rejeitado o recurso - e perante os fundamentos invocados peio STJ é que se verifica a inconstitucionalidade invocada…
20. …motivos pelos quais não assiste razão ao Exmo Sr. Procurador-Adjunto.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Em sede de reclamações de despachos de não admissão do recurso proferidos pelo Tribunal recorrido, compete ao Tribunal Constitucional averiguar se se encontravam reunidos os pressupostos necessários à admissão e conhecimento do recurso constitucionalidade. No caso dos autos, adiante-se desde já que a reclamação é manifestamente improcedente pois verifica-se a omissão de dois pressupostos essenciais ao conhecimento do mérito, nos termos devidamente salientados pelo Representante do Ministério Público.
3.1. Em primeiro lugar, o recurso de constitucionalidade que os reclamantes pretendiam ver conhecido não tem por objeto a inconstitucionalidade de qualquer norma ou interpretação normativa. E esta omissão conduz inelutavelmente ao indeferimento da reclamação uma vez que o recurso de constitucionalidade, em qualquer das suas modalidades elencadas no artigo 70.º da LTC, tem exclusivamente por objeto a apreciação de normas ou dimensões normativas. Não compete ao Tribunal Constitucional apreciar as decisões concretas dos outros tribunais, uma vez que a sua atividade, em sede de recurso, se restringe ao controlo da constitucionalidade normativa.
Este aspeto foi justamente salientado pelo Ministério Público, não obstante não ter integrado a fundamentação constante do despacho reclamado. No entanto, notificados para se pronunciarem, os reclamantes nada disseram a este propósito.
A ausência de um objeto idóneo do recurso de constitucionalidade interposto era já patente perante o requerimento de interposição do mesmo, mantendo-se ao longo de tudo o que os reclamantes invocam na resposta apresentada ao parecer do Ministério Público. Da mesma resulta, com singular clareza, que os reclamantes contestam, na realidade, o ato judicativo pelo qual se não admitiu o recurso de revista excecional, do qual resultará, em sua ótica, a violação do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva. Como expressamente referem, “a decisão constante do Acórdão proferido pelo STJ não permitiu, pois, uma avaliação das pretensões dos Recorrentes, negando-lhes assim o acesso aos tribunais para defesa dos direitos invocados. Esta é a inconstitucionalidade invocada, agora, pelos Recorrentes” (fls. 56).
A inconstitucionalidade é imputada, por conseguinte, à própria decisão judicial e não a uma qualquer norma. Todavia, o sistema português de fiscalização da constitucionalidade não conhece qualquer tipo de controlo da constitucionalidade das concretas decisões judiciais semelhante à «queixa constitucional» ou ao «amparo», pelo que, em sede de fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional cinge a sua atividade ao escrutínio de normas e não de decisões judiciais.
3.2. Em segundo lugar, e como salientou o despacho reclamado, não se verificou a suscitação de qualquer inconstitucionalidade durante o processo, conforme é exigido pelos artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC. Sendo certo que a jurisprudência constitucional tem admitido que este pressuposto não é exigível em determinados casos, compete desde logo ao recorrente justificar, em termos claros e rigorosos, logo no requerimento de recurso, os motivos da não aplicabilidade, em concreto, deste ónus imposto pela Constituição e pela lei (cfr., a este propósito, designadamente, o Acórdão n.º 213/2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
No caso em apreço, no entanto, os recorrentes limitaram-se a alegar que só perante a decisão de não admissão da revista é que se terão deparado com violação da Constituição ou da lei em termos que legitimassem a invocação da inconstitucionalidade (fls. 25). E nada mais adiantaram na resposta que sucedeu o parecer do Ministério Público.
A exigência da suscitação da inconstitucionalidade durante o processo resulta logo do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e encontra a sua razão na arquitetura do sistema português de fiscalização concreta. Neste sistema, a regra é a de que o Tribunal Constitucional deve intervir em sede de recurso, isto é, após o juízo do tribunal recorrido sobre o concreto problema de constitucionalidade normativa. Este juízo, à luz do artigo 204.º da Constituição, é perfeitamente autónomo do que vier a ser proferido na sequência de recurso interposto com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC. Em regra, portanto, o Tribunal Constitucional não conhece em primeira instância, nestes recursos, da questão de constitucionalidade.
A jurisprudência constitucional, no entanto, tem entendido que em certos casos este ónus é de dispensar. Tal ocorre quando não é exigível ao recorrente a suscitação atempada da questão de constitucionalidade, por falta de oportunidade processual para o fazer (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 678/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Esta ausência de oportunidade processual foi já aferida quando, designadamente, o Tribunal considerou não ser exigível, ao recorrente, a antecipação da aplicação ao caso concreto de determinada norma ou interpretação normativa. Para que tal se verifique é necessário, contudo, que se trate de um caso em que aplicação de uma determinada norma ou de certa interpretação normativa seja verdadeiramente inesperada. Mas já não é esse o caso quando a antecipação da mesma e, consequentemente, a suscitação da questão de constitucionalidade em momento anterior ao do esgotamento do poder jurisdicional do tribunal recorrido, seja exigível ao interessado. Como o Tribunal tem sustentado, “cabe às partes considerar antecipadamente as várias hipóteses de interpretação razoáveis das normas em questão e suscitar antecipadamente as inconstitucionalidades daí decorrentes antes de ser proferida a decisão” (Acórdão n.º 489/94, publicado no Diário da República, II Série de 16 de dezembro de 1994).
Ora, no caso dos autos, a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal de Justiça ao artigo 721.º-A, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, que se traduziu na consequente decisão de não admissão da revista, não apresenta qualquer conteúdo inovatório, limitando-se, aliás, a reproduzir e até, em certa medida, a transcrever, a interpretação constante de fundamentação produzida a propósito de processos anteriores sobre a mesma questão, a qual é de acesso público (a título de exemplo, vejam-se os acórdãos dos Supremo Tribunal de Justiça proferidos no âmbitos dos Processos n.os 254/08 e 384/08, disponíveis em www.dgsi.pt, bem como a jurisprudência citada no acórdão que não admitiu a revista excecional).
Conclui-se, portanto, que não só os reclamantes tiveram oportunidade de, em tempo útil, suscitar adequadamente a questão de constitucionalidade que vieram a formular aquando da interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, designadamente no momento da interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, como tal lhes era exigível para efeitos de cumprimento dos pressupostos do recurso de constitucionalidade. Pelo que não podem agora vir invocar o caráter insólito da decisão do Supremo para os efeitos pretendidos.
III. Decisão
4. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu o recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 5 de dezembro de 2012.- Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro.