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Proc. nº 457/95
2ª Secção
Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Nestes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em
que figuram como recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., pelo
essencial dos fundamentos da Exposição de fls. 594/602, que mereceu a
concordância dos recorridos, não suscitando o recorrente, na resposta de fls.
608/611, qualquer questão nova não abordada na referida Exposição, decide-se não
tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas
respectivas, fixando-se em 5 unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 6 de Dezembro de 1995
José de Sousa e Brito
Bravo Serra
Guilherme da Fonseca
Messias Bento
Fernando Alves Correia
Luís Nunes de Almeida
EXPOSIÇÃO
(Artº 78º A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro - LTC)
1. Em processo comum afecto ao tribunal colectivo foi A.
condenado no Tribunal da Comarca de Santa Maria da Feira, pela prática de um
crime de abuso de confiança (artigo 300, nºs 1 e 2, alínea a) do Código Penal -
versão anterior ao DL nº 48/95, de 15 de Março), na pena de quatro anos e seis
meses de prisão.
Desta condenação recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça
(fls.364/368) imputando à decisão recorrida 'erro na apreciação da prova e
contradição insanável' (conclusão 1ª de fls.366 vº), discutindo a matéria de
facto dada como provada pelo tribunal colectivo e a respectiva relevância penal,
sendo a motivação do recurso omissa quanto à imputação a qualquer norma,
designadamente aos artigos 410.º e 433.º do Código de Processo Penal, de
violação de dispositivo ou princípio constitucional algum.
Da mesma forma, nas alegações escritas que produziu junto do
Supremo Tribunal de Justiça não invocou o recorrente qualquer questão e
inconstitucionalidade (v.fls.507/511-A).
Através de Acórdão de 22 de Fevereiro de 1995 (fls. 515/538) não
atendeu o Supremo Tribunal a pretensão do recorrente, mantendo a condenação e a
pena impostos na 1ª Instância. Nesse Acórdão, na parte que respeita ao presente
recurso, ponderou-se que, apontando-se à decisão os vícios indicados nas alíneas
c) e b) do nº 2, do artigo 410 do CPP, ao expôr os fundamentos desses vícios
deixava claro o recorrente resultarem estes da interpretação por ele dada à
prova produzida em julgamento. Ora, quanto a matéria de facto, frisou o Supremo
Tribunal de Justiça, estando em princípio excluída a sua reapreciação, a
relevância dos vícios das alíneas do artigo 410.º, nº 2 do CPP apontadas
dependia de as mesmas resultarem do texto da decisão. No caso, tratando-se
antes 'da conjugação do texto da decisão com a leitura que o recorrente faz da
prova produzida 'entendeu-se não ser possível a alteração da matéria de facto
no sentido pretendido.
Veio, então, o recorrente (fls. 555/556) arguir a nulidade deste
Acórdão, fundando-a na invocação da inconstitucionalidade dos artigos 433.º e
parte final do nº 2, do artigo 410.º do CPP, adiantando, para a hipótese de não
atendimento dessa nulidade, que interpunha desde logo recurso para o Tribunal
Constitucional.
O Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de fls. 575/579) julgou
improcedente a reclamação e não recebeu o recurso para o Tribunal Constitucional
por extemporaneidade.
É nesta sequência que surge o requerimento de fls. 587/588 contendo
o recurso para este Tribunal com invocação das alíneas b) e f) do artigo 70º da
LTC.
Eis os seus termos:
' - O Recorrente interpôs recurso do Acórdão de 1ª Instância que o condenou
suscitando a reapreciação da matéria de facto que esteve na base da sua
condenação.
- No douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça negou-se essa reapreciação
com o fundamento de ao Tribunal ser vedada a reapreciação da matéria de facto.
- Só neste acórdão foi levantada a questão, que o não tinha sido antes e daí
ter, também pela 1ª vez no processo surgido a questão da inconstitucionalidade
das normas invocadas, até aí não aplicadas.
- São tais normas os artigos 433º e a parte final do nº 2 do Artigo 410º,
ambos do Código de Processo Penal, invocados pelo douto acórdão Recorrido para
não conhecer das questões suscitadas pelo Recorrente.
- Os sobreditos normativos são inconstitucionais, por violação do disposto no
artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
- E, reafirma-se, a questão não foi suscitada antes porque não tinha que o ser,
já que o Recorrente ignorava se o S.T.J. no seu douto acórdão iria, ou não,
estribar-se em tais normas para não reapreciar a matéria de facto.
- Foi-o, em arguição da nulidade do acórdão que fez aplicação de tais
normativos.
- Já foi decidido pela inconstiitucionalidade, pelo menos, do artigo 665º do
CPP de 1929, com o mesmo fundamento e pelo mesmo vício.
2. Não obstante a admissão no tribunal a quo do recurso, entende o
ora relator não se encontrarem preenchidos os requisitos de acesso à jurisdição
constitucional.
Com efeito, a desconformidade constitucional das normas do CPP
referida pelo recorrente apenas aparece como argumento no requerimento de
arguição de nulidade do acórdão que apreciou o recurso interposto da decisão da
1ª Instância. Trata-se de momento consabidamente impróprio para esse efeito,
como o vem entendendo em linha jurisprudencial ' pacífica e uniforme 'este
Tribunal (Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lisboa 1994, pág.
331) e o argumento de que se não dispôs, em momento anterior, de oportunidade de
suscitar tal questão, não colhe, numa situação como esta.
Convém notar a este propósito que as normas em causa, os artigos
410.º nº 2 e 433.º do CPP, delimitam os poderes de cognição do Supremo Tribunal
de Justiça num recurso, como este, interposto de acórdão final proferido por
Tribunal colectivo, sendo a sua utilização, na decisão a recair sobre o recurso,
não só previsível como certa, para quem, e é esse o caso do recorrente, além de
imputar ao acórdão do colectivo na motivação (v. fls. 366 vº) os vícios
referidos nas alíneas b) e c) do artigo 410.º, pretendia discutir a matéria de
facto em termos substancialmente mais amplos que os resultantes da «revista
ampliada». A inconstitucionalidade do entendimento segundo o qual a apreciação
nesses termos da matéria de facto não era possível, constituía questão a colocar
desde logo (na motivação do recurso) ao tribunal ad quem, para assim, na
hipótese de não acolhimento, alicerçar o recurso posterior para este Tribunal,
ao abrigo da alínea b) do artº 70, nº 1 da LTC.
Não tem, pois, sentido a afirmação, constante do requerimento de
interposição do presente recurso, de que se ignorava se o Supremo Tribunal
'iria, ou não, estribar-se em tais normas para não reapreciar a matéria de
facto'. Em que normas se poderia estribar então, a não ser precisamente naquelas
que definem os respectivos poderes de cognição em matéria de facto ?
2.1. Da mesma forma não se verifica o fundamento de recurso de
constitucionalidade que o recorrente identifica como o da alínea f) do artigo
70º, nº 1 da LTC, querendo certamente referir-se, como se intui do requerimento
('já foi decidido pela inconstitucionalidade...'), à versão da LTC anterior à
Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, a alínea g), do nº 1, na versão actual.
Trata-se, nestas situações, de decisões aplicando norma já
anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional e
não de decisões aplicando normas 'parecidas' ou mesmo 'iguais' neste ou naquele
entendimento a outras normas já declaradas inconstitucionais (só assim se
explica a referência ao artigo 665.º do CPP de 1929).
Sem esquecer que nestes casos é necessário identificar a decisão
anterior no sentido de inconstitucionalidade - e o recorrente não o fez, importa
ter presente não existirem decisões nesse sentido relativamente às normas aqui
em causa. Pelo contrário, a posição deste Tribunal, relativamente aos artigos
433.º e 410.º, nº 2, do CPP e em geral relativamente ao sistema da revista
ampliada, tal qual o estabelece o CPP vigente, tem invariavelmente sido no
sentido da afirmação da sua conformidade às garantias de defesa asseguradas pelo
artigo 32 da Constituição (v. por ex., os Acórdãos nºs 253/92, DR-II, 27.10.92;
234/93, DR-II, 2.6.93; 322/93, DR-II, 29.10.93; 171 e 172/94, DR-II, 19.7.94).
Tratam-se de decisões obtidas por maioria e nas quais o ora relator se encontra
vencido (v., por ex., o Acórdão nº 322/93). Isso, porém, não apresenta
interesse na presente situação, havendo apenas que constatar a impossibilidade
de fundar um recurso de constitucionalidade, actualmente quanto a estas normas,
na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
3. Do que se referiu decorre não dispôr o presente recurso de
condições que possibilitem o seu conhecimento.
Ouçam-se, assim, as partes por cinco dias, nos termos do artigo
78-A, nº 1 da LTC, quanto a esta posição do relator.
Lisboa, 8 de Novembro de 1995
José de Sousa e Brito