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Proc. nº 390/95
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - Questão
1 - A Comissão Nacional de Objecção de Consciência,
por deliberação de 28 de Setembro de 1994, indeferiu liminarmente a declaração
de objecção de consciência apresentada por A., em virtude de nela não se conter
a 'declaração expressa da disponibilidade do declarante para cumprir o serviço
cívico alternativo', como é exigido pelo artigo 18º, nº 3, alínea d) da Lei nº
7/92, de 12 de Maio.
Contra o assim deliberado interpôs o declarante
recurso para o Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, suscitando a
inconstitucionalidade daquela norma, por violação do disposto nos artigos 41º,
nº 6 e 276º, nºs 4 e 5 da Constituição, havendo este Tribunal, por sentença de 8
de Março de 1995, negado provimento ao recurso.
O recorrente levou então os autos ao Supremo Tribunal
Administrativo, que, por acórdão de 1 de Junho de 1995, lhe recusou provimento,
confirmando a decisão impugnada.
Para tanto, e no essencial, ateve-se à seguinte
fundamentação:
'O argumento fundamental é o de que a obrigação que
pende sobre o objector de consciência no sentido de prestar serviço cívico de
duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado é directamente
imposta pelo artigo 276º, nº 4 da C.R.P. constituindo assim, a nível
constitucional, o sinalagma do direito à objecção de consciência garantido pelo
artigo 41º, nº 6, do mesmo texto.
Trata-se portanto de um ónus ou de uma limitação de um
direito que tem assento na própria lei fundamental não sendo, por isso, possível
colocar sequer o problema da inconstitucionalidade dessa restrição explicitada
pelo legislador ordinário no referido artigo 18º, nº 3, alínea d) da Lei nº
7/92.
Só seria de modo diferente se, porventura, a C.R.P.
concedesse aos cidadãos um direito à não prestação do serviço militar armado e,
concomitantemente, um direito à não prestação do serviço cívico alternativo o
que, como vimos, não sucede'.
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2 - Inconformado com o sentido decisório deste aresto
o recorrente submeteu o processo à fiscalização de constitucionalidade do
Tribunal Constitucional, sob a invocação do disposto nos artigos 280º, nº 1,
alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
E, nas alegações depois oferecidas, concluiu assim:
'I - A restrição feita na alínea d) nº 3 do artigo 18º
da Lei nº 7/92, de 12 de Maio, é contrária ao disposto nos artigos 18º, nº 2,
41º, nº 6 e 276º, nº 4, todos da CRP.
II - Tais violações constituem fundamento de
inconstitucionalidade do preceituado no referido segmento da citada alínea d)
do nº 3 do artigo 18º da Lei nº 7/92, de 12 de Maio, face ao disposto nos
artigos 3º, nº 3 e 277º, nº 1 da C.R.P., estando vedada aos Tribunais a sua
aplicação por força do estipulado no artigo 206º da LF e do artigo 4º, nº 3, do
Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril.
III - O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de
que ora se recorre (bem como o Aresto do Tribunal Administrativo de Coimbra)
violam os preceitos citados na conclusão II.
IV - Estamos, pois, perante vício de violação da Lei,
gerador de anulabilidade a aplicação em acto administrativo de norma legal,
considerada inconstitucional'.
Por seu turno, a Comissão Nacional de Objecção de Consciência
louvando-se nas posições assumidas perante a jurisdição administrativa,
pronunciou-se no sentido do improvimento do recurso.
Os autos correram os vistos de lei, havendo o senhor Presidente
do Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 79º-A, nº 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, determinado que o julgamento do presente processo se faça com
intervenção do plenário.
Cumpre agora apreciar e decidir.
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II - A fundamentação
1 - A Constituição de 1976, logo na sua versão originária, no
artigo 41º, relativo à liberdade de consciência, religião e culto, reconhecia no
nº 5, 'o direito à objecção de consciência, ficando os objectores obrigados à
prestação de serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar
obrigatório'.
E no artigo 276º, reportado à defesa da Pátria e serviço militar,
depois de se assinalar que a 'defesa da Pátria é dever fundamental de todos os
portugueses' (nº 1) e que, 'o serviço militar é obrigatório nos termos e pelo
período que a lei prescrever' (nº 2) dispunha-se que 'os que forem considerados
inaptos para o serviço militar armado e os objectores de consciência prestarão
serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação' (nº 3),
completando-se que 'o serviço cívico pode ser estabelecido em substituição ou
complemento do serviço militar e tornado obrigatório por lei para os cidadãos
não sujeitos a deveres militares' (nº 4).
A Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, veio introduzir
algumas alterações no texto constitucional em matéria de objecção de
consciência, em termos de, pela redacção dada ao artigo 276º, nº 4, os
objectores de consciência prestarem 'serviço cívico de duração e penosidade
equivalentes à do serviço militar armado', sendo eliminada a regra que
estabelecia uma 'duração idêntica' entre a prestação de serviço não armado e o
serviço militar obrigatório.
Por outro lado, o artigo 41º, nº 6, passou a garantir de forma
genérica 'o direito à objecção de consciência, nos termos da lei'.
A Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho não trouxe qualquer
inovação significativa, precisando-se porém que a defesa da Pátria 'é direito
e dever fundamental de todos os portugueses' (artigo 276º, nº 1), com o que se
afirmou não poder ser negada a ninguém a participação nas tarefas de defesa,
sendo assim ilícitas discriminações quanto ao exercício deste direito.
Na sua versão actual, nos dispositivos que importa considerar, o
texto constitucional dispõe assim:
Artigo 41º
(Liberdade de consciência, de religião e de culto)
1 - A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.
2 - Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou
deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa.
................................................... .....
6 - É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei.
Artigo 276º
(Defesa da Pátria, serviço militar e serviço cívico)
1 - A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses.
2 - O serviço militar é obrigatório, nos termos e pelo período que a lei
prescrever.
3 - Os que forem considerados inaptos para o serviço militar armado prestarão
serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação.
4 - Os objectores de consciência prestarão serviço cívico de duração e
penosidade equivalentes à do serviço militar armado.
5 - O serviço cívico pode ser estabelecido em substituição ou complemento do
serviço militar e tornado obrigatório por lei para os cidadãos não sujeitos a
deveres militares.
................................................... .....
Apesar de o direito à objecção de consciência ter alcançado
consagração constitucional logo em 1976, só com a Lei nº 6/85, de 4 de Maio,
depois alterada pela Lei nº 101/88, de 25 de Agosto, o legislador ordinário fez
publicar normação relativa ao 'objector de consciência perante o serviço
militar obrigatório'.
Todavia, o sistema então instituído, nomeadamente a opção pela
via judicial para o reconhecimento do estatuto do objector de consciência, bem
cedo se veio a revelar desadequado, ineficaz e gerador de manifesto bloqueio na
concretização do direito à objecção de consciência.
Procurando ultrapassar as insuficiências deste quadro normativo,
a Assembleia da República veio a aprovar a Lei nº 7/92, de 12 de Maio, que, para
além de revogar a legislação anterior sobre objecção de consciência, introduziu
no novo ordenamento significativas alterações, nomeadamente a adopção da via
administrativa como forma de aquisição do respectivo estatuto e o alargamento
do conceito de objector de consciência a motivações de ordem humanística ou
filosófica.
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2 - A Lei nº 7/92, acha-se dividida em sete capítulos
distribuídos pelas seguintes matérias: Capítulo I (Disposições Gerais); Capítulo
II (Serviço Cívico); Capítulo III (Situação jurídica do objector de
consciência); Capítulo IV (Processo); Capítulo V (Órgãos específicos da
objecção de consciência); Capítulo VI (Regime disciplinar e penal) e Capítulo
VII (Disposições finais e transitórias).
Em conformidade com esta lei o direito à objecção de consciência
perante o serviço militar 'comporta a isenção do serviço militar, quer em tempo
de paz, quer em tempo de guerra, e implica, necessariamente, para os respectivos
titulares o dever de prestar um serviço cívico adequado à sua situação' (artigo
1º, nº 2).
Consideram-se objectores de consciência 'os cidadãos convictos de
que, por motivos de ordem religiosa, moral, humanística ou filosófica, lhes não
é legítimo usar de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante,
ainda que para fins de defesa nacional colectiva ou pessoal' (artigo 2º).
E por serviço cívico adequado à situação de objector de
consciência entende-se aquele que, 'sendo exclusivamente de natureza civil, não
esteja vinculado ou subordinado a instituições militares ou militarizadas, que
constitua uma participação útil em tarefas necessárias à colectividade e
possibilite uma adequada aplicação das habilitações e interesses vocacionais dos
objectores' (artigo 4º, nº 1).
O serviço cívico a prestar pelos objectores de consciência 'tem
duração e penosidade equivalentes à do serviço militar obrigatório',
compreendendo um período de formação, com a duração de três meses, e um período
de serviço efectivo, com duração igual à do serviço militar obrigatório (artigo
5º, nºs 1 e 2).
O estatuto do objector de consciência adquire-se por decisão
administrativa, proferida nos termos do presente diploma, a partir da declaração
do interessado (artigo 10º).
Os objectores de consciência gozam de todos os direitos e estão
sujeitos a todos os deveres consignados na Constituição e na lei para os
cidadãos em geral que não sejam incompatíveis com a situação de objector de
consciência (artigo 11º).
E, nos mesmos termos e prazos previstos para os cidadãos que
prestam o serviço militar, os objectores de consciência podem ser convocados
extraordinariamente para prestar novamente serviço cívico adequado à sua
situação, se assim for decidido pelas entidades competentes, em caso de guerra,
estado de sítio ou de emergência (artigo 12º, nº 1).
E no artigo 18º, que rege sobre os princípios gerais do processo
de aquisição do estatuto de objector de consciência, na parte que aqui importa
reter, dispõe-se assim:
Artigo 18º
(Princípios gerais)
1 - O processo de aquisição do estatuto de objector de consciência tem
natureza administrativa e inicia-se com a apresentação pelo interessado de uma
declaração de objecção de consciência.
2 - A declaração pode ser apresentada por qualquer cidadão maior ou
emancipado.
3 - A declaração de objecção de consciência deve conter:
...................................................
d) A declaração expressa da disponibilidade do declarante para cumprir
o serviço cívico alternativo.
...................................................
Compete à Comissão Nacional de Objecção de Consciência o
reconhecimento do estatuto do objector de consciência (artigo 19º).
A declaração de objecção de consciência só pode ser indeferida,
com a consequente denegação do estatuto de objector, por irregularidades formais
não supridas após notificação adrede efectuada ou com base na falsidade de
elementos constantes da declaração ou na existência de qualquer das
inabilidades previstas na presente lei (artigos 21º, nº 2 e 23º, nº 1).
Da deliberação da Comissão Nacional de Objecção de Consciência
cabe recurso para o competente tribunal administrativo do círculo (artigo 27º,
nº 1).
Sustenta o recorrente que 'a declaração expressa da
disponibilidade para cumprir o serviço cívico alternativo' que se deve conter na
declaração de objecção de consciência [artigo 18º, nº 3, alínea d)] se traduz em
'restrição' não consentida pelo texto constitucional.
Será efectivamente assim?
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3 - No âmbito dos direitos, liberdades e garantias pessoais
assegura a Constituição que a liberdade de consciência, de religião e de culto é
inviolável, reconhecendo a faculdade de escolher os próprios padrões de
valoração ética ou moral, bem como a de adoptar ou não adoptar uma qualquer
religião e de com tal e por tal não ser prejudicado relativamente aos demais.
Neste contexto, o direito à objecção de consciência, garantido no
mesmo preceito que consagra a liberdade de consciência, apresenta-se como o
direito de não cumprir obrigações ou não praticar actos por motivos de
consciência.
É um direito que se apresenta como corolário da liberdade de
consciência, sendo que esta se analisa no direito que cada um tem de agir
conformemente ao juízo da sua própria consciência, imune, portanto, a qualquer
coacção do Estado ou da sociedade - imunidade esta que arranca do facto de o
juízo de consciência pertencer ao âmbito de intimidade da pessoa.
A objecção de consciência traduz-se, assim, na resistência que a
consciência individual opõe a uma lei geral, em virtude de as próprias
convicções pessoais impedirem o sujeito de a cumprir.
O direito à objecção de consciência abrange outros domínios para
além do das obrigações decorrentes do serviço militar obrigatório, competindo à
lei delimitar o seu âmbito e concretizar o modo do seu exercício, devendo, no
entanto, o legislador limitar as restrições que lhe impuser ao necessário para a
salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e,
em qualquer caso, não podendo diminuir a extensão e o alcance do conteúdo
essencial do respectivo preceito constitucional (artigo 18º, nºs 2 e 3 da
Constituição).
Todavia, no específico âmbito da objecção de consciência perante
o serviço militar obrigatório, a Constituição, ela própria, define um quadro
normativo no qual, dialecticamente, se situam o direito à objecção de
consciência e o dever de prestação do serviço militar enquanto obrigação
inerente à defesa da Pátria.
Com efeito, ao definir os direitos e deveres dos cidadãos em
matéria de defesa nacional, a Constituição consagra a defesa da Pátria como um
direito e dever fundamental de todos os cidadãos e o dever do serviço militar,
dever instrumental em relação à defesa da Pátria, como um dever a cumprir
pelos cidadãos capazes de prestação de obrigações militares.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, p. 965, 'o dever de
defesa da Pátria e os demais deveres conexos são os mais típicos deveres
fundamentais dos cidadãos previstos expressamente na Constituição (...).
Trata-se de obrigações de prestação pública, cujo cumprimento está garantido
inclusive por via penal.
Os direitos e garantias ligados à defesa e aos correspondentes deveres são
em muitos aspectos análogos dos direitos, liberdades e garantias, pelo que
beneficiam do correspondente regime constitucional de protecção (arts. 17º e
18º)'.
O reconhecimento geral do direito à objecção de consciência como
corolário da liberdade de consciência reclamava que em substituição do serviço
militar se admitisse uma forma de cumprimento dos deveres para com a comunidade
que, não envolvendo na sua prestação qualquer colisão com aquela liberdade, se
traduzisse numa actividade sucedânea daquele serviço para os objectores de
consciência.
Nesta conformidade, o texto constitucional estabeleceu um
serviço cívico 'de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar
armado' para os objectores de consciência.
Este princípio de equivalência de encargos entre o serviço
militar e o serviço cívico justifica-se por diversas razões: evita a
'banalização' do direito à objecção de consciência, limita a excepção ao
princípio da inconvertibilidade do serviço militar e respeita o princípio da
igualdade quanto aos sacrifícios públicos impostos aos cidadãos (cfr. Gomes
Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 986).
A prestação do serviço militar obrigatório que em princípio se
apresenta como um serviço armado é encarada como a modalidade regra de
cumprimento do dever fundamental de todos os portugueses (que é,
simultaneamente, um direito fundamental) de defesa da Pátria.
Porém, o serviço militar obrigatório não constitui a única forma
de dar satisfação a tal dever, admitindo-se no artigo 276º outras modalidades
alternativas: serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à situação
dos que forem considerados inaptos para o serviço militar armado (nº 3); serviço
cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado para os
objectores de consciência (nº 4); a título facultativo, o serviço cívico pode
ser estabelecido em substituição ou complemento do serviço militar e tornado
obrigatório por lei para os cidadãos não sujeitos a deveres militares (nº 5).
A prestação obrigatória de serviço cívico pelos objectores de
consciência não se traduz numa modalidade de cumprimento do serviço militar mas
antes um modo diferenciado de cumprir os deveres para com a comunidade a que
pertencem.
Na génese deste regime, para além da consideração da liberdade de
consciência, prevaleceu a ideia de que 'uma sociedade democrática não pode
admitir que certos dos seus membros se marginalizem furtando-se de todo em todo
ao cumprimento do interesse geral como é o interesse da defesa da Pátria' (cfr.
Soveral Martins, Estatuto do Objector de Consciência, Coimbra, 1987, p. 11).
O cidadão conscrito ao serviço militar, nos termos da lei
ordinária sobre a prestação desse serviço, imposta com generalidade e
abstracção ao conjunto dos seus destinatários, não deixa de sentir um certo
grau de constrangimento se se lhe reconhecer o direito ao estatuto de objector
de consciência, mas o princípio democrático em que este assenta concede-lhe, por
forma não arbitrária nem discricionária, a possibilidade de substituir aquele
serviço por um outro, de interesse público, mais adequado às suas convicções
pessoais. É, obviamente, inadmissível encarar o objector como pretendendo
apenas a exoneração de um dever jurídico, o que atentaria contra o princípio da
igualdade, ou submetê-lo a medidas alternativas não equivalentes, o que, por sua
vez, conduziria a uma inaceitável situação de privilégio (cfr. Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 65/91, Diário da República, II, de 4 de Julho de
1991).
O direito à objecção de consciência perante o serviço militar
apresenta-se assim com um alcance não absoluto, pois que, a par do
reconhecimento da isenção do dever de prestação do serviço militar armado,
fundada em razões que têm a ver com os ditames de consciência do objector,
acha-se este sujeito ao cumprimento de um serviço cívico sucedâneo de 'duração
e penosidade equivalentes' à do serviço militar, contra o qual não é já legítimo
deduzir objecção de consciência.
A exoneração do dever de cumprimento do serviço cívico
envolveria ofensa ao princípio da igualdade de encargos dos cidadãos perante a
colectividade.
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4 - A ponderação dos valores constitucionais que no quadro do
direito à objecção de consciência se contrapõem - de um lado, liberdade de
consciência, de outro lado, direito e dever de defesa da Pátria - impõe que a
sua harmonização se concretize em termos de ser preservada aquela liberdade sem
se omitir o dever que a defesa da Pátria implica e impõe.
O direito à objecção de consciência há-de conformar-se com a
obrigatoriedade de prestação do serviço cívico sucedâneo do serviço militar
armado, situando-se neste ponto de confluência a conciliação entre a 'autonomia
individual e o dever fundamental de solidariedade'.
Neste contexto, a exigência contida na norma do artigo 18º, nº 3,
alínea d) da Lei nº 7/92, não deve ser entendida como significando, restrição
do direito à objecção de consciência que se concretiza num plano diferente
daquele a que a declaração de disponibilidade se reporta: a objecção de
consciência é oposta ao serviço militar armado, enquanto a disponibilidade do
objector se reporta à prestação constitucionalmente obrigatória do serviço
cívico.
De acordo com a doutrina analiticamente mais elaborada (cfr.
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., pp. 297 e ss.)
para se apreender o pleno alcance da regra do carácter restritivo das restrições
de direitos, liberdades e garantias, há que começar 'por distinguir o conceito
de restrição de outros conceitos, como os de limite ao exercício de direitos,
condicionamento, regulamentação, concretização legislativa, auto-ruptura da
Constituição, dever e suspensão'.
Pode dizer-se, tendo em conta os critérios de distinção entre
esses vários conceitos, que num plano teórico os candidatos ao enquadramento da
norma sob sindicância se resumem a quatro de entre eles: restrição,
condicionamento, regulamentação e concretização legislativa.
Mas, descendo a uma avaliação que considere as implicações
concretas daquela norma há-de, desde logo, afastar-se a ideia de nela se
introduzir uma qualquer restrição ao exercício do direito.
A restrição supõe uma compressão interna do próprio direito,
retirando-lhe possibilidades dantes consentidas no seu âmbito e diminuindo as
faculdades ali previstas, seja para uma certa categoria de pessoas, seja para
todas as pessoas desde que verificada uma determinada situação de facto.
E também ali não se concretiza uma regulamentação, já que com
esta se visa o preenchimento e definição do próprio conteúdo do direito.
Entre a concretização legislativa e o condicionamento a fronteira
divisora é muito ténue. Todavia, parece seguro que na norma desaplicada se
consagra um mero condicionamento, estabelecendo-se requisitos de natureza
cautelar de que se faz depender o exercício do direito de objecção de
consciência.
O condicionamento 'não reduz o âmbito do direito, apenas implica,
umas vezes, uma disciplina ou uma limitação da margem de liberdade do seu
exercício, outras vezes um ónus' (cfr. Jorge Miranda, ob. loc. cit.).
No preceito em causa prevê-se um ónus cujo preenchimento
condiciona o exercício do direito. Este não sofre, em si, qualquer compressão,
ficando totalmente incólume, mesmo que o ónus não seja cumprido. O objector pode
sempre exercer o direito quando quiser, e exercê-lo em pleno, isto é, sem perda
de qualquer das faculdades que lhe são inerentes. Mas se quiser exercê-lo tem de
preencher as condições que a lei estabelece, por motivos vários, inclusive
organizativos.
O dever de prestar serviço cívico resulta da própria
Constituição, haja ou não aceitação prévia do objector. Aceitar expressamente ou
não, é perfeitamente irrelevante no ordenamento constitucional, pelo que o ónus
de fazer uma declaração de aceitação não constitui qualquer dever suplementar
na esfera jurídica do declarante, nem tem consequências que não pudessem
resultar directamente do dever constitucional de prestação de serviço cívico
alternativo. Isto é, se o objector não tivesse de fazer uma declaração de
aceitação expressa prévia à atribuição do estatuto, o simples pedido da
atribuição desse estatuto, por directo efeito da economia constitucional, sempre
equivaleria a uma aceitação implícita prévia da prestação de serviço cívico.
A lei limita-se a exigir que se transforme em declaração
expressa o que, de outro modo, seria tão somente uma declaração implícita.
Verdadeiramente, a declaração expressa de aceitação destina-se a
garantir que o estatuto de objector de consciência seja reconhecido apenas
àqueles que, repudiando, sinceramente, a prestação de serviço militar armado, no
entanto, reconhecem ser a defesa da Pátria um dever, que, por isso, querem
cumprir, embora tão-só por meios pacíficos. Dizendo de outro modo: com a
exigência dessa declaração, que se apresenta como inteiramente compatível com o
direito à objecção de consciência, nada tendo de excessiva nem desrazoável,
pretende-se obstar a que o estatuto de objector de consciência seja reconhecido
a quem é objector total, pois, tal sucedendo, violar-se-iam as exigências de
justiça feitas pelo princípio da igualdade de sacrifícios públicos.
Dir-se-á por fim, embora perfunctoriamente, não ser probante
argumentar-se no sentido da inconstitucionalidade da norma posta em crise, com o
facto de a responsabilidade criminal gerada pelo não cumprimento do serviço
cívico ser mais grave do que a derivada do não acatamento do dever de
incorporação militar [cfr. artigos 33º da Lei nº 7/92 e 24º, nº 3 e 40º, nº 1,
alínea a) da Lei nº 30/87, de 7 de Julho (Lei do Serviço Militar), na redacção
da Lei nº 89/88, de 5 de Agosto].
De facto, estas diferentes consequências constam de normas que,
por não integrativas do objecto do pedido, não podem aqui ser consideradas,
sendo assim irrelevantes, no plano juridico-constitucional a que o presente
recurso se acha circunscrito, as ilações que a partir daquelas se possam
extrair.
De tudo exposto, há-de concluir-se que a norma da alínea d) do nº
3 do artigo 18º da Lei nº 7//92, de 12 de Maio, não viola qualquer norma ou
princípio constitucional, designadamente, os artigos 18º, nº 2, 41º, nº 6 e
276º, nº 4, da Constituição.
*///*
III - A decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar,
no que à questão de constitucionalidade respeita, o acórdão impugnado.
Lisboa, 5 de Dezembro de 1995
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Messias Bento
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da
declaração de voto junta)
José de Sousa e Brito (vencido nos termos da
declaração de voto junta)
Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da
declaração de voto junta)
Maria da Assunção Esteves (vencida, nos termos da
declaração de voto junta)
Armindo Ribeiro Mendes (vencido nos termos da
declaração de voto junta)
Guilherme da Fonseca (vencido, com os mesmos
fundamentos da declaração de voto do Exmº Consº José de Sousa e Brito, que
acompanho)
José Manuel Cardoso da Costa
Declaração de voto
1. Votei vencida por entender que o preceito que se contém no
artigo 18º, nº 3, alínea d), da Lei nº 7/92, de 12 de Maio, ao delimitar o
preceito primário de uma norma cuja estatuição é a atribuição do estatuto de
objector de consciência, delimita o direito à objecção de consciência
relativamente a outros direitos e valores constitucionais, estabelecendo uma
restrição a um direito fundamental ilegítima, em face do artigo 18º, nºs 1 e 2
da Constituição.
Cheguei a uma tal conclusão, ultrapassando vários obstáculos
argumentativos quer no sentido da inconstitucionalidade quer no sentido da não
inconstitucionalidade daquela norma.
Assim, comecei por concluir que os artigos 41º, nº 1, e 276º, nº
4, da Constituição, não consagram, conjugadamente, um direito ilimitado à
objecção de consciência - um direito à objecção total, incluindo um direito à
objecção ao serviço cívico. Deste modo, não entendo que seja inconstitucional a
imposição sem excepções, nomeadamente por razões de consciência, do serviço
cívico alternativo.
Mas, apesar dessa primeira conclusão, foi preponderante para o
meu juízo de inconstitucionalidade o facto de a objecção de consciência ao
serviço militar ser tornada dependente, pela lei ordinária, de uma não objecção
de consciência ao serviço cívico, quando é certo não estar estabelecido na
Constituição que o não cumprimento do serviço cívico ou a objecção de
consciência ao serviço cívico (e muito menos a ausência de uma declaração de
compromisso quanto ao cumprimento do serviço cívico) sejam condições do
exercício do direito à objecção de consciência. Tais restrições tornam-se,
assim, como referi, manifestação de uma ilegítima, porque não prevista,
desnecessária, inadequada e excessiva limitação de um direito fundamental,
contrária ao artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constituição.
2. Explicitando este raciocínio, vejamos com maior pormenor os
argumentos a favor da inconstitucionalidade que rejeitei e, seguidamente, a
razão que justificou o juízo de inconstitucionalidade que, pessoalmente,
formulei:
2.1. Em primeiro lugar, o artigo 18º, nº 3, alínea d) da Lei nº
7/92, de 12 de Maio, não é inconstitucional por a Constituição reconhecer,
alegadamente, um direito à objecção ao serviço cívico e a imposição daquele
dever significar uma violação dos artigos 41º, nº 1, e 276º, nº 4, da
Constituição.
O argumento de inconstitucionalidade subjacente à anterior
afirmação não procede, na medida em que o direito à objecção de consciência,
expressão da liberdade de consciência, apenas permite não cumprir imposições ou
violar proibições legais quando estejam em causa factores de identificação e
auto‑entendimento do ser humano que não colidam em absoluto com liberdades,
direitos e garantias fundamentais de outrem.
Na realidade, a afirmação de que o Estado de direito democrático
pressupõe a liberdade de consciência, como fundamento e limite das suas normas,
tem uma pluralidade de sentidos:
a) Significa, desde logo, que o Estado de direito democrático se
impõe a partir da adesão livre da consciência e da razão e não pela mera
coercibilidade das suas normas; isto significa ainda que a legitimidade jurídica
tem como critério a racionalidade, a consensualidade e a aceitabilidade das
normas;
b) Para além disso, o Estado de direito democrático pressupõe a
realização dos seus objectivos sem uma adesão interior aos valores colectivos,
não visando formar a consciência no seu íntimo, mas conformar, no plano
puramente externo, comportamentos sociais;
c) Finalmente, a preservação da liberdade de consciência, da não
conformação da consciência pelo Estado e pelo seu poder coactivo, é, em si
mesma, um valor final do Estado de direito democrático.
Deste modo, o Estado de direito democrático de matriz liberal não
pretende uma efectiva adesão da consciência individual às suas normas, na medida
em que estas são
instrumentos de valores como a livre realização de cada indivíduo no espaço da
sua autonomia e não critérios éticos da acção. O direito não impõe que se cumpra
o serviço militar a partir de uma interiorização plena do amor à Pátria ou ao
bem comum, bastando‑se com a adesão exterior ao comportamento socialmente
exigido. Se no soldado cumpridor persistir uma alma de refractário ou pacifista,
o direito não pode nem deve intervir. Ao 'palácio esplêndido' (nas palavras de
Paul Claudel) que existe em cada um, está vedado o acesso do direito.
O reconhecimento da objecção de consciência considera apenas que
o cumprimento de certos deveres não pode pôr em causa a convivência com o Estado
de cidadãos cujas convicções se opõem a tais deveres, na medida em que o valor
da tolerância não entre em colisão com a própria existência do Estado. A
preservação da liberdade de consciência num Estado instrumental do livre
desenvolvimento da personalidade impõe, assim, o reconhecimento da objecção de
consciência. Um tal reconhecimento não significa uma ilimitada protecção, pois
há sempre uma fronteira a partir da qual a objecção de consciência se passa a
referir aos direitos alheios, ao Estado de direito democrático, e em que a sua
tutela já não corresponde ao objectivo de protecção da dignidade e da liberdade
de todos e de cada um, tornando‑se absolutamente disfuncional.
A objecção de consciência ao serviço cívico alternativo, enquanto
este seja concebido como mera expressão do cumprimento de deveres básicos de
solidariedade social, não é, consequentemente, digna de protecção no Estado de
direito democrático. Se o serviço cívico tender ao melhoramento das condições de
vida ou saúde alheias, não há objecção de consciência juridicamente relevante.
Nenhum valor de liberdade se realizará então, do mesmo modo que nenhum valor
digno de tutela se realiza na objecção de consciência à omissão do dever de
socorro (conduta incriminada pelo artigo 200º do Código Penal).
Há ainda, obviamente, critérios de tolerância quanto a condutas
sancionadas penalmente, instrumentais do livre desenvolvimento da personalidade
de eventuais objectores de consciência, que podem conduzir a um tratamento não
repressivo. Mas essa prática, própria de um Estado de liberdade e de justiça, é
ditada por razões distintas da objecção de consciência, como a inimputabilidade
e a ausência de culpa em geral.
No Estado de direito democrático, todavia, a objecção de
consciência a deveres que correspondem a necessidades básicas de solidariedade e
de igualdade de posições jurídicas é inaceitável e absurda. Uma tal amplitude da
objecção de consciência afrontaria o ser-com-os-outros e a meta de liberdade de
todos e de cada um, tão duramente afirmada no processo histórico, e dissolveria
em um não-Estado o Estado de liberdade e de justiça.
Assim, a imposição pela Constituição do serviço cívico
alternativo não seria, ela própria, inconstitucional, mesmo que se admitisse a
perspectiva dogmática da existência de normas constitucionais inconstitucionais
(artigo 276º, nº 4) e que o Tribunal Constitucional pudesse controlar
inconstitucionalidades desse tipo (o que a Constituição não contempla nos
artigos 277º e seguintes).
2.2. Em segundo lugar, a Constituição não admite, por razões de
igualdade de posições jurídicas, excepções (por objecção de consciência) ao
cumprimento do serviço cívico. Do texto constitucional resulta a
obrigatoriedade, pura e simples, do cumprimento do serviço cívico, como emanação
do dever geral de servir a Pátria, pelo menos através da conduta externa (artigo
276º, nº 4). A norma legal em causa não é, deste modo, inconstitucional por a
obrigatoriedade do serviço cívico não se poder impor contra a liberdade de
consciência.
3. Neste ponto, apenas uma razão me impediu de aderir à tese da
não inconstitucionalidade: a ausência de legitimidade, em termos de previsão,
necessidade, adequação proporcionalidade, para condicionar o estatuto de
objector ao serviço militar pela declaração de compromisso de cumprimento do
serviço cívico. E este obstáculo é, de facto, inultrapassável.
Na realidade, como referi anteriormente, a própria Constituição
não restringe o exercício do direito à objecção de consciência ao serviço
militar pelo cumprimento do serviço cívico. No texto constitucional, o dever de
cumprir o serviço cívico surge como consequência e não como pressuposto do
exercício do direito à objecção de consciência ao serviço militar (artigo 276º,
nº 4). Aquele que cometer a infracção ao dever de cumprimento do serviço cívico
não deixa, por isso, de ser objector de consciência ao serviço militar.
A supressão do direito à objecção de consciência só seria
legítima quando orientada para a protecção da liberdade dos outros e para a
protecção da igualdade de posições jurídicas, isto é, para a tutela de outros
direitos ou interesses (artigo 18º, nº 2, da Constituição). Mas o legislador
constitucional entendeu que a realização do serviço cívico não constitui
pressuposto do exercício daquele direito. Assim, a restrição que agora se
analisa não é expressamente prevista na Constituição, como se requer no artigo
18º, nº 2.
Mas poderia o legislador constitucional ter contemplado tal
restrição, à luz de valorações por que optou quanto à liberdade de consciência?
Creio que não, já que o não cumprimento do serviço cívico não
poderia ter como sanção necessária, adequada e proporcional a não obtenção do
estatuto de objector de consciência e, consequentemente, a qualificação do
agente como puro e simples refractário. A igualdade de posições jurídicas entre
os refractários e os objectores de consciência que não cumpram o serviço cívico
apenas impõe uma punição adequada e proporcionada dos últimos e não uma sanção
que consista numa violação da sua consciência. Esta perspectiva não corresponde
a uma ilimitação do direito à objecção de consciência, mas ainda à sua
delimitação em função do seu valor relativo, num Estado em que a liberdade de
consciência e de religião é um dos bens essenciais a preservar (cfr.,
nomeadamente, o artigo 19º, nº 6, da Constituição).
Por maioria de razão, não tendo a Constituição restringido o
direito de objecção de consciência ao serviço militar ao efectivo cumprimento do
serviço cívico, não será legítimo subordinar o exercício daquele direito a uma
declaração de compromisso de cumprimento deste serviço. Não julgo que a
exigência desta declaração viole, em si mesma, a liberdade de consciência
(artigo 41º, nº 1, da Constituição). Mas entendo que a consequência jurídica que
lhe é associada (a perda da qualidade de objector de consciência) é - essa sim -
inadmissível por violar a liberdade de consciência. E, na minha perspectiva, não
faz sentido analisar apenas, na presente fiscalização, o preceito primário da
norma, abstraindo da respectiva estatutição.
4. Finalmente, o argumento, sustentado no Acórdão, segundo o qual
a declaração de compromisso constitui apenas um ónus do direito à objecção de
consciência e não uma verdadeira restrição não é aceitável, por duas razões:
a) Em primeiro lugar, porque um ónus jurídico, em sentido
técnico, isto é, o comportamento praticado em proveito próprio de que depende o
exercício de um direito, corresponde sempre a uma restrição ao exercício
ilimitado desse direito, segundo a linguagem de direitos, liberdades e garantias
a que o texto constitucional se refere; o artigo 18º, nº 2, da Constituição não
distingue entre uma restrição operada por um ónus e uma restrição operada por
uma obrigação; o essencial para o critério normativo consagrado no artigo 18º,
nº 2, da Constituição é que o conteúdo do direito não seja afectado; seria puro
nominalismo pretender que a problemática constitucional da restrição de direitos
se modificaria substancialmente conforme estivesse em causa uma obrigação ou um
ónus, com efeito compressor idêntico;
b) Por outro lado, também um ónus pode ser desnecessário,
inadequado ou excessivo, tendo em conta a extensão e o alcance do conteúdo
essencial de um direito (artigo 18º, nº 3, da Constituição); não se pode, assim,
evitar discutir a admissibilidade da 'restrição' ao direito de objecção de
consciência com mero apoio na qualificação jurídica como ónus do dever de
declaração previsto no artigo 18º, nº 3, alínea b), da Lei de Objecção de
Consciência;
c) Por fim, a própria qualificação como ónus desse dever é
altamente discutível, pelo menos numa perspectiva funcional; com efeito, o dever
de declaração visa, em última instância, assegurar o futuro cumprimento do
serviço cívico, que constitui, claramente, uma obrigação (para com o Estado), no
sentido da lógica deôntica.
Maria Fernanda Palma
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não posso concordar com a decisão, por entender que a exigência
de declaração expressa da disponibilidade do declarante da objecção de
consciência ao serviço militar para cumprir o serviço cívico alternativo, feita
pela alínea d) do nº 3 do artigo 18º da Lei nº 7/92 (Lei sobre Objecção de
Consciência - LOC) viola os artigos 41º, nº 6 e 276º da Constituição, por
negação a objectores de consciência ao serviço militar do correspondente
estatuto ; e viola o nº 2 do artigo 18º da Constituição, por ser uma restrição
desnecessária de direito fundamental. A opinião contrária, que fez vencimento,
resulta de uma interpretação inadequada das disposições constitucionais sobre o
direito à objecção de consciência, pelo que se impõe uma ampla dilucidação do
seu alcance. Só depois se passará à demonstração positiva das teses acima
mencionadas, em que se articula a minha opinião. Essa demonstração revelará a
minha discordância de outros argumentos da opinião vencedora, nomeadamente
quanto ao conceito de restrição a um direito fundamental e quanto ao
entendimento da obrigação substitutiva do serviço cívico. Este último aspecto
obrigará a ponderar uma questão omitida no acórdão, que é a de saber se o não
reconhecimento de objecção de consciência ao serviço cívico viola o direito
geral à objecção de consciência do nº 6 do artigo 41º, questão que se responderá
negativamente.
Antes de cumprir o programa anunciado, importa averiguar qual a
função da alínea d) do nº 3 do artigo 18º da LOC e, portanto, dos efeitos,
imediatos e mediatos, da não aquisição do estatuto do objector de consciência,
acompanhada da recusa à prestação do serviço militar, por comparação com a falta
de prestação do serviço cívico. Não vale dizer que o facto de a responsabilidade
criminal gerada pelo não cumprimento do serviço militar ter um regime mais
gravoso - ao contrário do que sugere o acórdão - do que a derivada da falta da
prestação de serviço cívico será eventualmente fundamento da
inconstitucionalidade das normas punitivas das suas faltas, por ofensa do
princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da Constituição), mas que tais
normas não integram o pedido e não são, por isso, objecto possível do processo.
Caberá responder que para tratar, não desta última aventada
inconstitucionalidade, mas da inconstitucionalidade da alínea d) que é objecto
do pedido, é indispensável comparar o regime do objector no caso da norma
questionada ser inconstitucional com o regime que resulta no caso de ser
conforme à Constituição. Não é recomendável que juízes, a começar pelos deste
Tribunal, decidam sem ponderar as consequências práticas do que fazem.
A) O artigo 18º, nº 3, alínea d) da LOC : sua função
no regime legal da objecção de consciência.
A consequência do não cumprimento do requisito da
declaração expressa das disponibilidades para cumprir o serviço cívico
alternativo, constante da alínea d) do nº 3 do artigo 18º da LOC, no
processamento do reconhecimento do estatuto de objector, traduz-se no
'indeferimento liminar' da declaração, com a consequente não obtenção do
estatuto. É o que decorre do artigo 21º da LOC e foi o que no caso sucedeu.
É o seguinte o teor desta disposição:
'Artigo 21º
(Apreciação e suprimento de deficiências)
1. Recebida a declaração, a Comissão Nacional aprecia, no prazo de 15 dias, a
sua regularidade formal.
2. Sempre que a declaração de objecção de consciência se encontrar incompleta
ou irregularmente instruída, a Comissão Nacional notifica o declarante para
que, no prazo máximo de 20 dias, supra as respectivas deficiências, sob pena de
ser liminarmente indeferida.
3. Se o declarante não suprir as deficiências da declaração no prazo previsto no
nº 2, a Comissão Nacional comunicará oficiosamente, no prazo de cinco dias, a
ineficácia da mesma ao distrito de recrutamento e mobilização competente.'
Temos, por consequência, que o objector que não entrega
a declaração de disponibilidade para cumprir o serviço cívico alternativo,
continua sujeito às obrigações militares normais, com a eventualidade de
convocação para prestação de serviço militar. Mantendo, como certamente
manterá, sendo séria a sua objecção, a recusa de prestar tal serviço,
seguir-se-á, se convocado para a incorporação (cf. artigos 55º e 56º, do
Regulamento do Serviço Militar - RLSM - aprovado pelo Decreto-Lei nº 463/88, de
15 de Dezembro) uma falta à incorporação, com a consequente notação como
refractário (cf. artigo 24º, nº 3, da Lei do Serviço Militar - LSM - Lei nº
30/87, de 7 de Julho) e prática do crime previsto e punido pelo artigo 40º, nº
1, al. a) ou nº 2, da LSM (redacção da Lei nº 89/88, de 5 de Agosto). Como
refractário será sucessivamente convocado para a incorporação em todos os
contingentes anuais subsequentes à falta (cf. artigo 58º, nºs. 6, 7 e 8, do
RLSM), até que atinja a idade da cessação das obrigações militares
(presentemente, 35 anos de idade - v. artigo 5º, nº 3, da LSM, na redacção da
Lei nº 22/91, de 19 de Junho). Daqui resulta que o objector de consciência à
declaração de disponibilidade para o serviço cívico alternativo será sujeito a
sucessivos procedimentos criminais entre os 20 e os 35 anos de idade.
Diversamente, um objector que, recusando o serviço
cívico, seja mais 'flexível' nas suas convicções - que adopte uma posição mais
'táctica', indiciadora talvez de uma postura de objecção menos séria - e
subscreva (provavelmente com reserva mental) a declaração de disponibilidade
exigida, obtém o estatuto de objector, é subtraído às obrigações militares e,
mais tarde, se, convocado para prestar o serviço cívico, o recusar, é punido
nos termos constantes do artigo 33º, da LOC, com a particularidade não
irrelevante de o cumprimento de qualquer pena imposta por essa recusa contar,
como resulta do nº 7, desse artigo 33º, 'como tempo de prestação de serviço
cívico'.
B) O direito à objecção de consciência na
Constituição. Aspectos Gerais.
A questão de constitucionalidade a resolver pelo
Tribunal é a de saber se a exigência da declaração da disponibilidade para o
serviço cívico alternativo estabelecida pela alínea d) do nº 3 do artigo 18 º da
LOC, dado o seu conteúdo e a sua função no regime legal em que se insere, viola
o direito à objecção de consciência ao serviço militar (artigo 276º da
Constituição), o direito geral à objecção de consciência (nº 6 do artigo 41º da
Constituição) e a proibição de restrições aos direitos, liberdades e garantias
constante do artigo 18º, nº 2 da Constituição.
Para analisar a questão de constitucionalidade assim
colocada, importa proceder à caracterização da objecção de consciência,
nomeadamente e no que concerne à objecção ao serviço militar, na sua
articulação com a prestação social substitutiva em que se traduz o serviço
cívico alternativo.
O direito fundamental à objecção de consciência é uma
nota marcante da Constituição portuguesa. A versão originária de 1976
consagrava-o em relação ao serviço militar obrigatório no nº 5 do artigo 41º,
que dispunha: 'é reconhecido o direito à objecção de consciência, ficando os
objectores obrigados à prestação do serviço não armado com duração idêntica à
do serviço militar obrigatório'. Entre as fontes históricas da Constituição só
a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha consagrava expressamente tal
direito no seu artigo 4º, que inspirou manifestamente o artigo 41º (o artigo 9º
da Constituição austríaca por lei constitucional da 10.6.975, é quase
contemporâneo da discussão na Assembleia Constituinte, e não terá sido
conhecido). Antecedentes relevantes na história constitucional só se encontram
nos Estados Unidos da América, no século XVIII, primeiro na Constituição da
Pensilvânia, de 16 de Agosto de 1776, que estabelece no seu artigo 8º, além do
direito à objecção de consciência 'a trazer armas', o direito à objecção de
consciência em termos gerais, e depois, em termos semelhantes, no artigo 9º da
Constituição de Vermont, de 8 de Julho de 1977, e, só quanto ao serviço militar,
também na Constituição de Delaware, de 11 de Setembro de 1776, secção 10 e na
Constituição de New Hampshire de 2 de Junho de 1784, artigo 13º (cfr. Richard L.
Perry, Jolin C. Cooper, eds. Sources of Our Liberties, New York, 1972, págs 330,
365, 339, 383). Embora a proposta de James Madison em 1789 da inclusão em
amendment à Constituição Federal do direito à objecção de consciência ao serviço
militar (apud Perry Cooper, cit., p. 422) não tenha sido adoptada, isso ficou a
dever-se, parece, a dúvidas, não sobre o princípio, mas sobre a competência da
Federação em matéria de conscrição (assim: Ken Greenawalt, 'Conscientious
Objection', Encyclopedia of the American Constitution, New York, 1986, I, pág.
353). No entanto, tem o Supreme Court vindo a determinar um direito à objecção
de consciência ao serviço militar e, mais geralmente, a outras obrigações
legais. Tarefa semelhante tem sido desenvolvida por outros tribunais
constitucionais, como o italiano (cf. Sergio Lariccia, 'Conscientious Objection
in Italian Law', em European Consortium for Church-State Research, Conscientious
Objection in the EC-Countries, Milano, 1992, págs. 113 e segs; Andrea Pugiotto,
'Obiezione di coscienza nel diritto constituzionale', Digesto delle disciplinne
pubblicistiche,Turino, X, págs. 240 e segs.; Rudolfo Venditi, L'obiezione di
coscienza al servicio militare, 2ª ed., Milano, 1996, p.168 ss, 200 ss). Mas a
consagração constitucional da objecção - típica dos direitos alemão e português
- como um direito fundamental, que é caso especial da liberdade de consciência
(nº 1 do artigo 41º), ilumina decisivamente os contornos das duas figuras.
Assim, do confronto do nº 5 com o nº 1 ('A liberdade de
consciência, [de] religião e [de] culto é inviolável': os acrescentos
estilísticos [de] na revisão da 1982 não têm significado material) resultava
que a consciência que dita a objecção não é necessariamente religiosa. A
consciência exprime-se em convicções que podem ser religiosas, mas também
filosóficas ou ideológicas. A separação da liberdade de consciência da
liberdade de religião retoma a dupla garantia da liberdade de consciência e de
crença da Constituição de 1911 (artigo 3º, nº 4: 'A liberdade de consciência e
de crença é inviolável) e marca, na Alemanha como em Portugal, o pleno
reconhecimento da liberdade de consciência como direito fundamental. Não é
apenas o direito de não ser perseguido por motivos de religião da Carta
Constitucional (artigo 145º § 4) e da Constituição de 1838 (artigo 11º), nem
meramente 'a liberdade e a inviolabilidade de crenças e práticas religiosas',
que a Constituição de 1933 concretizava na imunidade de perseguição, de
discriminação e de obrigação de resposta sobre a religião professada (artigo 8º,
nº 3). A liberdade de consciência não era reconhecida pela Constituição de 1933,
a qual também não protegia convicções e práticas não-religiosas, nomeadamente
filosóficas ou ideológicas, mesmo que desempenhem para o indivíduo papel
análogo ao da religião. Mas a Constituição de 1976 não se limitou a retomar a
fórmula de 1911, distinguindo a liberdade de consciência da liberdade de
crença, que é, aliás, por ela implicada, segundo uma fórmula semelhante à
proposta na constituição votada para a nação alemã na Paulskirche em 1849 (§
144: 'volle Glaubens-und Gewissensfreiheit' - completa liberdade de crença e de
consciência) e retomada na constituição suiça de 1874 (artigo 49º) e na alemã
de Weimar (1919: artigo 135º). Desde logo, a constituição de 1911 não ligava,
como a actual, a liberdade de consciência à de religião (que é mais ampla) e de
culto. Além disso, não era liberdade 'completa', embora limitada pelas 'leis
gerais do Estado', como na constituição de Weimar, mas era tão somente liberdade
interior ou de fôro interno, isto é, aquela liberdade que apenas importa
proteger contra a violação por 'aqueles abomináveis meios de inquérito policial
e de intenção judiciária que privam o suspeito ou o inculpado do controlo das
suas faculdades intelectuais e da sua consciência' (nas palavras dos trabalhos
preparatórios à Convenção Europeia dos Direitos do Homem: Recueil des Travaux
Preparatoires, I, La Haye, 1975, pág. 223).
A 'liberdade de consciência e de crença' implicava
certamente a de mudar de crença ou de convicção de consciência, as não implicava
a de 'manifestar a religião ou a convicção sozinho ou em comum, tanto em público
como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos', já que
esta última liberdade, assim expressa na Declaração Universal dos Direitos do
Homem (artigo 18º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 9º),
era apenas reconhecida na Constituição de 1911 quanto aos cultos e com
limitações legais (nº 5 e 8 do artigo 3º). O grande passo em frente que a Lei
Fundamental alemã, e depois a Constituição portuguesa, dão aqui, para além dos
próprios antecedentes constitucionais e das declarações internacionais dos
direitos do homem, é reconhecerem o direito à manifestação exterior da
liberdade de consciência fora da esfera da prática religiosa ou semelhante, na
prática geral da vida. Ora este passo em frente revela-se precisamente no
reconhecimento da objecção de consciência, que se torna a verdadeira pedra de
toque da interpretação constitucional da liberdade de consciência. Com efeito,
trata-se do direito de recusar uma obrigação legal, em nome da consciência
individual, resolvendo o conflito pela prevalência do princípio da
inviolabilidade de consciência sobre o princípio da generalidade da lei. É
certo que o conflito, que existe prima facie, é formalmente afastado, porque a
objecção é geralmente reconhecida na Constituição e é regulada no seu exercício
por leis gerais. Assim, a objecção de consciência ao serviço militar era
previsto no nº 5 do artigo 41º na versão originária da Constituição e passou a
sê-lo especialmente no nº 4 do artigo 276º desde 1982, tendo o seu exercício
sido regulado por várias leis: Lei nº 6/85, de 4 de Maio, Lei nº 101/88, de 25
de Agosto, Lei nº 7/92, de 12 de Maio. Mas se o princípio da generalidade da lei
é, assim, formalmente salvaguardado, isso não impede que a excepção legal se
abra por razões que não se integram nas que estiveram na base da ponderação de
razões constitucionais e legais que baseiam a obrigação de serviço militar, mas
directamente as contrariam em globo. Por outras palavras: não é por não se
verificarem, quanto aos objectores de consciência, as razões da imposição da
objecção de serviço militar que esta se afasta, mas a objecção é afastada porque
se permite aos objectores que as suas razões prevaleçam sobre as do direito,
não porque este as adopte, mesmo excepcionalmente, mas porque este as tolera por
respeito pela liberdade de consciência. A objecção de consciência representa a
transformação do princípio da tolerância, anterior ao Estado constitucional, num
direito do homem. Nesta medida, o reconhecimento da objecção pela Lei
Fundamental alemã e, depois, pela Constituição portuguesa, não é uma novidade
absoluta, mas a expressão constitucional do progressivo entendimento que o
Estado de direito democrático tem de si próprio, como relevam as
jurisprudências constitucionais americana e italiana, por exemplo, mesmo sem
consagração constitucional explícita da objecção. A primazia do reconhecimento
explica-se pelas circunstâncias históricas dos dois países. Não foi só a
experiência recente da negação liberdade de consciência pelas ditaduras que
facilitou um entendimento forte da liberdade. Foi a compreensão de que a
consciência individual é o principal suporte ético do Estado de direito
democrático, que baseia a força das suas normas na convicção íntima das pessoas
que defendem os seus valores e lhe dão razão, mais do que no receio das suas
sanções. A consciência individual é também a última e decisiva barreira contra
as ditaduras.
No caso português esta revalorização do papel da
consciência está especialmente ligada a um novo entendimento das relações entre
a Igreja Católica e o Estado e, por consequência, de liberdade de religião.
Assume-se a total secularização do Estado e a separação deste das igrejas e,
paralelamente, funda-se a própria liberdade de religião na liberdade de
consciência. Este aspecto foi claramente sublinha do na Assembleia Constituinte
pela declaração de voto do Partido Popular Democrático, ao qual se deve no
essencial a redacção do artigo: 'nele se sintetiza claramente e sem lugar para
subterfúgios, um regime jurídico fundamental para a liberdade de consciência,
religião e culto, em correspondência com o respeito devido pelo Estado a esta
dimensão essencial da pessoa humana. O nº 1 deste preceito declara a
inviolabilidade de consciência, de religião e culto em cada uma das pessoas,,
individualmente consideradas, incluindo obviamente o direito à garante a todos
a inviolabilidade de consciência. A chamada especial feita quanto ao problema do
serviço militar explica-se por razões históricas conhecidas e pela circunstância
de ser um caso exemplar de garantia de inviolabilidade da consciência'
(deputado B., Diário da Assembleia Constituinte, 3 de Setembro de 1975, pág.
1150/1). Logo a seguir, em declaração de voto pessoal, o deputado C. (PPD)
marcou a diferença: 'a partir da aprovação deste artigo marca-se um ponto de
viragem fundamental: a Constituição vai consagrar uma nova era de real
independência recíproca entre o estado e as igrejas, nomeadamente a Igreja
Católica (...) o reconhecimento da objecção de consciência é uma inovação
importantíssima e é mais um marco na construção de uma sociedade assente na
pessoa humana (...)' (ibidem, pág. 1151/2). Pano de fundo destas tomadas de
posição é, sem dúvida, a profunda revisão da doutrina oficial católica, que em
1832 condenara na Mirari vos a liberdade de consciência (absurda (...) ac
erronea sententia seu potius deliramentum), em 1864 condenara no Syllabus (nº
15) a liberdade de religião como um dos 'erros do tempo', (cfr. Heinrich
Denziger, Peter Hünermann, Enchyridion symbolorum, 37ª ed., Freiburg im Breisgau
1991, 2730, 2915), e que em 1965 no Concílio Vaticano II na declaração sobre a
liberdade religiosa (Dignitatis humanae) declara 'que, em matéria religiosa,
ninguém contra a própria consciência seja forçado a agir ou impedido de agir,
em privado ou em público, só ou associado com outros nos devidos limites.
Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na
própria dignidade da pessoa humana (...)' (ibidem, 4290; sobre a evolução da
doutrina católica: cardeal Franz König, ««Religionsbekenntnis und
Gewissensfreiheit»», em Franz Matscher, ed., Folterverbot sowie Religions- und
Gewissensfreiheit in Rechtsvergleich, Kehl am Rhein, 1990, págs. 15 e ss).
Em vista das circunstâncias históricas e das razões
invocadas aquando da introdução da objecção de consciência na Constituição,
torna-se claro que a consagração do direito à objecção de consciência como um
direito fundamental geral, não restrito à objecção do serviço militar, no actual
nº 6 do artigo 41º ('É garantido o direito à objecção de consciência, nos
termos da lei'), consagração efectuada na revisão de 1982 que distingue
comparativamente o direito constitucional português, não é mais do que o lógico
desenvolvimento das opções anteriores. O ponto foi expressamente esclarecido na
Assembleia da República a propósito das palavras 'nos termos da lei'. Este
aditamento poderia entender-se como uma cláusula expressa limitativa, contra a
posição, tomada na Constituição, de não admitir tais cláusulas (cfr. neste
sentido a intervenção do deputado D., Diário cit., 3 de Agosto de 1975, pág.
1149). O deputado E. opôs-se ao acrescento dizendo que 'por ele o legislador
amanhã, embora por ventura erroneamente, pode vir a diminuir o sentido
constitucional do direito. Ou então, o legislador considera-se autorizado a não
estabelecer legislativamente as medidas destinadas a tornar exequíveis normas
como esta... em relação à objecção de consciência. Isso representará,
relativamente ao texto hoje consagrado, uma diminuição'. Em resposta, o
deputado F. (CDS) disse que 'a referência não significa convite ao legislador
para limitar estes direitos, mas sim o contrário. É um convite ao legislador
para que as (sic) explicite e as desenvolva, dando-lhes existência real', e o
deputado G. (PCP) explicou 'tal como a Constituição garantia - mas regulava logo
em relação ao serviço militar, e continua a regular nesta sede - os termos do
exercício da objecção de consciência em relação ao serviço militar, pensou-se
ser de remeter para a lei aquilo que a Constituição faz relativamente ao serviço
militar, mas já não - porque não o pode fazer - quanto ao trabalho de sábado,
etc..., a Constituição faz uma distinção muito clara quando diz 'salvo as
restrições previstas na lei', ' nos termos a definir por lei' ou nesta forma
mais restrita 'nos termos da lei', admitindo a regularização das formas de
exercício, mas não o estabelecimento de excepção ou restrição à própria
existência desse direito'. Jorge Miranda considerou que esta interpretação
'será algo de coadjuvante para quando, amanhã, vier a ser interpretado o
preceito constitucional' e retirou a sua reserva (cfr. Diário da Assembleia da
República, de 21 de Abril de 1982, pág. 1508 (36-8).
C) A violação dos artigos 41, nº 6 da Constituição, por
negação do estatuto de objector de consciência ao serviço militar.
O nº 4 do artigo 276º da Constituição pressupõe o nº6 do
artigo 41º, a que estava ligado na versão originária de 1976. A separação apenas
se deve ao alargamento do escopo daquele nº6, que deixou de estar limitado à
obrigação de serviço militar, limitação implícita na natureza da obrigação
substitutiva imposta na versão originária aos objectores: a obrigação de
prestar serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar
obrigatório. Onde estava 'serviço não armado' passou a estar 'serviço cívico','
duração idêntica' foi substituída por 'duração e penosidade equivalentes' e a
expressão 'serviço militar obrigatório' mudou para 'serviço militar armado'.
Mas a obrigação substitutiva da prestação de serviço cívico imposta pelo nº4 do
artigo 276º continua a pressupor o direito à objecção de consciência garantido
pelo nº6 do artigo 41º, pelo que o não reconhecimento do direito à objecção de
consciência a quem seja objector de consciência não só viola o nº 6 do artigo
41º como exclui a obrigação substitutiva de prestação do serviço cívico,
violando também o nº 4 do artigo 276º. A questão que se põe é a de saber se a
alínea d) do nº 3 do artigo 18º da LOC viola o direito à objecção de consciência
e, assim, viola quer o nº 6 do artigo 41º, que o garante, quer o nº 4 do artigo
276º, que o pressupõe, ao definir o essencial do estatuto do objector : a
obrigação de prestar serviço cívico. Ora a situação típica do requerente do
estatuto de objector de consciência que se recusa a fazer a declaração de
disponibilidade para o serviço cívico é a do chamado 'objector total', que tem
objecção de consciência tanto ao serviço militar como ao serviço cívico. Será
que esta espécie de objector não tem direito à objecção de consciência ao
serviço militar e não tem portanto, direito ao correspondente estatuto ?
Só pode responder-se afirmativamente à questão por
último formulada, se a Constituição distinguir entre objecção de consciência
atendível e não atendível, consoante a delimitação pelo objector do âmbito da
sua objecção, tendo em vista o fundamento deste.Com efeito, é claro que o
objector total, nomeadamente, não deixa de objectar ao serviço militar. Só que
a extensão da matéria da objecção inclui, além do serviço militar, o serviço
cívico, em função do fundamento comum de ambas. Na hipótese das testemunhas de
Jeová, que é a dos autos, além da interpretação incondicional da proibição
bíblica de matar, objecta-se a qualquer forma de serviço prestado ao Estado e,
por consequência, tanto ao serviço militar como ao serviço cívico, por
imperativo religioso. Segundo a doutrina desta confissão religiosa, a
testemunha de Jeová 'dedica tempo, energia e vida exclusivamente ao serviço de
Deus omnipotente 'pelo que, 'se pusesse de lado este dever... para executar
qualquer outro trabalho atribuído pelo Estado, violaria o seu pacto aos olhos
de Jeová' e estaria sujeita a 'sofrer a punição inflingida aos desertores de
Jeová', de cujo exército faz parte (cf.os textos transcritos em Rudolfo Venditi,
op.cit.,p.180 ss.).
Ora, se o reconhecimento do direito à objecção de
consciência na Constituição implica a distinção entre os casos em que o direito
é reconhecido e aqueles em que não é, esse reconhecimento não se faz em função
dos fundamentos invocados para a objecção, mas sim em função do carácter
fundamental da mesma. Com efeito, o direito à objecção de consciência decorre da
basilar dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição) apenas quando o
não reconhecimento do imperativo de consciência implica a violação da
integridade moral da pessoa, que a Constituição considera inviolável (artigo
25º, nº1). Não se trata, portanto, do conflito entre a vontade da minoria e a
vontade da maioria, que é interno ao princípio democrático, e que se resolve,
sem prejuízo do pluralismo de expressão e de organização política democráticas,
pelo dever geral de obediência à lei, a que estão subordinadas as minorias.
Trata-se do conflito entre os dois princípios basilares da Constituição, o da
vontade popular e o da dignidade da pessoa humana, que se verifica quando a lei
democrática entra em conflito com a norma estruturante da integridade moral da
pessoa, que se considera ditada pela consciência individual.
Ora o carácter estruturante da integridade moral não
depende da conformidade com o conteúdo da Constituição e das leis, mas da
formação da personalidade individual. A Constituição reconhece o direito de
objecção de consciência ao 'fundamentalista', religioso ou outro, não por causa
da compatibilidade constitucional das normas que ele invoca, mas por
considerar estas estruturantes da sua integridade moral. Este fundamento do
direito à objecção de consciência não impede que esteja sujeito às restrições
aos direitos fundamentais permitidas pela Constituição (artigo 18º).
O entendimento constitucional assim exposto é
confirmado pela história constitucional anteriormente descrita, em que a
inviolabilidade da consciência é pensada como inviolabilidade da integridade
moral do indivíduo, integridade que se considera tradicionalmente posta em causa
para aquelas pessoas que consideram como suprema norma do agir de origem
religiosa, a proibição incondicional, isto é, sem excepções, de matar e, por
isso, recusam o porte de armas e o serviço militar. A história constitucional é
ela própria a continuação de uma mais antiga história das ideias, em que avultam
o reconhecimento por S. Paulo da consciência individual como a fonte da lei
suprema do agir, coincidente com a própria lei revelada por Deus, para aqueles
que não receberam esta revelação (cf.Rom. 2, 14-15 : 'Eles são a lei para si
mesmos. A voz da sua consciência ensina-lhes o que devem fazer'); a invocação da
consciência, como fundamento da desobediência eclesiástica e civil em matéria
religiosa, feita por Lutero na dieta de Worms de 1521 e pelos príncipes
protestantes na dieta de Espira de 1529, que está na origem histórica do
protestantismo (cfr. Marc Lienhard em Jean-Marie Mayeur et al.,Histoire du
Christianisme, VII, Desclée, 1994, p.702,732); e a anteriormente citada
declaração sobre a liberdade religiosa do Concílio Vaticano II. Quanto à
objecção de consciência ao serviço militar, não pode deixar de mencionar-se que
a interpretação incondicional da proibição de matar como base da objecção é
frequente no cristianismo pré-constantiniano, explica historicamente em parte a
isenção do serviço militar do clero (cfr.Rudolfo Venditi, op.cit, p.39 ss.) e
está na base das objecções de consciência, por vezes «totais», de certas
confissões protestantes, como os menonitas, os 'quakers', as quais já foram
reconhecidas pelo absolutismo esclarecido (cfr.Ernst-Wolfgang Böckenförde,'Das
Grundrecht der Gewissensfreiheit', (1970), Staat, Verfassung, Demokratie,
1991, Frankfurt am Main, p.206 s.) e novamente nos Estados Unidos , no Canadá
e na Grã-Bretanha durante a conscrição geral da primeira guerra mundial (cfr.
Walter Guest Kellog, The Conscentious Objector, New York, 1919, reimp. 1970).
Este entendimento é ainda o que corresponde à
jurisprudência constitucional e à doutrina alemãs, que são aqui
particularmente relevantes, em face da já apontada influência histórica da
Lei Fundamental. Assim o Tribunal Constitucional alemão definiu 'decisão de
consciência' como 'qualquer séria decisão ética, isto é, orientada pelas
categorias de bem e de mal, de que o indivíduo tem uma experiência interna como
vinculante para si próprio e incondicionalmente obrigatória, de tal modo que não
poderia agir contra ela sem séria coacção de consciência' (BVerfGE 12, 45,55;
cf. BVerfGE 62, 1,22). Da mesma concepção tem a melhor doutrina justamente
tirado duas consequências : primeiro, não se protege contra a lei a liberdade
de agir de acordo com a consciência mas garante-se a imunidade perante a lei de
ser coagido a uma decisão insuportável para a consciência. Como diz Böckenförde
'como instância imperativa como 'apelante', a consciência só entra em acção
quando a personalidade como tal, na sua identidade, está criticamente
ameaçada ('não posso ser um daqueles que faz isto')' (lug.cit., p.243; no mesmo
sentido Niklas Luhmann, 'Die Gewissensfreiheit und das Gewissen' (1965),
Ausdifferenzierungen des Rechts, Frankfurt am Main, 1981, p. 326 ss); segundo,
'as questões de consciência não podem ser de qualquer modo limitadas, nem pelo
objecto nem pelo conteúdo da consciência, nem por fundamentos e motivos'
(Böckenförde, lug. cit.,p.242); 'o titular do direito fundamental determina ele
próprio - nos limites da ordem jurídica do Estado constitucional, que delimitam
todo o exercício da liberdade - o conteudo, a dignidade e o valor da sua
própria liberdade ' (Herbert Behtge, 'Gewissensfreiheit' em Isensee, Kirchhof,
Handbuch des Staatsrechts,VI, Heidelberg, 1989,§ 137, 7). É certo que o
Tribunal Constitucional alemão tem admitido que a própria Lei Fundamental
impõe limites de conteúdo ou fundamentação da objecção de consciência ao
serviço militar, ao exigir (cf Behtge, op.cit.,§ 137, 56) que a objecção se
funde na proibição da consciência de fazer qualquer tipo de guerra, ainda que
eventualmente condicionada temporalmente pela forma das guerras
contemporâneas (qualquer tipo de guerra nos nossos dias), mas estes limites
poderão ainda compaginar-se com a doutrina geral, na medida em que uma objecção
a uma guerra determinada, por razões político-morais circunstanciais, não tem o
mesmo carácter fundamental, sendo seguro que nos casos de guerra de agressão
ou criminosa seriam invocáveis os direitos de desobediência civil ou de
resistência.
Sendo estes os fundamentos do direito à objecção de
consciência ao serviço militar, não pode deixar de entender-se que o objector ao
serviço militar não deixa de o ser por ser também objector ao serviço cívico, ou
por ser idêntico o fundamento invocado pelo objector para objectar quer à
obrigação de serviço militar, quer à obrigação substitutiva de serviço cívico.
Mesmo que se entenda que a Constituição não dispensa o objector do cumprimento
da obrigação substitutiva, ou até que impede qualquer espécie de relevância
desta segunda objecção de consciência, não deixaria de existir uma objecção de
consciência ao serviço militar, com fundamento num imperativo absoluto de
consciência, de origem religiosa. A circunstância de este imperativo religioso
estar em contradição com a Constituição não impede que a sua violação implique
uma séria coacção da consciência que viola a integridade moral do objector e
que por este último fundamento a Constituição admita a objecção de consciência
ao serviço militar. O não reconhecimento neste caso do estatuto de objector ao
serviço militar implicaria uma injustificada diferença de tratamento com
importantes consequências penais (cf. super, nº 5), relativamente a outros
objectores por diverso fundamento subjectivo, mas por idêntico fundamento
constitucional.
A opinião vencedora no presente acórdão, ao pretender
que o objector 'não deixa de sentir um certo grau de constrangimento se se lhe
reconhecer o direito ao estatuto de objector de consciência' e ao reconhecer
apenas como bons aqueles objectores que 'reconhecem ser a defesa da Pátria um
dever que, por isso, querem cumprir', está a distinguir entre bons e maus
objectores, a fazer uma inquisição de consciência e uma outra imposição de
consciência, tudo contra o espírito do direito à objecção de consciência, como
se desenvolveu historicamente.
O objector total não recusa cumprir uma única obrigação
de defesa da Pátria, que tem forma alternativa, de serviço militar ou de serviço
cívico. A obrigação de serviço cívico é outra obrigação substitutiva, resultante
do afastamento da obrigação de serviço militar por objecção de consciência. Não
é uma obrigação alternativa à escolha do cidadão : é uma nova objecção, por
desvinculação da obrigação originária, desvinculação consequente do exercício do
direito à tolerância, concretizado no direito à objecção de consciência.
Devem, pois, considerar-se violados os artigos 41º, nº 6
e 276º, nº 4 da Constituição, por negação do estatuto de objector de
consciência ao serviço militar.
D) A violação do artigo 18º, nº 2 da Constituição, por
restrição desnecessária de direito fundamental.
Já atrás se demonstrou que, segundo a intenção
histórica da legislação constituinte, o nº 6 do artigo 41º não consagra uma
verdadeira reserva de lei, não só no sentido, comum aos restantes direitos
fundamentais, de a sua aplicabilidade imediata não depender da existência de
lei regulamentadora (nº 1 do artigo 18º), mas no sentido de que a Constituição
não permite o estabelecimento de excepções ou restrições à própria existência
desse direito, que não resultem da própria definição constitucional do seu
conteúdo, mas admite apenas a regularização do seu exercício, isto é, permite
apenas leis de garantia de exercício, nomeadamente leis processuais relativas
ao modo de exercício, sem prejuizo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18º.
A necessidade de leis processuais relativas ao modo de
exercício resulta, desde logo, de o direito à objecção de consciência ao serviço
militar, não obstante a sua superior hierarquia constitucional, estabelecer uma
excepção à regra do serviço militar obrigatório do artigo 276º (esta, sim,
sujeita a reserva de lei). Torna-se, assim, necessário, regulamentar o exercício
da excepção, pelo que se trata, neste sentido, de 'um direito procedimentalmente
dependente' (cfr. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p.246; Gomes Canotilho, «Tópicos de
um Curso de Mestrado sobre Direitos Fundamentais. Procedimento, Processo e
Organização», Boletim da Faculdade de Direito, 66, Coimbra, 1990, p.163 e 167).
Por outro lado, são ainda normas legais que garantem o
exercício do direito aquelas que visam apurar a seriedade e o conteúdo da
objecção de consciência.
Não se trata nas duas espécies de normas de garantia de
exercício, que se acabam de referir, de restrições ao direito fundamental,
embora estejam ligadas a condicionamentos do exercício que são verdadeiras
restrições. Estes não podem, por identidade de razão, deixar de estar sujeitos
ao regime dos nºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição.
O presente acórdão invoca precisamente a distinção entre
condicionamento e restrição para se eximir à demonstração da necessidade da
restrição. A declaração da disponibilidade para cumprir o serviço cívico seria
'um ónus cujo preenchimento condiciona o exercício do direito. Este não sofre,
em si, qualquer compressão'. Não se trataria, portanto, de uma restrição, visto
que esta 'supõe uma compressão interna do próprio direito, retirando-lhe
possibilidades dantes consentidas no seu âmbito e diminuindo as faculdades ali
previstas, seja para uma certa categoria de pessoas, seja para todas as pessoas
desde que verificada uma certa situação de facto'. Mas é o próprio acórdão que
reconhece que com a exigência da declaração 'pretende-se obstar a que o estatuto
de objector de consciência seja reconhecido a quem é objector total'. Mas este
resultado é a compressão total do direito para uma certa categoria de pessoas,
uma vez que lhes retira todas as possibilidades ligadas ao estatuto de objector
de consciência, ao impedi-las de adquirir o próprio estatuto, que é o conteúdo
próprio do direito à objecção. A exigência de declaração não pode, pois, deixar
de considerar-se uma restrição, segundo a própria terminologia do acórdão. A
circunstância de o objector total poder deixar de o ser e de então poder,
eventualmente, adquirir o estatuto, fazendo a declaração, só demonstra de novo o
alcance da restrição: só deixando de pertencer à categoria das pessoas com
objecção de consciência a que a restrição se aplica - os objectores totais, que
não fazem a declaração exigida -, se poderá no futuro adquirir o estatuto.
Convirá, aliás, retomando o fio do discurso
interrompido, esclarecer porque se disse que o condicionamento não deixa de
estar sujeito às regras do artigo 18º para as restrições. Desde logo, do ponto
de vista semântico, é indiferente que uma 'cláusula limitativa' de uma norma
seja formulada como uma excepção ou restrição, ou como uma condição (o que já
foi demonstrado por Bentham, Of Laws in General, 1970, p.112). Tanto faz dizer
que 'se não fizer a declaração, o objector não adquire o estatuto', como dizer
'o objector adquire o estatuto, excepto se não fizer a declaração'. Assim se
compreende que o Acórdão nº 99/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11,
pp.785 ss.,800), tenha dito, citando Vieira de Andrade (Os direitos
fundamentais, 2ª ed., 1987, p.228)'que não é possível definir com exactidão, em
abstracto, os contornos das duas figuras', pelo que a distinção 'é
fundamentalmente prática'. Ora a diferença prática aqui relevante só pode ser a
de fazerem ou não sentido, quanto à norma em causa nessa parte, as cautelas
constitucionais contra as leis restritivas (cfr. Vieira de Andrade, ob. cit.,
p.230 e ss.). Essas cautelas não têm sentido quanto às normas meramente
concretizadoras, reguladoras ou configuradoras, mas têm todo o sentido quanto a
comandos, proibição e ónus, que impedem a realização de um direito fundamental.
Só delimitando assim os conceitos se assegura que nenhuma restrição se subtraia
à necessidade de justificação constitucional (cfr., neste sentido, Alexy,
Theorie der Grundrechte, 1986 (1985), p. 303, ss.)
A anterior jurisprudência deste Tribunal confirma volens
nolens esta doutrina. O Tribunal considerou serem restritivas e não apenas
condicionantes do direito à liberdade de expressão as normas que exigiam
autorização camarária prévia para propaganda político eleitoral (Acórdão nº
74/84, Acórdãos cit., 4, pp.49 ss., 60 ss.) e licença camarária para o uso de
meios de amplificação sonora para falar do aumento de custo de vida (Acórdão nº
201/86, Acórdãos cit., 7-II, pp.933 ss., 941 ss.), e considerou serem
condicionamentos e não restrições do direito fundamental ao conhecimento e ao
reconhecimento da paternidade e da maternidade certos prazos de propositura de
acção de investigação de paternidade ou maternidade (Acórdãos nº 99/88, 413/89,
451/89, 370/91, respectivamente em Acórdãos cit., 11, pp.785 ss., 800 ss.;
Diário da República, II, de 15-9-1989, pp. 9244 ss., 9247; Acórdãos cit., 13-II,
pp. 1321 ss., 1327 ss; Diário da República, II, de 2-4-1992, pp. 3112 (2 ss., 3
s.)), mas não deixou de argumentar, 'como sucede nas restrições de direitos', na
expressão do Acórdão nº 99/88, ponderando outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos. E o mesmo fez no Acórdão nº 474/89, quanto à
liberdade de escolha de profissão (Acordãos cit., 14, pp.77 ss., 83 s.) e de
iniciativa privada, relativamente à proibição de ser agente de seguros ou sócio
de mediador pessoa colectiva, imposta aos trabalhadores de seguros em situação
de reforma ou pré-reforma, auferindo pensão complementar de reforma, o Tribunal
considerou que 'uma regulamentação legal condicionante ou restritiva' tem sempre
que respeitar os limites que a Constituição, no seu artigo 18º, nºs 2 e 3 põe,
em geral, às normas restritivas de direitos.
No caso presente, impedindo a exigência de declaração da
disponibilidade para cumprir o serviço cívico a realização do direito à objecção
de consciência, têm todo o sentido as cautelas constitucionais, pelo que não há
dúvida de que é uma restrição.
Assim sendo, deve negar-se a necessidade da declaração
expressa da disponibilidade do declarante para cumprir o serviço cívico
alternativo, exigida, para a obtenção do estatuto de objector de consciência,
pela alínea d) do nº3 do artigo 18º da Lei nº 7/92. Com efeito, não é
processualmente necessária para a atribuição do estatuto, uma vez verificado,
nos limites dos próprios artigos 41º, nº6 e 27º, nº6 da Constituição, o
conteúdo da objecção. E a seriedade da declaração é suficientemente garantida
pela equivalente duração e penosidade do serviço cívico, a cuja prestação o
objector fica obrigado independentemente da declaração. Além de que tal
seriedade admite outros meios de prova, como é, no caso das testemunhas de
Jeová, a própria pertença à confissão religiosa, a qual, como reconheceu a
Comissão Europeia dos Direitos do Homem, dado o conjunto de regras de
comportamento, cobrindo vários aspectos da vida social, a que estão sujeitos os
membros, e o forte controle social da comunidade que garante o cumprimento
delas, é forte indicação quanto à autenticidade e seriedade das motivações de
objecção de consciência (Decisão de 11 de Outubro de 1984, Queixa nº 10410/83,
DR, 40, p. 203).
A objecção de declarar a disponibilidade para o serviço
cívico não é implicada pelo requerimento do estatuto de objector de consciência.
A sujeição a este estatuto pode traduzir-se na voluntária sujeição à punição
nele prevista para a não prestação do serviço cívico, sujeição que é, no caso
das testemunhas de Jeová, a prova mais evidente da seriedade da objecção. A
declaração implica para elas um ónus insuportável, por implicar, em si mesma,
uma violação de consciência. A declaração não é só desnecessária para
salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos,
como implica a sua violação.
Deve, pois, concluir-se pela desnecessidade do ónus da
declaração de disponibilidade para o serviço cívico, pelo que a alínea d) do nº
3 do artigo 18º da Lei nº 7/92 viola o nº 2 do artigo 18º da Constituição.
E) A questão de violação do artigo 41º, nº 6, quanto à
objecção de consciência ao serviço cívico.
Pode perguntar-se se a generalização do direito à
objecção de consciência, operada na revisão de 1982 pelo nº 6 do artigo 41º, não
implica um direito de objecção da consciência à obrigação do serviço cívico,
imposta aos objectores de consciência ao serviço militar pelo nº 4 do artigo
276º da Constituição. Se o objector de consciência ao serviço militar também
puder ter o direito de objecção de consciência ao serviço cívico, a obrigação
imposta pelo nº 3, alínea d) do artigo 18º da LOC de declarar a disponibilidade
para o cumprimento deste, violaria relativamente a tais objectores, o nº 6 do
artigo 41º da Constituição.
A questão é de ponderar, dada a superior dignidade
constitucional, em princípio, do nº 6 do artigo 41º, relativamente ao artigo
276º que o restringe. Deve, porém, entender-se que o nº 4 do artigo 276º
integra o regime do direito à objecção de consciência, quanto ao serviço
militar, sendo uma disposição que integra o conteúdo de um direito fundamental.
A redacção originária do nº 6 do artigo 41º era reveladora a este respeito pois
integrava na mesma disposição o direito à objecção e à obrigação substitutiva. A
transferência desta parte do preceito - abstraindo das alterações do conteúdo -
para o artigo 276º em 1982 obedeceu a razões sistemáticas, mas não a uma
intenção de degradação valorativa da norma. A jurisprudência constitucional
alemã sobre a objecção de consciência ao serviço cívico por parte das
testemunhas de Jeová acentuou, de modo semelhante, que o direito fundamental da
liberdade de consciência não autoriza à recusa do serviço cívico (BVerfGE
19,135; 23,132). O que nesta jurisprudência se diz do direito mais geral da
liberdade de consciência vale evidentemente para o direito geral à objecção de
consciência, que a nossa Constituição, indo mais longe que a alemã, em 1982
explicitamente reconheceu.
Não há dispensa da obrigação substitutiva do serviço
militar sem ofensa do nº 4 do artigo 276º e do princípio da igualdade (neste
sentido se pronunciou em obiter dictum o Acórdão nº 65/91, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 18, p.407, ss.). O objector total não é reconhecido pela
Constituição, no sentido de que continua sujeito à obrigação substitutiva da
prestação do serviço cívico. Mas isto não impede, obviamente, que seja
reconhecido, já não como objector total, mas como objector ao serviço militar,
ao contrário do que pretende o presente acórdão, que dá aqui um salto lógico,
que o deixa desacompanhado da mencionada jurisprudência alemã.
Isto não quer tão pouco dizer que a prestação do serviço
cívico não possa ter formas alternativas, algumas das quais sejam aceitáveis
para objectores totais como as testemunhas de Jeová, desde que ressalvado o
princípio da equivalência de duração e penosidade com o serviço militar
obrigatório. Sendo menor a penosidade quotidiana do serviço, a 'equivalência de
duração e penosidade' será então alcançável por maior duração efectiva, não
esquecendo que a ocupação num quartel é de vinte e quatro horas e a ocupação
laboral normal é de oito horas. Não seria inconstitucional uma lei que
considerasse como serviço cívico o serviço de vários anos como bombeiro, ou o
trabalho, através de contratos de trabalho normais, em estabelecimentos de
saúde. Foi a solução encontrada na Alemanha, tendo em vista as testemunhas de
Jeová, pelo §15 da Lei do Serviço Cívico (Ersatzdienstgesetz), introduzido pela
lei de alteração de 14.8.1969, que dispõe : «Relação de trabalho livre. 1. Pode
ser dispensada a convocatória para o serviço cívico, quando o reconhecido
objector de consciência ao serviço militar armado está impedido, por razões de
consciência, de prestar serviço substitutivo, está contudo, empregado, ou passa
a empregar-se voluntariamente numa relação de trabalho com tempo normal de
trabalho num estabelecimento de saúde. 2. Se ele comprovar até completar vinte
e três anos de idade que esteve empregado numa tal relação de trabalho durante
pelo menos dois anos e meio, não será convocado para prestar serviço cívico».
Esta legislação foi certamente inspirada pelo artigo 12a da Lei Fundamental, o
qual dispõe que a lei sobre o serviço cívico 'não pode restringir a liberdade da
decisão de consciência', e que nesta parte não tem correspondência na
Constituição portuguesa. Mas idêntica inspiração se pode retirar do actual nº 6
do artigo 41º. O direito geral à objecção de consciência não pode ser invocado
para afastar o dever de prestar serviço cívico, mas pode sistematicamente
contribuir para a configuração constitucional desse dever.
Já seria inconstitucional a pura dispensa das
testemunhas de Jeová do serviço cívico, recomendada pelo Conselho da Europa e
consignada na Suiça e na Holanda por exemplo (cf. Ben Vermeulen, «Portée et
limites de l'objection de conscience», Conseil de l'Europe, ed.,Liberté de
conscience, Strasburg, 1993, p.94 ss.).
José de Sousa e Brito
Proc. nº 390/95
Plenário (1ª Secção)
Rel: Cons. Monteiro Dinis
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Discordámos da solução adoptada pela maioria do
Tribunal, no acórdão que obteve vencimento, quanto à questão de
constitucionalidade da norma impugnada no presente recurso, considerando que tal
norma viola a Constituição.
Referiremos, embora brevemente, as razões da nossa
discordância.
2. A tese central do Acordão consta do seguinte
passo (ponto 4):
'O direito à objecção de consciência há-de conformar-se com a obrigatoriedade
de prestação do serviço cívico sucedâneo do serviço militar armado, situando-se
neste ponto de confluência a conciliação entre a «autonomia individual e o dever
fundamental de solidariedade».
Neste contexto, a exigência contida na norma do artigo 18º, nº 3, alínea d),
da Lei nº 7/92, não deve ser entendida como significando restrição do direito à
objecção de consciência que se concretiza num plano diferente daquele a que a
declaração de disponibilidade se reporta: a objecção de consciência é oposta ao
serviço militar armado, enquanto a disponibilidade do objector se reporta à
prestação constitucionalmente obrigatória do serviço cívico.'
3. Contesta-se em absoluto esta tese central.
A Constituição, no seu artigo 41º, nº 6, estatui que
é 'garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei'.
Trata-se do direito fundamental de não cumprir
obrigações ou de não desenvolver actividades ou praticar acções que estão em
conflito com a consciência de cada um. De um ponto de vista histórico e como se
refere no voto de vencido do Exmo. Conselheiro Sousa e Brito, a objecção de
consciência surgiu face ao serviço militar obrigatório, formulada por jovens
pertencentes a confissões religiosas pacifistas, tendo acabado por ser
reconhecida por certos Estados, depois de contínuas repressões dos pacifistas em
diferentes países e momentos históricos.
A Constituição Portuguesa tornou evidente, sobretudo
após a revisão constitucional de 1982, que 'não reserva a objecção de
consciência apenas para as obrigações militares (cfr. art. 276º-4), nem somente
para os motivos de índole religiosa, podendo portanto invocar-se em relação a
outros domínios e fundamentar-se em outras razões de consciência (morais,
filosóficas, etc.). O direito à objecção de consciência está sob reserva de lei
(«... nos termos da lei»), competindo a esta delimitar o seu âmbito e
concretizar o modo do seu exercício.' (Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3º ed., Coimbra, 1993, pág. 245)
É por isso que estes comentadores consideram que o
exercício deste direito fundamental é um direito procedimentalmente dependente,
por exigir um procedimento ou reconhecimento do estatuto do objector de
consciência de forma a controlar a seriedade de motivos do requerente. E tal
procedimento organizado por lei há-de poder qualificar-se de justo, sob pena de
inconstitucionalidade.
O que a Constituição seguramente não autoriza é que,
sob a capa de um desiderato de natureza organizatória (organização do serviço
cívico), o legislador ordinário faça depender a aquisição do estatuto de uma
declaração de vontade do candidato de que está disposto a cumprir o serviço
cívico alternativo.
4. De facto, os objectores de consciência, como tais
reconhecidos, terão de prestar, por imposição constitucional, 'serviço cívico de
duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado'.
Contudo, e diferentemente do que se sustenta no
acórdão, não há um sinalagma constitucional, em termos de se poder dizer que só
se pode ser reconhecido como objector de consciência quando se esteja disposto a
prestar o serviço cívico substitutivo (contrapartida da aquisição do estatuto
que, a não ser assegurada, impede tal aquisição).
O que há é uma consequência constitucional: quem é
reconhecido como objector de consciência está sujeito à prestação do serviço
cívico. Se o não prestar quando para tal for convocado, ou se o deixar de
prestar durante o cumprimento do mesmo, incorrerá nas correspondentes sanções,
maxime penais, talqualmente sucede com o mancebo que é notado refractário ou com
o soldado que deserta das fileiras durante a prestação do serviço militar
obrigatório. A sujeição a sanções do mesmo tipo, designadamente penais, em ambos
os casos (serviço militar obrigatório e serviço cívico), só não resultará até da
imposição constitucional de uma equiparação entre ambos os institutos, quer
quanto à duração, quer quanto à penosidade.
5. Por estas razões, entendemos que o legislador
ordinário veio afrontar a Constituição ao fazer condicionar a aquisição do
estatuto de objector de consciência a um plus - ou, em rigor, a um aliud - não
previsto na Constituição.
Entre duas pessoas igualmente convictas, por razões
de natureza religiosa, moral ou filosófica, de que não devem pegar em armas
contra outros homens, o legislador distingue-os, reconhecendo o estatuto de
objector de consciência apenas àquele que se diz disposto a cumprir o serviço
cívico, e não o reconhecendo àquele que se opõe à própria declaração de
disponibilidade para prestar serviço cívico. Quer dizer, enquanto a Constituição
sujeita os objectores à prestação do serviço cívico, o legislador ordinário faz
ainda depender a aquisição do mesmo estatuto de uma declaração de vontade do
próprio candidato, permitindo declarações sob reserva mental dos candidatos
eticamente menos rigorosos e afastando do estatuto aqueles que têm maior
coerência moral, nomeadamente os objectores totais, a quem não deve ser exigido
o tal aliud, que se sabe de antemão que não será correspondido por um imperativo
de consciência.
Trata-se de uma verdadeira restrição
desproporcionada, visto que os objectores reconhecidos como tais ficariam todos
eles - independentemente do facto de subscreverem a declaração ou da genuinidade
da mesma declaração - sujeitos à prestação de serviço cívico, incorrendo nas
sanções previstas na lei se o não cumprissem.
6. Por último, a afirmação final do acórdão revela
uma contradição insanável nos seus próprios termos.
Se a exigência do legislador quanto à declaração tem
como finalidade pretender obstar a que o estatuto de objector de consciência
seja reconhecido a quem é objector total, em termos de evitar a violação das
'exigências de justiça feitas pelo princípio da igualdade de sacrifícios
públicos' (?), então essa declaração não é irrelevante ou neutra, nem pode
corresponder a uma qualquer 'declaração implícita' ou presumida de todos os
candidatos ao estatuto.
7. A realidade é que a Constituição, ao determinar
que «os objectores de consciência prestarão serviço cívico de duração e
penosidade equivalentes à do serviço militar armado», pretendeu claramente
afirmar que não reconhecia protecção à objecção total: isto é, o objector de
consciência ao serviço militar não se pode valer de uma concomitante objecção ao
serviço cívico, para efeitos de se furtar à prestação deste. Mas o que a
Constituição não pode ter pretendido, por tal não ter qualquer correspondência
no seu texto e ser ética e teleologicamente absurdo, é que o objector total,
para além de se lhe não reconhecer a objecção ao serviço cívico, seja colocado
na situação de também se lhe não reconhecer a objecção ao serviço militar
armado.
Ou seja: para a tese que obteve vencimento, quem
declare objectar apenas ao serviço militar obtém o estatuto. Mas quem objecte
simultaneamente ao serviço militar e ao serviço cívico, porque objecta de mais,
não só não obtém o estatuto de objector ao serviço cívico (este, sim, claramente
repudiado pela Constituição) como vê negado o próprio estatuto de objector ao
serviço militar, numa como que aplicação do aforismo popular «quem tudo quer,
tudo perde».
Ora, o que a Constituição estabelece, não só no nº 4
do artigo 276º, como no nº 3 do mesmo artigo, é que o serviço cívico constitui
uma obrigação decorrente - substitutiva - da não prestação do serviço militar:
obrigação a cumprir ex post e não ex ante.
Daí não serem irrelevantes, in casu, as diferenças,
no plano das consequências penais, no tratamento do objector que vê reconhecido
o estatuto, relativamente ao objector que, por se recusar a subscrever a
declaração exigida, não o obtenha; diferenças que não deixam de ser
impressionantes, como se acentua no voto de vencido do Exmo Colega Sousa e
Brito. É que essas diferenças traduzem a real importância prática da declaração,
independentemente de uma efectiva disponibilidade para a prestação do serviço
cívico: a situação jurídica de quem se recusa a prestá-lo na devida altura é
manifestamente distinta da de quem se recusa a declarar que prestará, assumindo,
por isso, a declaração em causa uma inegável relevância jurídica. Não se pode,
pois, negar a existência de uma verdadeira restrição, aliás - como vimos -
desproporcionada.
8. Face às razões expostas, votámos vencidos.
Luís Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Proc. nº 390/95
1ª Secção
Declaração de voto
Votei contra a tese do acórdão. Por ela se afirma que é conforme à
Constituição a exigência de uma declaração de disponibilidade para o
cumprimento do serviço cívico aos cidadãos que pretendem obter o estatuto de
objectores de consciência ao serviço militar.
Isso inverte, em meu entender, 'o sentido constitucional das coisas'.
Desde logo, porque a obrigação alternativa de prestação do serviço cívico é
alternativa. É alternativa à não prestação do serviço militar pelo objector
[sendo aqui objector aquele que adquiriu o estatuto e não o objector de facto,
pois que a Constituição não cria obrigações alternativas sobre um plano de
ilicitude]. Essa obrigação não está, assim, antes da consecução do estatuto de
objector de consciência, está depois, e as condições organizatórias do seu
exercício não deve o legislador remetê-las para fora dos quadros do serviço
organizado, o serviço alternativo! - porque sendo obrigação é logo
não-liberdade e sendo não-liberdade deve ser adequada e necessária, e também
porque daquele modo enquadrada potencia disfunções no resultado do não
cumprimento.
Que o artigo 276º, nº 4 da Constituição ['Os objectores de consciência
prestarão serviço cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço
militar armado'] deve ser lido na letra e com os tempos que prescreve
determina-o desde logo a sua ligação semântica à liberdade de consciência.
Internalizada pela ordem constitucional de valores, a liberdade de
consciência significa o reconhecimento da autonomia do indivíduo, da sua
qualidade de sujeito moral, de 'eu autónomo', e do papel do individualismo ético
no discurso dos direitos fundamentais. A fundação da objecção de consciência na
liberdade de consciência dita que a consecução daquele estatuto, é 'um bem em
si', um direito de o indivíduo pensar com a própria cabeça (Kant) e proclamar a
sua dissidência, apesar das vicissitudes de procedimento e obrigação que se
derivam da sistematicidade do Direito.
No enunciado do artigo 18º, nº 3, alínea d), da Lei nº 7/92, de 12 de Maio
['A declaração de objecção de consciência deve conter... d) a declaração
expressa da disponibilidade do declarante para cumprir o serviço cívico
alternativo'], o dever de declarar a disponibilidade para a prestação do
serviço alternativo está precisamente onde a liberdade de consciência exige,
pela própria pretensão de optimização, que o estatuto de objector adquira
protecção autónoma enquanto afirmação e sinal de dissenso. E, assim, está mal
aquele dever - porque limita o espaço da 'freedom to believe' na forma de
regulação espúria (porque fora de tempo) da 'freedom to act'. Em boa verdade, o
parâmetro regulador não é, aqui, a norma do artigo 276º, nº 4, da Constituição
em relação com a norma do artigo 41º, nº 6, mas em relação com a norma do artigo
41º, nº 1.
Sem dúvida que 'da importância subjectiva não se segue sem mais a importância
do ponto de vista da Constituição, mas a importância subjectiva é relevante para
a Constituição na medida em que o respeito que ela impõe às decisões e formas de
vida do indivíduo exige que não se intervenha sem razão suficiente' (Robert
Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main, 1986, pág. 325, nota 67).
Ora, na posição de ter o estatuto de objector se entrecruzam os princípios da
liberdade negativa e da dignidade. Essa posição vale com independência da
necessidade ulterior de compatibilizar acções, de estabelecer a concordância
prática com outros direitos.
A intervenção legislativa que ordena o procedimento de obtenção do estatuto
de objector de consciência ao serviço militar só pode requerer a comprovação da
sinceridade das convicções, da motivação pela consciência. Isso é um imperativo
da liberdade de consciência e do carácter de princípio da norma constitucional
que o consagra. O mais que exige a norma do artigo 18º, nº 3, alínea d), da Lei
nº 7/92 representa uma afectação na esfera privada realmente intensa.
O que confere desvalor a essa norma é, afinal, a sua inserção num espaço de
regulação que não convoca em primeira linha o princípio da inviolabilidade, mas
o da autonomia, que não convoca a conjugação de arbítrios mas a lei que
pressupõe - uma lei universal de liberdade.
Maria da Assunção Esteves